Discurso de Prestes de 1945 sinaliza o apoio dos comunistas a Vargas

Por onde andou a esquerda nos anos dourados do desenvolvimentismo? Por Manolo

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.

Leia aqui as demais partes do ensaio: [1][2][3][4][5][6][7][8][9][10]

À repartição do mundo entre a burocracia soviética e os burgueses e gestores do dito “mundo livre” durante e após a Segunda Guerra correspondeu uma enorme confusão política e ideológica na esquerda. Mas tudo na verdade começou um pouco antes. O entre-guerras foi período de intenso debate sobre a real natureza da URSS[1]. O debate tinha consequências práticas das mais dolorosas, como o atestam os incontáveis presos políticos russos[2] e aqueles outros tantos que, insistindo na continuação das atividades revolucionárias contra as vontades combinadas de fascistas, nazistas, stalinistas e democratas liberais, eram mortos como moscas pela voragem da perseguição intensificada em tempos de guerra[3]. Mário Pedrosa – jornalista, crítico de arte, veterano da primeira geração de trotskistas brasileiros e crítico dos rumos tomados pelo movimento comunista internacional – sintetizou o que sentiam então os revolucionários dissidentes da época:

As experiências políticas, sociais e econômicas tão profundas e tão decisivas por que passaram os povos europeus nos anos de guerra (naturalmente) mas nos anos anteriores entre a grande depressão e a grande guerra não foram direi assimiladas, mas sequer estudadas e muito menos compreendidas. Nos partidos comunistas imperavam o monolitismo sáfaro e, no fundo, retrógrado do stalinismo, a mais terrível estreiteza teórica e uma combinação do oportunismo com um sectarismo organizatório do mais completo feitio totalitário. A União Soviética fazia então uma política de feroz realismo nacional russo nos países ocupados (amigos ou inimigos) e no jogo com as outras grandes potências de um oportunismo realmente digno delas. Os socialistas (ou comunistas) restantes pelo mundo, quando lúcidos, eram impotentes; quando carregando ainda poderosas massas trabalhadoras atrás deles, não tinham independência em face de seus respectivos governos nacionais e ainda mais rotineiros e sem princípios, no seu oportunismo visceral, que os stalinistas. Daí resultou a impotência teórica generalizada no mundo imenso do socialismo numa prática, consequentemente, inconsistente, contraditória, do mais baixo empirismo. Deste então, o mundo político passou a viver ao deus-dará[4].

Da perplexidade surge um “movimento internacional de reestudo de todo o movimento socialista”, representado por publicações como Socialisme ou Barbarie (fundada em 1949 pelo grupo de Cornelius Castoriadis, Claude Lefort, Daniel Mothé, Edgar Morin etc.), Correspondance (fundada em 1951 por C. L. R. James e Martin Glaberman) e News and Letters (fundada em 1955 pela ex-secretária de Trotsky, Raya Dunayevskaya).

O Brasil não viveu nenhuma exceção a esta regra. Em meados da década de 1940 a esquerda brasileira, quase ao final da longa noite do Estado Novo fascista capitaneado por Getúlio Vargas, estava em frangalhos. (É preciso sempre dar a qualificação mais adequada aos governos capitaneados por Getúlio Vargas, pois há ainda na esquerda quem insista – como Plínio de Arruda Sampaio no artigo “Getúlio Vargas”, que publicou na Terra Magazine de Bob Fernandes – em dizer que “cabe à esquerda resgatar a figura de Vargas (…) a fim de que as novas gerações possam inspirar-se na sua visão e, sobretudo, em seu nacionalismo para defender o país das agressões externas”. Plínio cai no velho erro de considerar o nacionalismo como um elemento positivo para as esquerdas, quando a história demonstra exatamente o contrário – que toda esquerda insuflada pelo nacionalismo abriu flanco para a conversão, mesmo a contragosto, do que deveriam ser movimentos anticapitalistas em movimentos de consolidação do poder de uma classe dominante em ascensão, com a consequente geração de novas formas de exploração e opressão[5]. A história da esquerda brasileira no pós-guerra demonstra-o, como se verá.)

Discurso de Prestes de 1945 sinaliza o apoio dos comunistas a Vargas

O Partido Comunista do Brasil (PCB), abalado pelas cisões que se sucediam desde 1927[6], fustigado pela oposição trotskista, quase totalmente desmantelado pela repressão que se seguiu à frustrada insurreição de 1935[7] e incapaz de consolidar um núcleo dirigente estável desde sua fundação em 1922 até seu quase total desmantelamento pela polícia política estadonovista em 1940[8], encontrava-se, apesar de sua larga base operária, cada vez mais sujeito à influência dos militares e da classe média alta, quase como se houvesse na verdade dois partidos em um. Vivia desde 1943 um período de reagrupamento a partir da iniciativa de grupos locais. Um destes grupos – autoproclamado Comissão Nacional de Reorganização Provisória (CNOP) e composto basicamente por comunistas cariocas – propunha como meio para reforçar a luta antifascista internacional uma “união nacional democrática” com o governo Getúlio Vargas após sua declaração de guerra ao Eixo – o que implicava evitar qualquer ação hostil ao governo. Um segundo grupo – auto-intitulado Comitê de Ação e composto basicamente por intelectuais comunistas paulistas e cariocas como Caio Prado Jr., Mário Schenberg, Victor Konder, Zacharias de Sá Carvalho e David Lerner – não reconhecia a CNOP e buscava formar uma “união democrática nacional” com elementos de esquerda não-comunistas e com liberais. Um terceiro grupo, antecipando as teses de Earl Browder para o PC dos EUA[9] e liderado por Fernando de Lacerda, propunha exatamente o mesmo que o segundo grupo, adicionando como diferencial a proposta de extinção do PCB, tido como desnecessário após a dissolução da Internacional Comunista em 1943[10].

Conferência da Mantiqueira, 1943

Ainda em abril de 1943 o PCB organizou a Conferência da Mantiqueira, onde as posições da CNOP foram reforçadas e um novo núcleo dirigente, composto pela CNOP e militantes baianos e paraenses, foi consolidado. A palavra-de-ordem constituinte com Getúlio marcou um período em que a militância comunista conviveu contraditoriamente com um crescimento espantoso do partido e uma crise de consciência pela aliança com seu mais terrível algoz. Para piorar, o partido, legalizado em 1945 e em busca da consolidação enquanto partido de massas, reagiu estranhamente à onda de greves e mobilização popular que se seguira á deposição de Getúlio Vargas no mesmo ano, dando ordens aos grevistas de 1946 para que “apertassem os cintos”[11]. Quando em 1947, nos primeiros e quentes momentos da Guerra Fria, o PCB teve seu registro cassado e seus deputados tiveram seus mandatos cassados – diga-se de passagem, sem que o partido, craque nas manhas da clandestinidade, houvesse preparado qualquer tipo de estrutura paralela de segurança no caso de alguma eventualidade política[12] – definiu-se logo em seguida, através de dois Manifestos (um de janeiro de 1948 e outro, mais famoso, de agosto de 1950) confirmados no IV Congresso do partido (1954), uma brusca guinada à esquerda: o sucesso da Revolução Chinesa (1949), o fantasma da Terceira Guerra Mundial[13] e a realidade da Guerra da Coreia levaram o partido a iniciar uma luta sem quartel contra um “governo de traição nacional” e “fascista”, exercido na forma de uma “democracia de fachada”, abrindo inclusive brechas para a luta armada (como nos casos de Trombas, Formoso e Porecatu). Findo o governo Gaspar Dutra, ao manter a mesma política e atacar duramente o governo Vargas o PCB conquistou a antipatia popular; isto, somado às duras condições da militância clandestina, levaram a um declínio de militantes: dos cerca de 200 mil filiados entre 1945 e 1947, o partido reduziu-se, após nove anos de clandestinidade, a cerca de 80 mil militantes[14]. A esta decimatio é preciso somar os efeitos deletérios sobre o PCB do XX Congresso do PC soviético: a denúncia dos crimes de Stalin – na verdade crimes de um regime que lançou sobre as costas de um líder morto os problemas de toda uma classe e do exercício de seu domínio político e econômico sobre outras – abriu na imprensa do partido uma discussão que expôs ao público as feridas e traumas de trinta anos. Foi preciso que Prestes mandasse publicar sua famosa “carta-rolha” para colocar o debate “nos eixos”.

O rei está morto. Viva o rei!
O rei está morto. Viva o rei!

A linha política radical durou pelo menos até a Declaração de março de 1958[15]. Neste documento o CC do partido concluiu, a reboque da crise aberta pelo suicídio de Vargas em 1954 – quando populares chegaram a destruir sedes e gráficas do PCB, identificado com a oposição ao presidente morto – e do amplo apoio popular ao governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, que a “revolução no Brasil (…) não é ainda socialista, mas anti-imperialista e antifeudal, nacional e democrática”; daí dizer, como nesta declaração do partido, que “a sociedade brasileira encerra também a contradição entre o proletariado e a burguesia (…) mas esta contradição não exige uma solução radical na etapa atual. Nas condições presentes de nosso País, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo”.

Burguesia progressista em ação: Baby Pignatari

A nova orientação – feita após a expulsão dos revisionistas de direita ligados a Agildo Barata em maio de 1957[16] e dos dogmáticos de esquerda ligados a Diógenes de Arruda Câmara em agosto do mesmo ano[17] – foi, na verdade, uma ratificação daquilo que desde 1952 já era prática comum do setor sindical do partido, refratário à linha esquerdista do manifesto de 1950 e partidário de amplas alianças com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); sua confirmação no V Congresso do PCB (1960) representou o atrelamento definitivo do partido ao nacionalismo e ao desenvolvimentismo, e aprofundou a aliança com “setores progressistas da burguesia” esboçada desde pelo menos os primeiros documentos do partido. Mas não se pode dizer que tal orientação fosse simplesmente “míope”, “errada”, “reformista” etc., pois alguns fatos aparentemente a confirmavam: a grande matriz teórico-prática de Luiz Carlos Prestes para afirmar a aliança com a burguesia era não Stalin, mas um relatório das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo onde se apontava a ausência de mercado interno como a diferença entre EUA e Brasil[18]; em 1961 o próprio João Goulart deu dinheiro e “mexeu pauzinhos” no governo para facilitar a conquista da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) por comunistas e petebistas; em 1962 os comunistas tentaram se articular, através do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, com o industrial “Baby” Pignatari em defesa da propriedade da Laminação Nacional de Metais numa concorrência governamental, contra uma empresa estrangeira (articulação que envolveu, inclusive, greve…)[19]. Não obstante, parece mais certo quem avaliou ser isto a exceção, e não a regra[20], pois havia uma tradição arraigada no PCB de superestimar a capacidade da reação e da repressão e confiar na “legalidade”[21].

É esta a política que levou os comunistas galgar postos cada vez mais altos na burocracia sindical e em setores do governo federal. Diz-se que antes de março de 1964, além do aparato sindical organizado no Comando Geral de Trabalhadores (CGT) e de uma coesa rede de colaboradores militares organizados secretamente na Antimil, dispunham de um projeto de autodefesa, aprovado pelo Comitê Central, que previa a criação de fábricas clandestinas de armas, aparelhos secretos e um plano político-militar nas fábricas; o plano não saiu do papel, e no 1º de abril de 1964 militantes comunistas viram-se perseguidos por todos os lado, alguns deles forçados inclusive a dormir na rua para não serem apanhados em casa enquanto tentavam retomar as conexões com a estrutura partidária[22].

Antonio Candido, um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro

Mas nem só do PCB viveu a esquerda brasileira entre os dois generais cujos governos marcaram o início e o fim do período analisado. O antigo Comitê de Ação do PCB teve destino curioso. Parte de seus integrantes uniu-se à corrente “liquidacionista” e formou em 1945 a União Democrática Nacional (UDN), o principal partido da direita liberal entre as duas ditaduras brasileiras do século XX. Outra parte chegou a buscar contato com a União Democrática Socialista (UDS) em reuniões articuladas por Paulo Emílio Sales Gomes. Este grupo do Comitê de Ação e a UDS formariam a Esquerda Democrática (ED), de história menos torpe, cujo manifesto saiu no dia 25 de agosto de 1945. Antonio Candido relembra sua participação na ED junto com Erich Czaczkes:

No meio do ano de 1945 fundaram no Rio a Esquerda Democrática (ED) e nós aderimos. Eu participei da fundação do núcleo paulista e assinei o manifesto de lançamento, mas me afastei logo depois. (…) Apenas me afastei, porque fui trabalhar com o Eric na organização de um grupo de gráficos socialistas. Nós tiramos um jornalzinho chamado Política Operária, e pelo nome já se vê a liderança do Eric. As reuniões eram aos domingos, quase sempre na minha casa, ou na sede do Brás da Esquerda Democrática (ED), que ficava vazia de manhã. A finalidade era agitar o Sindicato dos Gráficos por meio do jornalzinho. Os companheiros eram todos operários, salvo eu e um assistente de estatística da faculdade, Eduardo Alcântara. Os outros eram gente como João da Costa Pimenta, um dos fundadores do Partido Comunista, velhos militantes, como Storti e João Dalla Dea [um dos trotskistas da primeira geração], que contava de que maneira fazia bombas nos seus tempos de anarquista, e uns rapazes: Eustáquio Cicivizzo, Colombo. Foi a única vez que trabalhei em ação direta com um grupo exclusivamente operário. O Eric, o Eduardo e eu mimeografávamos o jornalzinho na sede da Associação Brasileira de Escritores, de manhã, alegando que era material da Esquerda Democrática, que praticamente controlava a Associação. O difícil era difundi-lo no sindicato, que estava nas mãos dos comunistas e dos pelegos. Um de nossos trabalhos foi apoiar a candidatura do Pimenta a deputado estadual na chapa da Esquerda Democrática, o que me valeu censuras dos companheiros da UDS, pois o meu antigo grupo apoiava Germinal Feijó[23].

Osório Borba, socialista pernambucano

Na verdade, a convivência difícil entre ED, UDS e a União Socialista Popular (USP) – fundada em 1945 principalmente por ex-trotskistas do grupo de Mário Pedrosa – seria marcante. Enquanto ED era uma corrente da UDN, nela conviveram desde socialistas convictos como João Mangabeira a liberais conservadores como Gilberto Freyre[24]. A USP era vista como um agrupamento trotskista que pretendia instrumentalizar a ED[25]. A UDS – composta por socialistas independentes, metalúrgicos, integrantes do movimento negro e remanescentes do antigo Partido Socialista (PS) paulista como Aziz Simão – buscava compor uma corrente nacional com a ED, mas havia muita divergência com o núcleo carioca. As divergências, entretanto, não impediram que a ED fosse transformada em Partido da Esquerda Democrática (PED) em 1946. No ano seguinte, sob o lema “Socialismo e Liberdade”, a Esquerda Democrática fundou o terceiro Partido Socialista Brasileiro (PSB)[26]. As divergências iniciais, entretanto, persistiriam, pois duas tendências marcaram o partido em toda sua vida: a tendência carioca, formada por políticos com experiência parlamentar, juristas profissionais, influenciados pelo trabalhismo de Harold Lasky, e a tendência paulista, formada por professores e estudantes com maior experiência em agitação política que em rotinas parlamentares.

Fulvio Abramo, militante socialista
Fulvio Abramo, militante socialista

Ainda em 1947 o PSB se envolveu na luta pela nacionalização das jazidas de petróleo, mas foi ao aliar-se com o Partido Democrata Cristão (PDC) que o PSB conseguiu um de seus maiores êxitos: levar Jânio Quadros (PDC) à prefeitura de São Paulo (1953-1955) e participar da sua campanha ao governo de São Paulo[27]. Embora o PSB não se afirmasse partido operário “puro sangue”, lideranças como João da Costa Pimenta apontavam que o partido estava dividido entre “os que queriam crescer por meio da representação no Parlamento e no Executivo e os que queriam crescer por meio da organização dos trabalhadores”[28] – ou seja, entre os egressos do movimento operário e do socialismo independente e os “doutores”, como João Mangabeira. O envolvimento do PSB com Jânio Quadros fez o partido angariar mais parlamentares – em sua maioria janistas>, não socialistas. A ruptura com o janismo só viria a acontecer em 1960, depois de uma disputa interna acirradíssima, mas o janismo pessebista causou extremo mal-estar nas fileiras do partido. Paul Singer, então militante do partido, relembra esta época:

Em 1953, nós do PSB elegemos Jânio e participamos do governo. Fúlvio Abramo foi secretário de Abastecimento e um outro membro era secretário de Obras. Jânio no início foi bastante progressista, governava com os chamados comitês. Em 1955, quando foi eleito governador, o partido se dividiu, e os janistas tomaram conta do Partido Socialista. Enfim, em 1956 fomos expulsos eleitoralmente da direção.[29]

Maurício Tragtenberg, frequentador de cursos do PSB
Maurício Tragtenberg

Maurício Tragtenberg, nesta época um jovem de vinte e poucos anos recém-expulso do PCB, frequentava os cursos de fim de semana oferecidos pelo PSB; sincero como sempre, não gostava muito do partido:

A princípio, eu achava o Partido Socialista meio babaca, porque o programa dele era eleitoralista, o voto era tudo. Falava muito de democracia, mas não tinha operário, só tinha intelectual e um chamado grupo de centro. Esse grupo era uma espécie de cabeça socialista. Rogê Ferreira, Oliveiros Ferreira, Aziz Simão, o Febus Gikovate. (…) Mas o programa do Partido Socialista de 1945, era um programa do Partido Socialista de 1926[30].

Ainda em 1953 o partido realizou sua V Convenção Nacional, onde foi definida uma linha política que o atrelou definitivamente ao nacional-desenvolvimentismo: industrialização e reforma agrária sob a liderança do Estado – ou seja, dos gestores – planejamento do desenvolvimento industrial, reforma bancária, nacionalização das fontes básicas de energia, taxação progressiva dos mais ricos… O partido crescia, incorporando lideranças do movimento camponês como Francisco Julião e João Pedro Teixeira, ambos das Ligas Camponesas. Na crise que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros e resultou na instauração do parlamentarismo, o PSB atuou de um lado na defesa da posse de João Goulart e de outro no apoio ao movimento sindical, perseguido e censurado Em sua IX Conferência Nacional (1961), diante de um cenário político cada vez mais radicalizado, o PSB propõe a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte resultante de amplo movimento de opinião pública; em 1962, seguindo a radicalização que a conjuntura impunha à esquerda, setores do partido cogitaram seriamente fundi-lo com o PTB, mas a discussão não agradou. Não foi esta a única fusão proposta: negociações foram feitas não apenas com a esquerda do PTB, mas também com a bossa nova da UDN[31] e com a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN)[32]. Tanta agitação resultou em nada: o PSB também foi pego de calças arriadas pelo golpe de 1964, e muitos de seus militantes tiveram direitos políticos cassados com o Ato Institucional n.º 1.

Alberto Pasqualini, intelectual trabalhista

Mas nem só de PCB e PSB viveu a esquerda brasileira. O principal partido da esquerda brasileira entre 1945 e 1964 foi o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado em 15 de maio de 1945 sob a inspiração direta de Getúlio Vargas como seu “braço esquerdo” (sendo o “braço direito” o Partido Social Democrático – PSD). O programa proposto pelo próprio ex-caudilho em 1946 e 1947 era ao mesmo tempo preciso e ambíguo:

O Partido Trabalhista Brasileiro tem dois grandes objetivos a realizar. Um é o de manter intatas as conquistas das leis trabalhistas outorgadas no meu governo. É preciso que nenhuma delas sofra sequer uma restrição, mas que continue a sua evolução normal, batendo-se o Partido Trabalhista para que essa legislação social se vá cada vez mais aperfeiçoando. (…) É que nós estamos, por enquanto, apenas numa democracia política, quando os trabalhadores a têm que completar com a democracia econômica. (…) A democracia econômica não se pode organizar sem o prévio planejamento. Este tem de ser realizado para a economia da coletividade não ser desfrutada por meia dúzia de privilegiados. Esse planejamento econômico é que coloca a produção subordinada aos interesses da comunidade e não aos das minorias. Por conseguinte, nós todos devemos nos empenhar em trabalhar para isso, para a organização dessa democracia planificada, a fim de que ela constitua a defesa dos trabalhadores. (…) O PTB tem um precioso patrimônio a defender e novas conquistas a realizar. O patrimônio e o conjunto de leis sociais que se incorporam na nova Constituição. As novas conquistas são a regulamentação da participação de lucros e da remuneração nos domingos e feriados. E ainda uma revisão imediata dos salários, para reajustá-lo ao nível do custo de vida. Esse programa social está incorporado aos postulados da religião e representa a primeira etapa das aspirações sociais do povo. A evolução política do Brasil se deve processar em ordem, com disciplina e respeito ás autoridades. Não precisam nem precisarão recorrer a greves, porque a bancada trabalhista, na Câmara e no Senado, defenderá intransigentemente as fórmulas mais práticas para a solução dos seus problemas. (…) Evolução é o nosso programa. E para a evolução o povo precisa de paz e de ordem e o Brasil de tranquilidade e confiança.[33] O caminho da evolução social é o socialismo, e não o materialismo histórico. (…) O Brasil socialista, o Brasil de amanhã, se projetará no concerto das nações, com o concurso do vosso exemplo e da vossa altivez, como um país que compreende a evolução e realiza a sua transformação no quadro superior das ideias, sem ódios, sem paixões e sem rancores, assegurando a todos o direito de viver com dignidade.[34]

Alberto Guerreiro Ramos
Alberto Guerreiro Ramos

Um socialismo sem desordem; uma evolução sem sobressaltos. Eis o núcleo duro do programa do PTB: um meio-termo entre as classes diretamente dirigido por pelegos, parlamentares e tecnocratas da Previdência Social e do Ministério do Trabalho. O PTB, como braço gestorial entre os trabalhadores urbanos, não poderia deixar de ser defensor intransigente das políticas industrializantes; desde que se tratasse de um desenvolvimentismo de caráter nacionalista, pois era este o campo ideológico em que se situava, toda e qualquer política de desenvolvimento econômico que beneficiasse os trabalhadores ao mesmo tempo em que promovesse a industrialização seria uma política a ser defendida. O programa original do PTB chegava a defender a Constituição de 1937 – aquela mesma, a do Estado Novo – pretendendo que qualquer reforma constitucional, mesmo aquelas  que “se fazem necessárias para adaptação do Estatuto às condições do povo brasileiro dentro do momento universal”, não deveria modificar “as linhas mestras da Carta do País”[35]. Propugnava ainda a extensão dos direitos trabalhistas aos servidores públicos e “evitar o êxodo das populações campesinas” através de extensão a eles dos mesmos direitos garantidos aos trabalhadores urbanos[36]. Sua linha política geral é a do desenvolvimentismo nacionalista influenciado simultaneamente pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e por todo e qualquer governo que lhes garantisse domínio absoluto sobre o Ministério do Trabalho.

Seria realmente muito difícil qualificar o PTB como partido de esquerda, não fosse ele dividido em três alas: os sindicalistas ligados ao Ministério do Trabalho, os pragmáticos diretamente inspirados por Getúlio Vargas e os ideológicos, inspirados principalmente por Alberto Pasqualini, mas abertos à influência de John Maynard Keynes, de Rosa Luxemburg, dos socialistas fabianos (Harold Laski, Graham Wallas, George Bernard Shaw, Sidney e Beatrice Webb etc.) e do exemplo do gabinete trabalhista britânico de Clement Attlee (1945-1951), dentre outras fontes[37]. É nestas duas últimas linhas partidárias onde proliferarão uma ala esquerda, majoritariamente composta por militantes jovens – cuja participação na radicalização da política latino-americana ocorrida entre a última manobra política de Vargas e a Revolução Cubana (1959) levou-os do simples interesse pela “questão social” e das campanhas de massa (“O petróleo é nosso” etc.) ao engajamento revolucionário – e uma ala negra, bastante próxima à ala esquerda, que tinha em Alberto Guerreiro Ramos um de seus principais representantes[38].

A esquerda brasileira, entretanto, não era apenas isto. Havia outras organizações, críticas às políticas das organizações majoritárias, cuja atuação tem importância destacada no período.

(Continua na sétima parte deste ensaio.)

Notas

[1]: O leitor que queira mergulhar de cabeça neste debate pode começar com Os sovietes traídos pelos bolcheviques de Rudolf Rocker (São Paulo: Hedra, 2010) e as Memórias de um revolucionário de Victor Serge (São Paulo: Companhia das Letras, 1987), passando pela “Revolução” contra a revolução de Nestor Makhno (São Paulo: Cortez, 1988), pelo panfleto da Oposição Operária escrito por Alexandra Kollontai (São Paulo: Global, 1980), pelos artigos de Errico Malatesta reunidos em Anarquistas, socialistas e comunistas (São Paulo: Cortez, 1989) e pela Revolução traída de Trotski (Lisboa: Antídoto, 1977). O leitor que pretenda se aprofundar no assunto precisará consultar a excelente coletânea A natureza da URSS, organizada por Artur Castro Neves (Porto: Afrontamento, 1977);  Os bolcheviques e o controle operário de Maurice Brinton (Porto: Afrontamento, 1975); A luta de classes na União Soviética de Charles Bettelheim (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976); e a monumental História da Rússia soviética de Edward Hallet Carr (Porto: Afrontamento, 1979).

[2]: O debate sobre a natureza da URSS havido nas prisões soviéticas, de muito interesse para historiadores de todos os matizes, foi resumido por Ante Ciliga em seu livro Au pays du mensonge déconcertant (Paris: Plon, 1958, pp. 93-236)

[3]: A série Os náufragos, de João Bernardo, cujas partes [1], [2], [3] e [4] estão no Passa Palavra, faz rápida crônica deste capítulo da história internacional da infâmia.

[4]: PEDROSA, Mário. A opção imperialista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, pp. 281-282.

[5]: A série Marxismo e nacionalismo, de João Bernardo, publicada no Passa Palavra entre maio e junho de 2009, mostra os problemas desta identificação entre esquerda e nacionalismo; a parte 4 é particularmente interessante neste caso.

[6]: As primeiras cisões em 1927 resultariam na consolidação do Grupo Comunista Lenine, embrião do trotskismo no Brasil (já analisada na 2ª parte do ensaio Mário Pedrosa político). A cisão de 1937, ocorrida na esteira dos eventos posteriores à insurreição gorada de 1935, será comentada mais adiante.

[7]: Preso em 1940, Leôncio Basbaum, ex-dirigente comunista, recebia os seguintes informes: “Diziam-me que a cisão verificada em 37, por causa das candidaturas de Armando Salles e José Américo, se agravara, e toda a região de S. Paulo se afastara do partido. Diziam ainda que no Rio, o Partido tinha quase todo desaparecido, embora houvesse surgido um pequeno grupo, a que chamavam CNOP, tentando rearticulá-lo. (…) É a partir de 1942, ou talvez 43, que (…) nossas conversas (…) depois de algumas hesitações, em que nos estudávamos mutuamente [Basbaum e seus companheiros de prisão], acabavam caindo sobre o Partido, ou o que dele restava: nada. Mas se confessavam dispostos, alguns deles, a recomeçar tudo”. (Uma vida em seis tempos (memórias): uma visão da história política brasileira dos últimos quarenta anos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, pp. 173, 177)

[8]: DEL ROIO, Marcos. “Os comunistas, a luta social e o marxismo”. Em: RIDENTI, Marcelo e REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil, vol. 5: partidos e organizações dos anos 1920 aos 1960. Campinas: EdUNICAMP, 2007, p. 68.  Não custa lembrar, como ilustração, a lista de secretários-gerais do partido entre 1922 e 1943: Abílio de Nequete (1922), Astrojildo Pereira (1924-1930), Heitor Ferreira Lima (1931), Fernando Paiva de Lacerda (1931-1932), José Vilar (1932), Duvitiliano Ramos (1932), Domingos Brás (1932), Antonio Maciel Bonfim (1933-1936), seguido por um hiato (a repressão esfacelara o partido) até que Luís Carlos Prestes assumiu longa e definitivamente o cargo graças ao trabalho da CNOP.

[9]: Earl Browder, sindicalista estadunidense contemporâneo de Eugene V. Debs, William “Big Bill” Haywood, William Z. Foster e James P. Cannon, militava no Partido Socialista dos EUA desde 1907, tendo saído da organização junto com o grupo que viria a formar o Partido Comunista dos EUA em 1921. Alçado à secretaria geral do partido em 1930 após um ataque cardíaco de seu antigo titular Willam Z. Foster, levou o partido a apoiar o new deal rooseveltiano. Preso em 1940 nos EUA por viajar rumo à URSS com passaporte falso, foi solto logo após a entrada dos EUA na guerra ao lado da URSS. Em 1944, antecipou em nove anos a teoria da coexistência pacífica entre as duas potências, mas levou tal teoria ao extremo de defender a coexistência pacífica entre classes e a desnecessidade dos partidos comunistas. Em 1945 o líder comunista francês Jacques Duclos circulou uma carta onde denunciou o “browderismo” como “liquidacionista”; na ausência dos instrumentos da Internacional Comunista, extinta em 1943, Moscou usou a carta como meio para comunicar seu desagrado. O “browderismo” influenciou profundamente as ações dos partidos comunistas por todas as Américas até que um longo período de “autocríticas” e a expulsão de Browder do PC estadunidense em 1946 estancou a sangria. V. DUCLOS, Jacques. “On the dissolution of the Communist Party of the United States”. Em: FOSTER, William Z. e outros. Marxism-leninism vs. Revisionism. New York: New Century Publishers, 1946, pp. 21-35; LÖWY, Michael. “Introdução: pontos de referência para uma história do marxismo na América Latina”. Em: O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais. 2ª ed. ampl. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006, pp. 31-35.

[10]: RODRIGUES, Leôncio Martins. “O PCB: os dirigentes e a organização”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira, tomo III (O período republicano), vol 3 (sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 404. Leôncio Basbaum (ob. cit., p. 179) diz que “havia uma forte corrente entre os antigos comunistas que acreditavam que ‘o PC não tem mais vez’, dado que os países imperialistas, os Estados Unidos e a Inglaterra, estavam lutando ao lado da União Soviética. Esses camaradas eram conhecidos como ‘liquidacionistas’”.

[11]: Em seu livro Um imigrante e a revolução: memórias de um militante operário 1934-1951 (São Paulo: Brasiliense, 1983) Eduardo Dias testemunha os zigue-zagues do pós-guerra. A postura antigreve em 1946 levou os comunistas a serem “escorraçados pelos operários”; o apoio a Adhemar de Barros para governador não resultou em outra coisa além de “bordoadas no povo”; isto leva o PC a dar ordens para combater o governador, mas apenas depois de serem assassinados três comunistas em emboscada; o apoio do PC iria agora para Jânio Quadros, “este, sim, era o bom, diziam”, mas “logo mais, por artes não se sabe de que gênio diabólico, não seria mais este o bom”… Tanto vai-e-vem resultava em que “as bases esperneavam. Seus membros escapavam pelos dedos das mãos. Desapareciam nas sucessivas reuniões, até a dissolução da célula. Alguns mais teimosos juntavam-se a outros de outras bases, formando uma que, por sua vez, na sequência das absurdas tarefas, foram se dissolvendo.” Tudo isto porque, nas palavras de um certo “Arruda”, “esta posição do partido se deve à delicada situação em que se encontra a União Soviética ao término da guerra. Os companheiros de Moscou temem uma nova agressão à URSS e esta não está em condições de enfrentar esse novo confronto com os países capitalistas. Temos de ir com calma em nossas reivindicações aqui” (pp. 56-58). Não por acaso, a tática encontrada por Eduardo Dias e seus companheiros para escapar desta teia burocrática e não se prenderem ao artificialismo dos Comitês Populares de 1945-1946 – que toda célula partidária deveria ajudar a construir, mesmo sabendo que pouco ou nada teriam a ver com as necessidades concretas do povo – foi montar uma organização de base mais adequada à sua própria realidade: o Clube Esportivo Dínamo Paulista, com o qual voltaram a ganhar credibilidade junto a seus vizinhos de bairro e puderam reorganizar o partido.

[12]: O espírito “legalista” é bem demonstrado por um episódio tristemente curioso relatado por Maurício Tragtenberg: “Quanto a mim, tinha lido os clássicos marxistas e verifiquei, por conclusão própria, que toda essa linha que se espalha, de colaboração de classe, de burguesia progressista, não tinha pé nem cabeça, e ia levar o Partido a um beco sem saída. Ou melhor, ia entregar o Partido de mão atada ao Estado, que ia fazer dele o que quisesse. Isso aconteceu em 1947, quando o Partido foi posto na ilegalidade por decreto. E não houve uma reação contra isso. No bairro do Belém, onde eu morava, o pessoal do Comitê fez questão de entregar todas as caixas de fichas de pessoas que havia lá, para a polícia. Por quê? Para não sair da legalidade, argumentando que quem estava na ilegalidade era a polícia, não o Partido, e assim foram entregues… Acho que isso somente serviu para aumentar os arquivos da polícia política, que já não deviam ser pequenos” (Memórias de um autodidata no Brasil. São Paulo: Escuta, 1999, p. 85)

[13]: Não foram os únicos. Mesmo no seio da IV Internacional, a perspectiva de um novo conflito mundial foi determinante para algumas definições táticas a serem comentadas mais adiante nesta mesma série. E mesmo dissidentes da IV Internacional como o grupo reunido na revista Socialisme ou Barbarie mantiveram a Terceira Guerra Mundial como tema constante em seus primeiros documentos públicos.

[14]: CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 182.

[15]: Graças aos esforços da equipe do Arquivo Marxista na Internet, encontram-se hoje disponíveis na internet os documentos “Nossa política: as tarefas atuais dos comunistas para a organização, a unidade e as lutas da classe operária” (conhecido como “Manifesto de Agosto de 1950”); os documentos do IV Congresso do PCB (1954); e a “Declaração sobre a política do PCB” (1958).

[16]: A propósito deste grupo, transcrevo certa nota de rodapé de um excelente livro sobre a história do trotskismo brasileiro que me deixou de orelhas em pé: “…a Revista Brasiliense foi lançada em fevereiro de 1955. (…) Os chamados “renovadores”, que participaram da cisão de Agildo Barata, pouco aparecem nas páginas da revista. (…) No nº 12, Agenor Parente, Fernando Henrique Cardoso e Fernando Pedreira, que se afastaram do PCB em meio à crise provocada pelo XX Congresso do PCUS, escreveram artigos. (…) Embora a Revista Brasiliense não tenha veiculado os debates do PCB, nem aglutinado lideranças expressivas dos “renovadores”, pode-se supor que a abertura de suas páginas e a inclusão de Fernando Henrique Cardoso e Fernando Pedreira, por um curto espaço de tempo, no Conselho Editorial tenha representado uma convergência política transitória” (LEAL, Murilo. À esquerda da esquerda: trotskistas, comunistas e populistas no Brasil contemporâneo (1952-1966). São Paulo: Paz e Terra, 2003, pp. 89-90). Procurei a morrer qualquer referência que confirmasse a militância comunista do Príncipe dos Sociólogos ou sua participação nos debates de 1956-1957, mas não encontro rigorosamente nada. A julgar por esta nota, ele pertenceu ao grupo dos “renovadores” de Agildo Barata, e teve papel de destaque dentro desta facção. Aos profissionais da História, pergunto: é possível encontrar outras referências ratificadoras deste fato que, para tantos que não conhecem a história do PCB, será certamente uma descoberta das mais impactantes?

[17]: A expulsão deste grupo do seio do CC do PCB foi o início das divergências internas que deram origem, em 1962, ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Na primeira parte deste ensaio está indicada, em nota, a lista de livros e documentos nos quais o leitor interessado poderá se aprofundar na história desta organização. Como está dito naquela parte, o PCdoB não será analisado aqui porque, não obstante sua relevância no cenário da esquerda brasileira, neste período ele era apenas uma dissidência em busca de apoio externo; apenas num período político posterior ao golpe de 1964, data-limite deste ensaio, o partido terá alguma interferência real nos rumos da política brasileira.

[18]: ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues de. “Insistente desencontro: o PCB e a revolução burguesa no período 1945-1964”. Em: MAZZEO, Antonio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003, p. 91.

[19]: MARANHÃO, Ricardo. “O Estado e a política ‘populista’ no Brasil (1954-1964)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 285-294.

[20]: COHN, Gabriel. “Perspectivas da esquerda”. Em: IANNI, Octavio (org.). Política e revolução social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 147.

[21]: Não bastassem fatos como aqueles citados na nota 12, há ainda as dezenove famigeradas cadernetas de Prestes, capturadas pela ditadura e usadas para incriminar 74 militantes de diversos escalões do partido.

[22]: MIR, Luís. A revolução impossível. São Paulo: BestSeller, 1994, pp. 115-144.

[23]: SADER, Eder e BUCCI, Eugênio. “Memória: Antonio Candido”. Em: Teoria e Debate, 02, mar. 1988.

[24]: VIEIRA, Margarida Luiza de Matos. “O Partido Socialista Brasileiro e o marxismo (1947-1965)”. Em RIDENTI, Marcelo e REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil, vol. 5: partidos e organizações dos anos 1920 aos 1960. Campinas: EdUNICAMP, 2007, p. 178.

[25]: Idem, p. 174.

[26]: Descontados o Partido Operário do Brasil (1890), o Partido Operário de São Paulo (1890), o Partido Operário Brasileiro (1893), o Partido Operário Socialista (1895) e o Partido Socialista do Rio Grande do Sul (1897), todos efêmeros e restritos geograficamente (salvo no caso gaúcho) ao Rio de Janeiro e a São Paulo, o primeiro socialista digno do nome no Brasil é o Partido Socialista Brasileiro (PSB), cuja fundação remonta ao congresso socialista de 1902. O partido tinha um jornal diário (Avanti!) e era grandemente influenciado pelas ideias do imigrante italiano Antonio Piccarollo, que defendia um curioso reformismo étnico: como o Brasil não dispunha de uma burguesia empreendedora e a Europa já a tinha, a pauta política dos socialistas deveria resumir-se a apoiar os imigrantes industriais (os Matarazzo, os Crespi, os Martinelli, os Pugliese etc.) para que estes formassem a burguesia nacional, passo este absolutamente necessário para que o Brasil chegasse ao capitalismo e, posteriormente, ao socialismo. (Cf. CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas. 2ª ed. Brasília: EdUnB, 1985; HECKER, Alexandre. “O socialismo brasileiro: a outra esquerda”. Em: MAZZEO, Antônio Carlos e LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações Vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003, pp. 271-280) Houve também, nas primeiras décadas do século XX e sob a vigência do federalismo forte da República Velha, um Partido Socialista Cearense e um Partido Socialista Baiano (1919-1920).

[27]: Não se pode esquecer, a bem do registro histórico, que em dado momento da carreira de Jânio Quadros o PCB ofereceu-lhe o mesmo apoio. Cf. nota 11.

[28]: Idem, p. 181.

[29]: VANUCCHI, Paulo e SPINA, Rose. “Memória: Paul Singer”. Em: Teoria e Debate, 62, abr./mai. 2005.

[30]: TRAGTENBERG, Maurício, ob. cit., p. 31.

[31]: A UDN, ao contrário do que pode parecer, não era um bloco monolítico. Ressalvada a grande identidade de interesses que unia seus integrantes, as táticas empregues para alcançá-los dividia-os em grupos informais. O mais antigo deles foi o dos bacharéis, de origem óbvia, liderado por Carlos Lacerda. Outro, surgido no segundo governo Vargas, foi a banda de música, integrada por Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Olavo Bilac Pinto, José Bonifácio de Andrada e outros, que dedicou-se fundamentalmente à agitação política contra toda e qualquer medida que contrariasse os interesses dos oligarcas agrários que representavam; tratava-se da tropa de choque da UDN. A bossa nova foi um grupo de centro-esquerda surgido no seio da própria UDN a partir de uma convenção de 1961; dizendo-se influenciada pela doutrina social da igreja, apoiava os projetos sociais do governo de João Goulart, chegando a defender as reformas de base. Composta, dentre outros, por José Sarney (então com trinta e poucos anos), José de Magalhães Pinto, João Seixas Dória, Petrônio Portela, Clóvis Ferro Costa e José Aparecido, a bossa nova disputou duramente a direção da UDN com os bacharéis, tentando incessantemente renovar o discurso político do partido. Esta “ala centro-esquerda” da UDN, entretanto, não era outra coisa que setores das oligarquias agrárias e representantes de classes médias urbanas que, não querendo ter seus dedos arrancados, diziam aos mais velhos para entregar logo os anéis enquanto fosse tempo. Basta ver a carreira política dos integrantes da bossa nova da UDN após o golpe de 1964 para compreender seus reais desígnios, e compreender, por tabela, por que lideranças jovens do atual DEM usam exatamente as mesmas táticas de distanciamento dos velhos oligarcas, rejuvenescimento do discurso etc..

[32]: A Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) foi uma bancada suprapartidária criada em 1956 por políticos do PTB, do PSB, do PSD, da UDN e de outros partidos menores. O PTB era majoritário na FPN, com cerca de 60% dos integrantes. Embora numa primeira fase reconhecessem ser impossível votar contra as orientações de seus respectivos partidos e houvessem limitado sua atuação à discussão de pautas nacionalistas comuns que defenderiam dentro de seus partidos na tentativa de influenciar-lhes os rumos, em 1963, com a radicalização conjuntural, assumem publicamente o compromisso de blocar votos nas seguintes questões: democratização institucional, democratização do ensino e da cultura, reforma agrária, abastecimento e custo de vida, desenvolvimento econômico independente e política externa independente. Cf. NEVES, Lucília de Almeida. “Frente Parlamentar Nacionalista: utopia e cidadania”. Revista Brasileira de História, vol. 14, nº 27, 1994, pp. 61-71.

[33]: Citado em SILVA, Hélio. Vargas: uma biografia política. Porto Alegre: L&PM, 2004, pp. 153-154.

[34]: Id., ibid., p. 81. Sobre os discursos de Vargas, a opinião do historiador e cientista político pernambucano Vamireh Chacon é taxativa: “o discurso político varguista – dos tempos do positivismo castilhista aos da Aliança Liberal e os parafascistas do Estado Novo e populistas da fase final – sempre foi um discursos de paráfrases e hipóstases, típicas da ‘conciliação’ clássica entre as classes dominantes brasileiras (…): ‘conciliação’ delas entre si, às custas do povo, ‘capado e ressangrando’ há séculos (…)”. (História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas. 2ª ed. Brasília: EdUnB, 1985, p. 108)

[35]: CHACON, Vamireh, ob. cit., p. 449.

[36]: Idem, p. 451.

[37]: RUAS, Miriam Diehl. A doutrina trabalhista no brasil (1945-1964). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986, pp. 26-27. Não custa lembrar que o gabinete Attlee, aquele mesmo que escravizou prisioneiros de guerra alemães, atraiu também as simpatias do grupo do PSB que editava o jornal Vanguarda Socialista.

[38]: Quanto às influências da ala ideológica, basta como exemplo dizer que Alberto Guerreiro Ramos, sociólogo integrante do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e destacado militante desta ala do PTB, construiu o livro Mito e verdade da revolução brasileira (Rio de Janeiro: Zahar, 1963) em torno de uma vasta literatura socialista que incluía Marx, Engels, Lenin, Daniel Guérin, Gyorgy Lukács, Maximilien Rubel, James Burnham, Rosa Luxemburg, Karl Kautsky, Yvon Bourdet, Isaac Deutscher, Nikita Khruschev, Boris Souvarin, Palmiro Togliatti, Henri Lefebvre… Diga-se de passagem, a bem da precisão histórica, que as referências a artigos da revista Socialisme ou Barbarie contidas neste livro antecedem em três anos aquelas feitas em 1966 por Mário Pedrosa no livro A opção imperialista (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966); ao contrário do que disse em outro ensaio, parece ter sido Alberto Guerreiro Ramos o primeiro a citar algum artigo desta revista no país, e não Mário Pedrosa.

3 COMENTÁRIOS

  1. Olá,

    Aproveitando a deixa:

    – Por onde anda a esquerda nos anos dourados do neo-desenvolvimentismo – e de forte internacionalização do capitalismo brasileiro?

    Abraços.

  2. Apenas uma possível correção. Logo após a citação do Cândido, tem um trecho que diz: “Enquanto ED era uma corrente da UDN […]”. Não seria UDS?

  3. Segundo todos os historiadores que li, e também segundo ex-integrantes da ED, ela foi corrente da UDN. O triste destino posterior da UDN não pode fazer esquecer que em sua origem esteve envolvida gente de esquerda.

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