Por Passa Palavra

1

As ideias nem sempre constituem uma expressão directa da sociedade e muitas vezes adquirem mais força precisamente ao se apresentarem como uma expressão inversa da sociedade. É o que sucede hoje com o nacionalismo — ou com o patriotismo, como alguns gostam de lhe chamar, julgando ingenuamente que mudar os nomes às coisas seria mudar as coisas. Quanto menos o nacionalismo encontrar uma base económica e política que o sustente, quanto menos ele puder ser defendido no plano racional, tanto mais histérico se tornará e tanto mais os nacionalistas se agarrarão às suas convicções. É que precisam delas para não verem o mundo onde vivem, mas só aquele onde gostariam de viver.

A nossa crítica ao nacionalismo — patriotismo incluído — não decorre apenas de uma postura política, por o acharmos nefasto para os trabalhadores, já que substitui a luta de classes pela criação de laços de solidariedade com os patrões que falam a mesma língua. A nossa crítica resulta igualmente de uma postura realista, por considerarmos o nacionalismo ultrapassado pela evolução económica e social.

O nacionalismo foi ultrapassado pela evolução económica antes de mais nada porque o comércio entre países é hoje ilusório. Num livro publicado em 1990, a economista DeAnne Julius calculou que o comércio no interior de companhias entre as sedes e as filiais no estrangeiro era responsável por mais de metade do comércio total entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Esta economista chamou também a atenção para o facto de as vendas resultantes da produção das filiais de uma companhia multinacional no país de acolhimento não serem contabilizadas como exportações do país onde essa companhia tem a sede, assim como as aquisições locais feitas pelas filiais não serem contadas como importações; apesar disto, sob o ponto de vista da companhia as vendas efectuadas por uma filial no país onde está estabelecida integram-se tanto nas vendas ao estrangeiro como sucede com qualquer exportação, o que acentua o carácter arcaico da noção de comércio entre países num sistema mundial transnacionalizado. Esta transformação do comércio interpaíses num comércio intrafirmas acentuou-se ao longo das últimas décadas, acompanhando o desenvolvimento da transnacionalização económica. O World Investment Report 2009 — referindo-se ao âmbito mundial e já não só ao interior da OCDE — calculou que as exportações efectuadas pelas filiais estrangeiras de companhias transnacionais tivessem sido responsáveis por cerca de 1/3 das exportações totais de bens e serviços. A estimativa de Robert Gilpin foi ainda mais ampla, pois num livro publicado em 2001 este economista avaliou que metade do comércio externo total era constituída por transacções entre sedes e filiais das mesmas companhias. «O comércio ficou estreitamente entrelaçado com as actividades globais das companhias multinacionais», concluiu Gilpin.

A evolução económica ultrapassou também o nacionalismo devido à reorganização interna das grandes empresas. A relação entre matriz e filiais foi profundamente remodelada e as filiais passaram a especializar-se em fases específicas do processo de produção, instalando-se cadeias produtivas únicas ou interligadas, espalhadas por vários pontos do mundo e dotadas de elevada mobilidade. Na fase anterior as companhias multinacionais consistiam numa soma de cadeias de produção completas, instaladas em cada filial. Nas últimas décadas, porém, as companhias multinacionais converteram-se em transnacionais, em que cada filial se encarrega de uma fase específica de uma cadeia de produção espalhada por uma multiplicidade de países. Esta transnacionalização permitiu às grandes companhias tornarem-se pluricentradas e geograficamente mutáveis, deixando de ter nas fronteiras um obstáculo e de ver nos países de origem uma cultura a promover e dilatar. As companhias transnacionais podem, se isto lhes convier, mudar a sede de lugar ou fraccioná-la consoante ramos de actividade e dispersar estes centros por países diferentes, conseguindo assim iludir as disposições dos governos tanto do país onde tiveram origem como dos países que as acolhem. Já há vários anos o economista Robert Reich, que desempenhou cargos em três governos norte-americanos, chamou a atenção para o facto de nem as economias nem as empresas nem os produtos pertencerem a nações definidas. Numa época em que os componentes são fabricados em diversos países, montados noutro e o produto final é ainda vendido noutros mercados, a nacionalidade de uma companhia e de um produto não só é impossível de identificar como se tornou irrelevante, afirmou Reich.

Por isso as companhias transnacionais deixaram de ser uma extensão do poder dos seus países originários e converteram-se em centros de soberania próprios, cujos limites espaciais não se confundem com as fronteiras de nenhum Estado nem são fixos como elas. Isto explica que a recente crise tivesse repercussões diferentes sobre as companhias transnacionais e sobre as economias nacionais. «Apesar dos seus efeitos sobre os fluxos do investimento externo directo, a crise global não interrompeu a crescente internacionalização da produção», afirmou o World Investment Report 2010. «Em 2008 e 2009 a diminuição das vendas e do valor acrescentado nas filiais estrangeiras das companhias transnacionais foi menor do que a contracção da economia mundial. Em consequência, a participação das filiais estrangeiras no Produto Interno Bruto global atingiu o máximo histórico de 11%».

Duplamente ultrapassado pela evolução económica, o nacionalismo foi ultrapassado também pela evolução social. A produção em massa globalizou os bens de consumo, fazendo com que cada vez mais todas as pessoas comam e se vistam da mesma maneira. Aliás, a produção em massa globalizou as próprias formas de consumir, e o que antes eram especificidades nacionais sentidas e vividas converteu-se numa espécie de boné que se pode mudar. Hoje as nacionalidades assemelham-se aos restaurantes típicos nas praças de alimentação dos grandes centros comerciais, onde de um dia para o outro a fachada se transforma de mexicana em indiana e onde a comida obedece aos mesmos princípios de padronização da produção.

2

Em Portugal os nacionalistas ou, se preferirem, os patriotas estão não só a escamotear a luta entre classes quando apresentam a actual crise como um conflito entre a Alemanha e os países da zona meridional do euro. Estão também, pura e simplesmente, a dizer uma mentira, porque o lugar ocupado pela Alemanha na economia portuguesa em vez de aumentar diminuiu ultimamente.

É certo que a Alemanha constitui ainda o segundo maior mercado para as exportações portuguesas, mas elas caíram 1,3% entre Janeiro e Setembro de 2012. E assim, segundo a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), enquanto em 2011 o mercado alemão absorveu 13,6% das exportações portuguesas, limitou-se a 12,5% de Janeiro a Novembro de 2012.

No actual contexto económico, porém, mais significativos do que o comércio externo são os investimentos directos estrangeiros, ou seja, os investimentos originários de um país e dirigidos para outro, que asseguram ao investidor o controlo ou, pelo menos, um interesse duradouro e uma influência decisiva na empresa onde o capital é aplicado. Nos primeiros oito meses de 2012 a Alemanha foi, em termos brutos, apenas o sexto maior investidor estrangeiro em Portugal e, segundo dados do Banco de Portugal trabalhados pela AICEP, de Janeiro a Agosto de 2012 o investimento directo da Alemanha em Portugal foi de cerca de € 2.119 milhões, representando uma descida de 26% relativamente ao mesmo período do ano anterior. E como, de Janeiro a Agosto de 2012, os empresários alemães liquidaram € 2.139 milhões dos investimentos que tinham em Portugal, isto significa que o investimento alemão no país se tornou negativo. Assim, enquanto em 2011 emanaram da Alemanha 10,1% dos investimentos directos recebidos por Portugal, entre Janeiro e Novembro de 2012 essa taxa caiu para 8,2%, de acordo com a AICEP.

A transformação da Alemanha no grande papão é uma falsidade em termos económicos, mas uma falsidade interesseira, porque se destina a justificar a tentativa de dirigir Portugal para a órbita dos novos imperialismos. Em visita à China, o secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Jerónimo de Sousa, apelou para o aumento dos investimentos chineses em Portugal, declarando que «Qualquer investimento estrangeiro — chinês, americano ou canadiano — é sempre bem-vindo, no quadro do respeito pelo nosso interesse nacional e da defesa dos nossos sectores estratégicos e dos recursos naturais» (leia aqui). A ideia de que investimentos directos estrangeiros possam respeitar soberanias, quando a transnacionalização do capital se opera precisamente diluindo as soberanias estatais, só poderia nascer no cérebro de um nacionalista, perdão, de um patriota. E será que a compra pela transnacional chinesa Three Gorges Corporation da parte que cabia ao Estado português na Energias de Portugal (EDP) corresponde ao que o secretário-geral do PCP entende como «defesa dos nossos sectores estratégicos e dos recursos naturais»? Mas, apesar das palavras diplomáticas de circunstância, a mensagem foi clara e todos a entenderam. O PCP encara com agrado a saída da zona euro, numas circunstâncias em que, segundo a AICEP, entre Janeiro e Novembro de 2012 Portugal recebeu da União Europeia 91% dos investimentos directos entrados no país; e o PCP pensa que a China poderá substituir essa presença europeia. Mas o problema aqui é que a China só está interessada em Portugal enquanto membro da zona euro e não enquanto agente de uma implosão dessa zona.

3

As ideias, mesmo quando são uma expressão inversa da realidade, não deixam por isso de corresponder a interesses sociais bem definidos.

Temos demonstrado em repetidos artigos que o abandono da zona euro trará consequências económicas ainda mais gravosas do que aquelas que hoje os trabalhadores, tanto portugueses como imigrantes, sofrem neste país. E temos afirmado que, no caso de Portugal sair da zona euro, esse agravamento da situação económica exigirá obrigatoriamente o reforço de medidas repressivas contra a luta dos trabalhadores, o que requer o fortalecimento do Estado.

Por outro lado, o abandono da zona euro provocaria de imediato um colapso nas relações exteriores, tanto comerciais como financeiras, o que teria como consequência o isolacionismo económico. Ora, todos os exemplos históricos têm mostrado, sem uma única excepção, que o isolacionismo económico corresponde ao reforço da intervenção do Estado na economia.

Ambas estas vias convergem no capitalismo de Estado. Por mais que se envolvam no fantasma de Dom Afonso Henriques ou em quaisquer outros fantasmas da sua preferência, no da Maria da Fonte por exemplo, os nacionalistas e patriotas portugueses estão, muito prosaicamente, a candidatar-se a um capitalismo de Estado.

20 COMENTÁRIOS

  1. Na frase “O nacionalismo foi ultrapassado pela evolução económica antes de mais porque o comércio entre países é hoje ilusório”, creio que pularam o “nada” na expressão “antes de mais nada”.

  2. Marcus,
    Talvez a construção fosse um lusitanismo, porque se trata de uma forma corrente em Portugal, mas de qualquer modo a correcção ficou feita. E agradecemos a atenção com que leu o texto.

  3. Para quando um post contra o campeomato do mundo de futebol, contra o campeonato da europa, contra a liga dos campeões, contra os jogos olímpicos – é que me parece que tudo isto promove o patriotismo.

    Vá rever as imagens do último mundial ou do último europeu, vá ver o gozo que o povo, sim, o povo, os trabalhadores têm com os jogos da selecção – os vossos trabalhadores sem pátria não existem, existe como há já muito o capital transnacional e é por isso que toda a vossa conversa é a da defesa intransigente do capital contra o trabalho.

    Se eu fosse um grande capitalista a tomaria a vossa conversa como do meu inteiro interesse.

    E ainda nós já não temos soberania. O que vocês defendem é o que já temos. Parabéns.

  4. João.,

    você é tão inteligente que um dos exemplos que dá – o futebol moderno particularmente expresso na Liga dos Campeões – é o exemplo mais claro de que os trabalhadores não têm pátria. Descontando as selecções nacionais, todos os clubes mundiais estão (felizmente) cheios de jogadores de todas as partes do mundo e, em muitos clubes, há até mais jogadores estrangeiros. Eu se fosse a si dedicava-me primeiro a estudar, a pensar e depois começava por escrever alguma coisa de jeito em vez de começar a inventar e dizer coisas sem nexo.

    Termino parafraseando-o:

    Se eu fosse um fascista tomaria a sua conversa e de todos os nacionalistas ditos de esquerda como do meu inteiro interesse. Tirando os galos de Barcelos e as saudações ritualizadas, quem mais anda a promover objectivos e temas fascizantes em Portugal é a esquerda nacionalista.

  5. Você confunde a mobilidade dos trabalhadores com os sentimentos de pertença a um país. Enfim, você confunde tudo.

    Como já referi e volto a referir quanto mais tentarem reprimir o patriotismo das pessoas maior é a possibilidade deste patriotismo regressar sobre formas patológicas – o seu federal-fascismo vai acabar nisto, numa europa muito mais dividida.

  6. O JVA continua na sua campanha anti-PCP. Tem razão ao colocar a iminência do fascismo na conjuntura. Mas falha em todo o resto. Um anti-comunismo que chega ao ponto de parecer-me mais pessoal que político. De qualquer modo, 3 pontos onde o JVA falha.

    1. Uma profunda crise do capitalismo, semelhante aquela vivida na segunda década do séc. XX (creio que a profundidade da atual ainda não está compreendida), só nos deixa duas saídas: a destruição violenta do capitalismo, ou a sua reorganização violenta. Por outras palavras, o socialismo ou o fascismo. Curiosamente, o JVC (e o PCP, já agora – nisto ambos concordam) procuram evitar o fascismo e sonham com a possibilidade de um capitalismo suave.nO que o PCP fala em democracia avançada.

    2. O JVA parte de uma visão pouco marxista do fascismo: idealista e a histórico. Não sou especialista no assunto, mas todo o investimento que fiz foi que o fascismo da década de 1930 foi nacionalista por razões históricas: a reorganização violenta do capitalismo naquela época só podia fazer-se pela batuta do Estado nacional. Portanto, era necessário que a sua reorganização violenta, o fascismo, fosse nacionalista. Provavelmente, agora essa função será deixada aos blocos regionais como a UE. Basta ver que o PNR, que recupera do discurso saudosista do fascismo do passado, não tem o apoio das classes que historicamente suportam o fascismo.

    3. A crítica do nacionalismo feita pelo JVA desarma a possibilidade de crítica do imperialismo. E isto tem a ver com o meu primeiro ponto: estamos mesmo frente a uma crise do capitalismo? Ou será que se trata apenas de mais uma contração dos espaços de realização da produção? Neste último sentido, a crise de 2008 em alguns Estados dos EUA e da UE nada mais é que uma crise idêntica à do México de 1985 ou da Coreia do Sul em 1992: um processo de concentração do capital que permite a continuidade do sistema – que permite evitar a crise – à custa de uma relação imperialista.

    Explicando melhor: assim como a Europa e os EUA resolveram rapidamente a crise de 1973 com a exploração imperialista das crises, primeiro, na América Latina e, depois, em África, o capitalismo atual reproduz-se à custa da periferia a Europa e dos EUA. Nesse sentido, a crise é do nível de vida dos trabalhadores da periferia em si e não da reprodução do capital. Aliás, devíamos até reformular: não se trata de uma crise do capitalismo mas de um aprofundamento da barbárie do capital.

    Neste sentido, o imperialismo é um inimigo mais importante que o fascismo. O imperialismo que o JVA trata com palmadinhas nas costas.

  7. José Ferreira,
    Este artigo não é da autoria de João Valente Aguiar. Tal como consta da assinatura, é da responsabilidade do colectivo do Passa Palavra.

  8. José Ferreira,
    Respondemos rapidamente às suas observações.
    1) Numerosos artigos publicados no Passa Palavra acerca da crise económica actual têm procurado mostrar que não se trata de uma crise do capitalismo, mas de uma crise no capitalismo. Está a ocorrer uma deslocação do eixo capitalista dominante, em benefício de um neoimperialismo que usa a China como plataforma e, acessoriamente, que usa o Brasil como plataforma. O importante elemento de continuidade entre a fase anterior ao início da crise e a fase actual são as companhias transnacionais, cuja geopolítica tem abandonado progressivamente o antigo triângulo Estados Unidos – Europa comunitária – Japão e se tem orientado para os BRICs.
    2) O fascismo não se define só pelo nacionalismo, senão não teria especificidade relativamente aos outros nacionalismos económicos da década de 1930. E, aliás, o nacional-socialismo não foi nacionalista, mas racista pan-nórdico, a ponto de, entre os quase um milhão de homens que passaram pelos Waffen SS, menos de metade ser composta por alemães originários do Reich. De qualquer modo, entre aqueles que advogam que Portugal deve abandonar o euro prevalece o discurso soberanista, portanto nacionalista — em nosso entender antiquado e sem correspondência na base económica. Mas o fascismo define-se igualmente pela sua capacidade de mobilização de massas populares em torno de um programa de renovação do capitalismo, correspondente à ascensão de novas elites. E este é um processo muito plausível no caso de ocorrerem mobilizações que levem este país a abandonar a zona euro.
    3) Nas actuais condições de transnacionalização do capital, uma crítica ao imperialismo não deve concentrar-se nos Estados nem ser pensada na perspectiva de uma expansão de capitais nacionais. Uma crítica moderna ao imperialismo deve concentrar-se nas companhias transnacionais, que funcionam de maneira diferente das antigas companhias multinacionais e, a fortiori, de uma maneira diferente da descrita há um século por Hobson e Lenin.

  9. José Ferreira,

    Quando nem sequer consegue vislumbrar a autoria de um artigo que é que se pode fazer? Mas isso é o menos… Quando você quer raciocinar em 2013 como se tudo o que Lénine escreveu em 1916 fosse aplicável aos dias de hoje, é mais do que óbvio que você não faz ciência, mas propaganda… O Lénine também escreveu nesse mesmo livro que era ridículo achar que algum dia haveria plantas produzidas em laboratório…

    No fundo, os meninos e meninas do marxismo ortodoxo acham que basta citar o mestre para se consolarem. Espantoso como os ditos marxistas não ligam puto ao que realmente interessa na obra do Marx: a análise da mais-valia. No PCP nunca encontrei ninguém que quisesse saber dos mecanismos da exploração económica para nada e confundem-na sempre com uma espécie de saque… Ora, a crítica moralista do capitalismo é sempre uma via para o fascismo e nunca uma via para a compreensão e derrota do capitalismo.

  10. Olá

    Começo por agradecer a reposta ao coletivo Passa a Palavra. Se dirigi o meu comentário ao JVA é porque ele é este tipo de comentários ou são assinados coletivamente ou por ele. Peço desculpa pelo meu equívoco.

    Algumas notas para o diálogo com o grupo (já que, depois desse último comentário, com o JVA torna-se impossível):

    Eu prefiro não fechar as portas a uma crise do capitalismo, mas mantê-la como hipótese. Embora ache que podem acontecer uma de três coisas:

    1. Estarmos em frente a uma crise do capitalismo.
    2. Estarmos em frente a uma contração dos espaços de realização da produção. Nesse caso, a Alemanha está a sobreviver à crise à custa da crise dos países do sul da Europa. Assim como a Europa e os EUA sobreviveram à crise de 1973 pela exploração das crises da década de 1980 e 90 na América Latina e em África.
    3. Estarmos frente a um deslocamento dos espaços de realização da produção do norte do oceano Atlântico para o Pacífico.

    Como diria alguém: “prognósticos só no fim”. Isto é, nós estamos certamente num misto dessas três. E qual dos três terminará por ser o determinante depende da forma como as elites gerirem a crise – portanto, de fatores subjetivos.

    Posto isto, eis o meu desacordo com a vossa análise:

    Se a situação 3 se acabar por impor, como vocês, acham, o fascismo é pouco provável e não pode ser o motivo da nossa briga. Estaremos mais perto de um governo como foi o de Sarney no Brasil que de um governo fascista.

    Se a situação 1 for determinante, é possível que se constitua um fascismo europeu. Estou convencido – embora não seja especialista no assunto – que o nacionalismo fascista surgiu pela necessidade de legitimar o Estado nacional como reconstrutor do capitalismo. Hoje em dia, os capitalistas europeus quererão fazer o mesmo com as instituições comunitária. E lembrando que, no final do séc. XIX, a identidade nacional portuguesa ainda não estava plenamente constituída, dizer que o Estado nacional é mais legítimo que as instituições europeias é um mau argumento.

    Por estas duas razões parece-me que a saída do euro não conduzirá ao fascismo. Por outro lado, essa saída é mais ou menos como a renegociação da dívida: inevitável! Tanto pior para nós quando nos for imposta pelos outros e não for conquistada por exigência nossa.

    Além do mais, é a única forma que temos para combater os traços do cenário 2 na realidade atual.

  11. José Ferreira,
    Sem dúvida que previsões exactas são impossíveis na economia, como sempre que se conjuga uma multiplicidade de factores de peso diferente e determinados de maneira distinta. Mas pensamos que podem ser traçadas grandes linhas, que, se estiverem certas, contribuirão para não nos deixar imobilizados perante mudanças súbitas.
    No que diz respeito a Portugal, um dos aspectos em que o Passa Palavra mais tem insistido, quer com artigos do colectivo quer com contribuições individuais, é que o abandono do euro e a adopção de uma moeda nacional desvalorizada teria como consequência piorar mais ainda as condições de vida dos trabalhadores residentes no país. Em termos muito simplificados, o custo das importações aumentaria, o que agravaria o nível de vida, no que diz respeito às importações de bens de consumo, e comprometeria mais ainda a produtividade, no que diz respeito às importações de meios de produção e matérias-primas. Sem conseguir ser competitivo no mercado externo através de um aumento da produtividade, restaria ao capitalismo português o recurso de ser competitivo mediante o rebaixamento dos custos salariais. Ora, isto exigiria a imposição de uma disciplina e um enquadramento da força de trabalho de que os fascismos deram o modelo. Esta é a nossa principal linha de argumentação, que temos defendido de várias maneiras e com recurso a uma multiplicidade de dados económicos, como se pode ver nos artigos publicados acerca do assunto.
    Outra questão é a de avaliar o papel que o Partido Comunista Português poderia desempenhar naquele processo, e quanto a isto houve em Fevereiro uma polémica, nomeadamente com o artigo de José Nuno Matos (http://passapalavra.info/2013/02/73093 ).
    Quanto ao problema da soberania nacional, sempre evocado por nacionalistas e patriotas, devemos recordar que, em Dezembro de 2010, João Bernardo defendeu a posição extrema de que Portugal não existe (http://passapalavra.info/2010/12/33125 ). Pelos vistos, os capitalistas alemães começaram a chegar à mesma conclusão e desinvestem de Portugal. Isto não impede José Ferreira, no seu último comentário, de adiantar como um dos três cenários que «a Alemanha está a sobreviver à crise à custa da crise dos países do sul da Europa». Não. A Alemanha está a sobreviver à crise à custa da alta produtividade dos processos de trabalho na Alemanha, ou seja, à custa da exploração dos trabalhadores activos naquele país.
    É que, quanto ao problema do abandono da zona euro e das questões de soberania nacional, não nos limitamos no Passa Palavra a uma análise circunscrita às fronteiras portuguesas. Pelo contrário, partimos de um plano que nunca é levado em conta pelos nossos opositores, já que defendemos que a transnacionalização do capital alterou completamente os termos da geopolítica e obrigou a pensar numa nova perspectiva os Estados e o imperialismo.
    Partimos desse plano de análise porque consideramos como motor do capitalismo as relações de exploração ocorridas no processo de trabalho. Assim, consideramos que a história do capitalismo é determinada fundamentalmente pela história das relações sociais de trabalho, que constitui o campo específico da luta de classes.

  12. “No que diz respeito a Portugal, um dos aspectos em que o Passa Palavra mais tem insistido, quer com artigos do colectivo quer com contribuições individuais, é que o abandono do euro e a adopção de uma moeda nacional desvalorizada teria como consequência piorar mais ainda as condições de vida dos trabalhadores residentes no país”.

    Mas isto é supor um cenário implausível. Que a esquerda acumularia força para garantir a saída do euro, mas no segundo imediato perdia essa força! Pois, se a retivesse, podia implantar um conjunto de medidas já identificadas por economistas como o Otávio Teixeira.

    Em poucas palavras. Um manifesto assinado internacional assinado por Louçã, Toussaint e outros afirma “A saída do euro não garante o fim do ‘euroliberalismo’ “. Em poucas palavras: sim, SE for uma liderança liberal a conduzir a saída do euro. Se um uma liderança de esquerda, a frase é falsa. Por uma razão: não há como liderar um processo de saída do euro sem liderar outro processos político (da renegociação da dívida à nacionalização da banca – de que Carvalhas fala, infelizmente, a medo!).

    Abraço

  13. José Ferreira,
    Não desejamos prolongar os debates além do que for necessário para a clarificação das posições respectivas. Por isso nos limitamos agora a acrescentar que para nós, baseados na experiência mundial e na experiência portuguesa de 1974-1975, a esquerda que você menciona é simplesmente o agente de um capitalismo de Estado. Ora, não encontramos hoje em Portugal nenhuma organização dos trabalhadores no plano autónomo, que possa servir de antídoto ao capitalismo de Estado, como ocorreu em 1975. E depois de implantado um capitalismo de Estado mais difícil ainda se torna para os trabalhadores organizarem-se autonomamente. É neste aspecto que o Passa Palavra tem insistido, tanto em artigos colectivos como individuais.

  14. José Ferreira,
    Lamentamos que tenha interpretado tão erradamente o nosso último comentário.
    Pretendemos que o espaço de debate seja usado sobretudo pelos leitores e procuramos restringir as nossas intervenções a um mínimo, sobretudo quando já nos expressámos em artigos.
    Aliás, basta navegar pelo Passa Palavra para verificar que este é um espaço de debate entre os leitores.

  15. Mas vocês acham que eu sou imbecil? Que venho para aqui discutir a bola. Se venho apresentar contradições na lógica dos argumentos do texto é dos autores e não dos leitores que espero a resposta. Aliás, que leitor terá interesse em responder-me?

  16. Aviso aos querelantes: “Se quereis salvar vossa sociedade, chamai os bombeiros!” BERTOLT BRECHT

  17. Os comentários do José Ferreira limitam-se na maioria das vezes a repetir as patranhas do PCP: nacionalização da banca, etc. Aliás, sobre a nacionalização da banca já publiquei aqui no Passa Palavra um artigo sobre o assunto onde defendo que a nacionalização da banca é uma falsa solução.

    Primeiro, porque a nacionalização implica um fortalecimento do Estado, precisamente um dos pilares do capitalismo. Curiosamente os “marxistas” do PCP acham que podem contrapor o mercado ao Estado… Bom, até que os percebo, pois se aspiram um dia instalar-se no Estado, então aí percebe-se a deturpação que protagonizam… E em segundo, a nacionalização da banca implicaria que o Estado português “entrasse pela madeira dentro” para compensar o descalabro que uma saída do euro acarretaria no sistema bancário. As pessoas já se queixam (e com razão) do BPN. Agora, imagine-se o Estado a ter de cobrir as perdas do resto da banca. Claro que os mestres da dialéctica dizem que vão imprimir moeda para compensar essas perdas. Pois, os trabalhadores depois que aguentem a inflação. E nem sequer falo da prática impossibilidade de um país como Portugal controlar o fluxo de capitais na actual arquitectura internacional… Um dia, Garcia Pereira disse que seria fácil Portugal sair do euro pois bastaria colocar o exército e a polícia à porta dos bancos para que os capitalistas não fugissem com o dinheiro. Eu sei muito bem que é mais fácil confundir os capitalistas com os irmãos metralha mas não custava perceber que o dinheiro é muitíssimo mais do que as moedas e as notas de uso corrente… Se calhar o que o Garcia Pereira e todos os nacionalistas de esquerda defendem é que a chamada da polícia e do exército afinal até tem a ver com a antecipação dos conflitos sociais violentos que uma saída do euro comportaria. Se os gestores tecnocratas que estão hoje no poder também tentam antecipar possíveis conflitos, porque os patriotas aspirantes a novos gestores do PC, do MRPP, da CGTP, de sectores do BE, da Rubra, dos movimentos, das FA’s, etc. que aspiram a construir um capitalismo de Estado não procederiam da mesma maneira?

    Mas como José Ferreira nunca discute estas questões estruturais mas apenas se dedica a debater banalidades como os discursos de políticos, ou a repetir os mesmos slogans de décadas sobre o imperialismo, as nacionalizações, etc., devo dizer que o pior das suas intervenções tem a ver com o recorrente recurso ao falso argumento do género “implantar um conjunto de medidas já identificadas por economistas como o Otávio Teixeira”. Ora, só por si, nenhum nome, mas rigorosamente nenhum nome, é selo de autoridade para nada. Acima falei do automatismo cognitivo de citar o Lénine a despropósito. Agora, José Ferreira volta à carga no mesmo comprimento de onda.

    Este tipo de abordagem tem dois grandes problemas. Em primeiro, a menção do nome de alguém prestigiado ou com credenciais surge sempre como antídoto para se pensar por si mesmo. O pensamento académico tem imensos defeitos mas tem o condão de obrigar as pessoas a deixar-se desse tipo de argumentos de autoridade. Alguém que experimente fazer um artigo a sério apenas recorrendo a argumentos desse tipo… Em segundo, o argumento de autoridade só serve para pessoalizar as discussões. O autor A ou B que qualquer um de nós cita não interessa enquanto pessoa mas enquanto um produtor de conhecimento e, portanto, o que deveria estar em causa deveriam ser as teses que alguém apresenta.

  18. Estimado JVA

    Finalmente juntei a paciência e o tempo necessários para responder-lhe.

    Em primeiro lugar, não citei o nome de Octávio Teixeira pelo selo de autoridade. Mas simplesmente porque não sou economista e, como tal, não sei construir e analisar matrizes de insumo-produto. Então, sou obrigado a confiar no ÚNICO que o fez. Ao contrário do Louçã que se limitou a chutar números para o ar. Segundo Octávio Teixeira, mesmo não havendo aumentos salariais, a perda de salário pela inflação dos produtos importados era de 8%. Compare-se com os 15% de salários já perdidos em aumentos de impostos que seriam evitados com a saía do euro.

    Mas citei também o Octávio Teixeira para passar adiante aos argumentos que eu posso sustentar. E esses argumentos são:

    1. O fascismo não é necessariamente nacional. Até é mais provável que seja europeu. Portanto, se a saída do euro pode levar ao fascismo (à reconstrução violenta do capitalismo), a permanência nele também! Os vossos argumentos virão-se contra vocês.

    2. O movimento que vocês fazem anula o papel do Estado como instrumento e alvo da luta de classes. Já falei o suficiente sobre isto nos meus comentários. Estaremos de acordo que esquecer que é preciso conquistar o Estado para destruí-lo não é ser marxista. O vosso movimento de pensamento ignora completamente o Estado e, portanto, as vossas propostas são etérias.

    3. Mas – e agora acrescentando ao que já disse – o caráter etéreo das posições política do Passa a Palavra está no facto de esquecer que as mudanças estruturais só se podem dar na conjuntura. Querer mudar a estrutura esquecendo que os atos são sempre conjunturais é como querer chegar à meta sem começar a correr.

    Sobre este ponto não me vou alongar. Compare-se as análises do Passa a Palavra com esta análise minha já desatualizada. (A conjuntura mudou em fevereiro deste ano. Esse texto é, portanto, aplicável ao período de agosto do ano passado a fevereiro – em especial aos meses de setembro e outubro).

    http://pt.scribd.com/doc/102101799/Desempregados-nao-pagam-dividas-respostas

    Espero agora ter sido suficientemente claro.
    Ficou patente na resposta do JVA que ele não entendeu o meu argumento.

    Abraço

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here