A Alemanha, o país fascista que possuía a infra-estrutura mais avançada e as técnicas mais inovadoras, foi também aquele onde a mitificação do camponês atingiu as proporções mais delirantes. Por João Bernardo

oskar-martin-amorbachO camponês foi um dos mitos centrais do Terceiro Reich, mas para compreendermos o plano em que este mito se radicou devemos recordar que, contrariamente à maior parte dos outros fascismos, em que predominava o populismo social e económico, o fascismo hitleriano teve um carácter mais racial do que social. Em Maio de 1930, numa acerba discussão com Otto Strasser, um dos expoentes da extrema-direita populista, Hitler proclamou que «as únicas revoluções são as revoluções raciais; não pode ocorrer uma revolução política ou económica ou social — o que há sempre e apenas é a luta da camada mais baixa de raça inferior contra a raça superior dominante, e esta perde a partida se esquecer as leis da sua existência». E após ter tomado o poder, Hitler repetiu a um dignitário nazi que «qualquer política que não tenha uma base biológica ou objectivos biológicos é uma política cega».

Porém, até meados de 1934 o partido nacional-socialista teve uma vertente social, onde dominava a segunda figura do partido, Gregor Strasser, e uma vertente racial, centrada na Baviera, onde dominava Hitler e pontificava Alfred Rosenberg, o doutrinador oficial. A ascensão eleitoral dos nazis não se deveu à ala racista de Hitler mas à ala populista de Gregor Strasser, predominante no grupo parlamentar, que formulava as propostas de política económica. Isto significa que os votos de um número crescente de alemães foram mais atraídos pelo populismo do que pelo racismo. Até o anti-semitismo comum na extrema-direita germânica foi revisto e atenuado pela ala populista do nacional-socialismo. Gregor Strasser não revelou nenhum tipo de racismo que o distinguisse da generalidade dos membros das classes dominantes europeias daquela época. Por seu lado, Ernst Röhm, que durante os períodos em que chefiou as SA (Sturmabteilung, Secções de Assalto) foi uma das figuras mais influentes do partido nacional-socialista, jamais manifestou traços de anti-semitismo, e parece ter procurado refrear a política defendida por Hitler relativamente aos judeus. Mas o sangrento expurgo ocorrido na noite de 30 de Junho para 1 de Julho de 1934 liquidou os defensores de Gregor Strasser, que nessa altura já havia sido expulso do partido e foi assassinado, assim como liquidou Röhm e os seus fiéis e marginalizou as SA em benefício dos SS (Schutzstaffeln, Esquadrões de Protecção). Foi a partir de então que o nacional-socialismo se converteu num fascismo estritamente racial.

Criados primeiro como uma milícia pessoal de Hitler, os SS resumiam-se a 100 ou 200 homens em 1926 e a pouco menos de 300 em 1929, mas eram já 2.000 em 1930, 10.000 em 1931 e ultrapassavam os 50.000 por ocasião da tomada do poder, em Janeiro de 1933. Esta milícia foi convertida no principal instrumento de selecção biológica do nacional-socialismo. Recrutando os membros consoante critérios raciais e condicionando-lhes os casamentos também segundo critérios raciais, os SS pretenderam constituir uma elite biológica no interior de uma raça nórdica mais ampla, que desse lugar a uma verdadeira raça de senhores. Racismo e elitismo confundiam-se numa mesma política entendida como biologia aplicada. Podemos avaliar a dimensão deste processo ao sabermos que o número de membros dos SS subiu de 210.00 em 1936 para 350.000 em 1939 e 432.000 no ano seguinte, e que pelos Waffen SS (SS Armados), as forças militares daquela milícia, haviam passado 750.000 homens no Verão de 1942, atingindo-se os 900.000 no final da guerra.

Walter Darré
Walter Darré

Inicialmente foi sobretudo no campesinato que os SS pretenderam encontrar recrutas, consoante a orientação estipulada por Walter Darré. Amigo íntimo de Alfred Rosenberg, o doutrinador oficial do nazismo, Darré filiara-se no partido nacional-socialista em 1930 e fora nomeado conselheiro de Hitler para as questões agrícolas. Nessa época era muito estreita a colaboração entre Heinrich Himmler, Reichsführer SS, ou seja, chefe supremo dos SS, e o seu subordinado, o Obergruppenführer SS Darré, que desde o final de 1931 ficou encarregado do Departamento Central de Raça e Colonização dos SS. Em seguida, desde o Verão de 1933 até 1942, Darré foi Führer dos Camponeses do Reich e ministro dos Abastecimentos e da Agricultura.

wisselSegundo Walter Darré, a população sedentária que compunha o mundo agrário fora o elemento fundador da raça nórdica e continuava a fornecer-lhe o esteio mais sólido e duradouro, em contacto orgânico com a terra, regada pelo sangue dos antepassados. Os camponeses e os proprietários rurais, entre quem teriam outrora surgido os guerreiros e os nobres, seriam ainda a força vital da raça nórdica e deles haveria de renascer a nobreza de sangue, fortalecendo-se a nova raça de senhores. «Tal como a classe camponesa alemã é a fonte inesgotável do germanismo, devendo por isso beneficiar de um tratamento especial», teria declarado Darré a um grupo restrito de dirigentes do partido nacional-socialista no Verão de 1932, «será também necessário garantir a segurança perpétua da nova nobreza e defendê-la da degenerescência, submetendo-a às leis mais estritas da selecção biológica e ligando-a à terra de maneira muito especial. […] Desde o início do novo sistema que os membros da classe dirigente do partido que ainda não tiverem vínculos rurais deverão assumir a direcção de uma “fazenda da nova nobreza”, convertida em propriedade familiar hereditária. Daí em diante os chefes políticos do movimento deverão ser escolhidos unicamente entre os membros desta nobreza, instrumentos seleccionados do domínio mundial alemão». Já Hitler, em Mein Kampf, considerara o campesinato como o sustentáculo da raça e Rosenberg escrevera no mesmo sentido. O tema não era exclusivamente germânico, mas Darré converteu numa estratégia racial o que para outros constituía apenas a resolução de um dilema social. Heinrich Himmler, ainda para mais sendo agrónomo e membro do Conselho dos Camponeses do Reich, partilhou a mesma opinião e, como disse em 1937, também ele se julgava «pelos antepassados, pelo sangue e pelo temperamento um camponês». E no ano anterior afirmara que «a concepção de sangue defendida pelos SS está indissoluvelmente ligada à crença no valor do solo e no seu carácter sagrado».

himmler
Heinrich Himmler

Todavia, surgiu então uma discordância. Himmler começara a interessar-se pelo recrutamento sistemático dos principais empresários, dos principais gestores, dos membros mais proeminentes das profissões liberais. E como as normas de recrutamento dos SS constituíam elas mesmas um processo de depuração racial, não seria possível escamotear indefinidamente a contradição entre o quadro de selecção arcaico e rural defendido por Darré e o quadro moderno e urbano em que Himmler passara a empenhar-se. Os interesses específicos da tecnocracia SS, sobretudo quando ela adquiriu o domínio absoluto nos territórios conquistados a Leste do continente, deram azo a conflitos sérios quanto às modalidades de colonização e precipitaram para o plano prático hostilidades que até então haviam podido disfarçar-se em termos ideológicos, comprometendo a antiga convergência de pontos de vista entre Himmler e Darré. Pelo menos, com os dados de que disponho, é desta maneira que interpreto uma questão ainda controversa entre os historiadores. Obrigado em 1942 a abandonar a direcção do Ministério da Agricultura, Walter Darré foi também substituído na chefia do Departamento de Raça e Colonização dos SS.

sepp-hilzA preservação racial dos camponeses, no entanto, nunca deixou de ser defendida até ao final do Terceiro Reich e, mesmo depois de eles terem sido secundarizados enquanto base de recrutamento da nova elite racial, a agricultura familiar continuou a ser promovida cultural e economicamente.

O regime nacional-socialista sustentou uma classe de pequenos agricultores com custos tão pesados que entre 1934 e 1939, enquanto os orçamentos ministeriais aumentaram em média cerca de 170%, o Ministério da Agricultura viu o seu orçamento crescer cerca de 620%, ultrapassado apenas pelos ministérios dedicados à preparação militar e à repressão. Mesmo depois de começada a guerra, só três ministérios dispuseram de um orçamento superior ao do Ministério da Agricultura. Para firmar a nova ordem sobre uma base social e racial estável foi promulgada em 1933 uma lei, completada por um decreto três anos depois, que instaurou o sistema de morgadio em terras de pequenas dimensões, e em 1938 praticamente um terço da superfície cultivada obedecia a este sistema. Mas apesar de todos os esforços o número dos pequenos camponeses não cresceu significativamente, pois a lei de 1933 destinada a facilitar o desmembramento das grandes propriedades apenas proporcionou a instalação em terras próprias de um pouco menos de cinco mil famílias em 1935 e de mil e quatrocentas em 1938. Também na organização global da economia não progrediu a parte devida ao sector rural, desfavorecido pelos movimentos relativos dos preços agrícolas e industriais. No Reich nacional-socialista os camponeses desempenharam um papel muito mais notável nas fábulas raciais do que na vida real. «Quando os políticos idealizam o trabalho rural, estão sempre a ser hipócritas», anotou Victor Klemperer na entrada de 19 de Julho de 1937 do seu diário.

Por todo o lado a mitificação do camponês serve de biombo a uma política decididamente urbana e a industrialização prossegue ao som da lira campestre. Em regra, quanto mais uma se desenvolve no plano económico e social tanto mais se faz ouvir a outra no plano ideológico. Por isso a Alemanha, o país fascista que possuía a infra-estrutura mais avançada e as técnicas produtivas mais inovadoras, foi também aquele onde a mitificação do camponês atingiu as proporções mais delirantes. Quem observe a pintura executada no Terceiro Reich e imposta pelo gosto oficial tem de fazer um verdadeiro esforço para recordar que se estava numa das nações mais industrializadas do mundo e que o nazismo fora posto no poder para atingir taxas de crescimento económico muito elevadas. Não só a indústria era geralmente excluída da representação pictórica, identificando-se o mundo do trabalho com o meio rural, mas além disto os camponeses eram mostrados a manejar apenas instrumentos arcaicos, nunca usando a maquinaria agrícola, sem a qual a exploração moderna da terra teria sido impossível. Se bastava o lugar ocupado pelo campesinato na pintura do Terceiro Reich para mitificar a sociedade da época, a maneira como o camponês era figurado constituía uma mitificação suplementar. Tratava-se aqui estritamente de processos ideológicos.

werner-peinerComo não podia deixar de suceder no fascismo, onde a política era concebida enquanto acção estética, a ideologia apresentava-se como uma encenação. A ecologia serviu de pano de fundo no enorme palco de massas em que Hitler convertera o seu Reich, alcançando uma dimensão tanto maior quanto era necessário que cobrisse uma sociedade intensamente industrializada. Até à sua morte acidental nos princípios de 1942, Fritz Todt foi um dos principais personagens do regime. Encarregado de dirigir a construção de auto-estradas e criador da colossal Organização Todt, uma empresa de obras públicas de carácter paramilitar ligada directamente ao partido nacional-socialista, Todt procurou harmonizar a indústria e o meio ambiente, esforçando-se por integrar as grandes vias de comunicação na paisagem, ao mesmo tempo que impôs normas estritas de preservação da natureza e de manutenção do equilíbrio ecológico. «Na Alemanha, o objectivo final da construção de auto-estradas não é o mero serviço de transporte», proclamou ele. «A auto-estrada alemã deve exprimir a paisagem que a rodeia e exprimir a essência alemã».

E que essência era essa? Foi através da ecologia que os nacionais-socialistas inseriram o racismo num quadro ideológico e prático mais vasto. E de nada vale os actuais defensores da ecologia argumentarem que esta linhagem não é significativa e que o movimento ecológico, ou mesmo o MST e os outros movimentos de luta pela terra, recebendo um apoio de massas, estariam imunizados de tendências perversas, porque convém não esquecer que o fascismo foi igualmente um movimento de massas. Quando sabemos que os eugenistas colocavam os métodos de aperfeiçoamento biológico da raça humana no mesmo plano das melhorias a introduzir na criação do gado e na cultura selectiva das plantas e quando recordamos que eram muito estreitos os contactos entre as associações de criadores de gado e as sociedades eugenistas, compreendemos a íntima relação existente entre a ecologia e o racismo no Terceiro Reich.

julius-paul-junghanns-1Preservar a natureza e preservar a raça, cuidar dos animais domésticos e dos escravos eslavos considerados sub-humanos, arrancar as ervas daninhas e aniquilar os judeus, tudo isto era integrado pelos nacionais-socialistas numa esfera ideológica única. As primeiras reservas naturais na Europa foram criadas pelo Terceiro Reich, que levou a cabo um conjunto de medidas que qualquer ecologista dos nossos dias não deixaria de aplaudir. Em 1935, precisamente no mesmo ano em que foram promulgadas as chamadas Leis de Nuremberga, destinadas a assegurar a preservação da raça germânica, publicou-se um complexo legal visando a preservação da natureza, com um escopo sem precedentes. Muito claramente, foi uma mesma inspiração que presidiu a todas estas disposições, e a gratidão dos ambientalistas não se fez esperar. Em 1939 estavam inscritos no partido nacional-socialista 60% dos membros das principais associações de protecção da natureza que haviam existido durante a república de Weimar. «O artificial está por todo o lado», queixou-se Heinrich Himmler, Reichsführer SS; «por todo o lado os alimentos são adulterados com ingredientes que supostamente os fazem durar mais tempo ou ter melhor apresentação ou que os fazem passar por “enriquecidos” ou por qualquer outra coisa em que a publicidade da indústria queira que acreditemos […] estamos nas mãos da indústria alimentar, cujo poderio económico e cuja publicidade lhes permitem ditar o que podemos e não podemos comer». E este indómito defensor dos alimentos orgânicos anunciou um futuro brilhante para quando o Terceiro Reich triunfasse na guerra. «Depois da guerra tomaremos medidas enérgicas para evitar a ruína do nosso povo pelas indústrias alimentares».

georg-guntherHimmler promulgou em Dezembro de 1942 um decreto acerca da forma como o solo devia ser tratado nos territórios eslavos conquistados a Leste, em que se lê: «Os camponeses da nossa raça esforçaram-se sempre cuidadosamente por aumentar os poderes naturais do solo, das plantas e dos animais e por preservar o equilíbrio de toda a natureza. Para eles, o respeito pela criação divina é o padrão de toda a cultura. Assim, para que os novos espaços vitais se tornem uma pátria para os nossos colonos, uma condição prévia fundamental é o ordenamento planificado da paisagem, de maneira a mantê-la próxima da natureza». Já Walter Darré havia defendido que outros povos, como os celtas e os eslavos, não possuíam a mesma ligação entre sangue e solo que caracterizaria os nórdicos; e quanto aos judeus, eles seriam desprovidos de implantação na terra, já que eram um povo sem raízes. O Judeu Errante não era para os nazis só uma figura negativa do reino animal, mas igualmente do reino vegetal. No Terceiro Reich as pequenas fazendas familiares e a agricultura ecológica fizeram parte do mesmo quadro que levou ao genocídio dos judeus e à escravização dos eslavos. Assim como era preciso arrancar as ervas daninhas e domesticar o gado para «aumentar os poderes naturais do solo» e «preservar o equilíbro de toda a natureza», também — e pelas mesmas razões — se justificavam as medidas racistas. Como observou Emmanuel Ringelblum na sua crónica secreta, «Eles» — na linguagem parcialmente cifrada empregue por este historiador, «Eles», com maiúscula, designava os ocupantes nazis da Polónia — «comparam os judeus a uma planta parasitária que vive doutras plantas». Darré referira-se aos judeus como «ervas daninhas», e é conhecida a comparação estabelecida por Himmler entre os eslavos e o gado de trabalho, no aterrador discurso que proferiu em Poznan, em Outubro de 1943. «É-me completamente indiferente o que possa suceder a um russo ou um checo. […] É evidente que nunca devemos ser brutais ou cruéis sem necessidade. Nós, os alemães, que somos o único povo no mundo a ter uma atitude decente para com os animais, também assumiremos uma atitude decente para com estes animais humanos. Mas é um crime contra o nosso próprio sangue preocuparmo-nos com eles e darmos-lhes ideais […]».

A política racial de escravismo e genocídio foi apresentada pelos nazis como uma conclusão lógica do mito do equilíbrio da natureza, que fundamenta a ecologia. Por isso, em nada nos deve espantar o facto de as repercussões ambientais e paisagísticas terem sido debatidas pelos tecnocratas que dirigiram a ampliação do complexo concentracionário de Auschwitz. Entre o culto da natureza, enquanto apologia da autoridade e da tradição, e a invocação das raízes, enquanto legitimação do massacre rácico, a ecologia e a agro-ecologia contemporânea encontram o seu quadro inspirador.

Referências

A declaração de Hitler a Otto Strasser acerca da revolução racial encontra-se em Alan Bullock, Hitler. A Study in Tyranny, Harmondsworth: Penguin, 1972, págs. 157-158 e J. Droz, Le National-Socialisme, Paris: Centre de Documentation Universitaire (Les Cours de la Sorbonne, policop.), [s. d.], págs. 16-17. A declaração no mesmo sentido mencionada em seguida encontra-se em Hermann Rauschning, Hitler m’a dit. Confidences du Führer sur son Plan de Conquête du Monde, Paris: Coopération, 1939, pág. 274. As declarações de Walter Darré no Verão de 1932 estão reproduzidas em Hermann Rauschning, op. cit., págs. 55-56. A declaração de Himmler em 1937 pode ler-se em Roger Griffin (org.) Fascism, Oxford e Nova Iorque: Oxford University Press, 1995, pág. 147 e a declaração de 1936 está em E. K. Bramstedt, Dictatorship and Political Police. The Technique of Control by Fear, Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co, 1945, pág. 83. A citação do diário de Victor Klemperer encontra-se em Martin Chalmers (org.) I Shall Bear Witness. The Diaries of Victor Klemperer, 1933-1941, Londres: The Folio Society, 2006, pág. 268. A frase de Fritz Todt foi citada por Janet Biehl e Peter Staudenmaier, Ecofascism. Lessons from the German Experience, Edimburgo e San Francisco: AK Press, 1995, pág. 21. As declarações de Himmler em defesa dos alimentos orgânicos encontram-se em Jonah Goldberg, Liberal Fascism. The Secret History of the Left from Mussolini to the Politics of Meaning, Londres: Penguin, 2009, pág. 301. A passagem do decreto de Himmler de Dezembro de 1942 vem em Janet Biehl et al., op. cit., pág. 16. A citação de Ringelblum está em Emmanuel Ringelblum, Crónica do Ghetto de Varsóvia, ed. org. por Jacob Sloan, Lisboa: Morais, 1964, pág. 42. A referência de Walter Darré aos judeus como «ervas daninhas» está em Janet Biehl et al., op. cit., pág. 20. Finalmente, aquela passagem do discurso pronunciado por Himmler em Poznan, em Outubro de 1943, vem citada em Alan Bullock, op. cit., págs. 697-698 e Martin Gilbert, The Second World War, vol. II: From Casablanca to Post-War Repercussions, 1943-1945, Londres: The Folio Society, 2011, pág. 543.

As ilustrações reproduzem quadros de artistas do Terceiro Reich, de cima para baixo, Oskar Martin-Amorbach, Adolf Wissel, Sepp Hilz, Werner Peiner, Julius Paul Junghanns e Georg Günther.

Esta série reúne os seguintes artigos:
1) a mitificação do camponês
2) a agricultura familiar no fascismo
3) a agricultura familiar no nazismo

27 COMENTÁRIOS

  1. O nazismo não passou de ecologia aplicada. O quadro de preservação da natureza é o mesmo da preservação da raça.

    Talvez faltasse um capítulo sobre o mito da natureza no socialismo. É alta a quantidade de vezes em que textos de autores socialistas inventam um passado rural igualitário de onde inspiram sua crítica ao capitalismo. Principalmente no anarquismo, sempre a imaginar sociedades rurais igualitárias em passados imaginários.

    Obs: já que resolveu publicar partes do Labirintos do Fascismo no site por que não avança com o texto sobre estética. Uma discussão basicamente desconhecida em nosso meio?

  2. Eu sempre tive uma certa idéia de que haveria alguma relação ideológica entre ambientalismo, fascismo e tantas outras contemporâneas ideologias reacionárias que se apresentam como “pós-modernidade” ou “direitos” (o neo-racismo negro, por exemplo). Este artigo, muito bem documentado, é exemplar! Parabéns ao autor do estudo.

  3. Renata,
    Antes de mais, um esclarecimento. O tema desta série de artigos, bem como de alguns outros que publiquei neste site, encontra-se no Labirintos do Fascismo, mas no site com uma forma diferente e por vezes com mais exemplos factuais. Não se trata de reprodução de textos.
    Quanto ao mito da natureza no socialismo, especialmente no de feição anarquista, como você refere, creio que o tema é muito importante e deveria ser tratado. Aliás, na Alemanha os movimentos de juventude comummente chamados Wandervogel, no final do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX, tanto mobilizaram anarquistas como elementos de uma nova extrema-direita que viria a constituir um dos elementos formadores do nacional-socialismo. Num âmbito mais geral, o apreço que os anarquistas tinham pela eugenia e o interesse com que estudavam a obra de Herbert Spencer mostra que o chamado darwinismo social exerceu efeitos nefastos tanto na direita como na esquerda.
    Uma breve anotação. É muito comum ler e ouvir referências à pesumida harmonia que reinaria nos povos índios na época pré-colombiana. Para empregar as suas palavras, são «passados imaginários». Aquelas sociedades inseriam-se no sistema económico denominado troca de presentes, ou troca de dons. Ora, o roubo, tanto na sua forma individual como na forma colectiva do saque, da pirataria e da guerra, constituía parte integrante do sistema de troca de presentes. Quando as potências colonizadoras europeias ou os colonos emigrados da Europa implantaram Estados centralizados, uma condição necessária foi a de pôr fim às guerras entres povos nativos. Por este motivo, as sociedades índias da fase da colonização geraram um sistema truncado de troca de presentes, desprovido da componente do roubo e do saque. Por vezes, como sucedeu entre os índios do noroeste dos Estados Unidos e do oeste do Canadá, atingiu um enorme desenvolvimento o potlatch, que é uma forma de esbanjamento ritual, simbólico da guerra. O potlatch é um componente estrutural de todos os sistemas de troca de presentes, mas naqueles casos atingiu uma dimensão social sem precedentes, o que aliás permitiu a Marcel Mauss, perante esses exemplos quase laboratoriais, proceder às suas análises incontornáveis. Ora, um número de antropólogos infelizmente muito vasto, deparando com as sociedades nativas em que as formas agressivas da troca de presentes estavam proibidas de se exercer, por determinação do Estado colonial e pós-colonial, reforçam a mitificação e divulgam a imagem de povos a viver em harmonia não só com a natureza mas também entre eles, numa actualização do mito do bom selvagem ou do noble sauvage. Esta mitificação faz hoje parte de muitos curricula universitários e serve de bandeira ideológica a muitas ONGs.

  4. A Renata afirma com deslumbramento que o nazismo não passou de uma ecologia aplicada, e o mesmo se passou com a preservação da raça,i.e, o direito do mais forte á vida e ao triunfo. O mais forte é como se sabe a pureza da raça ariana. Pouco há a acrescentar à teoria já defendida por alguns pensadores da Grécia Antiga à qual Sócrates com a introdução no pensamento grego da força da Ética coloca a questão de que o humano, enquanto tal, é a medida de todas as coisas, que um célebre sofista já o sublinhara antes.
    No entanto, a Renata quando trata do mito da natureza no socialismo, embora não de forma, completamente, abstracta esquece que Marx no Manifesto do Partido Comunista de 1848, já descrevia as várias facetas do socialismo em disputa nessa altura. Convém reter o que escreveu Marx acerca do socialismo reaccionário dessa época, retratando com precisão o socialismo cristão, e o feudal.
    Neste momento, que se vive uma época de viragem um pouco idêntica à que foi vivida no Renascimento quinhentista, não constitui surpresa esta confusão, nem tão pouco o charlatanismo “marxista” herdado da 2ª metade do séc. XX que desesperadamente pretende sobreviver relativamente à reponsabilidade que tem na deturpação e manipulação da História recente.

  5. Pois é, Afonso Gonçalves, não há dúvida de que Marx criticou acerbamente o chamado socialismo cristão. O problema com ele e com Engels não foi a mitificação da natureza, mas a mitificação da tecnologia capitalista. Esta, porém, é outra conversa. O que há de importante aqui a assinalar é que William Morris, um dos primeiros marxistas britânicos, muito activo politicamente, se notabilizou sobretudo como teórico e prático de uma estética medievalizante e pré-industrial, muito próxima da dos pré-rafaelitas (e, portanto, da dos nazarenos), senão mesmo confundida com ela. Os escritos de Ruskin, as pinturas e os desenhos dos pré-rafaelitas (e dos nazarenos) e a obra de William Morris, todos eles em conjunto, geraram a estética do Arts and Crafts que, através de Morris, se situou plenamente no campo marxista. E temos assim que o primeiro movimento estético surgido no campo do marxismo resultou de uma mitificação da natureza e de uma apologia das sociedades pré-capitalistas. Chegamos de novo à observação de Renata, incluindo o seu estímulo à abordagem das questões estéticas.

  6. Sobre o nazismo ser uma forma de ecologia aplicada, reparem como grande parte dos que combatem a construção da usina de belo monte, por exemplo, referem-se muito pouco às pessoas que vivem ali. E mais importante: quando se referem, os tratam como se fosse apêndices do meio natural que está por ser destruído. Pobres criaturas, segundo eles, indistinta da realidade que os cercam. Daí para tutela e domínio é um passo.

  7. Curioso, para dizer o mínimo, que Marcos Dantas (e agora Carlos) tenha gostado tanto desta série escrita por João Bernardo… Ao mesmo tempo em que vem sendo, atualmente, um dos principais entusiastas do novo projeto nacional-imperialista brasileiro, levado a cabo pelo estado brasileiro associado às transnacionais e gestores de origem nacional.

    Pensando bem, talvez não seja outra a principal razão para ambos terem gostado desta série – ainda que só destaquem um lado da crítica desenvolvida por ela (ao primitivismo de certos ecologistas), mas não façam qualquer comentário sobre o papel dos Estados-Nacionais na instrumentalização do ideário ecológico. Ou seja: não fazem qualquer crítica ao mito do estado-nacional. Afinal, reduzir e associar todo e qualquer crítico dos megaempreendimentos nacional-desenvolvimentistas deste governo Lula-Dilma (Usina de Belo Monte à frente) a um suposto “ambientalismo fascista” interessa sobremaneira para o projeto estratégico neoimperialista deste estado brasileiro, as corporações e os novos gestores que o controlam.

    Não é pensando noutra coisa que Marcos Dantas deve andar incentivando à exploração de outras “riquezas nacionais” de “nosso” país, nomeadamente a cultura “nacional” e “nossa” indústria cultural, para “nos” fortalecer nessa disputa internacional por novos mercados. Fortalecer a quem mesmo?

    Seria mesmo “nossa” sina ter que escolher entre o protofascismo arcaicizante de muitos ecologistas ou o protofascismo modernizante de muitos (neo)desenvolvimentistas??? Não haveria alternativas anti-fascistas E anti-capitalistas???

    Porque, a seguirmos os conselhos dados por Marcos Dantas noutro local – contra “tantas outras contemporâneas ideologias reacionárias”, deveríamos adotar a defesa nacionalista de “nossa” cultura, modernizada e industrializada, contra a “invasão estrangeira” e na disputa por hegemonia (das transnacionais de origem brasileira) no mercado internacional:

    “ENTREVISTADOR – Como você vê a criação de políticas voltadas para a economia da cultura digital nos campos jurídico e de regulamentação, bem como no de fomento? Que diretrizes devem orientá-las?

    MARCOS DANTAS – Nas condições de um país capitalista periférico como o Brasil, a defesa e o fomento da cultura nacional deveria ser assumida, politicamente, como uma luta similar à campanha “petróleo é nosso”, nos anos 1950. Então, aquela campanha sintetizava a luta do país, em várias frentes, para romper com o seu destino agrário primário-exportador, incorporando-se à economia-mundo também como uma potência urbano-industrial. Hoje, na condição do capital-informação, a manutenção e, de preferência, melhoria da posição do Brasil no sistema internacional de estados-nações e na divisão internacional do trabalho, passa por fazer da sua cultura também uma poderosa indústria capaz de competir mundialmente com outras matrizes industrial-culturais, notadamente a estadunidense. Não será necessário demonstrar o extraordinário potencial do nosso país para sustentar um projeto cultural próprio, assim gerando rendas, empregos, inclusão social, integração nacional. No entanto, para isto, serão necessárias, por um lado, fortes medidas de contenção da “invasão estrangeira” que já sofremos por parte daquelas matrizes estadunidenses, invasão esta que vai, até um pouco rapidamente, erodindo a solidariedade da parte mais ilustrada da nossa sociedade para com a cultura nacional, solidariedade esta recém construída a partir dos anos 1920, com o “modernismo”.”

  8. Ao autor do comentário acima, observo que não foram os dois comentadores por ele citados quem associou os críticos dos empreendimentos desenvolvimentistas aos ecologistas que eu analiso nesta série de artigos. Foram e têm sido os próprios críticos desses empreendimentos, na sua esmagadora maioria, a defender teses que não deixam outra saída senão a de estabelecer essa associação. As críticas que eu faço ao desenvolvimentismo são conhecidas por todos aqueles que se derem ao trabalho de ler o que eu escrevo, mas elas nada têm a ver com a ligeireza, a demagogia, as mitificações e as mistificações dos ecológicos. Creio também que não são forçosamente necessários motivos tenebrosos para apreciar a análise histórica que eu empreendi.

  9. Que a questao da natureza e da ecologia esteve ligada tanto ao facismo quanto ao socialismo, como muito bem coloca o comentário da Renata acima, nao há dúvidas. Porém nao concordo com a última frase do texto em que sutilmente aproxima movimentos ecológicos atuais a sua inspiracao no Nazismo. Nao creio que ambos os movimentos tenham estrita conexao. Os movimentos ecológicos atuais partem de uma questao clara, necessária e urgente, a saber: a destruicao indiscriminada, bem como a exploracao total do meio ambiente em prol do sistema capitalista sem nenhuma preocupacao com as consequencias de tal fato. Além disso a defesa do meio ambiente e de uma agricultura familiar e orgânica é benefica para toda a populacao que nao possui meios de produzir e precisa viver as margens dos centros urbanos. Por outro lado, quem dessa história de ambientalismo nao gosta nada sao os grandes produtores rurais brasileiros, latifundiários que pressionam no congresso atualmente para aprovar a infame nova lei de “preservacao do meio ambiente”. Ah e tem também a Monsanto e outras grandes empresas que de agricultura organica nada querem ouvir. Enfim, o texto é bom em relacionar a ecologia com superioridade racial, pode até ter sido assim mesmo mas pisa na bola ao dizer que os movimentos pro ecologia comtemporâneos possuem inspiracao que advém desse período. Um pouco demasiado, nao?!

  10. Não teria como definir melhor o caráter cínico (falta de consideração com a dor alheia) dos ecologistas em torno de Belo Monte. Carlos o fez à perfeição. Ali nunca se trata de preocupação com as pessoas. Quem se preocupa com pessoas não fala do desgaste provocado pela cana mas da vida terror dos cortadores. A preocupação dos ecocratas é sempre com o passivo ambiental do qual se julgam tecnocratamente herdeiros e sobre os quais pretendem domínio. É uma disputa intra-imperialista.

    A gente deveria sempre usar as domésticas como critério. Quem muito aprecia ter escravas domésticas a troco de 600 reais por mês mas fala em direitos dos animais, das árvores, das crianças logo anuncia que ama o planeta, mas com a condição de amar o planeta porque é incapaz de amar o seu semelhante. Ecocratas que não lavam a própria louça são auto explicativos. Qualquer um que não lave a própria louça é auto explicativo, seja anarquista ou budista.

    Um ponto a considerar: fala-se hoje de planeta como se falasse de um deus. Ecologia é religião. Todos engajados na defesa da deusa terra. Há uma fusão ai entre ecologia e feminismo nas suas modalidades místicas. A ecologia, maior religião atual é, também, regida por uma deusa mulher, a mãe terra. Uniu-se o culto à mulher enquanto elemento divino e desprovido de contradições com o culto à terra, no sentido de origens, a grande criadora. Uma religião bastante alicerçada, capaz de reunir velhas deidades animais, fêmeas e naturais num conjunto só. Ai vemos o velho éden bíblico ressurgir de variadas formas.

    Noé não foi o maior dos precursores do Greenpeace?

  11. “É muito comum ler e ouvir referências à pesumida harmonia que reinaria nos povos índios na época pré-colombiana. (…) Ora, um número de antropólogos infelizmente muito vasto, deparando com as sociedades nativas em que as formas agressivas da troca de presentes estavam proibidas de se exercer, por determinação do Estado colonial e pós-colonial, reforçam a mitificação e divulgam a imagem de povos a viver em harmonia não só com a natureza mas também entre eles, numa actualização do mito do bom selvagem ou do noble sauvage.”

    João Bernardo,

    Discordo da maneira como você coloca a crítica nesse trecho e, de certa forma, como deixa implícito em alguns momentos dos artigos. Criticar genericamente a antropogia utilizando esses clichês eco-ideológicos equivale a criticar o marxismo através de seus representantes vulgares, tomando-os como os principais interlocutores/representantes desse campo.

    Que antropólogos dizem tais asneiras? Certamente que existem e são muitos, mas são eles que valem ser tomados como interlocutore? (A obra de Pierre Clastres, por exemplo, teria muito a acrescentar nesse debate e me parece absolutamente além desse discurso antropológico vulgar que você cita).

    Apesar de importantíssima essa série de artigos, sobretudo pelo aspecto de crítica econômica (a preponderância da mais-valia absoluta em muitas aplicações da agroecologia) relacionada a essa mitificação da natureza, me parece que há demasiada generalização na construção dos destinatários contemporâneos dessa crítica. Demarca-se no passado (os mov. e autores fascistas e nazistas), mas não no presente.

    É preciso especificar as fontes desses discursos hoje, seus principais ideólogos etc. Do contrário, muito se perde nessa nebulosidade de alvos. É fato que existe uma (eco)ideologia em voga extremanete difundida e cada vez mais atrelada a um senso-comum ativista e que precisa ser combatida, mas antropologia e ecologia são disciplinas extremamente diversas, complexas – e em disputa – para serem genericamente jogadas no mesmo saco dessa ideologia desvelada, por mais que sejam ninhos habituais da mesma.

    abraços,
    Lucas

  12. Lucas,
    Quando se pretende estudar um dado autor, é a obra desse autor que se deve estudar. Mas quando se pretende estudar as concepções genéricas acerca de um dado assunto, defendidas pelo público comum, são essas concepções que devemos estudar. Marx afirmou, numa frase muitíssimo conhecida, que as ideias se tornam uma força material quando são apropriadas pelas massas. Mas essa apropriação é criativa, quero dizer, as massas tanto absorvem dadas ideias como projectam nelas outras ideias, inquietações e aspirações que antes estavam difusas. Existe uma grande diferença entre as ideias registadas na obra de um dado autor e essas ideias divulgadas e defendidas pelo público. Talvez fosse esta a razão que levou Marx a dizer, num momento de ironia, que ele não era marxista. O mesmo sucede com a ecologia e a antropologia, que você mencionou no seu comentário. Claro que houve e há alguns antropólogos e alguns ambientalistas que procuram ser sérios e não mistificadores, mas não são eles quem imprime o tom geral, não são eles que são ensinados e aprendidos, não são as ideias deles que são veiculadas pelos grandes órgãos de informação. Ora, são estas ideias comuns e esta massificação das ideias que aqui me interessam.
    Vou dar um exemplo, um único. No seu excelente livro The Skeptical Environmentalist, que todas as pessoas que se pretendem bem informadas deviam ler, Bjørn Lomborg traçou a génese da tese que atribui um valor muito elevado à extinção de espécies no mundo contemporâneo. Lomborg mostrou como esse valor teve origem numa conferência proferida por um dado cientista (lamento não poder verificar agora o nome, mas estou muito longe do livro) e foi em seguida desnaturado e usado de maneira completamente arbitrária. Ora, se eu quiser estudar a obra desse cientista, é à sua conferência original que devo remeter-me. Mas se eu quiser estudar a histeria contemporânea em torno do tema das espécies em extinção, a minha atenção deve incidir nas noções banalizadas e distorcidas, porque são elas que inspiram as pressões políticas e traçam o rumo dos movimentos.

  13. Olá,

    O que me impressiona, em alguns comentários anteriores, são as “cobranças” que os leitores remetem ao autor dessa série.

    “Você não falou disto ou daquilo”, “quais são as alternativas possíveis”, “não existe um outro lado nessa história”, “você generalizou demais”, “e hoje em dia, como isso se dá” – são questionamentos e reclamações que se repetem como mantras aqui na seção de comentários.

    Sem querer tirar qualquer legitimidade ou pertinência desses questionamentos, minha sugestão às pessoas que identificaram lacunas nos artigos aqui publicados – ou que possuem uma outra visão sobre o tema tratado nessa pequena série – é a seguinte: escrevam também, coloquem suas ideias em debate, apresentem essa outra visão e outros autores e fatos que dão conta dessa perspectiva.

    Acho que seria, para dizer o mínimo, extremamente produtivo que essas pessoas escrevessem de fato, colocando em confronto suas diferentes visões sobre essas práticas e ideias ecológicas.

    Abraços.

  14. Ao terminar a leitura do texto e dos comentários, senti uma sensação de alívio por poder encontrar algo que seja um contraponto de fundo a algumas das mais disseminadas ideologias.
    Eu que convivo no ambiente acadêmico em que a regra é endeusar organizações do tipo MST e quejandos como referência de esquerda.
    Muito bem postas as críticas à antropologia e ecologia hegemônicas. Esta questão me fez relembrar uma discussão que travei com uma hoje deputada do PCdoB, quando éramos ambos dirigentes sindicais, sobre o que é determinante qdo. se fala de algo: após eu ter afirmado o caráter reacionário dos sindicatos, com base em uma estatística do Ministério do Trabalho que dizia que 90% dos sindicatos existiam apenas no carimbo de sua diretoria, ela se apressou a justificar o sindicalismo com base nos 10%. Ou seja: as afirmações (ideológicas) são feitas com base no que as negam e não no que as confirmam.
    Por último, sobre a visão “anti-eurocêntrica” que gosta de disseminar que nossos males começaram com a chegada do colonizador europeu, pergunte aos Diaguitas (etnia do centro-norte do Chile, extinta pelo Império Incaico antes da chegada dos espanhóis) se a lança espanhola mata mais ou menos que a lança inca. Ah desculpe a gafe… graças aos bons selvagens Incas não existem diaguitas vivos para serem etnografados por antropólogos americanocêntricos.

  15. Essa conversa sobre preservação me fez lembrar aquele babaquice que foi estudantes e professores universitários de esquerda lutando no Facebook para que houvesse a preservação do cinema HSBC Belas Artes. Parecia papo de velho acostumado a sentar na mesma cadeira e que se revolta porque alguém sentou antes ou ela foi tirada do lugar. Até parece que os filmes somem porque o prédio deixa de ser cinema. Abra outro, uai! Aliás, aquele era caríssimo e com o valor do aluguel daria para abrir uns 5 cinemas naquele buraco negro do esquecimento que são as periferias que ficam entre a Lapa e Várzea Paulista.

    Outra coisa que lembrei: sempre achei os straight edges uma espécie de testemunhas de jeová do punk. Agora tenho certeza.

  16. Oi João Bernardo, Boa tarde!

    Obrigado pelos textos!! Debate intenso, muito bom, gostei das questões históricas colocadas, não tinha conhecimento, vou dar uma olhada nas bibliografia e nas suas obras.

    Quanto ao elementos e teorias históricas me sinto bem contemplado, mas como vc analisaria movimentos latinoamericanos mais contemporâneos??

    A revolução Cubana? A questão agrária colocada ali…

    Movimento Zapatista??

    Evo Morales e a questão Indígena-Camponesa na Bolívia? Talvez Equador?

    O MST aqui no Brasil, q tem 30 anos de luta (talvez questionável em táticas e estratégias) mas q dialogam com alguns princípios criticados por vc, mas q estabelece a contra hegemonia?

    Abraços

  17. Caro João

    A sua crítica, pelo que vejo, se concentra não com a pauta em si da preservação ambiental, mas sim com a forma pela qual se justifica essa preocupação, assim como os exageros relacionados. Talvez pudesse dizer que essa série seja um tipo de ”resgate da racionalidade” na questão ecológica. Vejo muito a ”esquerda” desenvolver críticas sobre as formas como o capital e seus agentes atuam sob ideais comummente tidos como ”bons” ou ”corretos” mas que na realidade servem apenas a propósitos contrários ao que se propõe. Por isso tratar das origens da construção do tema e desnudá-lo nesse sentido é importante para que a própria ”esquerda” se veja alvo de seu próprio tipo de crítica, e possa se recuperar das contradições.
    Ainda assim me fica uma certa dúvida quanto às relações com o fascismo. Você acredita que a generalidade dos movimentos ecológicos têm essas mesmas motivações, ainda hoje? Pergunto porque, conforme passa o tempo, os discursos e ideologias que foram produzidos vão sendo disseminados e reproduzidos não mais em sua profundidade, mas só na superfície, isso de certa forma não faria ”diluir” o aspecto fascista presente na origem? Digo isso pensando se os movimentos ecológicos para exercer pressão que exija reformulações nas formas de produzir; por exemplo: pressão para que se substitua o combustível ou os motores dos carros num país, exigindo maior produtividade dos setores respectivos em tecnologias que resultem menos danos ao meio ambiente. Ou você acha que não há movimentos ecológicos que sirvam a esse propósito? Ou que não sejam expressivos o suficiente para promover mudanças?

  18. Caro Gabriel,

    O tema deste artigo encontra-se desenvolvido mais detalhadamente e com bibliografia mais recente na terceira versão do meu livro Labirintos do Fascismo, págs. 1396-1404 ( https://archive.org/stream/jb-ldf-nedoedr/BERNARDO%2C%20Jo%C3%A3o.%20Labirintos%20do%20fascismo.%203%C2%AA%20edi%C3%A7%C3%A3o#page/n1395/mode/2up ).

    Quanto à relação entre a ecologia no Terceiro Reich e o ressurgimento dos movimentos ecológicos na década de 1970 é esclarecedora a leitura de Anna BRAMWELL, Blood and Soil. Richard Walther Darré and Hitler’s “Green Party”, Abbots-brook: Kensal, 1985, que se pode encontrar na internet, e de William Walter KAY, «Review of Bramwell’s Hidden History of Environmentalism», Environmentalism is Fascism, 2008, http://www.ecofascism.com/review11.html .Deve ler-se também Peter STAUDENMAIER, «Anthroposophy and Ecofascism», New Compass, 2011, http://new-compass.net/articles/anthroposophy-and-ecofascism . Especialmente elucidativa é a sequência que vai desde a invenção da agricultura biodinâmica no âmbito da antroposofia de Rudolf Steiner, passando pela sua adopção pelo Ministério da Agricultura do Terceiro Reich e pelos SS, até à hegemonia hoje adquirida pela agricultura orgânica no âmbito da esquerda. Aliás, talvez ajude ao entendimento dessa questão a análise a que procedi da história do MST na série de três artigos «MST e Agroecologia: Uma Mutação Decisiva» ( https://passapalavra.info/2012/03/97517/ ). Ainda a respeito da relação de continuidade entre as noções de ecologia no Terceiro Reich e nos dias de hoje é indispensável a leitura de Janet BIEHL e Peter STAUDENMAIER, Ecofascism. Lessons from the German Experience, Edimburgo e San Francisco: AK Press, 1995. E quem, como você, se interesse por ecologistas críticos das correntes dominantes no movimento ecológico, deve pesquisar na internet quem são estes dois autores.

    A relação íntima entre o universo ideológico dos SS e a denominada ecologia profunda opera-se no conjunto de crenças religiosas e espiritualistas classificadas hoje como New Age. Não devemos esquecer o Brasil, onde esse tipo de concepções é muito difundido, já que a fuga de nacionais-socialistas para a Argentina e para algumas regiões do Brasil, a seguir à derrota militar do Reich, contribuiu para lançar raízes que frutificaram nas últimas décadas. Será uma pesquisa aliciante, a de reconstituir esses traços, como pode ver-se, por exemplo, no meu comentário de 13 de Agosto de 2016 aqui: http://passapalavra.info/2012/04/54095/ .

    Quanto a um dos exemplos que você evoca, a mudança dos motores de automóveis da gasolina e do gasóleo para motores eléctricos, ou seja, a imposição legal de uma colossal e súbita obsolescência técnica, constitui sem dúvida uma oportuna fonte de lucros para as empresas fabricantes de automóveis. Os cidadãos comuns, porém, pelo menos em França, parecem apreciar menos essa medida. Quem não ouviu falar dos Coletes Amarelos?

  19. Acompanhando o comentário do JB, será muito interessante quando a história de Ana Maria Primavesi e seu périplo até chegar ao Brasil (e tornar-se leitura importante dentro do MST) for contada..

  20. Caro João

    Realmente, já tinha lido essa passagem do seu livro mas não pensei em me voltar a ele para maior bibliografia. Agradeço a todas as referências. Aliás, estou dando uma ”googlada” sobre os dois autores que você recomendou (e Bookchin, por consequência) e me parece que eles são uma fonte interessante de leituras para me aprofundar na questão, de fato. Me parece que, dando uma lidinha, a construção de uma sociedade que consiga estabelecer uma relação menos danosa ao meio ambiente passa, primeiro, pela mudança estrutural da sociedade. A série sobre o MST lerei já.
    Esse seu comentário, falando sobre Ana Primavesi, é muito interessante. Nem sequer a conhecia. Fica clara sua conexão implícita (ou ocultada) com os ideais fascistas e se encontram justamente como raiz e inspiração para os movimentos ecológicos.

    Quando você fala dos coletes amarelos, não pode estar mais certo quanto ao descontentamento, mas isso não é nada além de natural, certo?
    Supondo que há uma pauta ecológica sendo atendida, o processo de mudança para outras tecnologias e métodos está se dando às custas do cidadão comum, ao invés das empresas, mas essa correlação de forças (e o fato do cidadão sair perdendo) não muda em nada a possibilidade de um desenvolvimento do setor, aumentando sua produtividade, não sendo então um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas.

  21. Caro Gabriel,

    João Bernardo comunicou ao Passa Palavra que está impossibilitado de responder e assim que puder o fará.

    Atenciosamente,
    Passa Palavra

  22. Os escritores escrevem e os leitores lêem, mas chega-se a resultados curiosos quando um leitor lê o inverso do que o escritor escreveu. Em 19 de Julho deste ano, sob o título A ecologia dos nazistas, um blog transcreveu uma passagem deste artigo e um leitor comentou: «Puxa vida, muito surpreendente. Ou seja, o velho nazismo nesse quesito era superior ao atual neofascismo, em especial o brasileiro». Escrevi este artigo para criticar a ecologia e aquele leitor leu um elogio ao nazismo.

  23. Ulisses,

    Não respondi ao Gabriel Silva porque me pareceu que se tratava de um diálogo, eram considerações que não requeriam resposta e que, aliás, me parecem pertinentes.

  24. Caro JB:
    Ocorreu uma falha de comunicação, enfim sanada, que estava afetando negativamente tua reputação (aliás, merecida) de generosidade intelectual.

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