Por João Valente Aguiar

 

A esquerda deveria agradecer as declarações de Luís Montenegro, líder da bancada parlamentar do PSD [Partido Social Democrata, principal partido do governo em Portugal], que compõem o título deste texto. Parece-me óbvio e incontestável que ele fere a dignidade das pessoas. Não é isso que deve ser colocado em causa.

Mas ele diz uma verdade indesmentível: o país não são as pessoas. O país, a pátria, a nação, chame-se o que se quiser, não são as pessoas. Por isso, as declarações que colocaram a “nação da esquerda” em alvoroço merecem duas leituras possíveis.

Por um lado, quando Montenegro afirma que «a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor», ele está a assumir que a situação da economia capitalista está a recuperar e que os efeitos da retoma macroeconómica ainda não chegaram ao conjunto dos trabalhadores. Nesse sentido, as declarações de Luís Montenegro são bem mais esquerdistas do que a maioria da esquerda, precisamente porque ele assume implicitamente o antagonismo entre as necessidades dos trabalhadores e os interesses dos capitalistas. Numa situação de crise, a recuperação económica tem de salvaguardar os investimentos e os negócios das empresas e, só depois, esperar por efeitos de contaminação no emprego e nos salários. Esta é a leitura das classes dominantes e a esquerda faria melhor em realçar este ponto do que andar a chorar por não pertencer à mesma pátria dos dominantes…

Por outro lado, Luís Montenegro consegue dizer, aí já mais explicitamente, que o país é pertença das classes dominantes e não «das pessoas», dos trabalhadores. E aqui Luís Montenegro engana muito menos as pessoas do que a esquerda radical portuguesa. Enquanto um representante das classes dominantes afirma a cisão entre os interesses da nação (isto é, dos capitalistas) e os interesses dos explorados, a esquerda prefere indignar-se da maneira mais irracional possível. É andar pelos blogues e pelas redes sociais do costume e ver as reacções sempre à volta do discurso «e o que é o país sem as pessoas?». Cheguei a ler uma senhora de esquerda lamentar-se com a seguinte expressão: «então não é o povo que faz a nação?».

Tenho pena, mas um direitista lúcido tem mais interesse político do que uma esquerda que só serve para lamentar os limites do nacionalismo dos capitalistas e que, nesse sentido, defende um nacionalismo mais amplo e profundo. Querer integrar os trabalhadores no país (na pátria, na nação) é um exercício que só serve para que os trabalhadores e os explorados não se reconheçam enquanto classe mas que se reconheçam como parte “do país”… Isto é, que se reconheçam como parte do país que é propriedade dos capitalistas. Fundem-se assim interesses políticos de classes sociais opostas.

No fundo, em vez de aproveitar a limpidez das palavras do líder parlamentar do PSD para lembrar às pessoas comuns a centralidade dos antagonismos de classe, a esquerda prefere lamentar os limites da nação capitalista.

Por isso é que eu e outros dizemos que a esquerda é mais nacionalista do que a generalidade das classes dominantes. Para os capitalistas lúcidos e seus representantes, o país são eles, o país é a economia controlada por eles. Para a esquerda, a nação deveria ser constituída por todos os cidadãos, colocando o interesse nacional acima da classe. Os primeiros vão lembrando, de quando em vez, a clivagem social entre si e a classe trabalhadora. Levantam, por isso, temas conexos à organização social em classes. Os segundos querem uma comunidade nacional alargada, que omita a existência da exploração económica. Hoje em dia é mais fácil encontrarem-se menções a temas de classe em declarações das classes dominantes do que na esquerda.

Lembro-me de aí há uns anos um amigo dizer-me que se não fosse a esquerda o capitalismo já não existiria. Na altura aquilo pareceu-me estranho e acabei por não reflectir muito no alcance da afirmação. Hoje tenho a certeza absoluta de que ele tem toda a razão.

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