Por Passa Palavra
Exagerando, Lula parece gerar mais consenso que Jesus,
94% das pessoas aprovam ou dizem que é regular o governo dele.
Gilmar Mauro
Setores da classe trabalhadora, como por exemplo a Força Sindical,
que não apoiavam o Lula, agora estão apoiando Dilma.
Movimentos religiosos não apoiavam Lula, mas agora apoiam Dilma.
Essas forças populares, no atual governo, são maiores, mais amplas.
João Pedro Stédile
1.
As classes dominantes, tanto os políticos como os donos e administradores de empresa, esforçam-se por ocultar os mecanismos do poder. Não conseguem ocultar a repressão, porque a ação da polícia tem como uma de suas características ser muito visível. Mas a polícia e os tribunais servem muitas vezes de biombo, para esconder outros mecanismos de poder mais eficazes e muito mais discretos. E nós, na extrema-esquerda, contribuímos frequentemente para essa ilusão, quando lamentamos e celebramos as vítimas e acusamos os responsáveis imediatos pela repressão, mas nos esquecemos de desvendar a teia de interesses profunda e silenciosa que está subjacente à violência das instituições.
No capitalismo os mecanismos de dominação não são apenas exteriores à classe trabalhadora, como sucede com a polícia e os tribunais. Os mecanismos de dominação permeiam igualmente o interior da classe trabalhadora, nomeadamente através dos partidos políticos e dos sindicatos. Contrariamente ao que é usual imaginar, as classes dominantes apoiam-se em bases mais sólidas quando dispõem de governos ocupados ou hegemonizados por partidos políticos oriundos de esquerda. Se estes partidos mantiverem ramificações no interior da classe trabalhadora, torna-se muito mais fácil executar as medidas exigidas pelo desenvolvimento do capitalismo. Em dois séculos de história do capitalismo e em todos os países sem exceção, esta é uma regra geral: o capitalismo renova-se e desenvolve-se apropriando-se de movimentos que nasceram na esquerda e apropriando-se deles para os seus fins. Os exemplos são públicos, para quem os quiser estudar, e não deviam constituir segredo para ninguém.
Tem-se verificado — e os últimos anos fornecem numerosos exemplos — que os partidos de esquerda conseguem mais facilmente do que os partidos de direita acelerar o desenvolvimento do capitalismo ou implementar medidas onerosas para os interesses econômicos da maioria da população. Isto ocorre porque os partidos de esquerda dispõem de mais mecanismos de dominação internos à classe trabalhadora e, portanto, podem fazer menos apelo à repressão do que os partidos de direita.
Do mesmo modo, quando as burocracias sindicais se encarregam de postos governamentais, é muito mais fácil para o governo fazer com que a classe trabalhadora aceite as medidas capitalistas ou mesmo entusiasmar uma parte significativa da classe por estas medidas. Os sindicatos atrelados aos governos cumprem aqui uma função muito importante porque podem lançar movimentos e greves e, depois, apresentar como conquistas parciais precisamente aquelas medidas que os governantes e os empresários tinham a intenção de promulgar. Os trabalhadores ficam assim transformados num agente ativo da modernização do capitalismo.
2.
Desde a eleição de Outubro de 2002, o Brasil é um bom exemplo de um governo atuando, além da habitual repressão, mediante mecanismos de dominação internos à classe trabalhadora. Muito do que se tem discutido nos últimos meses em torno da evolução do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e de outros movimentos sociais fica bastante mais claro se for colocado nesta perspectiva.
No Brasil contemporâneo, os dois principais mecanismos de dominação infiltrados na classe trabalhadora são os sindicatos e o Partido dos Trabalhadores (PT).
*
A entrada da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Força Sindical para o governo constitui um fator de enorme importância. Há poucos países no mundo em que os capitalistas possam orientar diretamente os sindicatos através dos ministérios.
É certo que essa entrada comprometeu a aparência combativa da CUT, mas isto não fez com que o sindicalismo de oposição conseguisse desenvolver uma plataforma mais combativa. Um dos fatores que explica esse fato é que os sindicatos oposicionistas mantiveram a mesma estrutura hierarquizada, burocratizada e afastada das bases que caracteriza os sindicatos aliados ao governo. Sobretudo, mantiveram a gestão capitalista dos consideráveis fundos e patrimônios sindicais, o que os impede de se converterem em organismos de luta eficazes.
Os sindicatos tornaram-se hoje — não só no Brasil como em todo o mundo — grandes investidores capitalistas. No Brasil os sindicatos mobilizam mais de 600 milhões de reais por ano somente em recursos do imposto sindical. Esta cifra deve ser multiplicada várias vezes se levarmos em conta os numerosos mecanismos de imposição de contribuições compulsórias que vêm sendo utilizados pelos sindicatos. A isto se devem somar os colossais montantes acumulados e investidos nos fundos de pensões. Estes números não transparecem para o público nem para os filiados dos sindicatos nem sequer para a maior parte dos membros das direções. O que os sindicatos podem perder por um lado em capacidade mobilizadora ganham por outro lado em capacidade econômica, e sob este ponto de vista não há nenhuma diferença entre a CUT e os sindicatos de oposição. Explica-se assim um episódio recente ocorrido no Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP), entidade filiada à Central Sindical e Popular – Conlutas, que utilizou métodos tipicamente empresariais para conter a paralisação de parte de seus próprios funcionários [1]. Mas está longe de ser um caso único.
A transformação dos sindicatos em investidores — por vezes grandes investidores — capitalistas contribui para acirrar as rivalidades internas, o que ajuda a explicar o fiasco da tentativa de unificação da Conlutas com a Intersindical, em Junho de 2010.
E assim as componentes sindicais do governo prolongam-se através de centrais sindicais pretensamente oposicionistas.
*
O PT constitui outro mecanismo de dominação capaz de permear a classe trabalhadora e de a imobilizar ou mesmo atraí-la para o campo governamental. É certo que há anos o PT se converteu numa máquina quase exclusivamente eleitoral e desprovida de militância de base. Mas não foi por isso que os partidos oposicionistas de extrema-esquerda conseguiram obter qualquer presença significativa. Um dos resultados mais lastimáveis desta situação foi a soma dos votos obtidos pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido da Causa Operária (PCO) no primeiro turno das eleições presidenciais de Outubro de 2010. Estes quatro partidos, somados, alcançaram exatamente 1,0% dos votos expressos.
Esta situação explica-se porque o PT dispõe de numerosos e variados canais de penetração política na classe trabalhadora, sobretudo porque a sua estrutura organizacional permite a existência de facções. Deste modo, enquanto o governo continua a abrir caminho ao desenvolvimento do capitalismo e do neo-imperialismo brasileiro, vão-se formando tendências mais à esquerda no interior do PT, como sucedeu em Dezembro de 2011 com a fundação da Esquerda Popular Socialista. Este tipo de manobras, repetidas ao longo do tempo, é interessante. A evolução do governo constitui o motivo para a formação de novas tendências, mas essa evolução não impede que estas tendências se mantenham no interior do mesmo quadro político que abrange o governo. É como uma corrente que cada vez forma um número maior de elos à esquerda, mas que é sempre puxada pela ponta da direita. Deste modo, através do PT como um todo e, em particular, através das suas tendências de esquerda, os capitalistas mantêm e reforçam a sua penetração política no interior da classe trabalhadora.
Esta penetração consolida-se mais ainda quando o PT aparece como instrumento de luta em cidades menores, sem tradição de militância social ou de esquerda, e onde está submetido à lógica e aos esquemas do PT das cidades maiores.
Se observarmos as coisas com certo detalhe, perceberemos que as organizações de extrema-esquerda existem nas grandes cidades e em suas franjas, mas sua presença em cidades menores ou afastadas das grandes metrópoles é praticamente nula e se dá graças à vinculação a movimentos de base e de massa como o MST. Em lugares onde nem o MST chega, entretanto, o que há de mais à esquerda ainda é o PT, e é a ele que se dirigem diversos movimentos de base. E assim os mecanismos de dominação capitalista não só penetram na classe trabalhadora, mas proliferam e consolidam-se, em vários níveis.
Foi nestas localidades, onde o modo de exploração e submissão dos trabalhadores é realizado através das formas mais atrasadas, incluindo aí formas já ilegais de uso do trabalho, e onde a repressão é feita à margem das formas estatais e com extremo grau de violência, que o PT se tornou um refúgio para boa parte daqueles que se colocaram contra as forças dominantes locais, principalmente onde a Igreja já não tinha feito isso antes e, quando já feito, fez ainda mais em aliança com ela.
Filiados agora a um partido de massas, cada militante desse, ainda afastado dos grandes centros, passa também a se ligar parcialmente aos processos nacionais de luta. A mediação feita pelo PT, que aconteceu através da “formação política” desses militantes no “modo PT” – que logo depois se transfiguraria “modo PT de governar” – incluía o conhecimento e a exigência de respeito às instituições modernas (desde as leis trabalhistas, os direitos civis e chegando ao sistema eleitoral) por todos os setores do que veio a se chamar sociedade civil, e o que ainda chamamos de classes sociais.
Essa formação passava também pelo conhecimento de vários tipos de lutas sociais. E onde não havia sindicalismo, ou pelo menos não o sindicalismo moderno pautado na negociação, passou-se a ter. Onde não existia uma real disputa eleitoral, idem. Onde a juventude ou as minorias não se organizavam e nem se compreendiam enquanto tal, surgia essa possibilidade, e por aí segue. Daí, difundir a formação de núcleos de movimentos sem-terra, principalmente do MST, nos locais onde a luta pela terra acontecia no seu estado bruto foi apenas uma consequência. Essa nova etapa das lutas, organizada através dos movimentos sociais, já nasce em muitos cantos imbricada com o PT.
Essa dinâmica de construção da classe trabalhadora do país dá a impressão de que em muitas localidades, principalmente nas mais afastadas dos grandes centros, o PT é o que há de mais à esquerda. É a partir da formação do PT que muitos trabalhadores formam o seu discurso e muitos outros se sentem mais protegidos ao enfrentarem as elites conservadoras locais. Por outro lado, é graças à formação do PT que o confronto direto entre classes antagônicas locais deixa de acontecer, e é a partir desse novo momento que a conciliação passa a ser a primeira alternativa. Tudo isso muito antes do Governo Lula, apesar do agravamento visto com a chegada do PT no Governo Federal.
Com a chegada ao Governo Federal o que muda não é essa estratégia do PT, mas a capacidade que o partido passa a ter de impor a lógica eleitoral aos movimentos sociais, que antes ficava no âmbito dos sindicatos. Agora, com o controle da máquina do Estado e com legitimidade junto ao setor empresarial, o PT se torna mais capaz de garantir retornos àqueles que o apoiam. Assim, pouco mais de vinte anos foi o tempo que tiveram os trabalhadores submetidos às formas atrasadas de exploração de saltarem do estado de enfrentamento contra as elites locais para se tornarem instrumentos eleitorais, passando pela organização em movimentos sociais.
O pragmatismo necessário para disputar um processo eleitoral não muda somente a forma como os militantes se enxergam e enxergam as suas lutas: tira pessoas do trabalho de base e as coloca em máquinas de campanha. As lutas sociais passam a não só ter um problema de concepção, mas sofrem pela falta de militantes para dar continuidade aos projetos que antes julgavam centrais. Se somarmos isso ao desenvolvimento das forças produtivas do país, que atingiu também o setor agrário, imprimindo outras formas de gestão do trabalho, aplicando além do maquinário a mão-de-obra intensiva, reduzindo ainda mais o uso do trabalho humano no desenvolvimento das pequenas e médias cidades, que são as mais próximas dos espaços produtivos agrícolas e para onde está se direcionando a maior parte da migração de trabalhadores [2], temos o real quadro de esvaziamento das lutas no campo.
Ao ingressar no Partido e ao criar seus respectivos diretórios municipais, os militantes recém-chegados são quase obrigados a vincular-se ao grupo do deputado estadual X, do deputado federal Y, do senador Z, sob pena de ostracismo político. Essa vinculação exige do militante mais lealdade ao grupo do parlamentar do que à base social que o formou enquanto tal. Porém, é nos quadros estreitos destas afinidades compulsórias que passam a exercer qualquer atividade política concreta (agitação política, candidaturas, etc.). Ora, estas afinidades compulsórias são, em geral, muito mais rígidas do que as alianças locais e mais estáveis do que as realizadas com figuras de centro ou de direita no quadro político pré-petista. Em geral, a dança das cadeiras nos cargos do poder, quando coreografada pelo centro e pela direita, implicava em revoada de aliados, enquanto com estas afinidades compulsórias a pecha de esquerdista atrapalha, quando não impede, a revoada para outros campos políticos. É esse o motivo pelo qual todos os outros grupos políticos se desmancham e se reconstituem sob novas siglas nessas localidades, enquanto os militantes do PT, por mais que estejam afastados dos motivos que os levaram à sigla, e consequentemente mais próximos daqueles que antes faziam ferrenha oposição, continuam vinculados ao Partido, dando-lhe estabilidade e contínuo crescimento.
E assim os mecanismos de dominação capitalista não penetram só na classe trabalhadora, mas proliferam e consolidam-se em vários níveis, não faltando aí exemplos de veículos de informação e coletivos midiático-culturais que procuram ser a expressão ideológica deste projeto em curso.
3.
É neste quadro que devemos analisar a evolução recente dos movimentos sociais, nomeadamente do MST. A mobilização destes movimentos sociais pelo voto em Dilma no segundo turno das eleições de 2010 parece ter constituído um marco significativo, assinalando uma passagem clara para o âmbito governamental. No entanto, esta evolução correspondeu a tendências mais profundas, porque o MST estabeleceu alianças governistas não só no âmbito federal mas igualmente no âmbito estadual e, dadas as tradições de clientelismo do meio rural, o pronunciamento de lideranças nacionais do MST em prol da eleição de Dilma e de outros candidatos do PT indica as dificuldades de superação deste quadro.
Num dado assentamento, que passava por dificuldades estruturais, na época das campanhas eleitorais de 2005 a maioria dos militantes ausentou-se do local para trabalhar na candidatura de políticos de partidos de esquerda, sobretudo do PT. Ora, como não existe vácuo na política, a falta de trabalho de base no assentamento fez com que crescesse a força de um grupo de assentados evangélicos, que não compartilhavam da ideologia do movimento, o que ocasionou uma forte divisão do assentamento. Quatro anos depois a fratura no assentamento ainda era presente e, num novo ciclo eleitoral, a situação se repetiu, agora com a agravante de dividir o pequeno grupo de militantes entre trabalhar para o PT ou o PSOL. Quando as lições não se tiram, isto significa que o mal vem da raiz.
E os efeitos desse mal de raiz medem-se pela situação na Bahia, estado em que o MST dispõe do maior número de acampados e onde a direção estadual está inteiramente atrelada ao governo do PT no estado. Além disto, graças a coordenações regionais como a do Sudoeste baiano (Vitória da Conquista e região), o MST adotou uma postura imobilista que o coloca a reboque de conjunturas eleitorais locais, ao invés de pautar a conjuntura política (maior que a eleitoral) com ações diretas contra o latifúndio.
O problema prolifera. No Paraná a direção do MST concluiu um acordo para a eleição do candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Osmar Dias — irmão de Álvaro Dias, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) — membro de uma das maiores famílias latifundiárias do estado. Ao mesmo tempo, foi proibida a entrada dos partidos de esquerda, tais como o PSTU e o PSOL, nos acampamentos e assentamentos.
Perante este avolumar de acontecimentos é impossível explicar cada caso como um caso particular. Trata-se de uma tendência de evolução geral.
*
Na análise que estamos apresentando deve ser dado um lugar de destaque ao papel desempenhado pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho [3]. A Conjuntura da Semana. Balanço de um ano do governo Dilma Rousseff, elaborada pelo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (CEPAT), afirma que, em certa medida, Gilberto Carvalho é o principal responsável pelas negociações e boas relações estabelecidas entre o governo Dilma e os diversos movimentos sociais durante o ano de 2011 [4]. O perfil de atuação e de administração dos conflitos de Gilberto Carvalho é marcadamente conciliador, fazendo com que seja respeitado e considerado interlocutor legítimo dos movimentos sociais em sua relação com o governo federal. Para evidenciar esta tarefa desempenhada por Gilberto Carvalho, o CEPAT destaca que o ministro-chefe «esteve presente nos debates da votação do salário mínimo, nos incidentes da rebelião de Jirau, serviu como parachoque no debate de Belo Monte, reuniu-se exaustivamente com os sindicalistas, recebeu comissões e movimentos de todos os tipos e serviu, por um lado, de “ponte” das demandas dos movimentos sociais junto ao executivo e, por outro, de porta-voz das posições do governo» [5].
O próprio Gilberto Carvalho, em entrevista para o Valor Econômico, esclarece melhor as intenções de Dilma quando o nomeou para o cargo: «Ela teve uma conversa muito simples comigo. Disse: “Gilbertinho, preciso de você porque eu quero que alguém me traga a realidade dos movimentos sociais, as demandas, as carências, as crises, alguém que me sensibilize para esse sofrimento do povo, alguém que diga a verdade. Não quero ser enganada nunca”» [6]. Gilberto Carvalho ainda aponta que «todo ministério tem diálogo com os movimentos sociais. Minha área não tem o monopólio desses contatos, mas é o lugar, digamos, onde se organiza esse diálogo. Começou com o salário mínimo, em que fiz reuniões com as centrais sindicais» [7]. Com efeito, não são só as centrais sindicais que estão na alçada das atividades do ministro-chefe. «Estão incluídos também os chamados movimentos populares, como o MST, os movimentos indígena, dos negros, de gays e lésbicas, enfim, todas as formas de organização da sociedade, além das ONGs e das igrejas» [8].
Nessa mesma entrevista, Gilberto Carvalho ainda comenta a declaração de Dilma sobre o MST, em que a presidente afirma que, embora o MST seja um movimento aliado, ela não permitirá ou abrirá diálogo diante de invasões de prédios públicos e fazendas produtivas. «O que você não pode nunca imaginar é que vá haver criminalização do movimento neste governo. Não tem margem nenhuma para isso. Vamos tentar persuadir os companheiros de que é muito importante o diálogo. E, para dialogar com o governo, não podemos dialogar nos acumpliciando com a ilegalidade. Não vamos nunca ceder desse ponto de vista» [9]. Gilberto Carvalho reconhece que os conflitos não deixarão de existir, mas ao mesmo tempo esclarece qual será a postura do governo diante desses litígios: «As ações vão ocorrer, podem ocorrer, mas depois vai ter que ter recuo. Não somos aqui militantes, isso aqui não é um partido, isso aqui é um governo. Nem sempre você pode fazer o que gostaria. Tem que agir dentro dos parâmetros. A fala da presidente vai nessa linha»[10].
Quando nós, no início deste artigo, mencionamos os mecanismos de dominação que permeiam o interior a classe trabalhadora, era exatamente nisto que estávamos a pensar. O ministro Gilberto Carvalho é uma das engrenagens mais importantes destes mecanismos e a sua postura conciliatória tem reflexos evidentes nos movimentos sociais. Deve ser lembrado que no próprio site do MST foi Gilberto Carvalho quem anunciou as conquistas da jornada de luta de 27 de Agosto de 2011. Veja-se o vídeo do discurso do ministro Gilberto Carvalho no acampamento da Via Campesina (http://www.mst.org.br/video/Conquistas-da-Jornada-de-Lutas-da-Via-Campesina). «Sempre como um governo com todas as portas abertas, porque o governo pertence a vocês. E o país depende fundamentalmente do trabalho de vocês, para seguir sendo um país que produz alimentos. E que produz a generosidade nos corações, rumo a uma sociedade de fato fraterna e igualitária», disse o ministro aos trabalhadores rurais sem-terra.
O que se diria se um patrão fizesse um discurso num sindicato congratulando-se pelo êxito de uma greve dos trabalhadores da sua empresa?
Mas não se trata só do ministro Gilberto Carvalho. Embora mantendo-se nos bastidores durante os últimos anos, José Dirceu nunca perdeu a sua importância política e é significativo que ele tivesse participado em reuniões importantes com a direção estadual do MST de São Paulo, nos primeiros meses de 2011. Mais recentemente, foi ainda José Dirceu quem animou por detrás a formação da nova tendência de esquerda do PT, a Esquerda Popular Socialista, ligada aos movimentos sociais, a ponto da sua assembleia constitutiva se ter reunido na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST. Será difícil governo, PT e MST estarem mais estreitamente ligados.
*
Por isso, na contramão das análises feitas por certos setores da esquerda, Luiz Dulci — que, enquanto secretário-geral da Presidência da República durante o governo Lula [11], foi o antecessor de Gilberto Carvalho — apresenta um interessante diagnóstico acerca do resultado das reivindicações populares e das demandas da sociedade civil brasileira. «Algumas das manifestações mais maciças dos últimos vinte anos ocorreram justamente durante o governo Lula, embora o noticiário quase sempre as omita ou desqualifique, talvez porque desmentem na prática o (suposto) refluxo dos movimentos sociais e o (inexistente) atrelamento da sociedade civil ao Estado» [12]. Longe de jogarem a toalha ou serem cooptados, os movimentos sociais foram, na opinião de Dulci, fundamentais para o fortalecimento da governabilidade e legitimidade dos mandatos de Lula. «Para comprová-lo, basta lembrar as três marchas da classe trabalhadora, promovidas pelas centrais sindicais, todas com 40 mil ou 50 mil participantes, os “Gritos da Terra”, realizados anualmente pela Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura]; os acampamentos nacionais do MST, as esplêndidas “Marchas das Margaridas”, que reuniram na Esplanada dos Ministérios 30 mil camponesas de todo o Brasil, para não falar das jornadas de luta da juventude, nas mobilizações feministas e do povo negro e nas imensas “Paradas Gay” que acontecem periodicamente em diversas capitais brasileiras» [13].
Defendendo «esse método democrático de gestão», Luiz Dulci entende que todas essas ações descritas acima «já constituem, na prática, um verdadeiro sistema nacional de democracia participativa» [14]. Para se ter uma ideia da abrangência de tais práticas, Dulci destaca: «Políticas de desenvolvimento, de geração de emprego e renda, de inclusão social, saúde, educação, meio ambiente, juventude, segurança pública, direito das mulheres, igualdade racial, democratização da cultura, entre tantas outras, foram discutidas em 63 conferências nacionais que mobilizaram diretamente, em suas várias etapas, mais de 4,5 milhões de pessoas em cerca de 5.000 municípios brasileiros — e são permanentemente fiscalizadas e avaliadas pelos conselhos de participação social hoje existentes em todos os ministérios» [15].
Isto que Luiz Dulci descreve, dando-lhe nomes e atribuindo-lhe números, é a teia de relações que emana do centro capitalista e se infiltra e difunde pela classe trabalhadora. As cacetadas da polícia são a expressão visível da política, assinalando para onde os trabalhadores estão proibidos de ir. Os caminhos abertos aos trabalhadores são os outros, assinalados pelos elos cada vez mais estreitos que unem os movimentos sociais e a área governamental. E não se trata apenas de elos políticos.
*
Os elos são igualmente econômicos.
«Um exemplo notável dessa nova forma de governar», ainda na opinião de Luiz Dulci, «é o Plano Safra de Agricultura Familiar, que elevou de R$ 2,5 bilhões para R$ 15 bilhões o financiamento do setor e está promovendo uma autêntica revolução na pequena agricultura brasileira, em benefício de três milhões de famílias (cerca de 12 milhões de pessoas), dando-lhes um peso econômico e uma força política que nunca tiveram. Basta dizer que, atualmente, 70% do total de alimentos consumidos no país vem da agricultura familiar. Esse salto de mais de 600% no financiamento é potencializado pela assistência técnica, pelo seguro agrícola, pela garantia de preço e pelo programa de aquisição de alimentos» [16]. Cabe destacar que o Plano Safra não foi uma iniciativa unilateral do governo federal. Segundo Dulci, reafirmando esse novo método participativo-institucional, o «Plano Safra foi construído pelo governo em conjunto com as principais entidades do setor — a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outras – no Conselho Nacional de Segurança Alimentar» [17].
Mas os montantes e as fontes de financiamentos são mais vastos e mais numerosas do que Luiz Dulci indica.
De um lado, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) quadruplicou entre as safras de 2002/2003 e 2006/2007, subindo a dez bilhões [milhares de milhões] de reais. Os recursos destinados ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e suas parcerias com universidade e escolas técnicas públicas passaram de uma média anual de dez milhões de reais em 2003 a uma de 35,4 milhões nos quatro anos seguintes. No entanto, estes números devem ser cotejados com a valorização, no mesmo período, da agricultura empresarial em sete vezes mais do que a agricultura camponesa e familiar: 231,5 bilhões de reais para o agronegócio e 32,8 bilhões para a agricultura familiar nas safras de 2003/2004 a 2007/2008.
Ainda a este respeito, convém saber que, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), «em 2009, o Banco estreitou seu contato com movimentos sociais nas áreas da produção agropecuária e ambiental. Nesse sentido, estabeleceu-se diálogo para o apoio aos cooperados e trabalhadores sem terra — o que tem sido feito em parceria com o Banco do Brasil por meio da sua estratégia negocial de Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS) e da Fundação Banco do Brasil (FBB)» [18].
Mas os elos econômicos não se estabelecem apenas com as instituições governamentais.
*
A aproximação do MST ao governo e aos seus instrumentos financeiros é acompanhada pela sua aproximação às empresas.
Recentemente, vários órgãos da tecnocracia econômica noticiaram que «a Fibria, formada pela fusão entre Votorantim e Aracruz, pretende anunciar em três meses o projeto de um assentamento destinado a 1,3 mil famílias. O parceiro nessa empreitada é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o mesmo que há três anos destruiu o centro de melhoramento genético da Aracruz em Guaíba (RS)». Mais curiosamente ainda, «a Fibria recebeu em agosto os líderes do MST em sua reunião anual estratégica» [19]. Note-se que esta notícia foi dada pela imprensa empresarial, que os trabalhadores não leem, mas não foi dada no site do MST, que a noticiou de forma, digamos, bem seletiva [20].
Este projeto da Fibria de constituir um assentamento de 10 mil hectares no interior baiano tem por parceria além do MST, o INCRA e o governo do estado da Bahia. Aliás, o governador do estado, Jaques Wagner foi um dos políticos financiados em sua campanha eleitoral pela mesma Fibria. Conforme indicou o presidente do conselho de administração da Fibria, José Luciano Penido, o assentamento terá por base a agricultura familiar e terá o foco na educação. «Queremos ensinar aos jovens do MST como usar ciência e educação para desarmar um antagonismo desnecessário», declarou ele [21]. Mas quem será que vai aprender mais com quem?
Não se trata de um caso único. Também na Bahia o MST está incentivando assentados a integrarem-se aos programas da Petrobras de produção — em regime de monocultura — de mamona para biodiesel.
*
A insatisfação revelada nos últimos tempos no interior dos movimentos sociais, e de que a carta de saída de 51 militantes de organizações como o MST foi não o único exemplo, mas o mais público, explica-se num contexto muito amplo. É este contexto que convém desvendar e analisar, para tentar revertê-lo, antes que, como habitualmente, seja tarde demais.
Notas
[1] http://oglobo.globo.com/economia/trabalhadores-de-sindicato-dos-metalurgicos-entram-em-greve-contra-propria-entidade-3080078.
[2] População e PIB das cidades médias crescem mais que no resto do Brasil, IPEA: http://desafios2.ipea.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=441.
[3] Gilberto Carvalho é um militante histórico do PT, ao qual pertence desde a fundação. Sua trajetória de atuação na esquerda esteve ligada aos movimentos de base da Igreja Católica, inspirados na Teologia da Libertação, iniciando sua militância na Pastoral Operária. Após pertencer à Coordenação Nacional desta mesma organização, Gilberto Carvalho teve uma importante trajetória sindical e partidária, exercendo o cargo de secretário-geral do PT durante vários anos. Digna de lembrança — pela influência posterior que esta empreitada viria a ter para o seu papel de interlocução com os movimentos populares — foi a atividade de coordenação exercida por Gilberto Carvalho no Instituto Cajamar de Formação, organização criada pela CUT e pelo PT.
[4] Conjuntura da Semana. Balanço de um ano do governo Dilma Rousseff, Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (CEPAT) e Instituto Humanistas Unisinos, 22 de dezembro de 2011. Ver aqui (http://www.ihu.unisinos.br/noticias/505269-conjuntura-da-semana-balanco-de-um-ano-do-governo-dilma-rousseff).
[5] Idem.
[6] “Dilma tem outro estilo, mas a mesma linha”, Valor Econômico, 22 de fevereiro de 2011. Ver aqui (http://www.ihu.unisinos.br/noticias/40858-dilma-tem-outro-estilo-mas-a-mesma-linha-entrevista-com-gilberto-carvalho).
[7] Idem.
[8] Idem.
[9] Idem.
[10] Idem.
[11] Luiz Soares Dulci é uma figura de proa no PT. Além de chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Dulci foi um dos principais coordenadores da campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Tendo militado na Convergência Socialista durante a ditadura militar, Luiz Dulci integrou a Articulação desde o início da CUT. Sempre esteve presente nos quadros diretivos nacionais do PT, teve importante trajetória sindical entre os professores e desempenhou um papel de relevo na Escola Sindical da CUT em Belo Horizonte (Minas Gerais), além de ter sido também deputado federal e participado de duas gestões do PT na cidade de Belo Horizonte. Sua principal atribuição durante os dois mandatos de Lula consistia em fortalecer a interlocução do governo federal com organizações e movimentos da sociedade.
[12] Luiz Soares Dulci, «Participação e mudança social no governo Lula», em Emir Sader e Marco Aurélio Garcia (orgs.), Brasil: Entre o Passado e o Futuro, São Paulo: Boitempo, 2010, pág.144.
[13] Luiz Soares Dulci, op.cit., pág. 144.
[14] Luiz Soares Dulci, op.cit. pág. 136.
[15] Luiz Soares Dulci, op.cit. pág. 136.
[16] Luiz Soares Dulci, op.cit. pág.136.
[17] Luiz Soares Dulci, op.cit. págs. 136-137.
[18] BNDES, Relatório Anual 2009, Rio de Janeiro: BNDES, 2010, pág. 20.
[19] http://isebvmf.com.br/index.php?r=noticias/view&id=226148.
[20] http://www.mst.org.br/node/12753.
[21] http://www.amcham.com.br/regionais/amcham-sao-paulo/noticias/2011/ideologia-engajamento-e-metricas-sao-os-ingredientes-de-sustentabilidade-da-natura-fibria-e-du-pont.
De onde tiraram essa afirmação de que os militantes de partidos de esquerda, como PSOL e PSTU foram impedidos de entrar nos assentamentos e acampamentos no Paraná? No estado todo? Em alguma cidade/assentamento/acampamento específico? Milito na Consulta no Paraná e, até onde sei, essa informação não procede.
E as informações sobre reuniões secretas do Zé Dirceu com os movimentos sociais, de onde tiraram isso?
Também fiquei inquetado com as colocações do Vanio.
Em relação ao artigo:
1) não gosto da expressão “exterma-esquerda”. Será que ela é usada para não tirar da categoria esquerda partidos como o PT?
2) O artigo só deixou de mencionar que quando a direita ( aquela que não tem muita influência no meio operário e sindical, a não ser quando utiliza uma metodologia “populista”) drigiri o capitalismo, querendo ou não, se tem pelo menos uno discurso, uma organização contrária a esse desenvolvimento.
Agora duas questões que são importantes para continuar o debate são: a cidadania que é alcançada devido essa aproximação dos movimentos sociais com sua “vanguarda” na legalidade, e como vai ser a posição das massas quanto da cosntrução de um projeto fora da ilegalidade e de enfrentamento com as classes dominantes, inclusive parte daqueles que hoje seriam os responsáveis por essa cidadania?
Bem interessante o texto. Qual a fonte da afirmação sobre o papel de Zé Dirceu na organização da nova corrente do PT?
Abraços
Depois que foi legalmente impedido, Zé Dirceu parou com todas as atividades e vende sorvete na praia.
É possível enxergar este fato – a cooptação dos movimentos sociais – através de uma lente de vários matizes, ou a questão SÓ PODE SER vista, imperativamente – um imperativo categórico, uma transcendência? – através do preto e do branco, do tudo ou nada?
Pergunto isto quando leio, por exemplo, que entidades aqui listadas como cooptadas fizeram um protesto ontem contra a privatização dos aeroportos, quando um dos representantes de uma dessas entidades cooptadas diz : “Ao privatizar os aeroportos, o governo não está sendo leal com o voto das urnas e a CUT não vai admitir esta violência”.
Neste caso, poderíamos ser tentados a supor que talvez não se trate bem de uma completa anulação dos movimentos, mas de uma parceria, onde, ainda que necessariamente domesticados, mantêm a defesa, dentro dos limites do possível, dos ideais que fundamentam a sua existência, e poderão até ter algum poder de influência nos rumos do governo… o quanto de influência seria então o caso de se perguntar.
E também gostaria de ouvir dos autores o que têm a dizer a respeito das perguntas que os outros comentadores colocaram.
Olá,
Ao mesmo tempo em que a CUT realiza protestos e gritaria contra a privatização dos aeroportos, muitos de seus sindicalistas atuais (e, principalmente, alguns outros que foram ligados à uma certa tendência responsável também pela fundação dessa Central Sindical) têm assento e destaque na administração dos principais Fundos de Pensão do Brasil – como a Petros, a Previ e a Funcef, dentro outros.
E, por falar em Fundos de Pensão, eis que a reportagem intitulada “Com forte atuação dos fundos de pensão, privatização de aeroportos rende R$ 24,5 bi“, nos relata que:
Quem causou furor entre os investidores foi o consórcio formado pela Invepar, empresa formada pelos fundos de pensão (Previ, Funcef e Petros) e a construtora OAS. Em parceria com a operadora estatal sul-africana ACSA, o grupo minou qualquer possibilidade de a concorrência arrematar o aeroporto de Guarulhos. A oferta, de R$ 16,21 bilhões e ágio de 373,5%, era R$ 3,3 bilhões superior ao segundo melhor lance. A disputa foi para o viva voz, mas ninguém ousou fazer propostas.
Nas rodinhas entre executivos que participaram do leilão, a pauta era descobrir como o consórcio conseguiu fazer uma proposta tão alta por Guarulhos. E não faltaram insinuações como: “É um consórcio chapa-branca” ou “ficou dentro de casa”, uma referência ao fato de o consórcio ser formado por fundos de pensão de estatais como Banco do Brasil, Caixa e Petrobrás. A Invepar têm 90% do consórcio e a ACSA, 10% – fato que tem ajudado a classificar o grupo como estatal (ler mais na coluna de Sonia Racy).
Talvez valha a pena ser mais claro na resposta ao aprendiz, embora não seja este o cerne do artigo. A CUT faz um protesto de fachada à privatização, enquanto, por trás, é ela mesma umas das entidades que está adquirindo a estrutura leiloada, ainda que indiretamente – o que dá ao caso um tom muito mais sinistro, porque mobiliza seus filiados, explora suas energias em norme de uma farsa.
Belo texto!
Abraços
– A informação de que militantes do PSOL e do PSTU foram impedidos de entrar em assentamentos e acampamentos no Paraná veio de pessoas atingidas por essas medidas. É possível, no entanto, que a decisão não tivesse sido aplicada na totalidade dos acampamentos e assentamentos daquele estado, porque, felizmente, são numerosos os casos em que a base do MST se recusa a aplicar certas diretivas.
– A informação de que José Dirceu participou em reuniões com a direção estadual do MST de São Paulo e animou por detrás a formação da Esquerda Popular Socialista veio do interior do MST, de escalões suficientemente elevados para estarem ao corrente do que se passa nos bastidores e não é comunicado aos simples militantes. Felizmente, ainda há dentro dos movimentos sociais, incluindo o MST, pessoas descontentes com a situação e interessadas em contribuir para um debate público que possa inverter o rumo dos acontecimentos. Aliás, sem isso não só algumas das informações veiculadas, mas todo este artigo teria sido impossível.
– Se alguém quiser saber o nome dessas pessoas, não o comunicaremos. Ver a este respeito o § 6 do Estatuto Editorial do Passa Palavra em http://passapalavra.info/?p=151
Obrigado Carlos e Xavier.
Aproveitei a resposta do Xavier para fazer uma provocação no debate que ocorre neste momento a respeito de um artigo sobre a privatização no site V-o-M.
Optei por não fazer referência ao xavier e a este artigo. Se errei, me avisem que eu edito o comentário lá e insiro as devidas referências.
O curioso é que minutos depois do meu comentário, já apareceu logo outro reclamando do fato de que o site teria sido “invadido pela esquerda radical” (mas nada de argumentar, onde se concluiu que o debate não é muito bem-vindo)
Desculpem por sair do tema original. Fico por aqui.
Sobre os Fundos de Pensão e os sindicalistas:
Se é para ter gestores desses Fundos de Pensão, é até natural que os sindicalistas ocupem postos de gestão. Pelo menos a princípio, melhor eles, que teoricamente representam os trabalhadores do que outros.
A questão então é saber se esses sindicalistas que fazem parte desses conselhos de gestão se posicionaram contra ou a favor do Fundo participar na privatização.
O que a esquerda nada fala é sobre o maior Fundo de Pensão do Brasil que a Dilma está criando de forma acelerada (é matéria urgentíssima que deve ser votada pelo Congresso agora em fevereiro). Trata-se do fundo de pensão para os servidores públicos. Além de acabar com a “aposentadoria integral” dos servidores e jogar a responsabilidade da aposentadoria ao mercado financeiro, tal fundo será mais um (enorme) locus de poder, e um locus inacessível até mesmo pelas vias da democracia indireta. Dinheiro que se desvincula do Estado e fica livre para especulação e jogos econômicos e de poder dos seus gestores.
Tenho seguido com atenção este debate. E apesar de eu e Luciano Pereira sermos os dois únicos autores que analisaram com factos e números os investimentos capitalistas dos sindicatos não só internacionalmente mas também no Brasil (Capitalismo Sindical, São Paulo, Xamã, 2008), fico perplexo com a direcção que os comentários tomaram. As preocupações concentraram-se em José Dirceu, no jogo duplo conduzido pelas centrais sindicais, nos fundos de pensões controlados pelos sindicatos — e é como se tudo o que artigo afirma sobre os movimentos sociais, em especial o MST, fosse matéria conhecida por todos e sobre a qual nada há a dizer. Eu imaginei que seria esse o assunto mais polémico do artigo, mas até agora foi aceite com tranquilidade, o que mostra até que ponto as coisas chegaram.
Depois de ler este artigo do Passa Palavra devo concluir que é melhor votar na direita do que na esquerda (já que anular o voto só muda algo para os anarquistas que podem empunhar uma bandeira e sentir-se fazendo alguma coisa nas eleições). E que é melhor os movimentos sociais não negociarem com os governos. Qual deverá ser a reivindicação? Revolução Já? Ao que parece as conquistas dos movimentos como o aumento de recursos e inclusão de direitos são cooptações. E aí temos o socialismo da miséria do quanto mais na merda melhor.
Segundo Vanio, antes o capitalismo da abundância do que o socialismo da miséria, o que deixa as coisas claras. Mas serão estas as únicas alternativas?
Eu disse que sou da Consulta. E como vocês disseram quem gosta do socialismo da miséria é cerca de 1% da população. É claro que o pobre não gosta de ser pobre. Por isso temos um projeto de construção do poder popular. Mas quais seriam as outras alternativas no campo da esquerda? Vocês propõem ou fundamentam alguma? Apontam alguma experiência alternativa?
Vanio, cito só de exemplo o Movimento das Comunidades Populares (MCP) presente em mais de 14 estado brasileiros e que não recebe um tostão do governo e mobiliza à partir de uma estrutura de democracia direta um contigente de desempregados e setores de base muito relevante. Pra mim essa é uma experiência de poder popular concreto, inclusive que conta com a formação de bancos populares muito superior inclusive, a que se apregoa no escalão daqueles que subordinam a autonomia e a independência de classe dos movimentos com negociações no interior do governo (órgão político por excelência da classe dominante). É uma pena que eles não tenham um site na internet (forma de comunicação que no âmbito das esquerdas às vezes mascara a falta de trabalho de base com “marchas” de ocasião, comunicados de solidariedade sem lastro real e campanhas nacionais que só encontram eco nas estruturas burocratizadas)
Poderíamos citar outros exemplos, mais humildes, mas que de forma modesta (como o tem de ser aqueles que não querem as soluções fáceis das conciliações de classe) conseguem ir tocando suas lutas.
É fácil cair nessa armadilha ou diria, falsa oposição, de que aqueles que criticam a burocratização dos movimentos não propõe nenhuma alternativa. As alternativas estão aí, inclusive no interior dos movimentos que ainda não a sufocaram.
Quando os movimentos sociais surgiram, a começar pelo mais importante, o MST, eles alteraram os termos da luta de classes. Ao contrário dos partidos políticos de esquerda, não se organizavam sobre uma plataforma ideológica, mas sobre reivindicações práticas, como terra ou moradia. E, ao contrário dos sindicatos, não delegavam as reivindicações a especialistas de negociação, mas aplicavam formas de democracia directa e mostravam na prática como queriam que as coisas fossem feitas.
A grande inovação dos movimentos sociais consistiu em darem solidez às relações estabelecidas na luta. Os acampamentos e as ocupações reuniam duravelmente centenas ou milhares de pessoas. E estas pessoas, fixas no mesmo espaço e unidas numa luta comum, começavam a desenvolver relações sociais de um novo tipo, solidárias e colectivas, opostas às que prevalecem no capitalismo. Os movimentos sociais mostravam, na prática imediata, que o socialismo não era um sonho projectado para o futuro, mas algo que germinava e se desenvolvia sob os nossos olhos. Havia precedentes históricos, mas o certo é que os movimentos sociais levaram muito mais longe o desenvolvimento e a consolidação das relações sociais de luta em relações de convivência e cooperação. Por isso eles foram uma escola para todos nós.
Nesta perspectiva avaliamos a gravidade do que sucedeu nos últimos anos. O desenvolvimento e a consolidação das novas relações sociais colectivistas e solidárias foi secundarizado. Pior ainda. Começou a ser substituído pelas místicas. O simbólico substituiu-se ao real. A democracia directa converteu-se num formalismo em que as mesmas pessoas se eternizam nos mesmos cargos e criaram-se as hierarquias de especialistas de negociação. E assim como os sindicatos usam as greves como uma encenação para apoiar as conversações com o patronato, também os movimentos sociais começaram a usar os acampamentos, as ocupações e as marchas como uma encenação destinada a apoiar as conversações com os organismos governamentais ou as instituições financeiras ou, mais recentemente, com as empresas privadas. Paralelamente, os sistemas pedagógicos que haviam sido desenvolvidos pelo MST nos acampamentos e assentamentos descaracterizou-se ao ser assimilado por Faculdades de Educação e outros departamentos universitários.
Foi o eixo social que mudou.
Antes os avanços da luta e as vitórias eram marcados no terreno e mediam-se pela força das relações de solidariedade e de cooperação, sobre as quais se iam gerando novas maneiras de viver. Mas a promiscuidade estabelecida entre o Estado e os movimentos sociais fez com que os êxitos sejam contabilizados agora pelas verbas recebidas. Esta é a dimensão de uma derrota, que não é só dos movimentos sociais, mas de todos nós.
Então, qual é a alternativa?
A alternativa reside na prática quotidiana de todas aquelas e todos aqueles que continuam a desenvolver as relações de luta em modelo de uma nova forma de vida. E aqui se sente o peso dos órgãos de informação, mesmo de muitos considerados alternativos, que actuam não só pelo que divulgam mas pelo que escondem. O facto de poucos ouvirem falar de certas experiências práticas não significa que elas não existam e não façam sentir os seus efeitos, tal como a velha toupeira. A alternativa reside ainda em todas e todos os que resistem à burocratização dos movimentos, quer estejam dentro quer fora desses movimentos. Analisar os erros cometidos e denunciar os canais discretos que reforçam o poder do capitalismo — tal como é feito neste artigo — faz parte também da construção de alternativas.
Este artigo ficou muito bom. Essa relação da burocracia partidária que engessa os movimentos sociais, mesmo a burocracia dos partidos da chamada esquerda revolucionária, precisa mesmo ser debatida.
Hoje os sindicatos funcionam como bunkers da burocracia partidária, fundamentados no imposto sindical e na pseudo-luta econômica (simples reivindicações salarias). Saudosos tempos do início do século XX quando o sindicalismo revolucionário classista e combativo estimulava a solidariedade entre as categorias e as greves gerais eram o motor das lutas dos trabalhadores.
Vivemos uma situação semelhante a da Era Vargas, porém temos um agravante. Nos anos 30, 40 e 50 os movimentos dos camponeses não estavam subordinados aos partidos do governo nem a máquina estatal. Hoje os movimentos do campo e da cidade estão atrelados à lógica desenvolvimentista do capitalismo brasileiro, basta assistir ao vídeo onde o ministro Gilberto Carvalho é ovacionado no acampamento da Via Campesina.
Nossa luta desse ser pela retomada dos movimento AUTÔNOMOS. Sem dirigismo, sem partidarismo, sem burocracia, sem centralismo democrático, sem vanguarda!
Lutar e criar um poder popular de fato! Horizontal, organizados em assembléias livres e fundamentado na democracia direta!
Esse artigo merece ser incluído em alguma publicação (revista, livro, etc.) e deve chegar ao máximo de pessoas.
João Bernardo, desejava saber se você já publicou algum artigo com esta excelente análise que faz do MST, da sua importância histórica e dos caminhos que o Movimento tomou.
Antonio,
Nunca publiquei nenhum artigo nesta perspectiva, o que não significa que não estivesse preocupado com a evolução do MST. Mas até uma data recente esta preocupação, partilhada por muitos militantes na extrema-esquerda, limitava-se a conversas. Foi necessária a Carta dos 51 para quebrar o tabu que impedia a discussão pública do problema. Ampliando essa brecha, o Passa Palavra publicou um artigo em que prosseguiu a reflexão sobre o rumo tomado pelo Movimento ( http://passapalavra.info/?p=49595 ) e publicou agora este novo artigo. Eu aproveitei-me disso e tornei pública, nos comentário, uma análise que antes tinha feito só entre quatro paredes.
Caros companheiros do Passa Palavra, envio abaixo alguns comentários sobre o texto de vocês.
– Primeiramente, em linhas gerais, quero dizer que o artigo está muito bom e contém elementos que evidenciam a relação entre Estado e movimentos sociais que, para os setores mobilizados do Brasil, é o maior problema a ser solucionado. Não se deve esquecer, entretanto, que o maior problema, em termos quantitativos, refere-se aos setores desorganizados.
– Dois aspectos em relação às proposições teóricas utilizadas. Primeiro, achei bastante interessante a utilização do conceito de dominação para a crítica que vocês fazem. Acredito que isso é já um mérito, por sair da lógica economicista de grande parte da esquerda, que tem por eixo central a exploração. É evidente que esse tipo de relação do PT com os movimentos sociais constitui um tipo, um mecanismo de dominação, que está para além da exploração (de acordo com o conceito clássico, relativo à mais-valia da relação proprietário-trabalhador). Segundo, sobre uma questão bastante complexa do poder. Concordo com os aspectos levantados que trazem à tona a questão da legitimidade. Apesar de muitos teóricos do poder falarem isso há anos, parece que a esquerda militante não atentou para o fato. Dizem esses teóricos que um sistema de dominação perdura no tempo muito mais pela capacidade que possui de criar legitimidade desse poder do que pelo simples uso da força. E, a meu ver, é isso que vem fazendo do PT o ator hegemônico desse atual sistema de dominação que foi instituído no Brasil, com sua respectiva estrutura de classes. O projeto de poder do PT no Brasil evidencia a relevância da esfera cultural/ideológica no processo de dominação, em que os dominados acreditam que aquilo que lhes está sendo imposto pelos dominadores é justo, correto. É nisso, a meu ver, que se apoia toda a estratégia de poder do PT, ainda que às vezes seja necessário recorrer à força pura e simples.
– Outra questão importante que creio que esse artigo tende a aprofundar é algo que temos tentado discutir nos movimentos sociais. De que o governo do PT constitui um inimigo diferente dos outros. Ainda que se deva ressaltar, como colocado pelo companheiro Rafael – que o Estado não é um espaço em disputa, mas o instrumento político por essência das classes dominantes servindo, exclusivamente, para a dominação – deve-se notar que cada governo constitui um inimigo de classe distinto. E isso os movimentos sociais ainda não entenderam. Vejamos pelo exemplo do MST; o PT, com seu discurso sedutor acaba atraindo as bases (petistas em sua maioria) e, em termos de resultado, esse governo não oferece nada de diferente dos anteriores. Ver para isso aquela matéria que foi capa da Carta Capital, que demonstrava com números a falta de qualquer evolução significativa nos índices de reforma agrária desde o governo militar. Trata-se, portanto, de buscar compreender as formas de atuação do governo do PT (pois eu acho que isso ainda não está compreendido para a maioria da esquerda combativa) para enfrentá-lo da melhor maneira. Creio que compreender o fenômeno do lulismo e do que tem sido a relação do PT nos processos de dominação é tarefa de primeira ordem para os movimentos sociais. O governo do PT é um inimigo de classe novo e distinto dos outros, e deve ser melhor conhecido para poder ser combatido de maneira adequada.
– Em relação ao MST, não sei se o caso de São Paulo está muito fora da curva, mas não vejo por aqui grande parte do que se coloca nas relações com o PT por parte do movimento em outros estados (Bahia especialmente). Minha dúvida é se as posições colocadas pelo Passa Palavra poderiam ser generalizadas à maioria do Brasil. Deve-se lembrar que não se pode fazer uma leitura dos movimentos de cima para baixo, considerando as posições de suas direções como se fossem posições de todo o movimento. Em várias oportunidades tenho visto nas bases posições bastante distintas daquilo que o movimento realiza em nível nacional ou do que aquilo que pregam suas direções.
– Um último ponto, de sugestão ao Passa Palavra, é que invista mais em reflexões que possam contribuir com os caminhos a seguir. Pois, não sei se são os textos que leio, mas sinto uma ênfase muito forte na crítica que, se não vem atrelada a propostas construtivas, não agregam muito… Criticar, em certa medida, é muito mais simples que propor. Esse é um incômodo que, além de mim, alguns companheiros também vêm demonstrando, fruto de certa insatisfação em relação às publicações que visam somente as críticas.
Felipe, seria interessante que cada militante, de cada local diferente, contasse um pouco da sua experiência. A generalização tem o seu lado interessante, mas claro que é o relato de cada história específica, de cada acontecimento em particular, que vai nos dar uma visão muito melhor do que se passa.
Eu sou baiano e em pouco momentos tive a oportunidade de vivenciar algo com o MST daqui, além das marchas. Vi muitos assentamentos abandonados da região do recôncavo e vi outros tantos que foram assentados em regiões inóspitas e secas somente para que os governantes e as elites, até então de direita, se deliciassem com o fracasso da reforma agrária. E por isso não credito somente à direção do Movimento tal situação que se encontra hoje os assentamentos do MST, muito menos ao PT. Havia problemas estruturais, falta de tecnologia para produção, organização do trabalho arcaica, desconhecimento de mercado consumidor e dos canais de distribuição, envelhecimento da força de trabalho, nenhuma estratégia gerencial. Ou seja, os assentamentos não conseguiam se transformar em empresas capitalistas, muito menos caminhavam para projetos de uma outra sociedade. E não era caminho para outra sociedade por inúmeros outros motivos que nem vou começar a citar aqui. O que importa é que esta situação desmotivava a todos: os assentados, principalmente a juventude, e os grupos e instituições que tentavam dar um apoio ao Movimento. Obviamente que, para muitos, ingressar no PT seria um caminho para abandonar aquele caos. Seria, portanto, muita ingenuidade ou oportunismo apontar para um ou dois culpados. Os assentamentos foram feitos para não dar certo e se as direções não sabiam como fazer de outra forma, não era porque tinham má vontade, mas porque, assim como todos nós da esquerda, eram ignorantes no que diz respeito a um futuro comunista. Vamos todos aprender fazendo.
Mas fui também para o V Congresso do MST, em Brasília, em meados de 2007. Era o primeiro ano do Governo Wagner e Valmir Assunção, até então liderança do MST regional e recém-eleito deputado estadual, o mais votado do PT por sinal, tinha assumido a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do governo do Estado, aquela mesma que faz o repasse dos recursos e dos projetos do Governo Federal destinados aos mais pobres, inclusive o Bolsa Família e todos os projetos assistenciais. Aqui, 4 milhões de pessoas vivem fora das cidades, de um total de 14 milhões. Não sei se há no país algum estado com mais pessoas morando fora das cidades do que o meu, mas com certeza esse número deve expressar alguma coisa. É aqui também onde o MST é maior. Somando isso a todos os outros índices de pobreza que ostentamos, podemos traçar a função estratégica da tal secretaria que foi dada ao MST, através de um deputado eleito pelo PT, por mais que ela não tivesse grandes recursos. Pois bem, fui neste congresso – que de congresso não tinha nada porque nada se deliberava. Ficávamos todos nas arquibancadas do ginásio se emocionando com as místicas apresentadas na quadra central – e lá pude ver algumas coisas que só vieram a me assustar depois, quando aprendi que fazer a crítica é também uma forma de dar apoio. Porém o que me assustou desde lá, para focar naquilo que você questiona, é que nenhuma outra delegação viajou de forma tão confortável como a nossa. Sim, não sou defensor do socialismo da miséria, nem do capitalismo da miséria, e até mesmo não gosto do capitalismo da abundância. Sim, não defendo que os trabalhadores sem-terra viajem em pau de arara para o resto das vidas. Se estou nessa luta é para que todos nós tenhamos uma vida confortável e tranquila. Mas eu não vi os trabalhadores sem-terra do Rio Grande do Sul, que provavelmente fizeram uma viagem muito mais longa do que a nossa de 24 horas, terem as mesmas benesses. E não foram poucos os assentados, das regiões mais longínquas deste país enorme, que chegaram ao congressos exauridos fisicamente devido às condições precárias da viagem. Por que os sem-terra da Bahia, e aqueles que o apoiavam por aqui, tiveram condições melhores? Será que isso não simboliza nada? E se tinham somando apenas seis meses de governo do PT no estado! O que eu quero dizer é que eu duvido que haja neste país algum lugar em que o MST seja tão apêndice do PT e dos governos do PT quanto é aqui na Bahia. E, repito, aqui é onde o MST é maior. O que me indigna mais, entretanto, é que ninguém denuncia, ninguém fala nada a respeito. Mesmo aqueles que foram isolados por fazerem algum tipo de oposição, continuam calados. Por quê?
Talvez a Bahia seja um caso isolado, e no resto do país o movimento segue a todo vapor. Podemos levar em consideração a famosa frase de um ex-governador que disse: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente” e deixarmos tudo pra lá, porque é caso isolado, um pequeno desvio de milhões. As lideranças, no resto do país, continuam fazendo trabalho de base e há muita esperança nos assentamentos. O PT respeita os limites entre o Partido e o Movimento e as lutas acontecem mesmo contra os governos de esquerda, quando precisam ser feitas. Por outro lado, os governos de esquerda, eleitos com a ajuda do Movimento, devem estar colaborando com a reforma agrária, com a melhoria da situação de vida dos assentados. Não há mais repressão! Estão ajudando a desviar parte deste crescimento apregoado no país para os que antes eram sem-terra, e ajudando aqueles que ainda estão sem o seu terreno a garantirem logo a frente o que desejam. Ou podemos cair na real e perceber que isso aqui é só o prelúdio do futuro, e se desde já não pararmos com esse fetiche ao Movimento, se não tivermos a coragem para denunciar o que se passa, logo o MST da Bahia estará em todo o país. E aí será fácil fazer a denúncia, as criticas e os balanços. Todos nós poderemos dizer que isso era óbvio, que estava escrito nas estrelas. Eu quero é ver se vai aparecer alguém pra dizer que poderia ter feito isto no percurso, ter ajudado a encontrar um desvio desde agora, mas não fez por pura covardia.
Acho que as desestruturações são diferentes em cada estado, em São Paulo existe uma separação entre a direção Estadual e a Nacional (que passa a maior parte do tempo em São Paulo). A separação é tão absurda que durante os processos de luta da comunidade Lírio dos Vales nos diversos atos que ocorreram, com diversos confrontos com a polícia e o corpo de bombeiros (até proibição do padre de rezar a missa teve) nenhum membro da DN esteve presente nos atos, e grande parte deles estava em São Paulo.
Boa parte das pessoas que tocava este trabalho mais dissonante da Direção Nacional está hoje afastada do movimento, porque teve seus espaços tolhidos pela DN.
Não existe vazio em política e este espaço foi ocupado por pessoas (universitárias) que há pouco tempo tinham entrado no movimento, indo para direção regional, estadual e até para representação internacional.
Evidente que as bases do movimento apresentam diversas alternativas que em muito diferem das políticas das direções, mas o espaço para estas bases me parece cada vez menor.
No MST, o “centralismo democrático” tem crescido por imposição das direções. Ou seja, cada vez mais estamos assistindo a uma imposição das direções e a exigência de obediência das bases. E as bases estão crescendo no meio estudantil, principalmente através da Consulta, que está servindo de “tropa de choque” das direções.
Não poderia deixar de contribuir neste debate fecundo e instigador. Coloco aqui: http://www.ainfos.ca/00/jun/ainfos00206.html um relato da experiência de um coletivo de trabalhadores urbanos e rurais que atuava, ainda que de modo incipiente, no esforço de quebrar as fronteiras corporativas da cultura militante baseada no dualismo urbano-rural. Dai se pode inferir que a crescente adequação do MST à sociedade do espetáculo possui raízes bem mais profundas e não se origina há pouco tempo, como é comum se pensar. Que todos tirem suas próprias conclusões. Para dirrimir desde já qualquer curiosidade quanto a tal coletivo, basta dizer que nasce da união em fins dos anos 80 de ex-militantes do extinto PLP – Partido da Libertação Proletária (fração UOC – Unidade Operária Camponesa e MLC – Movimento Liga Camponesa) com “bases” da Teologia da Libertação, muitos dos quais, posteriormente, se integraram aos esforços da AGP – Ação Global dos Povos, buscando romper com toda tradição partidária e vanguardista.
Ok, pessoal! Desfiliem-se de seus partidos, afastem-se de suas tarefas nos movimentos sociais, abandonem suas atividades nos sindicatos. Deixem isso para a direita e venham vocês também para a blogosfera expor as frgilidades e contradições da esquerda atraves de fontes escusas em tom leviano e ressentido…. Essa sim é uma ótima saída…
Oi Maria, parece que você não leu o texto não? E parece também que você não conhece as pessoas que compõem e comentam neste site. Há muitos militantes presentes aqui. Eles não precisam se “desfiliar” dos movimentos sociais que estão inseridos, por que as críticas aqui realizadas originam-se da própria experiência desses militantes com os movimentos. O que me garante que você também não é uma militante de blogsfera? Seu tom ressentido?
Maria, se o partido do militante for o PT e se ele for de esquerda, deve mesmo desfiliar de seu partido. Os militantes que não são do PT mas que ficam em sua órbita e sempre votam nele, também devem rever sua posição. Os que possuem atuação autônoma, que são da esquerda revolucionária, devem continuar a lutar por uma sociedade socialista longe dos partidos da ordem.
Caro Felipe,
Esta é a primeira vez que vejo uma crítica ao MST que não seja de direita e fiquei bastante contente em tê-la conhecido porque tinha uma imagem completamente ausente de qualquer crítica ao MST. Não sendo do movimento, não tinha o menor conhecimento sobre processos de burocratização e controle dos dirigentes que vêm ocorrendo. Acho importante ter adquirido tais informações e mais importante ainda que a crítica tenha sido feita por pessoas que possuem experiência de luta, se situam no campo anticapitalista. Aposto que você não está averiguando se todas as dissertações sobre o MST fazem críticas deste porte. E se não se incomoda que acadêmicos realizem suas análises penso que também não deveria se incomodar com leituras feitas por gente ligada às lutas sociais.
Alberto, em relação a este antigo e sabido embate entre DN do MST e direção de SP, você acha que existem divergências políticas de fundo ou meramente pragmáticas?
Um abraço,
Júlio