O imperialismo americano assume, então, uma segunda face: o imperialismo privado vai sendo deslocado – mas não eliminado – em favor de um imperialismo de Estado. Por Fagner Enrique
Da crise de 1929 ao imperialismo de Estado
A “euforia exogâmica” do capitalismo americano dos anos 1920 foi, por fim, bruscamente interrompida, em fins da mesma década. Veio a Grande Depressão de 1929 e, com ela, decepções e desconfianças, tanto dos “homens de negócios”, do big business, quanto do público americano, encorajado a comprar títulos de governos estrangeiros e, agora, penalizado. O fluxo ou o “derrame de dólares” sobre a América Latina, da parte dos investidores privados, grande ou pequenos, é, então, suspenso.
Em primeiro lugar, cessam os empréstimos privados, concedidos sem prudência aos governos latino-americanos, pois, com a crise, além das dificuldades econômicas que ela mesma introduzia, inaugurava-se uma “impontualidade quase universal” [1] dos devedores. Em segundo lugar, o governo americano, presidido por Franklin D. Roosevelt, “insiste em não ser coletor de dívidas” [2], isto é, em não recorrer ao big stick ou, então, a represálias econômicas, penalizando grandes e pequenos investidores: estes são instados a apresentar suas queixas num conselho privado, criado sob a autorização do governo (o Foreing Bond Holders Protective Council), e as queixas, ali apresentadas, não são consideradas assunto diplomático [3]. Aliás, mais tarde, o referido conselho chega até mesmo a ser alvo de uma investigação, conduzida por uma Comissão de Títulos e Câmbios do Congresso [4]. Essas medidas governamentais despertam a fúria dos “homens de negócios”. Por fim, em terceiro lugar, para jogar ainda mais lenha na fogueira, os governos dos países latino-americanos não só não se mostram dispostos a saldar as dívidas contraídas como também, por causa das dificuldades geradas pela crise econômica, são incapazes de fazê-lo, sem contar o nacionalismo econômico [5], que passa a contagiar as classes dominantes desses países ou, pelo menos, uma parte delas.
O Brasil figurava entre os devedores mais difíceis [6]. Por essa época, vigorava no Brasil o direito de qualquer Estado ou município da federação, “por insignificante que fosse”, fazer diretamente empréstimos no exterior: uma consequência da descentralização da República Velha, que tinha por objetivo “dar mãos ligeiras aos negócios financeiros externos dos banqueiros e fazendeiros de café de São Paulo”, servindo, ainda, por extensão natural, “ao ‘golpe’ das oligarquias estaduais e municipais pelo Brasil de ‘tomar dinheiro ao gringo’, sem pensar muito em pagar de volta a dívida” [7]. Não se tratava, porém, de pura velhacaria, pois “se era fato a má vontade da parte de capitais estrangeiros [latino-americanos] em face das falhas de pagamento de juros ou de capitais, frequentemente essa omissão era devida a circunstâncias econômicas” [8]. Osvaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores brasileiro, dizia, por exemplo, em 1939: “todo mundo sabe […] que sou partidário, em princípio, do pagamento das dívidas públicas e creio serem os comunistas os únicos partidários de repudiar as dívidas” [9]. Essa declaração foi feita na ocasião em que Aranha comunicava a disposição do governo brasileiro de reatar o pagamento de juros, em escala reduzida e mediante negociações diretas com os portadores de títulos [10].
A impontualidade era, pelo menos em parte, consequência da “anemia econômica crônica dos países exportadores de um ou de mais de um produto primário”, agravada pela crise de 1929, que “causou […] o desmoronamento de dois terços em valor e de um terço em peso das exportações latino-americanas” [11]. O governo americano não vê alternativa senão intervir, oferecendo novos créditos aos países latino-americanos, para a fúria dos financistas privados. Para o economista Samuel Bemis: “são (não os latino-americanos) mas antes os Estados Unidos que foram explorados pelos latino-americanos… com bastante indiscrição, por ter deixado sua propriedade presa na armadilha da autoridade soberana dessas nações” [12]. E complementa o engenheiro Fred Lavis: “o remate é que o Governo entrou no negócio de emprestar dinheiro por sua própria conta, lançando mão de mais fundos dos mesmos cidadãos que haviam emprestado e perdido seu dinheiro antes” [13]. Para o governo americano, contudo, trata-se de uma decisão pensada para minorar os efeitos da crise econômica: o governo interveio “para encontrar sobretudo os meios dos latino-americanos continuarem pelo menos a comprar produtos norte-americanos” [14]. Ademais, nem tudo foi perda para os interesses privados americanos, pois esses investimentos “abriram os mercados e fontes de matérias-primas das regiões do Sul do Continente aos capitais americanos” [15].
Além de conceder novos empréstimos (de longo prazo e de governo a governo), o governo americano passa a firmar com os países latino-americanos convênios de comércio recíproco (reciprocal trade agreements), os quais reanimaram o comércio interamericano, representando, também, o “principal instrumento de luta dos Estados Unidos para expulsar da América Latina os alemães” [16].
O imperialismo americano assume, então, uma segunda face: o imperialismo privado vai sendo deslocado – mas não eliminado – em favor de um imperialismo de Estado. Roosevelt não só fez uso do Estado como empreendedor privado, para salvar o capitalismo americano; fez uso do Estado, também, como empreendedor imperialista privado, para salvar o imperialismo americano. “De todos os presidentes da república americanos de nosso tempo”, escreve Pedrosa,
o segundo Roosevelt foi o único a levar para a Casa Branca um programa de reformas capaz de atingir as estruturas econômicas do país. Talvez por isso tenha levantado contra si as hostilidades de sinceros homens de negócios como o Sr. Lavis que jamais se conformou com a desconfiança do próprio Governo de sua terra na ação de Wall Street. […] Este era realmente o crime maior, pois punha de lado no mercado do dinheiro os investidores privados para os quais, entretanto, tinha sido elaborada a Lei Webb-Pomerane. E esses investidores, eles mesmos em pessoa, ou por seus filhos ou netos, protestaram então como protestam agora. Não se cansam, realmente, de protestar contra a ideia de empréstimos públicos, a longo termo, pelo Estado mesmo ou sobretudo para investimentos em atividades fundamentais, como Roosevelt fez em 1940, por exemplo, ao Brasil, para a construção de sua primeira usina de aço. Esse protesto se foi tornando numa verdadeira plataforma de toda a poderosa confraria dos homens de negócios americanos que acabou virando em obsessão […] [17].
“Pela primeira vez na história do imperialismo americano”, escreve Arthur Pincus, citado por Pedrosa, “a conexão devedor-credor foi tomada a Wall Street e trazida à esfera das relações intergovernamentais, com os vinte países hispano-americanos, vinte países devedores, como Estados e os Estados Unidos, a única nação credora, como um Estado” [18]. Assim, o governo dos Estados Unidos substitui, quase que completamente, no que se refere à exportação de capitais para a América Latina, o empreendedor capitalista privado [19]. Não se trata, contudo, de uma ameaça de liquidação de toda a estrutura do imperialismo privado, pois as relações de propriedade são mantidas e os lucros não são eliminados: “a ênfase não é sobre a liquidação mas sobre a tendência ao aparecimento de um novo imperialismo dirigido pelo Estado, em coexistência com o velho imperialismo” [20].
A intervenção do Estado se fazia necessária para que a “máquina global capitalista” continuasse a, bem ou mal, funcionar, o que não entrava nas cabeças dos “homens de negócios”, “à espera de um espontaneísmo milagroso que repusesse em funcionamento as eternas leis do mercado” [21]:
tendo partido de 1918 para uma feroz luta concorrencial pelos mercados do mundo, não tardaram muito [os “homens de negócios” americanos] a levar esse famoso comércio a um beco sem saída, isto é, ao esgotamento. Com efeito, de “arranjos e conspiração” para enfrentar os concorrentes em posições iguais, vão, em vinte anos, chegar a uma situação em que têm de “doar” e de “ajudar” para que o jogo das trocas, das vendas e compras possa voltar a funcionar. Partindo do “comércio livre” [22], numa geração conseguiram secar aquele mercado, quando então se viram obrigados a realimentá-lo a poder de donativos para que o seu próprio regime econômico não soçobrasse. Tal evolução mostra que a máquina magnífica de comerciar não pode funcionar indefinidamente lá fora com os seus métodos e processos ditos liberais, sem tornar sáfaras a produtividade e a rentabilidade estrangeiras, especialmente do mundo imenso dos subdesenvolvidos. A máquina global capitalista então emperra e verifica-se a necessidade de suspender seu funcionamento para reabrir a troca, a comunicação, a resposta por meios inteiramente inortodoxos, isto é, fazendo presentes – dar. (Eminentes economistas e mais do que economistas, homens de pensamento, como Gunnar Myrdal, François Perroux, Koechlin e outros inclinam-se a ver na doação fenômeno novo não transitório, mas tendendo a permanecer, institucionalizar-se na nova economia política) [23].
Em suma, a intervenção “inortodoxa” do Estado, dando novo fôlego ao mecanismo das trocas através de “doações”, “presentes”, se fazia, então, necessária, segundo Pedrosa, pelo fato de se ter concentrado, num só país, todo o capital exportável [24].
Na verdade, o Estado já se havia intrometido, pela primeira vez, nos assuntos econômicos, quando da Primeira Guerra Mundial, mas é somente a partir da década de 1930 que ele passa a desempenhar um papel predominante na exportação de capitais para a América Latina, o que, aliás, associava-se, intimamente, a uma nova conjuntura, em que o Estado se tornava, cada vez mais, parte integrante e fundamental da economia americana [25]. Assim, a novidade incorporada por Roosevelt ao capitalismo americano foi fazer do capitalismo de Estado não uma contingência da economia de guerra mas uma realidade dos tempos de paz. E, como corolário do capitalismo de Estado, emergia, também, um imperialismo de Estado.
Ademais, a conjuntura internacional desempenhava, aí, um papel considerável e Roosevelt – além de se ver forçado a realizar uma série de reformas internas, em busca de uma saída para a depressão e para conceder à classe trabalhadora, em matéria de legislação social, um estatuto digno da sua força e do seu papel no conjunto social da nação – via-se, também, obrigado a olhar os horizontes internacionais com olhos menos ortodoxos:
havia no panorama internacional dos anos de 30 a mesma nota sombria do panorama interno de seu país; uma Europa e um mundo devastado pelos desastres da inflação, da depressão, do recesso econômico, dos milhões e milhões de desempregados, e milhões de frustrações familiares e individuais. Ao mesmo tempo, em face do sistema capitalista em colapso, com suas classes dirigentes nos principais países da Europa impotentes, alarmadas, sem forças e energia para romper o circulo mágico da depressão, das limitações impostas pelo tabu da não intervenção do Estado na economia […], ao lado de uma ascensão revolucionária na têmpera das massas proletárias descontentes, novos grupos com métodos bárbaros e inortodoxos se erguiam em várias nações, para alcançar o poder através de votos, se fosse possível, mas também de punhos, de dentes e de balas, com a promessa de arrancar seus países do atoleiro da crise [trata-se, obviamente, do fascismo]. Na extremidade oriental da Europa, um inédito poder perseguia uma experiência nova, a de conduzir as forças até então caóticas da economia sob a disciplina de um plano: a União Soviética que olhava os acontecimentos prudentemente, de fora […] [26].
Além do mais, Roosevelt “tinha consciência, desde a ascensão de Hitler [em 1933], que o destino dos Estados Unidos era participar da guerra ainda mais uma vez” [27], ao mesmo tempo em que o povo americano “vivia alheado aos problemas internacionais, amargurado com as próprias dificuldades da depressão, avesso a qualquer ideia de intervenção política no imbróglio europeu” [28]. Por isso, ele se dedicou a garantir “entre os vizinhos do sul do Continente” um “flanco seguro ante qualquer surpresa” e “apresentou-se então como o bom vizinho” [29]: quer dizer, Roosevelt dava início, então, ao que ficou conhecido como a “política da boa vizinhança”.
Política da boa vizinhança e defesa do hemisfério
Faz parte dessa política, por exemplo, a suspensão da Emenda Platt, em 1934, medida saudada, em toda a América Latina, como “uma prova positiva no sentido de melhorar suas relações com os Estados Unidos”[30]. Em seguida, em 1936, os Estados Unidos assinam a Declaração sobre Solidariedade e Cooperação Interamericana, na Conferência Interamericana de Consolidação da Paz, em Buenos Aires, a qual declarava “inadmissível a intervenção de qualquer uma delas [das ‘Partes Contratantes’], direta ou indiretamente, e por qualquer que seja a razão, nos negócios internos e externos de qualquer das outras Parte” [31]. Além disso,
a crise econômica e a ausência de condições para uma contínua política expansionista no exterior tornavam mais brandas as relações entre o grande país imperialista e o resto do Continente, e os negócios se tratavam então sem a costumeira arrogância ianque, em termos mais pacíficos e menos ambiciosos [32].
Além do mais, conforme a política da boa vizinhança chegava ao seu ápice e se pacificavam as relações entre os Estados Unidos e a América Latina, com a política de força sendo substituída, paulatinamente, pelo entendimento civilizado e amigável, acentuava-se a dominação dos Estados Unidos sobre a economia latino-americana. Ou seja, na medida em que a dominação política ia desaparecendo, a dominação econômica ia se consolidando [33].
O imperialismo rival (alemão) tinha de ser repelido das Américas, bem como combatido na Europa. Entra em cena, por aí, a bandeira da “defesa do hemisfério”, que os dirigentes americanos vão, agora, balançar. Manter relações amigáveis com os países latino-americanos – sobretudo com o Brasil, que tinha, para os Estados Unidos, uma localização geográfica estratégica – tornava-se vital, mesmo porque estes viam crescer o seu poder de barganha, visto serem produtores de materiais estratégicos, indispensáveis à condução da guerra [34]. E os governantes e capitalistas latino-americanos chegavam, até mesmo, a se iludir, quer com a dimensão do seu novo poder de barganha, quer com a duração dessa dependência dos Estados Unidos em relação à América Latina.
Por essa época, começavam a chegar ao poder, em outras partes do mundo, mas também na América Latina, governos que buscavam superar o atraso, o subdesenvolvimento, pelo recurso ao chamado “nacional-estatismo”:
a Primeira Guerra Mundial e os críticos anos 1920 e 1930 abriram brechas. […] A consequência foi o esgarçamento dos laços de dependência, criando-se as melhores condições para a formulação de programas políticos autonomistas [no Terceiro Mundo] em torno da estruturação de um Estado nacional, base do que se convencionou chamar de nacional-estatismo. Nacional, pela ambição de tomar cada povo como uma única identidade. Estatal, por ser considerado o Estado o melhor instrumento histórico para articular a vontade nacional na direção de um processo autônomo de modernização [35].
Nesse sentido,
esboçaram-se projetos ambiciosos com as seguintes características comuns: um Estado forte e intervencionista, quase sempre autoritário, quando não, ditatorial; um planejamento mais ou menos centralizado; um movimento nacional, um partido ou, no limite, o próprio Estado, ou uma de suas agências (por exemplo, o Exército), capaz de congregar as diferentes classes em torno de uma ideologia nacional e de lideranças carismáticas, baseadas em uma associação concertada entre Estado, capitalistas e trabalhadores, articulados em perspectivas corporativistas. Era aí disseminada a crítica aos princípios do capitalismo liberal [36].
No que se refere especificamente à América Latina e ao nacional-estatismo,
a Primeira Guerra Mundial foi um momento de reflexão sobre o estado de dependência da região. De fato, depois da guerra, entabulou-se uma discussão sobre se procederia às antigas práticas livre-cambistas ou se o Estado deveria desempenhar uma função mais ativa na promoção do desenvolvimento econômico [37].
Mas, voltando à política da boa vizinhança, esta, na verdade, desde o início,
se destinava ao mundo inteiro e não propriamente aos vizinhos do sul. Dirigia-se à Rússia, talvez, em primeiro lugar, com quem [o Presidente Roosevelt] reatava as relações diplomáticas de seu país, interrompidas desde a revolução, cheio, aliás, de esperanças de que se fosse entender muito bem o Kremlin, tanto no domínio político como no das relações comerciais [38].
Assim, no ano seguinte à ascensão de Hitler ao poder, em 1934, o governo americano cria a primeira instituição destinada a operacionalizar as exportações de capitais públicos americanos: o Export Import Bank [39]. Também em 1934, cria-se um Fundo de Estabilização. E, em 1939, cria-se uma Agência Federal de Empréstimos [40]. Em contrapartida, para que um país recebesse os investimentos, eram feitas algumas exigências: “o país pretendente a créditos deve ter regulado o estado de suas dívidas ou feito alguma indenização […] em contrapartida por suas ‘expropriações abusivas’” [41]. Além disso, o governo americano “pedia alinhamento dos governos a quem servia em dólares”, na forma de “bases aéreas e navais”: com isso, “as missões militares americanas se instalaram por todo o Continente, principalmente na América do Sul e notadamente no Brasil” [42].
Percebe-se, portanto, como as considerações estratégicas (políticas e militares) dos dirigentes americanos, dos gestores do Estado, que têm por objetivo, sem dúvida, salvar o capitalismo e o imperialismo americanos, passam para o primeiro plano das políticas públicas, para o desagrado dos “homens de negócios” americanos, liberais ortodoxos, pois, para amparar economicamente suas estratégias políticas e militares, o Estado americano faz uso, em maior ou menor medida, do capitalismo e do imperialismo de Estado [43]. Daí em diante, interesses privados e considerações políticas e militares entrarão, volta e meia, em conflito, o que tornará necessário, no futuro, colocar as pessoas certas no lugar certo, isto é, no governo [44].
A pressão do empresariado é grande e quem vai formular, já nos anos 1940, um “programa interamericano de desenvolvimento”, com o qual o governo americano pretende assegurar, durante a Segunda Guerra Mundial, o alinhamento dos países latino-americanos aos Estados Unidos, dos pontos de vista político, militar, econômico, ideológico etc., é, justamente, um dos “homens de negócios” americanos: Nelson Rockefeller. E o programa de Rockefeller seria, obviamente, um programa “no qual o Governo e os negócios privados fossem partes” [45]: em 1940, esse programa é transformado em ato, pelo presidente, e Rockefeller é chamado a executá-lo, enquanto Coordenador dos Negócios Interamericanos [46]. Um resumo do programa:
1) auxílio direto às Repúblicas americanas para capacitá-las a preservar sua estabilidade interna; 2) reduzir as necessidades de câmbio externo das Repúblicas latino-americanas por meio de um ajuste de seus serviços de dívidas à sua capacidade de pagamento, e isso até poder-se empreender uma atividade desenvolvimentista suscetível de aumentar a capacidade de fazer frente a obrigações financeiras, antigas e novas; 3) utilizar a Comissão Interamericana de Desenvolvimento para estimular o comércio entre as diversas repúblicas, desenvolver-lhes os recursos e prestar assistência à sua industrialização, por meio de empréstimos de longo prazo, e ‘harmonizar o pessoal e a política ou publicidade de diversas agência oficiais encarregadas de objetivos de defesa do hemisfério’” [47].
Contudo, uma preocupação inquietava os espíritos dos “homens de negócios”, que “não pensavam tranquilos, com segurança, na evolução da situação e dos acontecimentos” [48].
As ilustrações são de Eliseu Visconti.
Notas
[1] Cf. Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, 1966, pp. 42-43.
[2] Como colocado por um dos representantes do big business, o engenheiro Fred Lavis, citado diversas vezes por Pedrosa (cf. id., ibid., p. 43).
[3] Cf. id., ibid., p. 46.
[4] Cf. id., ibid., p. 47.
[5] Pedrosa reproduz este trecho de um artigo do jornalista e escritor americano Arthur Pincus, publicado nos anos 1940: “por toda a América Latina a memória ainda está viva dos abusos perpetrados pelos financistas americanos nos idos de 20. Um industrial ou banqueiro nativo em um país como o México, Brasil ou Chile clama como um stalinista do ‘terceiro período’ em sua denúncia da exploração e voracidade imperialista… O nacionalismo econômico o apoia; e o novo capital americano privado ou era totalmente […] impedido de entrar na América Latina, ou então era tão amarrado por tantas restrições e taxas antiestrangeiras que muito[s] poucos deles tomariam o risco”. E Pedrosa conclui: “na realidade as transações financeiras decorrentes dos empréstimos não foram saldadas à satisfação nem dos credores, isto é, da maioria dos tomadores de títulos – como sói acontecer, de acordo com as leis da acumulação capitalista em operações desta ordem – nem dos devedores que pouco viram do dinheiro. Naturalmente, o resto das operações pesou durante muito tempo sobre as relações do governo americano e governos latino-americanos, principalmente o brasileiro (id., ibid., p. 42)”.
[6] Cf. id., ibid., pp. 128-129.
[7] Id., ibid., p. 42.
[8] Id., ibid., p. 43.
[9] Id., ibid., p. 129.
[10] Id., ibid., p. 129.
[11] Id., ibid., p. 44.
[12] Id., ibid., p. 46. O mesmo economista já foi mencionado no primeiro artigo desta série.
[13] Id., ibid., pp. 47-48.
[14] Id., ibid., p. 45.
[15] Id., ibid., p. 45. Em outra citação de Pedrosa do economista Samuel Bemis, lê-se: “os Estados Unidos emprestaram cerca de dois bilhões de dólares às repúblicas latino-americanas entre 1920 e 1928. Antes de findar 1938, já haviam recebido um bilhão e quatrocentos milhões de dólares como pagamento de juros e principal da dívida, ao mesmo tempo em que se estimava o mercado das dívidas em suspenso em quinhentos milhões de dólares. Uma perda líquida de capitais se deu, pois, de cem milhões de dólares (1,5 por cento). Bom resultado, comparado à contração da renda nacional provocada nos Estados Unidos pela crise (id., ibid., p. 45)”.
[16] Id., ibid., p. 45.
[17] Id., ibid., p. 48.
[18] Id., ibid., p. 48.
[19] Id., ibid., p. 49.
[20] Id., ibid., p. 49.
[21] Id., ibid., p. 30.
[22] Com a promessa de que, ao fim das transações realizadas “livremente”, isto é, com “livre comércio” e “redução de tarifas”, tornar-se-iam os países latino-americanos tão ricos quanto eles (cf. id., ibid., pp. 51-52).
[23] Id., ibid., p. 52.
[24] Id., ibid., p. 120.
[25] “O fenômeno da fusão da indústria privada com agências governamentais já aparecera com formas assaz definidas, por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Com a crise generalizada de 1929 e a Segunda Grande Guerra, o que foi transitório, esporádico, de emergência, passa a ser parte integrante da vida econômica nacional [dos Estados Unidos] e a participação oficial nessa vida também cresce ainda mais violentamente. Desta vez para permanecer (id., ibid., p. 72)”.
[26] Id., ibid., pp. 29-30.
[27] Id., ibid., p. 127.
[28] Id., ibid., p. 127.
[29] Id., ibid., p. 127.
[30] Id., ibid., p. 31.
[31] Id., ibid., p. 91.
[32] Id., ibid., p. 85.
[33] Id., ibid., p. 85.
[34] A certa altura, Pedrosa faz menção a vinte e seis materiais de guerra considerados estratégicos (cf. id., ibid., p. 88).
[35] Daniel Aarão Reis, Ditadura e democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Zahar, 2014, pp. 18-19.
[36] Id., ibid., p. 20.
[37] Olivier Dabène, América Latina no século XX, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2003, p. 55.
[38] Mário Pedrosa, A Opção Imperialista, [S.l.], Civilização Brasileira, 1966, p. 92.
[39] Voltando à questão de a “política da boa vizinhança” ser ou não específica para a América Latina, Pedrosa cita um outro autor, Olivier Long, que diz que o Export Import Bank “não tinha nenhum vínculo especial com a América Latina. […] o mesmo banco foi criado para ‘facilitar com aberturas de créditos o desenvolvimento do comércio russo-americano, sobre o qual os Estados Unidos punham muitas esperanças desde o seu reconhecimento do governo soviético’ (cf. id., ibid., p. 92)”.
[40] Id., ibid., p. 46.
[41] Id., ibid., p. 46. Por “expropriações abusivas”, Pedrosa refere-se às suspensões de pagamentos de dívidas e às nacionalizações de recursos naturais ou de indústrias consideradas de interesse nacional, por parte dos países latino-americanos, como, por exemplo, a nacionalização do petróleo no México (cf. id., ibid., p. 61).
[42] Id., ibid., p. 134.
[43] Em 1940, num simpósio para estudar como defender economicamente o hemisfério ocidental, o engenheiro Fred Lavis, já citado, diz que “a situação só pode ser satisfatoriamente resolvida, nos negócios com o nosso Continente… se se deixarem os negócios com os homens de negócios, as finanças com os financistas e o Governo com os funcionários (id., ibid., p. 51)”.
[44] É preciso levar em conta que, apesar de tudo, as corporações privadas americanas nunca perderam, para o Estado, o monopólio dos mercados e das fontes de matérias-primas. Pelo contrário, nesse sentido, segundo Pedrosa, dá-se, nas décadas de 1930 e 1940, “uma espécie de divisão de trabalho magistral entre o Estado americano, mediante seus grandes instrumentos diplomáticos e de financiamento e umas dezenas de grandes empresas e corporações privadas que faziam como que o trabalho de campo. Desde os anos 20 que o comércio americano com a América Latina é dominado por trinta a quarenta firmas. Em geral, essas firmas ocupam posições chave nos seus respectivos setores no mercado nacional, sobretudo em relação à manipulação de preços interna e externamente (id., ibid., p. 81)”.
[45] Id., ibid., p. 99. “Em 1937”, escreve Pedrosa, “o então Jovem Nelson Rockefeller […] parecia demonstrar o propósito de refutar a acusação generalizada de serem as empresas como a de sua família em países subdesenvolvidos meros encraves em território alheio, sem conexão direta com a economia do país e portanto não concorrendo para o desenvolvimento dele (id., ibid., p. 100)”. É natural, portanto, que o programa de Rockefeller pretendesse fomentar o desenvolvimento econômico dos países latino-americanos, por meio de uma parceria público-privada.
[46] Id., ibid., p. 99.
[47] Id., ibid., p. 99. Os grifos são do próprio Pedrosa.
[48] Id., ibid., p. 98.
Esta série reúne os seguintes artigos:
1) a aurora do imperialismo americano
2) um imperialismo de novo tipo
3) a América Latina diante da guerra
4) o contexto da Guerra Fria
5) a América Latina em xeque
6) as reformas contrarrevolucionárias