Jogou-se luz sobre o abismo entre Estado e população, entre a esquerda no poder e supostos apoiadores. Por Nicole Thé e G. Soriano
Este texto foi escrito, em várias partes, a pedido de camaradas de fora da França, e inclui elementos de informação e reflexão que foram-lhe sendo gradualmente adicionados. Isto explica suas repetições, redundâncias e contradições. Assim que pudermos, tentaremos escrever outro artigo para desenhar um balanço mais detalhado deste movimento.
A nova lei trabalhista foi apresentada ao Parlamento na primeira quinzena de março. Em 12 de maio, seu primeiro anteprojeto foi enquadrado num regime de urgência legislativa, chamado “49.3”[1], que encurta a discussão no Parlamento antes que vá ao Senado. A moção de desconfiança apresentada pela direita foi rejeitada, e a assim chamada esquerda dissidente (ambientalistas, Partido Comunista, Parti de Gauche e alguns parlamentares “rebeldes” do Partido Socialista) não conseguiu as 58 assinaturas necessárias para apresentar sua própria moção. O Partido Socialista começou a rachar, e o uso do procedimento 49.3 apenas exasperou seus oponentes. Como resultado, a mobilização se expandiu e alcançou algumas empresas estratégicas, e o governo aparentou ter sido vitimado por sua própria intransigência[2].
Em meados de maio, o movimento deu uma guinada mais aguerrida. Caminhoneiros bloquearam estradas perto de estaleiros e refinarias, como que num tiro de alerta, mas o governo rapidamente prometeu não tocar em suas horas extras – que chegam a metade de seus salários – e permitiu-os escaparem das condições gerais estabelecidas pela nova lei trabalhista.
Enquanto isso, a greve alcançou estaleiros e refinarias, que pareciam encalhados e abandonados pelo movimento. No dia 24 de maio, a polícia atacou um piquete de estivadores que bloqueava o depósito de combustíveis em Fos-sur-Mer, e prometeu remover as obstruções em outros depósitos e refinarias. Por três semanas as oito refinarias fizeram greve e pararam a produção. As ações policiais de remoção dos bloqueios apenas fortaleceram a determinação dos grevistas, particularmente no oeste do país. De todo modo, o governo conseguiu prevenir que a escassez de combustíveis atingisse massivamente a região de Paris, tornada foco da atenção midiática. Se no começo as greves afetaram apenas uma minoria de trabalhadores nas refinarias, a situação, então, tornou-se muito mais favorável à sua luta. O que não durou muito, pois os postos de gasolina começaram a receber combustível e as greves foram parando, uma atrás da outra.
Na Societé Nationale des Chémins de Fer Français – SNCF, empresa ferroviária pública francesa, o sindicato ligado à CGT puxou paralisações todas as quartas e quintas a partir de 18 de maio[3]. O sindicato dos ferroviários ligado à SUD quis puxar um movimento mais agressivo e puxou uma greve com duração até o dia 11 de junho, data da final da EuroCopa, mas, sozinho, a SUD não foi capaz de fazer a diferença. No dia 18 de maio, a gerência da SNCF anunciou que apenas 15% dos ferroviários haviam aderido à greve, mentindo, porque entre um terço e metade dos trens não estavam rodando. Mas, no caso da SNCF, a luta contra a nova lei trabalhista se misturou às lutas contra as reformas nas ferrovias. Os sindicatos filiados à UNSA e à CFDT apoiaram esta última porque seus membros são mais corporativistas. A unidade entre as quatro centrais sindicais não durou muito, porque no segundo dia da greve tanto a UNSA quanto a CFDT suspenderam a greve e convocaram seus filiados a retornar ao trabalho. A primeira semana de junho prometia ser muito interessante, mesmo se os sindicatos não houvessem planejado qualquer manifestação de rua. Os sindicatos preferiram ameaçar com paralisações por tempo determinado durante a EuroCopa a coordenar um amplo movimento grevista num momento em que muitas categorias haviam entrado na luta…
O acordo com a SNCF foi aprovado pela CFDT e pela UNSA (que, juntos, têm 39% dos votos), e rejeitada pela CGT e pela SUD (que, juntos, têm 51% dos votos). Se a CGT e a SUD houvessem concordado com o veto ao acordo, o acordo com a SNCF seria invalidado; a SUD tentou vetá-lo, mas a “responsável” federação de rodoviários filiada à CGT não a acompanhou, então ele foi assinado.
A CGT também chamou uma greve na Régie Autonome des Transports Parisiennes – RATP, empresa de transportes públicos parisienses, a partir da terça-feira, dia 2 de junho, mas seus efeitos foram muito modestos, porque as garagens de ônibus estavam bloqueadas mais por simpatizantes do Nuit Debout que por grevistas, então a polícia não teve dificuldades em debelar os piquetes. No mesmo dia, houve uma paralisação de um dia nos estaleiros, enquanto os aeroportuários e tripulações da aviação civil entraram em greve entre 3 e 5 de junho. Pilotos de avião ameaçaram entrar em greve depois do início da EuroCopa, mas desistiram por estarem isolados.
Os eletricitários uniram-se ao movimento, tendo havido greves em algumas usinas nucleares; houve algum sucesso na redução do ritmo de produção, e a Electricité de France – EDF se viu obrigada a importar energia. Os consumidores não sentiram a redução na produção, mas o valor simbólico desta ação foi importante. Depois de duas semanas, os trabalhadores voltaram a seus postos.
Deve ser dito que as várias categorias, entre as quais a CGT está bem enraizada, entraram em greve: em alguns casos, elas foram direcionadas principalmente contra a nova lei trabalhista, como se deu nos estaleiros, na indústria química e em particular no setor energético (combustíveis, eletricidade), mas também nos serviços de limpeza urbana; neste último caso, a greve se deu não tanto entre os garis, mas entre os trabalhadores dos centros de incineração de lixo. Em Paris, por exemplo, os trabalhadores da limpeza pública entraram em greve, o que levou a prefeitura a terceirizar a coleta de resíduos sólidos a várias empresas, incluindo aquelas que já trabalhavam na capital. Foram sobretudo os quatro incineradores de lixo ao redor de Paris, todos eles, que entraram em greve e foram fechados por piquetes antes que a polícia interviesse posteriormente para reabri-los. Outras categorias que tinham demandas específicas aproveitaram o clima generalizado de enfrentamento para entrar também na luta. O governo tentou separá-los do movimento geral respondendo suas demandas, em alguns casos antecipando-as com promessas muito generosas. Já vimos como lidaram com os caminhoneiros e ferroviários.
O serviço público foi, também, um setor em que o governo obteve sucesso em separar as lutas particulares do movimento geral com concessões menores: aumento de 1.2% no indexador salarial; para professores primários, um incentivo de “monitoramento e acompanhamento” de EUR 800,00 ao ano e, para todos os professores, um salto de grau no plano de cargos e salários.
Esta extensão e radicalização do movimento permitiu à CGT controlar a situação de alguma maneira. A central conseguiu mostrar que, sem sua participação, nenhum movimento teria conseguido pressionar o governo. Nas fábricas e empresas (exceto nas estações férreas de Paris, cujas mobilizações foram importantes politicamente, mas não tiveram grande impacto), nenhuma coordenação autônoma emergiu, e o Nuit Debout não tinha força suficiente. Se o governo houvesse aceitado negociar, tudo estava pronto para que a manifestação de 14 de junho fosse o canto de cisne do movimento.
Mas o governo endureceu o jogo. Ao invés de oferecer uma saída honrosa para a CGT, ele teimou em defender sua nova lei trabalhista, dando aos sindicatos a oportunidade de mostrar capacidade de conseguir alguns resultados. Quando o projeto foi proposto ao Senado, a direita endureceu o projeto originalmente proposto pelo Partido Socialista: os senadores da direita exigiram a supressão da semana de 35 horas; os trabalhadores deveriam ser obrigados a trabalhar 39 horas por semana se o trabalhador assim o pedisse, 48 horas em caso de necessidade, e mesmo 60 horas em casos excepcionais. Nas empresas de pequeno e médio porte, passaria a ser possível assinar acordos individuais. A multa rescisória imposta pela justiça do trabalho não deveria exceder os 15 meses de salário em caso de demissão sem justa causa. Os aprendizes deveriam começar a trabalhar aos 14 ao invés dos 16. Num tal contexto, depois de a lei ter sido modificada e aprovada pelo Senado em 28 de junho, o Parlamento provavelmente votará pelo projeto que havia enviado originalmente.
Até agora, a CGT parecia mais determinada a esmagar a reforma que em 2010. O governo foi intratável, e excluiu a CGT das negociações que precederam a preparação do anteprojeto, mas as bases da CGT estavam mais mobilizadas que durante as lutas contra a reforma previdenciária de 2010. Isto foi devido ao ataque sofrido pela CGT (a nova lei trabalhista quer que as negociações sejam feitas no nível de cada empresa individualmente considerada, ao invés de serem feitas por ramo industrial, mudança que favorece a CFDT), mas também a recentes mudanças internas. Tempos atrás, o Partido Comunista controlava rigidamente a CGT; hoje, esta central sindical tornou-se uma federação de grupúsculos, que tomam decisões autônomas e decidem por ações diferentes entre si. Tornou-se mais difícil que antes, portanto, controlar a organização de cima, agora que ela está mais aberta à influência de forças centrífugas.
A CGT e a FO propuseram organizar uma “votação cidadã”, apresentada como meio para conseguir o apoio da população, pois seria, supostamente, “impossível” entrar em greve. Uma tal votação apenas mudou o enfrentamento das greves e ruas – onde o movimento permanecia numa posição favorável – para as urnas, onde as coisas seriam mais fáceis de controlar. Na manhã de 28 de junho, a mídia anunciou o resultado deste “referendo cidadão”: foram recolhidos 800 mil votos, incluindo 92% hostis ao projeto do governo. Comparados aos 1,3 milhão de assinaturas coletadas pela petição contra o projeto da nova lei trabalhista, foi um relativo sucesso.
O governo pode amolecer um pouco sua atitude, dado o espaço que apareceu entre o Partido Socialista e muito de sua base eleitoral. Muitos parlamentares e membros do governo começam a sentir os efeitos danosos desta atitude recalcitrante, especialmente agora que as próximas eleições presidenciais estão previstas para abril de 2017. As cagadas e as contradições vão aumentando, sugerindo uma busca desesperada por alguma solução que lhes permita livrar a cara.
Muitos líderes socialistas aparentemente abandonaram a ideia de vencer as próximas eleições presidenciais e consideram que, a esta altura, não têm mais nada a perder. Tal atitude poderia, paradoxalmente, fortalecer a intransigência governamental. Daí a proliferação de discursos contraditórios.
Uma conclusão, todavia, se impõe: o movimento não conseguiu exceder o “clássico” protesto de base e envolver a maioria dos trabalhadores. Se 75% dos franceses continuam se opondo à nova lei trabalhista e ao modo com que o governo pretende impô-la, como demonstram todas as pesquisas até o momento, os trabalhadores ainda não encontraram a coragem, a energia e a fúria para entrar em greve e tomar as ruas em massa.
As manifestações de rua provocaram uma discussão amarga entre a CGT (que superestimou o número de participantes) e a polícia (que sistematicamente o subestima). A verdade, costumeiramente, está no meio das duas contagens. Mas, ao invés de discutir estas figuras, deveríamos nos focar na composição das manifestações. O movimento passou por duas fases sucessivas:
- De meados de março ao final de maio, as manifestações, com exceção da ocorrida em 31 de março, foram caracterizadas por uma baixa participação sindical: os agrupamentos sindicais nos atos não mostravam força, e incluíam basicamente dirigentes sindicais e aposentados; os protestos eram liderados pela juventude, cada vez mais numerosa e determinada, sindicalizada ou não. Na linha de frente da manifestação, alguns grupos estavam totalmente equipados para enfrentar a polícia, e receberam o apoio vacilante de uma importante fração dos manifestantes. Quando a polícia, então, pediu aos sindicalistas da CGT e da FO para cooperar, tudo terminou em briga entre a juventude e estes sindicalistas. A pressão dos manifestantes e os vídeos destes embates, que circularam rapidamente na internet, puseram fim nesta cooperação tão óbvia entre sindicatos e policiais.
- A manifestação de 26 de maio marcou uma nova virada: se a linha de frente das manifestações continuava impressionante, três quartos dos manifestantes eram, agora, representados pela base da CGT, que chamou todos os seus delegados sindicais nas fábricas e no setor público para unirem-se aos protestos. As bases da FO e dos Solidaires, apesar de substanciais, eram menos numerosas. A FSU, enquanto isto, mal chegava a ser vista.
A animada linha de frente das manifestações era autônoma relativamente aos sindicatos. Incluía as pessoas mais dinâmicas, secundaristas ou universitários, sindicalistas ou militantes de organizações sociais, “nuit-deboutistas” e militantes autônomos e libertários. Eis, então, um fenômeno totalmente novo. Nos últimos trinta anos, a linha de frente das manifestações era ciosamente confiscada pelos sindicatos, especialmente pela CGT. A presença de um setor autônomo de manifestantes na linha de frente das manifestações recentes revelou uma mudança visível na situação social e na relação de forças dentro do movimento. Também transformou o estilo das manifestações, dado que a linha de frente da manifestação escolheu enfrentar a polícia. Mas a presença de pequenos grupos acostumados a enfrentamentos contra policiais (mas que não ligavam para os riscos corridos pelos manifestantes menos experientes), que destruíam vitrines de bancos e lojas no final dos protestos como forma de “insurrecionalismo”, permitiu ao governo, com o apoio da mídia, apresentar as manifestações, principalmente, como uma ameaça à ordem pública.
De todo modo, o governo não teve muita escolha, dado o fato de que não deu qualquer resposta política que pudesse ter colocado um fim no conflito. Tentou, então, tornar a CGT responsável pelas ações da imprevisível e incontrolável linha de frente das manifestações. Com a manifestação de 14 de junho a CGT quis exibir toda sua força e impressionar tanto o governo quanto o movimento, mas uma manipulação feita pelo governo e pela mídia se aproveitou de um pequeno incidente. Uma janela do hospital infantil Necker foi quebrada. O filho de dois policiais (que foram assassinados por um jihadista em 13 de junho) foi trazido para o mesmo hospital durante a noite, fato desconhecido de todos, excetuando o governo. Este incidente foi dramaticamente ampliado e apresentado como um símbolo da irresponsabilidade dos revoltosos para obrigar a CGT a controlar a linha de frente das manifestações. A manifestação seguinte (23 de junho) foi, a princípio, proibida. A mídia relembrou que a última proibição de uma manifestação sindical aconteceu em 8 de fevereiro de 1962, durante a guerra colonial francesa na Argélia, e 8 pessoas morreram neste dia na estação de metrô de Charonne[4]. Este governo, dito de esquerda, foi obrigado a recuar e finalmente a autorizar o protesto, mas sob estrita vigilância policial, com três a quatro revistas corporais sucessivas em cada manifestante antes mesmo de chegarem ao ponto de partida do protesto. Durante a noite, a mídia quis dar a entender que os incidentes ocorridos durante as manifestações anteriores haviam sido evitados, mas a sede da CFDT foi atacada por centenas de manifestantes furiosos, e os jornalistas sequer mencionaram outros protestos não autorizados que aconteceram ao mesmo tempo. O governo, todavia, conquistou ao menos um resultado: a linha de frente autônoma da manifestação desapareceu, substituída por uma clássica manifestação sindical.
No dia 28 de junho, a manifestação foi autorizada, mas as revistas corporais continuaram em torno do ponto de partida da manifestação. No mesmo dia, a polícia cercou a agência sindical de empregos de Paris, onde militantes de vários setores sociais estavam se reunindo e, na prática, foram impedidos de participar dos protestos. Somente nos períodos mais obscuros da história francesa é possível encontrar precedentes históricos para tal evento. Mas, finalmente, tivemos uma boa surpresa: apesar dos inúmeros controles e checagens policiais, a linha de frente autônoma reapareceu e… algumas vitrines de bancos e lojas foram destruídas novamente.
A repressão contra o movimento foi bem pesada: em apenas três meses, 1.900 pessoas foram presas, e mais de uma centena foi imediatamente julgada e condenada. A polícia experimentou novas técnicas contra os manifestantes. Estas técnicas não se voltavam para o “controle da situação”, mas sim a provocar os manifestantes, que eram cercados, bloqueados, divididos em vários blocos e… provocados até a fúria. Na verdade, tais técnicas contribuíram para aproximar os manifestantes não violentos daqueles organizados para o enfrentamento contra a polícia, todos compartilhando a mesma raiva.
O modo como a ordem pública tem sido gerenciada recentemente na França contrasta com as tendências observadas em escala europeia, e mesmo alguns especialistas em repressão criticaram os procedimentos policiais franceses[5]. Mas o significado político era claro: o governo passou uma mensagem ao movimento e mostrou uma capacidade repressiva superior aos meios tradicionalmente empregues pela direita.
Mas a repressão também teve um efeito indesejado, ao menos para aqueles que a conceberam. Uma nova geração teve experiência direta da brutalidade policial e daqueles que comandam a polícia. Para estes jovens, foi uma primeira forma de socialização e conscientização políticas; desta maneira, não houve necessidade de argumentar e convencê-los de que o Estado é, primeiramente e antes de tudo, um bando de homens armados que afirmam ter o monopólio da violência legítima. Se na época da CPO21 em 2015, ou no começo do Nuit Debout, ainda era possível ouvir o slogan “A polícia está conosco”, ele desapareceu dos protestos. Como em qualquer movimento real, as motivações dos vários setores participantes era diversa, e às vezes contraditória. Mas o governo conseguiu polarizar todas as tensões acumuladas e agrupar contra ele próprio todo o descontentamento existente. As medidas reacionárias adotadas por este governo desde 2012 não foram esquecidas, e os setores que participaram nas lutas lembrarão delas por muito tempo.
No geral, este movimento representou algo mais importante que uma simples luta contra a nova lei trabalhista, contra o estado de emergência, contra a violência policial ou em favor das ocupações de praças. Ele jogou luzes sobre o abismo que há entre o Estado e a população, especialmente entre a esquerda no poder e a parte da sociedade que se supõe apoiá-la – abismo confirmado por todas as críticas direcionadas ao sistema “representativo”, percebido agora como uma democracia fictícia. Este processo seguiu-se a várias derrotas eleitorais sofridas pelo Partido Socialista nos últimos dois anos (eleições municipais, departamentais e regionais) e pode se ampliar no futuro, qualquer que seja o destino final da nova lei trabalhista[6].
Notas
[1] Nota do PP: trata-se do originalíssimo artigo 49, alínea 3 da Constituição Francesa da Quinta República. Este dispositivo constitucional permite a um gabinete ministerial (poder Executivo) forçar a Assembleia Legislativa (a Câmara dos Deputados francesa) a aprovar uma lei sem qualquer discussão ou votação, afiançando sua responsabilidade ao texto da lei. A única forma de questionar qualquer elemento afiançado pelo gabinete ministerial é a abertura, por pelo menos um décimo dos deputados, de uma moção de desconfiança contra o gabinete ministerial inteiro. Esta moção de desconfiança, para ser eficaz, precisa ser referendada pela maioria absoluta de votos favoráveis na Assembleia Legislativa, e caso consiga é transformada num voto de desconfiança; este voto de desconfiança, assim que recebido pelo primeiro-ministro, deve ser encaminhado ao presidente da França junto com seu pedido de demissão e também do gabinete ministerial inteiro. Esta forma de coação legislativa tem sido alvo de críticas tanto pela esquerda como pela direita – mas gabinetes ministeriais franceses dos dois campos políticos a utilizaram 88 vezes desde a promulgação da Constituição Francesa da Quinta República em 1958.
[2] Atitude que lembrou sua tentativa malograda de mudar a Constituição francesa para privar de sua cidadania francesa a terroristas com dupla nacionalidade.
[3] Nota do PP: na França, os sindicatos podem puxar tanto a grève ilimitée, ou seja, por tempo indeterminado, quanto a grève reconductible, ou seja, “renovável”. Nesta última modalidade, tanto pode acontecer uma paralisação integral do trabalho por tempo pré-determinado, podendo ser renovada enquanto durarem as negociações salariais, quanto podem acontecer paralisações pré-determinadas em dias específicos, que prosseguem enquanto durarem as negociações salariais. Em todos os casos, o sindicato deve avisar com antecedência sobre a greve.
[4] Nota do PP: o incidente de Charonne, como veio a se tornar conhecido este fato, tornou-se um símbolo da violência do Estado e do engajamento do Partido Comunista durante a Guerra da Argélia. Sua história, por mais legítima, encobre o silêncio do PCF acerca do assassinato de centenas de argelinos em Paris em consequência das manifestações de 17 de outubro de 1961, relembrada por Charlotte Nordman em artigo publicado no Passa Palavra em 2010 (ver aqui).
[5] Ver os artigos de Olivier Fillieule e Fabien Jobard, “Un splendide isolement. Les politiques françaises du maintien de l’ordre” (ver o artigo na íntegra, em francês, aqui), e de Joseph Confraveux, “Le pouvoir politique est affaibli face au pouvoir policier” (ver artigo na íntegra, em francês, aqui).
[6] Nota do PP: este texto foi fechado antes da promulgação da lei El-Khomri, em 8 de agosto de 2016.
Recebido por e-mail e traduzido para o português pelo Passa Palavra.
Este texto está dividido em quatro partes:
A atmosfera social na França esquenta (ver aqui)
Nuit Debout (“noite de pé”) em Paris (ver aqui)
O peso político do Nuit Debout (ver aqui)
A luta contra a nova lei trabalhista