Por João Bernardo

Pensando um pouco sobre a recente agressão de Israel ao navio Mavi Marmara e o à-vontade e a impunidade com que esse país tem espalhado o terror em seu redor, parece-me que a maior parte dos comentadores se limita ao óbvio para evitar a conclusão mais importante.

É do conhecimento geral que os judeus foram vítimas de grandes perseguições e que o nazismo fez do anti-semitismo um dos seus eixos principais. Desde o primeiro dia o regime de Hitler perseguiu os judeus e durante a segunda guerra mundial pretendeu exterminá-los. É também amplamente conhecido o tratamento que o Estado de Israel inflige aos palestinianos, espoliando-os e impondo-lhes um sistema de terror que ultrapassa tudo o que os racistas sul-africanos conseguiram fazer no tempo do apartheid. Ora, entre estes dois factos, os judeus como vítimas e Israel como agressor, não existe uma contradição mas, pelo contrário, um nexo lógico, e é para ele que procurarei chamar a atenção neste artigo.

Oposição entre assimilacionistas e sionistas

Antes de mais, convém distinguir judeus e movimento sionista. Os judeus são um povo, definido por um conjunto de tradições e hábitos culturais em que a religião é uma parte componente, embora não indispensável. O sionismo é um movimento político que se propôs formar uma nação a partir do povo judaico, disperso desde há muitos séculos no seio de outras sociedades; o objectivo do sionismo era separar os judeus das sociedades onde viviam e conduzir uma corrente migratória para a Palestina, acabando por fundar o Estado de Israel.

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Theodor Herzl

Quando Theodor Herzl fundou o movimento sionista na passagem do século XIX para o século XX, ele só conseguiu interessar uma pequena minoria de judeus e praticamente não contou com o apoio de intelectuais judeus de prestígio [1]. A esmagadora maioria dos judeus era composta por assimilacionistas, que, embora defendessem o direito a manter a sua especificidade cultural, defendiam também a sua plena integração nas sociedades onde viviam. Na Alemanha imperial a grande maioria dos judeus exibia um patriotismo nas raias do chauvinismo, e os judeus austríacos, em vez de se apresentarem como uma das nacionalidades do império, consideravam-se parte integrante da população alemã [2]. Nas vésperas da primeira guerra mundial os sionistas estavam marginalizados no interior das suas próprias comunidades, mesmo no leste da Europa, apesar de serem aí especialmente violentos os sentimentos anti-semitas de uma parte da população [3], e o isolamento dos sionistas continuou, de um e outro lado do Atlântico, ao longo da década de 1920 [4]. Na Alemanha posterior à primeira guerra mundial, durante a república de Weimar, os assimilacionistas contaram pelo menos com 95% dos membros das organizações judaicas [5], e na primeira metade da década de 1920 mais de 40% dos casamentos em que um dos noivos era judeu tinham como outro participante um não-judeu [6]. Na Polónia, apesar de ter sido o país europeu onde o sionismo mais se desenvolveu, até à segunda guerra mundial a maior organização política judaica foi a Bund (Algemeyner Yidisher Arbeter Bund in Lite, Poylin und Russland, União Geral dos Trabalhadores Judaicos da Lituânia, Polónia e Rússia), partidária da igualdade de direitos, socialista e activamente oposta aos sionistas [7]. Comentando o facto de em 1942 ser cada vez mais frequente o emprego do polaco em vez do yiddish nas ruas do ghetto de Varsóvia, o historiador judeu Emmanuel Ringelblum observou que o movimento de assimilação linguística fora já muito forte antes da guerra [8]. Na verdade, Ringelblum estava especialmente bem colocado para apreciar a situação, porque ele conseguiu organizar clandestinamente uma rede de testemunhas e de informadores que lhe permitiu, com sacrifício da vida, deixar para a posteridade a narrativa das atrocidades praticadas pelos nazis na Polónia.

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Emmanuel Ringelblum

Mesmo as vitórias eleitorais alcançadas pelos nacionais-socialistas não impediram que nas vésperas da nomeação de Hitler para o posto de chanceler os sionistas estivessem reduzidos na Alemanha, como nos demais países, a uma fracção diminuta da população judaica, 1% ou 2% segundo os seus próprios cálculos [9], e um relatório interno dos SS elaborado na Primavera de 1934 constatou que a maioria dos judeus alemães se mantinha favorável ao assimilacionismo [10]. A partir de Junho e Julho de 1934, quando Röhm e as SA foram liquidadas e o fascismo estritamente racial de Hitler e Himmler triunfou sobre o fascismo de carácter social proposto pelos seus rivais na extrema-direita, uma das principais preocupações do nazismo foi excluir os judeus da sociedade alemã. Os assimilacionistas foram ilegalizados e perseguidos e os sionistas foram promovidos; mas, apesar disso, os judeus alemães não se mostraram entusiasmados pela Palestina. As autoridades britânicas na Palestina fixavam anualmente o número máximo de imigrantes permitido, e era a Agência Judaica, suprema autoridade sionista na região, quem repartia os certificados de imigração entre os judeus dos vários países. Ora, durante a década de 1930 só 22% dos certificados foram concedidos a judeus alemães [11].

Na Alemanha o sionismo só triunfou sobre o assimilacionismo porque o regime nazi perseguiu os assimilacionistas. O sionismo considerava os assimilacionistas como o principal inimigo e via com bons olhos tudo – perseguições e mesmo ocasionais massacres – o que afastasse os judeus das sociedades onde viviam. Por isso, desde muito cedo os dirigentes sionistas procuraram estabelecer acordos com governos hostis aos judeus e convencê-los de que ambos tinham o mesmo objectivo imediato [12]. Se os anti-semitas queriam desembaraçar-se dos compatriotas judaicos e se os sionistas pretendiam aumentar o número de judeus na Palestina, por que não unirem os esforços?

Colaboração do sionismo com o nazismo

Durante a república de Weimar os sionistas alemães haviam mantido uma atitude passiva perante a ascensão do nazismo, considerando a hostilidade aos judeus tão lógica como a sua própria recusa em se integrarem na sociedade germânica [13]. Para eles a solução do problema consistia na emigração para a Palestina e não no combate ao anti-semitismo no país onde tinham nascido, e desde a instauração do regime nazi em 1933 até ao começo da segunda guerra mundial foram muito poucos os sionistas a participar na resistência clandestina [14]. Aliás, figuras eminentes do sionismo germânico expressaram publicamente a opinião de que a chegada de Hitler ao poder era proveitosa para os judeus porque comprometia definitivamente os assimilacionistas, obrigava todos os judeus a juntarem-se numa entidade única e reforçava a noção de identidade racial do judaísmo [15].

A célebre intelectual judia Hannah Arendt recordou que «naquele tempo era um facto da vida corrente que só os sionistas tinham possibilidade de negociar com as autoridades alemãs, pela simples razão de que a sua principal rival, a Associação Central dos Cidadãos Alemães de Confissão Judaica (Central-Verein deutscher Staatsbürger jüdischen Glaubens), à qual pertenciam então noventa e cinco por cento dos membros de organizações judaicas na Alemanha, especificava nos estatutos que o seu primeiro objectivo era a “luta contra o anti-semitismo”. De um dia para o outro, ela havia-se convertido, por definição, numa organização “inimiga do Estado” […] Nos primeiros anos, a subida de Hitler ao poder foi vista pelos sionistas principalmente como “a derrota decisiva do assimilacionismo”» [16]. Ilegalizados os ideais de integração, calcula-se que a tiragem do semanário sionista alemão, que oscilara entre os 5.000 e os 7.000 exemplares, tivesse subido para cerca de 40.000 nos primeiros meses do novo regime, e as colectas de fundos realizadas pelo movimento sionista renderam o triplo em 1935-1936 do que haviam rendido em 1931-1932 [17].

A Organização Sionista alemã via no anti-semitismo activo dos nazis uma oportunidade de aumentar o fluxo da emigração para a Palestina; e os dirigentes do sionismo mundial aprovaram esta orientação, muitas vezes contra os protestos de activistas de base, como sucedeu na própria Palestina [18]. Logo nos primeiros dias de Abril de 1933, mais de oito anos antes de as autoridades do Reich terem tornado obrigatório o porte da estrela amarela pela população judaica, já um artigo assinado pelo chefe de redacção do semanário sionista alemão apelara para que os judeus tomassem eles próprios esta iniciativa, mostrando a vontade de se excluírem da sociedade germânica [19]. Para que progredisse o estabelecimento na Palestina era indispensável que os judeus da diáspora se sentissem renegados pelos países onde haviam nascido, e assim o mesmo processo que permitiu aos hitlerianos a destruição gradual dos judeus possibilitou que os sionistas derrotassem os seus rivais assimilacionistas. «Desde o início que a direcção sionista se recusara de facto a opor-se à ideologia de expulsão defendida pelos nazis», escreveu um historiador judaico, acrescentando que esta atitude fornecia «uma indicação aos nazis de que os próprios judeus se dispunham a organizar a expulsão deles mesmos». A conclusão só podia ser uma. «Os dirigentes nazis […] constataram com alegria o facto de os sionistas aceitarem a expulsão dos judeus» [20]. E não se tratava de uma expulsão qualquer, mas unicamente da concentração dos fugitivos na Palestina. A lógica da implantação de uma soberania judaica na Palestina apresentava-se como o reverso da lógica nacional-socialista de perseguição dos judeus.

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Milícias da Betar em Berlim, 1936

Aquele historiador judeu resumiu lapidarmente a situação: «O sionismo havia-se tornado um instrumento dos anti-semitas» [21]. Os discursos e as publicações nazis continuaram a obedecer aos rancores de sempre, atacando todos os judeus sem distinção, mas na prática os procedimentos foram subtis e criou-se uma curiosa situação de que os sionistas saíram privilegiados, mesmo em termos legais. O facto de a esmagadora maioria dos judeus alemães estar integrada socialmente no país, dificultando a aplicação das medidas anti-semitas [22], converteu os assimilacionistas nos principais inimigos; e os sionistas, que pretendiam destacar os judeus do resto da população, apareceram como um auxiliar precioso e receberam os cargos dirigentes na nova instituição destinada a enquadrar os judeus do Reich [23]. A maior parte das medidas anti-semitas concentrou-se nos assimilacionistas, enquanto o movimento sionista pôde manter a sede aberta até Novembro de 1938 e, apesar das restrições impostas à sua actividade, recebeu em 1935 autorização para vestir com uniformes próprios os membros da organização juvenil, assim como a imprensa sionista, apesar das proibições que várias vezes a atingiram, foi a única em todo o Reich a ficar isenta da obrigação de conformidade com a doutrina nacional-socialista [24]. Além de estimularem as comunidades judaicas existentes nas principais cidades a usar a língua hebraica, os dirigentes nazis, durante os primeiros anos do novo regime, incentivaram-nas a realizar festivais religiosos, culturais e desportivos, sob a égide do movimento sionista e contando com a presença benévola de funcionários da Gestapo [25].

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Victor Klemperer

Esta convergência de interesses foi clara para alguns contemporâneos e encontramo-la estigmatizada ao longo do diário mantido por Victor Klemperer, um professor universitário alemão de origem judaica, linguista e especialista em literatura francesa. Ele não poupava os sarcasmos ao mencionar a colonização sionista da Palestina e numa página de Outubro de 1933 exprimiu simpatia pela revolta dos árabes palestinianos, equiparando o seu destino aos dos índios americanos [26]. «Em que é que os sionistas se distinguem dos nazis?», exclamou Klemperer em 1936, e abriu o ano de 1939 com a afirmação de que o sionismo é «puro nazismo» [27]. «Não existe qualquer questão judaica na Alemanha ou na Europa ocidental», escreveu ele passados poucos dias. «Quem quer que diga o contrário está só a aceitar e reforçar as teses falsas do NSDAP [o partido nazi] e a servir a sua causa». Klemperer invocou o elevado número de casamentos entre judeus e não judeus como prova de que os judeus haviam sido inteiramente assimilados pela sociedade alemã e acrescentou que o ambiente de fricções no qual os judeus puderam ver-se envolvidos antes da chegada de Hitler à chancelaria não fora mais grave do que as hostilidades que opunham protestantes e católicos ou prussianos e bávaros. «Existe uma única solução para a questão judaica na Alemanha e na Europa ocidental: a derrota daqueles que a inventaram. […] A causa sionista, tanto a pura como a religiosa, interessa apenas a fanáticos e não diz respeito à maioria […]» [28]. Em meados de 1940, Klemperer voltou a estabelecer a igualdade entre sionismo e hitlerismo [29]. «Hitler é o mais importante promotor do sionismo […]», denunciou ele nos últimos dias de 1941 [30]. No ano seguinte, além de ter novamente equiparado os sionistas aos nacionais-socialistas [31], Klemperer observou a afinidade dos escritos políticos de Theodor Herzl, o fundador do sionismo, com a doutrina hitleriana [32]. «Só podemos resolver a questão judaica se nos libertarmos daqueles que a inventaram», havia ele declarado no início de 1939 [33]. Mas isso sucedeu tarde demais.

Antes de encetarem a «solução final» e chacinarem sistematicamente os judeus, os dirigentes nazis prosseguiram uma política dupla, por um lado, reduzindo progressivamente os direitos cívicos e profissionais dos judeus e confinando-os depois em campos de concentração e, por outro lado, estimulando a sua fixação na Palestina. Da estreita colaboração entre os dirigentes sionistas e o departamento SS especializado nestes assuntos resultou a criação de uma rede de emigração, que continuou a funcionar mesmo depois do início da guerra [34]. As autoridades judaicas da Palestina destacavam regularmente emissários para contactar os SS ou directamente a Gestapo, de maneira a aumentar o fluxo de emigrantes [35]. Estes agentes de recrutamento sionistas foram por vezes autorizados a visitar os campos de concentração e a escolher entre os detidos aqueles que preferiam expedir para a Palestina, homens de negócios e jovens vigorosos [36]. Nas palavras de Hannah Arendt, «a maioria dos judeus, que não havia sido seleccionada, ficou inevitavelmente confrontada com dois inimigos – as autoridades nazis e as autoridades judaicas» [37]. O aparente empenho dos nacionais-socialistas no êxito dos colonatos judaicos chegou ao ponto de os SS criarem algumas fazendas experimentais, onde os candidatos à emigração aprenderam técnicas agrícolas modernas que lhes permitiram depois cultivar com eficácia e produtividade as terras tomadas aos árabes [38].

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Medalha comemorativa da visita de von Mildenstein à Palestina

As relações eram tão íntimas que em Abril de 1933 o barão von Mildenstein, perito SS para as questões judaicas, partiu para a Palestina a convite da Organização Sionista Mundial e com expressa autorização do partido nazi. Passeando-se por Tel Aviv e visitando os colonatos, von Mildenstein ficou a tal ponto interessado que no ano seguinte publicou uma série de reportagens sobre a sua viagem. Chegou mesmo a ser cunhada uma medalha em comemoração do acontecimento, com a cruz suástica gravada numa face e mostrando na outra a estrela de David [39]. A visita de von Mildenstein teve uma segunda versão quatro anos depois, quando o seu antigo subordinado Adolf Eichmann, promovido entretanto a especialista SS das questões judaicas e encarregado de organizar a emigração de judeus – e mais tarde o seu extermínio – foi convidado pelos dirigentes sionistas a visitar a Palestina e a conhecer os colonatos. Mas, chegados a Haifa, Eichmann e o seu superior hierárquico não conseguiram obter um visto de entrada das autoridades britânicas e viram-se obrigados a retroceder para o Egipto, onde tiveram várias reuniões com um representante sionista. De acordo com o relatório apresentado pelos dois membros dos SS, o agente sionista comunicara-lhes o apreço dos nacionalistas judeus pela política nacional-socialista, que favorecia a emigração para a Palestina, e decerto em sinal de gratidão prestara-lhes informações acerca da actividade clandestina dos comunistas, incluindo os comunistas alemães [40].

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Fila de espera de judeus aguardando autorização de partida para a Palestina (Berlim 1939)

Esta política de cooperação atingiu desde cedo uma expressão muitíssimo elaborada na Ha’avara, que significa Transferência, nome dado correntemente a um conjunto de instituições, próximo dos sistemas de clearing, resultante do acordo comercial e financeiro que as autoridades sionistas estabeleceram em Agosto de 1933 com o Ministério da Economia do Reich e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros para permitir a transferência de fundos pelos judeus alemães que desejassem fixar-se na Palestina. Este acordo manteve-se em vigor até ao começo da guerra mundial e, simplificando muito os seus termos, o emigrante potencial podia depositar uma soma em marcos (a moeda alemã) num banco na Alemanha, em conta bloqueada; em seguida, ele assinava um contrato com um exportador alemão para enviar mercadorias para o estrangeiro, geralmente para a Palestina, embora pudessem também ter outros destinos; o exportador alemão era pago em marcos, com o dinheiro existente na conta bloqueada; a Agência Judaica da Palestina encarregava-se da venda das mercadorias exportadas; e uma vez desembarcado na Palestina, o recém-chegado recebia em libras esterlinas o produto dessa venda, que lhe era entregue pela Agência Judaica. As autoridades nazis impunham condições especialmente desfavoráveis aos emigrantes e a economia germânica beneficiava com o fluxo das exportações. Mas, por seu lado, aqueles judeus que tinham fortuna suficiente para participar na Ha’avara reduziam as perdas acarretadas pelo abandono do país, que eram três vezes mais elevadas, ou cinco vezes mais elevadas, quando a emigração ocorria fora deste sistema. Ao mesmo tempo, os imigrantes viam-se detentores de investimentos bastante apreciáveis no novo lugar de residência. É certo que quanto aos haveres da comunidade judaica alemã, globalmente considerados, os efeitos da Ha’avara não foram muito significativos, mas foram muitíssimo consideráveis sob o ponto de vista da economia judaica na Palestina. Cerca de 60% dos investimentos totais realizados na Palestina entre Agosto de 1933 e Setembro de 1939 resultaram de transferências executadas no âmbito do acordo, sendo estes capitais aplicados sobretudo nos ramos da metalurgia, do têxtil e da indústria química, mas também em fábricas de cimento, de fertilizantes e de instrumentos agrícolas. Foi assim que nasceram algumas das maiores empresas industriais do futuro Estado de Israel. Estas somas asseguraram grande prosperidade à Palestina num período em que todo o mundo, excepto a União Soviética, sofria uma gravíssima e prolongada depressão económica. Convertida numa importante instituição bancária e comercial, no auge da actividade a Ha’avara empregava um pessoal técnico de 137 pessoas nos seus escritórios de Jerusalém [41]. Depois de analisar detalhadamente esta questão, um historiador judeu concluiu que a Ha’avara foi indispensável para a constituição do futuro Estado de Israel [42].

A hábil conversão das perseguições aos judeus do Reich em investimentos na Palestina adquiriu ainda maior amplitude com a criação da Agência Internacional de Comércio e Investimentos. Todas as somas enviadas a partir do estrangeiro com o objectivo de ajudar judeus residentes no Reich deixaram de ser entregues directamente aos destinatários e, através daquela Agência, passaram a ser creditadas a um departamento da Organização Sionista na Palestina, entrando no quadro dos mecanismos estabelecidos pela Ha’avara. Deste modo, mais de 70.000 doações, correspondentes a uma soma total de quase 900.000 dólares, em vez de serem empregues para aliviar os sofrimentos dos judeus perseguidos foram usadas para o desenvolvimento económico da Palestina judaica [43].

Chegara-se a uma situação paradoxal, pois ao mesmo tempo que judeus de vários países procuravam a todo o custo organizar o boicote dos produtos do Reich, a Organização Sionista Mundial violava as barreiras e a Palestina encontrava-se inundada de artigos alemães [44]. «Aparentemente, as relações económicas entre a Alemanha nazi e a comunidade judaica da Palestina eram excelentes», escreveu um historiador judeu, a maior autoridade sobre o genocídio [45], e outro historiador judeu, depois de analisar detalhadamente as conversações que levaram ao estabelecimento da Ha’avara, resumiu a situação: «Em breve os dirigentes sionistas compreenderam que o êxito económico da futura Palestina judaica estaria indissociavelmente ligado à sobrevivência da economia nazi» [46].

Mas a simpatia de que o fascismo beneficiava entre os dirigentes sionistas não se limitou ao caso do Reich.

Colaboração do sionismo com o fascismo italiano

Inicialmente Mussolini considerara que o estabelecimento dos judeus na Palestina reforçaria politicamente a Grã-Bretanha e, portanto, colocaria em risco as pretensões imperiais da Itália no Mediterrâneo. Na primeira audiência que concedeu a representantes do sionismo, em Dezembro de 1922, pouco depois de ter alcançado o poder, Mussolini declarou-lhes que considerava aquele movimento como um instrumento da política de Londres [47]. Chaim Weizmann, presidente da Organização Sionista Mundial, visitou Mussolini pela primeira vez em Janeiro de 1923, sem conseguir alterar-lhe a posição relativamente ao estabelecimento judaico da Palestina [48].

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Chaim Weizmann

No entanto, a atitude do Duce mudou, e em 1926, ao receber de novo Weizmann, deixou-o convencido de que já não se opunha ao projecto sionista e que ajudaria a implantar uma soberania judaica na Palestina desde que ela não se mostrasse dependente da influência britânica [49]. Em 1926 Mussolini descobrira que podia utilizar o sionismo para criar dificuldades à Grã-Bretanha [50]. A partir de então os principais dirigentes sionistas mantiveram contactos regulares com Roma e a imprensa sionista mundial expressou o seu apreço pelo regime fascista [51]. Recebendo Chaim Weizmann em 1934, Mussolini prometeu-lhe apoio, afirmou que Jerusalém não podia tornar-se uma capital árabe e declarou-se favorável à criação de um Estado judeu na Palestina, com a condição de não estar na dependência da Grã-Bretanha. Em contrapartida, Weizmann, que era um universitário e um investigador na área da química orgânica, parece que de muito mérito, ofereceu a Mussolini os seus préstimos para desenvolver uma indústria química e farmacêutica na Itália, tornando o país independente da Alemanha nestes ramos. Mas embora ele prometesse recrutar pessoal especializado e mobilizar investimentos, na prática nada resultou [52].

Um fascismo sionista

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Vladimir Jabotinsky

No Executivo Sionista foi Vladimir Jabotinsky quem encabeçou a oposição da direita radical à presidência de Chaim Weizmann, moderado e conciliador. Jabotinsky foi-se autonomizando progressivamente do Executivo, demitindo-se em 1923, dois anos depois de ter sido eleito para esse órgão, e lançou em 1925 a Organização Revisionista Sionista, que converteu mais tarde em União Mundial do Movimento Revisionista, enquanto tendência interna do sionismo. No Congresso Sionista Mundial de 1931 os revisionistas contaram com 25% dos delegados, constituindo a terceira maior tendência, o que mostra que de modo algum podiam ser subestimados e possuíam uma efectiva capacidade de pressão. No congresso seguinte, em 1933, apesar de divididos internamente eles obtiveram cerca de 20% dos delegados e continuaram a formar a terceira maior tendência. Na sequência deste congresso, abandonaram a Organização Sionista e fundaram em 1935 a Nova Organização Sionista, continuando no entanto a ser correntemente designados como «revisionistas» [53].

A convicção de que o revisionismo era um fascismo foi muito corrente na época [54] e parece-me inútil investigar se no seu íntimo Jabotinsky era fascista ou se procurava apenas usar o fascismo em benefício próprio, porque os efeitos seriam os mesmos e não há dúvida de que os seus seguidores eram fascistas confirmados [55]. Wolfgang von Weisl, director financeiro da Nova Organização Sionista, declarou numa entrevista em 1936 que, «ainda que houvesse diversas opiniões entre os revisionistas, em geral eles simpatizavam com o fascismo» e que «ele pessoalmente era um apoiante do fascismo» [56]. E Mussolini, especialista na matéria, classificou Jabotinsky como «fascista» durante uma conversa que teve em 1935 com alguém que seria em breve o mais alto dignitário da sinagoga romana [57].

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Milícias da Betar na Polónia, 1938

Opondo-se à luta de classes, ao socialismo e à planificação da economia, Jabotinsky defendia a instauração de uma ordem económica e social assente numa câmara corporativa e na arbitragem dos conflitos laborais pelo Estado [58]. Os seus adeptos jovens estavam enquadrados numa milícia, a Betar (Brit Trumpeldor, Liga de Trumpeldor), inaugurada em 1923 e profundamente militarizada tanto na estrutura como na ideologia [59]. A partir do momento em que Jabotinsky se separou da Organização Sionista, foram estes jovens a constituir o seu principal apoio político [60]. Quanto ao apoio social, o revisionismo encontrou-o nos pequenos e médios patrões que começavam então a emergir entre os judeus estabelecidos na Palestina [61], e decerto lhes serviu os interesses, pois a Betar pôs-se várias vezes à disposição dos capitalistas judaicos para furar as greves convocadas pelos sindicatos sionistas. Como todas as suas congéneres, esta milícia especializara-se no espancamento de sindicalistas de esquerda e socialistas, até que em Outubro de 1934 1.500 militantes trabalhistas atacaram a sua sede e deixaram várias dezenas feridos, dando-lhe uma definitiva lição de prudência [62]. Entretanto, no início da década de 1930 os revisionistas haviam fundado uma Federação Nacional do Trabalho, com a qual pretendiam aplicar os princípios de um sindicalismo anti-socialista e partidário da colaboração entre classes, mas os seus 7.000 membros, comparados com os 60.000 filiados da central sindical socialista, mostram a reduzida simpatia que um tal programa encontrava junto dos trabalhadores [63].

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Dois membros da Irgun

Jabotinsky propunha uma versão extrema do sionismo, e o que acima de tudo lhe interessava era que a maioria da população da Palestina e da Transjordânia fosse composta por judeus. Os seus seguidores mais violentos e ousados criaram em 1931 uma organização terrorista clandestina, dedicada às acções armadas contra os árabes e os britânicos, que adoptou depois o nome de Irgun (Irgun Z’vai Le’umi, Organização Nacional Militar) e cujos membros provinham na maior parte da Betar [64]. E como uma estratégia que acarretava inevitavelmente a guerra com os árabes nunca contaria com o aval da Grã-Bretanha, porque destruía o equilíbrio em que se sustentava o imperialismo britânico na região [65], era necessário buscar a tutela de outra potência. Tanto na ordem interna como no quadro internacional Jabotinsky e os seus adeptos tinham todas as razões para olhar com simpatia Mussolini [66].

Embora os partidários italianos de Jabotinsky tivessem começado a organizar-se autonomamente em 1925-1926, só em 1930 eles passaram a dispor de um órgão de imprensa próprio e só em 1934 estabeleceram relações significativas com as autoridades fascistas [67]. Mas recuperaram o tempo perdido, e a partir do final desse ano a academia naval dirigida pelo Partido Nacional Fascista em Civitavecchia, não longe de Roma, passou a habilitar dezenas de membros da Betar, que participaram nos mesmos cursos dos seus colegas italianos e alcançaram até o que para eles era sem dúvida a honra de desfilar perante o Duce. Ao todo foram formados 134 cadetes judeus, e esta colaboração só terminou quando Mussolini, em 1938, promulgou as novas leis raciais [68]. Jabotinsky procurara levar a experiência mais longe e pedira autorização para constituir em Itália uma escola de instrutores onde os jovens revisionistas recebessem preparação militar [69]. Apesar de não o ter conseguido, é impossível subestimar a importância da formação dos cadetes, que integraram as primeiras unidades do que viria a ser a marinha de guerra israelita, fundada afinal graças a Mussolini [70].

Colaboração do sionismo com o nazismo durante o genocídio dos judeus

As medidas cada vez mais drásticas e generalizadas que as autoridades nazis tomaram contra os judeus, e mesmo a decisão última do genocídio, só puderam ser aplicadas na prática porque os judeus foram sucessivamente divididos em dois grupos, um poupado e o outro sacrificado, e os que por uma vez haviam sido beneficiados eram depois cindidos em dois grupos, e assim de novo, até que nenhum restasse. Mas a principal destas divisões, a única constante, sem a qual as outras teriam sido improcedentes e que as sustentou a todas, foi a divisão entre a massa dos judeus e uma elite sionista que colaborou com as autoridades nazis, em todos os estádios do processo, até ao fim [71].

É desta maneira, e apenas desta maneira, que se explica a facilidade com que o nacional-socialismo foi progressivamente excluindo os judeus da vida profissional e os foi aprisionando sempre em maior número, os obrigou a formar brigadas de trabalho em que morriam de exaustão e finalmente encetou o seu extermínio sistemático. Logo nos primeiros dias do regime nazi, os sionistas tomaram a iniciativa de concentrar numa instituição única, a Representação do Reich dos Judeus na Alemanha (Reichsvertretung der Juden in Deutschland), as organizações das comunidades judaicas, que até então haviam mantido em cada cidade uma existência autónoma. A justificação apresentada para esta medida foi a conveniência de iniciar um «debate aberto» e uma «polémica digna» com as novas autoridades acerca da questão judaica [72]. A obsessão sionista de chegar a um entendimento com os anti-semitas criou a armadilha que serviu para aprisionar todos os judeus, e quando a polícia, em Julho de 1939, tomou o controlo da Representação, convertendo-a numa Associação (Reichsvereinigung), os nazis passaram a ter ao seu dispor o mecanismo burocrático que lhes permitiria implementar algum tempo depois a «solução final». Em 1941, quando começou a deportação maciça para os campos de concentração, os funcionários judeus da Associação que até então haviam tratado da emigração dos seus correligionários encarregaram-se de estabelecer as listas dos que seriam deportados e de notificá-los desta decisão, enquanto os funcionários judeus da secção de estatística da Associação mantinham a Gestapo ao corrente de todas as alterações demográficas das comunidades judaicas.

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Polícia judaica no ghetto de Varsóvia

Uma ordem administrativa emanada em Outubro de 1939 determinou que tanto no Reich como nos territórios ocupados militarmente as comunidades judaicas estabelecessem Conselhos Judaicos (Judenräte) [73], cujos chefes receberam poderes cada vez mais absolutos, passando com frequência a comportar-se como verdadeiros autocratas. «O Führerprinzip [princípio do Führer, segundo o qual em todas as instituições devia existir uma cadeia de comando emanada de um chefe único] atrai alguns judeus», comentou em Outubro de 1940 Emmanuel Ringelblum, que lidou com este tipo de gente, e seis meses depois ele acusou o Conselho do ghetto de Varsóvia de ter procedido à «adopção integral do Führerprinzip» [74]. As autoridades nacionais-socialistas estipulavam os números globais dos judeus que deviam formar as brigadas de trabalho gratuito e dos que se destinavam a ser enviados para os campos de concentração, assim como, mais tarde, determinavam quantos deviam ser incluídos em cada etapa sucessiva do programa de extermínio. Mas eram os Conselhos Judaicos quem distribuía aos seus correligionários a estrela amarela, a partir do momento em que se tornou obrigatório o porte deste símbolo; eram eles quem organizava o recrutamento para o trabalho forçado; eram eles quem detalhava as listas nominais dos judeus que deviam ser internados nos campos e que, posteriormente, seguiam para a morte colectiva; eram eles quem registava com minúcia os haveres das vítimas, facilitando aos serviços competentes do Reich o sequestro e a expropriação; e eram eles quem dispunha de uma poderosíssima e tentacular Polícia Judaica, criada expressamente para o efeito, que ajudou a deter muitas centenas de milhares de judeus e a encaminhá-los ordeiramente para as estações ferroviárias, de onde partiam para os locais de aprisionamento e para o destino fatal. Depois de observar que teria sido possível aos Conselhos Judaicos, em vez de consentirem numa colaboração infame, deixarem as autoridades nacionais-socialistas seleccionar as vítimas, Simon Wiesenthal, um judeu que dedicou a vida à perseguição dos responsáveis pelo genocídio, concluiu desoladamente: «No entanto, só em casos excepcionais os Conselhos Judaicos preferiram o suicídio à colaboração» [75].

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Prisão de um combatente do ghetto de Varsóvia

Por algum motivo o cântico do ghetto de Varsóvia, um hino composto no final de 1940, estigmatizava os membros do Conselho, acusando-os de serem piores do que os nazis [76]. Em Abril de 1943, quando os sobreviventes mais radicais, ou simplesmente mais corajosos, decidiram pôr termo à maneira submissa como 85% dos habitantes do ghetto haviam morrido de fome e de doença ou sido entregues aos seus carrascos, eles começaram por isolar politicamente a direcção sionista do Conselho. Em seguida, ao passarem à acção, o alvo inicial foram os colaboracionistas, especialmente os membros da Polícia Judaica, o que comprometeu ainda mais o poder do Conselho [77]. Só depois de destruída a rede de repressão e de clientelismo que havia assegurado aos chefes sionistas o controlo do ghetto de Varsóvia é que a insurreição pôde deflagrar.

Não se pense que os Conselhos Judaicos se sustentavam apenas graças às matracas da sua polícia e à força indiscutível que lhes emprestavam as autoridades nacionais-socialistas, porque se apoiavam também, ou sobretudo, na influência e nas clientelas. Os seus membros eram geralmente escolhidos entre pessoas que ocupavam já naquele meio étnico uma situação proeminente quer pela profissão quer pela fortuna quer pelas funções religiosas, rabis e outros personagens tradicionalmente dotados de grande prestígio, e sem o conservadorismo político e social de um bom número de judeus não teria sido possível dominar tão facilmente a totalidade da população judaica nem chaciná-la numa proporção tão elevada. Uma célebre romancista francesa explicou a questão de modo muito claro. «O conluio dos notáveis que constituíam os Judenräte [Conselhos Judaicos] com os alemães é um facto conhecido, que se compreende facilmente. Em todos os tempos e em todos os países, com raras excepções, os notáveis colaboraram sempre com os vencedores: é um caso de classe» [78].

A táctica hitleriana consistiu em usar uma elite de judeus para prosseguir um plano que visava, afinal, exterminá-los todos. «Em qualquer lado onde vivessem judeus», observou friamente Hannah Arendt, «existiam dirigentes judaicos de reconhecido prestígio; e estes dirigentes, praticamente sem excepção, cooperaram de variadas maneiras e por variadas razões com os nazis. Para dizer toda a verdade, se o povo judaico tivesse estado então desprovido de organizações e de dirigentes a situação teria sido caótica e não faltariam os motivos de sofrimento, mas dificilmente o número total de vítimas se contaria entre quatro milhões e meio e seis milhões» [79]. E esta autora aceitou como um cálculo muito verosímil que, enquanto morreram 99% daqueles que se deixaram persuadir pelos Conselhos Judaicos e seguiram para os campos de concentração, entre os fugitivos só cerca de metade teria sido capturada e liquidada [80].

O fascismo sionista na Palestina durante a segunda guerra mundial

Em 1939 Jabotinsky incitou os seus partidários a formar um exército que apoiasse o esforço militar britânico, considerando que a vitória de Hitler constituiria o perigo mais grave para a Palestina judaica [81]. Mas em que situação ficava este fascista que, na prova decisiva, renegava o campo do fascismo? Quando morreu, em 1940, nos Estados Unidos, Jabotinsky encontrava-se num considerável isolamento.

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Avraham Stern

Nestas circunstâncias, a maioria dos membros da Irgun colocou-se sob a chefia de Avraham Stern, ou Yair, um fascista radical adepto de uma orientação estritamente pró-mussoliniana e antibritânica, treinado em técnicas de sabotagem e de insurreição [82]. Em 1940 Stern fundou uma nova Irgun, e se ela mal se diferenciava da anterior quanto à sigla, distinguia-se pelo recrudescimento dos atentados e assassinatos dirigidos contra a presença britânica. Levando esta estratégia ao extremo, Stern propôs ao Reich uma aliança de guerra. Mesmo numa história de paradoxos, a missiva que um representante de Stern entregou em Janeiro de 1941 a um membro dos serviços de espionagem do exército germânico e a um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reich pode ser classificada como a expressão mais aberrante do sionismo. No entanto, ou por isto mesmo, ela era absolutamente lógica, pois se os sionistas haviam sempre depositado esperanças no anti-semitismo enquanto elemento motor das migrações para a Palestina, Hitler, o maior dos anti-semitas, podia agora ser apresentado como um recurso potencial da Palestina judaica. Lê-se nessa missiva: «A ONM [neste caso, a facção maioritária da Irgun dirigida por Stern], que não ignora a boa vontade demonstrada pelo governo do Reich alemão e pelas suas autoridades para com a actividade sionista no interior da Alemanha e para com os planos de emigração sionistas, considera que: 1) Poderão existir interesses comuns entre o estabelecimento de uma Nova Ordem na Europa, em conformidade com as concepções germânicas, e as verdadeiras aspirações nacionais do povo judaico, tal como elas são encarnadas pela ONM. 2) Poderá ser possível a cooperação entre a nova Alemanha e um renovado judaísmo racial e nacional, e 3) A manutenção e o reforço de uma futura posição de poder germânica no Próximo-Oriente serão favorecidos pela fundação numa base nacional e totalitária do Estado judaico histórico, ligado por um tratado ao Reich alemão». A missiva continua com a afirmação de que a organização chefiada por Stern «propõe-se tomar uma parte activa na guerra do lado germânico» e conclui: «Tanto na sua ideologia como na sua estrutura, a ONM está muito próxima dos movimentos totalitários europeus. A capacidade de combate da ONM jamais poderá ser paralisada ou seriamente comprometida quer por medidas defensivas tomadas pela administração inglesa e pelos árabes quer por medidas tomadas pelos socialistas judaicos» [83]. Os nacionais-socialistas desprezaram esta proposta [84] e Stern foi morto pela polícia britânica no começo de 1942, mas a história não terminou ali.

A génese das actuais forças políticas no Estado de Israel

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Menachem Begin, numa ficha policial de 1940

Passado mais de meio século, a clivagem que separa os dois grandes campos políticos israelitas prossegue a antiga oposição entre as duas alas do sionismo. Os trabalhistas continuam a tendência maioritária, com uma orientação interna de carácter social-democrata, e o Likud é o herdeiro da organização fascista. O primeiro chefe de governo do Likud, Menachem Begin, que exerceu funções desde 1977 até 1983, fora na sua juventude um dos dirigentes das milícias revisionistas e, embora se mantivesse fiel a Jabotinsky, ele ultrapassara muito as propensões terroristas do mestre e apoiara ideologicamente a ala mais radical. Jabotinsky nomeara-o em 1939 para comandar a Betar na Polónia, e com estas credenciais Begin assumiu no final de 1943 a chefia da Irgun, lançando-a em acções violentas contra os britânicos. Em 1948, juntamente com os representantes da ala caracterizadamente fascista do revisionismo, Begin fundou o Partido da Liberdade, que assegurou à velha extrema-direita sionista um novo alento na vida política do Estado de Israel [85]. Pouco depois várias figuras proeminentes do judaísmo, incluindo Einstein e Hannah Arendt, publicaram num importante jornal norte-americano uma carta onde se lê: «Um dos mais perturbadores fenómenos políticos do nosso tempo é o aparecimento do Partido da Liberdade no recém-criado Estado de Israel, um partido político que nas suas formas de organização, nos seus métodos, na sua filosofia política e na sua audiência social tem um parentesco muito estreito com os partidos nazis e fascistas. Ele deveu a sua formação aos membros e seguidores da antiga Irgun Z’vai Le’umi, uma organização terrorista, de direita e xenófoba […]» [86]. Mas nem este protesto nem muitos outros impediram a ascensão dos antigos revisionistas.

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Documento de identidade Shamir na clandestinidade, década de 1940.

O sucessor de Begin à frente do governo israelita, Yitzhak Shamir, contara-se entre os membros da Irgun que se haviam colocado sob o comando de Stern, em protesto contra a decisão de Jabotinsky de instaurar tréguas com os britânicos durante a segunda guerra mundial. E é pouco verosímil que Shamir não estivesse ao corrente dos sinistros contactos de Stern com os nazis, porque ocupava uma posição suficientemente elevada para pertencer ao triunvirato que reconstruiu a organização alguns meses após o assassinato do seu chefe [87].

Mas se as actuais divisões políticas do Estado de Israel se radicam no período anterior à segunda guerra mundial, os acordos entre os principais partidos têm também a mesma origem. Sem o filofascismo demonstrado pela corrente sionista maioritária seria difícil compreender que os trabalhistas tivessem adoptado a estratégia proposta por Jabotinsky no relacionamento com os árabes. A convergência que os dois grandes campos políticos revelam nesta questão fundamental está no seguimento de uma época em que Mussolini recebia Weizmann e ao mesmo tempo subsidiava Jabotinsky. Afinal, os trabalhistas executaram o projecto dos fascistas. A recente agressão à flotilha internacional que procurava furar o bloqueio imposto à faixa de Gaza é apenas mais um caso numa longa série, de que pretendi traçar aqui os antecedentes históricos. Mas esta não é a lição mais importante.

Será que o leitor não vê onde eu pretendo chegar?

Não é exclusivo dos judeus o facto de entre os perseguidos se ter gerado uma reacção nacionalista que, encontrando oportunidades de desenvolvimento favoráveis, se converteu em imperialismo. Esta é a armadilha que todo o nacionalismo coloca às pessoas de esquerda, que apoiam o nacionalismo quando ele aparece como uma defesa de povos oprimidos, sem verem que, se conseguir efectivar-se na prática, esse nacionalismo inevitavelmente se desvendará como um imperialismo. O meu receio é que aquelas mesmas correntes ideológicas que ontem apoiavam o nacionalismo sionista dos judeus, com o argumento de que eles eram perseguidos pelos nazis, apoiem hoje o nacionalismo árabe, com o argumento de que os palestinianos são perseguidos por Israel − para apoiarem quem amanhã e com que argumento?

A grande lição que se extrai da génese e do desenvolvimento do sionismo não deve limitar-se a sustentar a crítica ao Estado de Israel. Essa lição deve ajudar-nos a fazer a crítica a todos os nacionalismos que, ascendendo com argumentos progressistas, se convertem em imperialismos logo que podem. O sionismo, enquanto via de passagem da perseguição sofrida pelos judeus às agressões praticadas pelo Estado de Israel, mostra que a luta contra a opressão sofrida por um povo deve ser inseparável da luta contra a exploração sofrida pela classe trabalhadora desse povo. O povo palestiniano tem de se defender da agressão israelita, mas isto não significa que os trabalhadores palestinianos não tenham de se defender dos seus patrões, sejam eles israelitas ou árabes, e que as mulheres palestinianas não tenham de se defender da opressão masculina, tão imbuída na tradição islâmica.

Notas

[1] E. Black (1999) 168; H. M. Sachar (1976) 52.

[2] N. Cohn (1992) 171, 173.

[3] H. M. Sachar (1976) 96.

[4] L. Brenner (1984) 84; H. L. Feingold (1995) 217. Henry Feingold observou em op. cit., 244-245 que, embora em termos relativos os judeus norte-americanos tivessem tido uma participação muitíssimo considerável nas Brigadas Internacionais na guerra civil espanhola, tal como eram muito activos no movimento operário e nos movimentos pela paz, não encontrara qualquer eco o apelo de Jabotinsky para a formação de um exército judaico destinado a combater ao lado dos britânicos na guerra mundial. Isto revela, concluiu Feingold, que os judeus dos Estados Unidos se interessavam mais pelos problemas políticos gerais do que por aqueles que diziam respeito ao sionismo.

[5] H. Arendt (1994) 59; L. Brenner (1983) 31. Segundo E. Black (1999) 177, 97% dos judeus alemães rejeitavam o sionismo e reivindicavam a integração na sociedade onde viviam.

[6] A. Pichot (2000) 402.

[7] G. Aly et al. (2006) 345 n. 31.

[8] E. Ringelblum (1964) 311.

[9] E. Black (1999) 35; H. M. Sachar (1976) 193.

[10] L. Brenner (1983) 86.

[11] Id., ibid., 87. Segundo E. Black (1999) 373, da mão-de-obra judaica emigrada para a Palestina em 1934 e 1935 só cerca de 20% veio da Alemanha.

[12] E. Black (1999) 226.

[13] L. Brenner (1983) 29-32.

[14] Id., ibid., 54.

[15] E. Black (1999) 72-73; L. Brenner (1983) 59-61.

[16] H. Arendt (1994) 59.

[17] Id., ibid., 59; E. Black (1999) 174.

[18] E. Black (1999) 78-82, 122, 177-178, 201, 289; L. Brenner (1983) 53-55; id. (1984) 91.

[19] Ver numerosas passagens deste artigo em E. Black (1999) 176-177. Ver igualmente H. Arendt (1994) 59.

[20] E. Black (1999) 78. E Edwin Black acrescentou (pág. 166) que «as aspirações nacionais tanto dos nazis como dos sionistas dependiam do êxito na remoção dos judeus da Alemanha para a Palestina».

[21] Id., ibid., 173.

[22] R. Hilberg (1961) 32.

[23] H. Arendt (1994) 60.

[24] E. Black (1999) 174-175; L. Brenner (1983) 84-85, 88-89, 136.

[25] E. Black (1999) 373.

[26] Ver a entrada de 30 de Outubro de 1933 em M. Chalmers (org. 2006 a) 47.

[27] As entradas de 18 de Outubro de 1936 e 1 de Janeiro de 1939 encontram-se em id., ibid., 231 e 337. Acerca da similitude entre sionismo e nazismo ver ainda as págs. 78 e 135, referentes a 13 de Junho de 1934 e 22 de Abril de 1935.

[28] Esta entrada, correspondente a 10 de Janeiro de 1939, encontra-se em id., ibid., 338-339. Em 27 de Junho de 1942, Klemperer manifestou o desejo de escrever um ensaio «a favor da Germânia e contra Sion, sob o ponto de vista contemporâneo do judeu alemão». Ver id. (org. 2006 b) 102.

[29] Ver esta passagem da entrada de 26 de Maio de 1940 em id. (org. 2006 a) 396.

[30] Na entrada de 17 de Dezembro de 1941 em id., ibid., 521.

[31] Na entrada de 3 de Maio de 1942 em id. (org. 2006 b) 53.

[32] Nas entradas de 23 e 25 de Junho e 1 de Julho de 1942 em id., ibid., 99, 100 e 104. Em 10 de Dezembro de 1940 Klemperer citara a opinião de outro judeu alemão, segundo o qual não fora o sionismo a inspirar-se no nazismo mas, em sentido inverso, as doutrinas raciais de Herzl a servirem de fonte ao nazismo. Ver id. (org. 2006 a) 423. E em 24 de Julho de 1942, Klemperer referiu «o prejuízo tremendo causado por Herzl» aos judeus alemães. Ver id. (org. 2006 b) 124.

[33] A entrada, correspondente a 10 de Janeiro de 1939, encontra-se em id. (org. 2006 a) 338-339.

[34] H. Arendt (1994) 63; E. Black (1999) 378.

[35] H. Arendt (1994) 60-61; L. Brenner (1983) 94; H. M. Sachar (1976) 197.

[36] H. Arendt (1994) 60, 61.

[37] Id., ibid., 61.

[38] Id., ibid., 60-61; H. M. Sachar (1976) 197.

[39] E. Black (1999) 174; L. Brenner (1984) 93.

[40] H. Arendt (1994) 62; L. Brenner (1983) 98-99. Quanto ao facto de Eichmann ter exercido funções nos SS sob as ordens de von Mildenstein, ver E. Black (1999) 174.

[41] Acerca do sistema comercial e financeiro que sustentava a emigração de judeus do Reich para a Palestina ver: H. Arendt (1994) 60; E. Black (1999) 197, 249, 373, 379; L. Brenner (1983) 64-65; R. Hilberg (1961) 95; Ł. Hirszowicz (1966) 26; H. M. Sachar (1976) 190, 197.

[42] E. Black (1999) xxiii, 380.

[43] Id., ibid., 377.

[44] L. Brenner (1983) 66-67, 70-74; R. Hilberg (1961) 95.

[45] R. Hilberg (1961) 95.

[46] E. Black (1999) 253. «Durante a década de 1930», escreveu H. L. Feingold (1995) 219, «o movimento sionista deu a prioridade ao desenvolvimento económico da Palestina relativamente ao boicote das mercadorias alemãs».

[47] L. Brenner (1983) 39.

[48] Id., ibid., 39-40.

[49] Id., ibid. 40; R. De Felice (1977) 112-113; P. Milza (1999) 751.

[50] R. De Felice (1977) 194-196. Para a definição de 1926 como a data desta mudança ver a pág. 198.

[51] L. Brenner (1983) 40-41; R. De Felice (1977) 113-114, 166, 170.

[52] L. Brenner (1983) 154; R. De Felice (1977) 167; P. Milza (1999) 622, 643, 751.

[53] B. Avishai (1985) 124, 128, 138; L. Brenner (1983) 132; id. (1984) 72, 97, 98; H. M. Sachar (1976) 184-186. A dimensão do apoio aos revisionistas no congresso de 1931 encontra-se em L. Brenner (1984) 86, e no congresso de 1933 em E. Black (1999) 288 e 293.

[54] R. De Felice (1977) 207.

[55] Id., ibid., 142 n. 2 informou que em Julho de 1922, portanto antes da Marcha dos fascistas sobre Roma e antes mesmo de se ter demitido do Executivo Sionista, Jabotinsky enviara a Mussolini uma carta propondo-lhe o estreitamento das relações da Itália com a Palestina judaica. Treze anos depois, segundo Renzo De Felice em op. cit., 206, Jabotinsky declarou a um representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano que os revisionistas estavam em relação ao sionismo maioritário numa posição idêntica àquela que o fascismo italiano ocupava perante a democracia liberal e socialista. Por seu turno, B. Avishai (1985) 126 enumerou as analogias entre a forma de organização dos revisionistas e a dos fascistas europeus. Também E. Black (1999) 143 considerou que os revisionistas eram fascistas, profundamente influenciados por Mussolini. Todavia, L. Brenner (1983) 112-113 pretendeu que, apesar de ter adoptado para o seu movimento uma estrutura semelhante à do fascismo, Jabotinsky não estimava o fascismo. Do mesmo modo, H. M. Sachar (1976) 187 sustentou que ele não era fascista, embora os seus seguidores mais jovens estivessem muito perto do ideal fascista. Mas ao elucidar que os modelos políticos de Jabotinsky eram Mazzini e Garibaldi, este autor esqueceu que aqueles dois personagens serviam igualmente de inspiração a Mussolini, tal como, segundo J. Ploncard d’Assac (1971) 100, foram invocados por Corradini. Também Bernard Avishai em op. cit., 120 e L. Brenner (1984) 5 chamaram a atenção para a admiração que Jabotinsky sentia por Garibaldi, e L. Brenner (1983) 112 citou ainda Mazzini e Cavour como modelos de Jabotinsky. Acrescentou Avishai (pág. 121) que Jabotinsky simpatizava com o futurismo, precisamente outra das componentes do fascismo italiano. Depois de afirmar que Jabotinsky estava mais próximo do liberalismo conservador do que do fascismo, L. Brenner (1983) 113, 118 e (1984) 87 concluiu que, como os seus seguidores queriam fundar uma versão judaica do fascismo, o revisionismo acabou por se situar na órbita do fascismo. Aliás, continuou id. (1984) 90-91, quando as autoridades britânicas proibiram Jabotinsky de regressar à Palestina, quem tomou aí o controlo ideológico do revisionismo foram pessoas que se declaravam publicamente fascistas. E pelo menos na Alemanha, na Áustria, na Itália, na Letónia, na Manchúria, na Palestina e na Polónia, enumerou id. (1983) 118, a direcção do movimento revisionista não cabia a Jabotinsky mas a elementos declaradamente fascistas. Sobrava pouco.

[56] Citado em L. Brenner (1983) 118 e (1984) 98.

[57] Citado em id. (1983) 117, id. (1984) 98 e H. M. Sachar (1976) 187. Informou R. De Felice (1977) 205-206 que os relatórios oficiais italianos consideravam o revisionismo como uma imitação do fascismo.

[58] B. Avishai (1985) 128, 137; L. Brenner (1983) 115; H. M. Sachar (1976) 187-188.

[59] B. Avishai (1985) 124; L. Brenner (1983) 114; id. (1984) 78, 89-90; H. M. Sachar (1976) 187.

[60] L. Brenner (1983) 114; id. (1984) 87.

[61] B. Avishai (1985) 126, 137; L. Brenner (1983) 114; id. (1984) 89; H. M. Sachar (1976) 187-188.

[62] B. Avishai (1985) 136; L. Brenner (1983) 116; H. M. Sachar (1976) 188.

[63] B. Avishai (1985) 136; H. M. Sachar (1976) 188. Afirmou L. Brenner (1984) 89 que Jabotinsky nunca se interessara pelo recrutamento de operários.

[64] L. Brenner (1984) 99-100; H. M. Sachar (1976) 265-266.

[65] L. Brenner (1983) 112; id. (1984) 86; H. M. Sachar (1976) 185-186.

[66] R. De Felice (1977) 76, 142-143 n. 2, 196.

[67] Id., ibid., 139, 204, 267 e segs.

[68] L. Brenner (1983) 116-117, 119; id. (1984) 93, 97; R. De Felice (1977) 205-206, 208-211.

[69] R. De Felice (1977) 206.

[70] L. Brenner (1983) 122; R. De Felice (1977) 211.

[71] A análise crítica que se segue, sobre a colaboração das autoridades judaicas com o programa anti-semita do nacional-socialismo, baseia-se exclusivamente nos seguintes historiadores judeus: H. Arendt (1994) 117-119, 158, 169, 214; R. Hilberg (1961) 122-125, 128, 145-146, 155, 163, 279 e segs., 310, 315, 668; E. Ringelblum (1964) 39, 41, 48, 51, 53, 54, 56-57, 66, 69, 72-73, 75, 92-93, 127, 132, 184-190, 230, 251-252, 292, 323, 331, 335, 347, 348-354; S. Wiesenthal (1989) 238-240.

[72] As citações encontram-se em R. Hilberg (1961) 122.

[73] H. L. Feingold (1995) 45.

[74] E. Ringelblum (1964) 92, 190. Ver ainda a pág. 134.

[75] S. Wiesenthal (1989) 231. Segundo H. L. Feingold (1995) 46, decorridos seis meses depois da data da criação dos Conselhos Judaicos, haviam-se suicidado apenas 1,2% dos seus membros.

[76] E. Ringelblum (1964) 142. Numa página relativa a Março de 1941 Emmanuel Ringelblum acrescentou (pág. 166) que no interior do ghetto «a produção literária dirigida contra o Conselho Judaico intensifica-se».

[77] R. Hilberg (1961) 318, 322; E. Kogon (2002) 251. Segundo Raul Hilberg em op. cit., 145, o presidente do Conselho Judaico de Varsóvia era sionista. Já nos últimos meses de 1942, segundo narrou E. Ringelblum (1964) 329, ocorrera uma tentativa de assassinato do chefe da Polícia Judaica, e se esta intenção ficara frustrada, pelo menos conseguira-se executar um dos seus mais importantes subordinados e os membros da Polícia Judaica haviam passado a ser alvo de um ódio generalizado e de numerosas agressões (págs. 352-353). Registe-se, no entanto, que «a alma do movimento de resistência» responsável pela insurreição do ghetto foi o «chefe dos sionistas da Polónia», segundo um testemunho reproduzido em Eugen Kogon, op.cit., 251.

[78] S. Beauvoir [s. d.] 14.

[79] H. Arendt (1994) 125. Segundo R. Hilberg (1961) 630, Eichmann, num relatório dirigido a Himmler em Agosto de 1944, calculou que havia sido liquidado um total de seis milhões de judeus, mas o Reichsführer SS mostrou-se insatisfeito com a estimativa, pretendendo que o montante total era mais elevado. Pelo contrário, Raul Hilberg considerou (págs. 3, 639, 728) que Eichmann exagerara e que a «solução final» teria deixado cinco milhões de judeus mortos. N. Cohn (1992) 17 n.1, 186 e 207 oscilou entre os cinco e os seis milhões e M. Gilbert, «Final Solution», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 364 e 371 optou por seis milhões.

[80] H. Arendt (1994) 124, 125, 169-170.

[81] L. Brenner (1984) 106; H. L. Feingold (1995) 245.

[82] Acerca de Stern e da sua rede terrorista ver: B. Avishai (1985) 144, 165; L. Brenner (1983) 265-266, 268-269; id. (1984) 103, 106, 117, 193-194, 199; H. M. Sachar (1976) 247-248, 265.

[83] Este documento, intitulado Aspectos Fundamentais da Proposta da Organização Nacional Militar na Palestina (Irgun Zvai Leumi) a respeito da Solução do Problema Judaico na Europa e da Participação da ONM na Guerra ao lado da Alemanha, encontra-se integralmente transcrito em L. Brenner (1984) 195-197. As passagens citadas vêm nas págs. 195 e 197. Ver também id. (1983) 267-268. Traduzi por «renovado judaísmo racial e nacional» o que na versão em língua inglesa se apresenta como «renewed folkish-national Hebraium».

[84] L. Brenner (1983) 268; id. (1984) 197.

[85] Acerca da carreira política de Begin ver: B. Avishai (1985) 166-167; L. Brenner (1984) 117, 129-130, 146; «Irgun», em I. C. B. Dear et al. (orgs. 1995) 571; H. M. Sachar (1976) 266.

[86] A carta assinada por Hannah Arendt, Einstein, Sidney Hook, Seymour Melmen e outros foi publicada em The New York Times de 4 de Dezembro de 1948 e encontra-se citada em L. Brenner (1983) 123 e (1984) 146-147.

[87] Id. (1983) 269; id. (1984) 129, 193, 199.

Referências

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I. C. B. DEAR e M. R. D. FOOT (orgs. 1995) The Oxford Companion to the Second World War, Oxford e Nova Iorque: Oxford University Press.

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Simon WIESENTHAL (1989) Justice Not Vengeance, Londres: Weidenfeld and Nicolson.

31 COMENTÁRIOS

  1. Nada como colocar os pingos nos ii da História para entender quão correto está o slogan inventado pelos militantes refratários ao regime de apartheid imposto por Israel contra os palestinos: ISRAEL = FASCISMO.

    Da mesma forma, nada como estes mesmos pingos nos ii da História para evidenciar uma verdade cabal vivenciada nas lutas anticapitalistas pelo mundo inteiro: NACIONALISMO = EMBRIÃO DE IMPERIALISMO.

  2. Olá,

    Pois então: o lugar-comum mais frequente dessa história toda é que, no geral, muitas organizações defendem a idéia de “dois Estados” (um de Israel e outro da Palestina – com os territórios devolvidos para as autoridades dos partidos palestinos).

    Então, fica a questão: defender a criação de um novo Estado (já que o de Israel é genocida) resolve o que é fundamental – ou seja, a libertação dos envolvidos na resistência e lutas pela construção de uma outra forma de viver nesses territórios árabes?

    Como o texto bem apresenta, com o necessário e demorado resgate histórico, a resposta para esse ponto está bem longe de passar pela simples reivindicação (tão ditada na esquerda hegemônica – que quase já não pensamos mais no que isso significa) da criação do Estado palestino.

    Afinal, que liberdade é necessária aos árabes e judeus?

  3. Excelente artigo!

    É possível e provável que haja algo publicado em alemão sobre o tema. Mas seria interessante um artigo como esse traduzido para o alemão, já que libertários e esquerdistas alemães costumam apoiar Israel, provavelmente por um sentimento de culpa pouco racional.

  4. Os livros do Lenni Brenner existem online (em inglês) num site alemão. Tenho a impressão que na esquerda alemã apenas os chamados Anti-alemães apoiam Israel.

  5. Excelente artigo. A questão do nacionalismo/internacionalismo também é muito importante, tendo sido já amplamente abordada por João Bernardo.

    Mas tem que se ir mais longe…a questão do militarismo no quotidiano …ver “NO PASARÁN!” em http://www.pt.indymedia.org/conteudo/editorial/1504
    E a questão da liberdade…mesmo em Gaza.Onde as prisões estão cheias dos opositores políticos, onde a repressão é brutal. Onde as mulheres são reprimidas, violadas e humilhadas, onde as liberdades sindicais não existem, onde a rádio dos trabalhadores foi censurada e fechada.
    Para os anarquistas a questão é clara!
    Há uma prioridade: salvar uma população indefesa, a de Gaza.
    Deixar-se, depois. um povo escolher o seu destino, sem interferências e em liberdade. O que vai ser difícil…todos os bloqueios, todos os cercos alimentam as ditaduras, os fascismos…então tem de se acabar com o cerco a Gaza. Sem alimentar os sonhos nacionalistas do Hamas, pois claro!
    Então atrever-me-ia a dizer que a libertação dos trabalhadores de Israel está intimamente ligada à libertação dos trabalhadores palestinianos…então, paradoxalmente, a libertação da Palestina pode também vir do interior de Israel e pela internacionalização das lutas anticapitalistas.
    Ver o editorial do Indymedia
    Terrorismo na “terra prometida” e em águas internacionais
    http://www.pt.indymedia.org/conteudo/editorial/1569
    Para os anarquistas a questão é clara: trata-se de salvar um povo de um genocídio mas não a qualquer preço.
    Ser solidário com o povo palestiniano, tal como para com o povo cubano, é exigir o fim dos bloqueios.
    Ver Relaciones Cuba-Venezuela: ¿qué decir desde una perspectiva (A)?
    http://www.pt.indymedia.org/conteudo/newswire/1516

    Liberdade à Solta

  6. Esta técnica de dividir para governar, continua sendo usada ainda hoje em todos os ramos. Veja por exemplo, o que o Estado de São Paulo e o Reitor MS-4 Paulo Renato vem faze3ndo com os professores.
    Paulo Renato queria ser reitor da Unicamp, mas não preenchia os requisitos necessários, ou seja, ser MS-6. Para isto, levaria ainda uns dez anos. Em vista disso, seus comparsas lhe concederam o título de MS-6 e ele se tornou o reitor da Unicamp.
    Agora, ele pretende exigir dos professores exames, provas de nível muito elevado, para comprovar que não estão adequadamente preparados para o cargo.
    Por outro lado, dividiu os professores entre melhores e piores, criando uma prova de qualificação da qual não poderiam participar todos. Só alguns escolhidos, que estavam há pelo menos três anos na mesma escola.
    Como conseguir isto se ele está fechando cada vez mais salas de aula apesar de a população estudantil estar aumentando?
    Faça um paralelo disto comparando com sionistas e assimilacionistas.
    Aqui são agraciados e não agraciados.
    Hoje ele ataca os grevistas, amanhã os premiados, mais tarde eleminará todos, privatizará escolas estaduais.
    Bônus e gratificações não são salários, são outros meios também de dividir a classe, mais uma vez separando uns dos outros.

  7. Um trabalho oportuno e relevante devido a mistica de martires com que o birô gestor da política sionista mostra o drama do nazi-fascismo contra os judeus n 2ª grande guerra.

  8. “Então atrever-me-ia a dizer que a libertação dos trabalhadores de Israel está intimamente ligada à libertação dos trabalhadores palestinianos…então, paradoxalmente, a libertação da Palestina pode também vir do interior de Israel e pela internacionalização das lutas anticapitalistas.”

    Emilia, é exatamente isso que eu penso. Que uma crítica do estado de Israel deve assumir caráter classista e internacionalista, unindo trabalhadores palestinos e judeus em luta, e não lutar para a constituição de mais um Estado capitalista dominado por sectarios religiosos – aliás, hoje é conveniente a Israel criar um estado palestino, apenas com cerca de 22% do território, e cercado de todos os lados. Isso agravaria o apartheid.
    Tambem penso que é preciso se dar visibilidade as oposições internas em israel, e a judeus anti-sionistas, como os secundaristas que vão presos por recusar-se a servir o exercito. Neste ponto, dá pra recuperar inumeros textos do Mauricio Tragtenberg, que era um judeu crítico do sionismo e apontava este processo.
    Existia historicamente toda uma tradição de esquerda judaica, e é espantoso que hoje nem se fale mais nela e que predomine o sionismo desta forma acachapante, bem descrita pelo João Bernardo.

  9. Muito bom. Quanta informação importante!

    Aos interessados, segue o link de um mapa do desenvolvimento da “reconfiguração” das fronteiras políticas no estado de israel: http://img522.imageshack.us/img522/4413/israelpalestinemapty2.jpg

    …E uma dica de um bom filme (seriado em 4 partes): The Promise (2010). (Há disponível para download via torrent e há legendas para o português.) O seriado é inglês e tem como pano de fundo as ações do exército da grã-bretanha no território palest..israel, então acaba tendo um deslize ou outro na glorificação do exército e tbm tem algo dos clichês hollywoodianos, mas no geral é muito bom. vale a pena.

    Por último, um comentário sobre um texto que buscou debater com esse texto de JB: “As conexões do sionismo com o colonialismo,o fascismo e o racismo” de João Quartim de Moraes, disponível na internet. Quartim de Moraes encerra seu texto dizendo o seguinte sobre as conclusões finais de JB:

    “”Essa conclusão nos parece perder o foco da luta dos palestinos. Há, sem dúvida, entre eles patrões exploradores e mulheres oprimidas. Mas em que luta anticolonial do século XX isso não ocorreu? Por definição, uma frente de libertação nacional agrupa patriotas dispostos a se bater contra o ocupante estrangeiro. O combatente que atira em vários alvos ao
    mesmo tempo é um mau combatente.
    Vale lembrar, ademais, que em matéria de emancipação da mulher islâmica ninguém fez tanto quanto a União Soviética, desde sua fundação. A única vez em que as mulheres afegãs puderam andar na rua sem véus foi durante o curto período em que uma frente popular, com participação dos comunistas, assumiu o governo. O apoio do Exército Vermelho não bastou para se defenderem do contra-ataque talebã, abertamente apoiado pela CIA e por Reagan, segundo o qual os talebãs não eram terroristas, mas “guerrilheiros da liberdade”. Graças, pois, ao Ocidente liberal, as mulheres afegãs estão novamente submetidas a uma tenebrosa opressão.
    A “grande lição” que tiramos é outra. A Palestina é a linha de frente do combate contra o grande inimigo da emancipação humana, o imperialismo estadunidense e seus sócios. Essa lição não é nova, mas é a mais importante. A tragédia palestina é uma das mais pesadas da humanidade e interpela a todos os que não perderam a capacidade de odiar o odioso.””

    Alguém pode me explicar onde se localiza o antagonismo ou a contradição entre o “grande inimigo da emancipação humana, o imperialismo estadunidense e seus sócios” (QM) e as conclusões de JB ressaltando a prioridade da atenção às lutas de classes e à desimportância da nacionalidade do explorador e opressor, no sentido de enfatizar que “a luta contra a opressão sofrida por um povo deve ser inseparável da luta contra a exploração sofrida pela classe trabalhadora desse povo” (JB) ? A única forma que vejo para a afirmação de QM fazer sentido é se ele vê a luta de classes justamente em termos de luta “entre nações”, o que demonstraria, no mínimo, que ele nao entendeu o texto de JB ou seus esforços no combater à presença marcante e perigosa do nacionalismo nas ideologias da esquerda. Mas quero crer que eu é que deixei escapar alguma questão de fundo. Senão terei que pensar que se o combatente que atira em “vários alvos” é um mau combatente, pior é o combatente que não sabe onde atirar e acaba atirando contra o próprio pelotão.

  10. Escrevi este artigo em dois dias, no momento em que um navio turco, numa missão humanitária de apoio aos palestinianos, foi atacado pela marinha israelita, que provocou uma dezena de mortos. Nos últimos tempos o artigo tem sido objecto de um número muito elevado de leituras, chegando em certos dias a ser o mais lido neste site. O motivo é simples. As pessoas procuram compreender como um país, que apresenta como única legitimidade a de ter constituído o refúgio para um povo perseguido, pode perseguir tão abominavelmente outro povo.

    Neste comentário pretendo chamar a atenção para certas obras que não referi no artigo e que confirmam ou ampliam a minha análise.

    Antes de mais, quanto à noção de povo judaico, o historiador israelita Shlomo Sand, coligindo e analisando um grande número de provas arqueológicas e documentais, mostrou que o judaísmo enquanto entidade religiosa e cultural não deve confundir-se com os judeus enquanto noção étnica e que a expulsão e o exílio maciço dos judeus na época romana é um mito de origem cristã e anti-semita, incorporado depois na tradição judaica, que durante séculos lhe conferiu uma acepção metafísica e não geográfica. Segundo Shlomo Sand, a disseminação da religião judaica na Europa e no que é hoje a Rússia deveu-se ao proselitismo e não a migrações étnicas maciças e, por conseguinte, o judaísmo enquanto entidade religiosa e cultural não derivou de nenhuma especificidade rácica. A população islamizada que habitava na Palestina quando os primeiros sionistas para lá migraram, em vez de ser invasora, era fundamentalmente a continuadora da antiga população judaica.

    Quanto à oposição entre assimilacionistas e sionistas e quanto ao carácter minoritário do sionismo, Shlomo Sand indicou (pág. 252) que no inicio da primeira guerra mundial os sionistas representavam menos de 2% dos judeus alemães e entre os judeus franceses a percentagem era menor ainda. «Desde a sua emancipação os judeus haviam-se tornado bons patriotas em todos os países ocidentais», escreveu Sebastian Haffner (pág. 101) a propósito da mesma época. «Mas em lado nenhum esse patriotismo judaico tinha traços tão fervorosos e profundamente emotivos como na Alemanha».

    Quanto à forma como os nazis usaram a pequena minoria sionista para manipular todos os judeus, J. Noakes e G. Pridham reproduziram (vol. II, págs. 353-354) um artigo do jornal dos SS, Das Schwarze Kopf, de 15 de Maio de 1935. «Os judeus na Alemanha dividem-se em dois grupos», lê-se nesse artigo; «os sionistas e os favoráveis à assimilação. Os sionistas seguem uma atitude estritamente racial e ao emigrarem para a Palestina ajudam a construir o seu próprio Estado judaico. Os judeus partidários da assimilação renegam a sua raça e insistem na lealdade à Alemanha ou alegam ser cristãos, devido a terem recebido o baptismo, com o objectivo de derrubar os princípios nacional-socialistas».

    Esta convergência do racismo dos SS com o racismo dos sionistas ajuda a entender a viagem de von Mildenstein à Palestina. A prova de que os resultados desta viagem agradaram às autoridades nazis é que, segundo Klaus Polkehn (pág. 70), von Mildenstein foi encarregado em 1934 de chefiar o Departamento de Questões Judaicas do SD (Sicherheitsdienst, o serviço de informações e segurança dos SS), um cargo em que se manteve até 1938. Em sentido inverso, mas com finalidade convergente, o sociólogo sionista Arthur Ruppin — que além de ser professor na Universidade de Jerusalém se encarregava da compra de terras na Palestina por conta da Agência Judaica, à qual presidiu desde 1933 até 1935 — visitou o Reich para se encontrar com Hans Günther, um dos principais ideólogos do racismo nacional-socialista, e manteve até Setembro de 1939 relações com o meio eugenista alemão, consoante narra (pág. 265) o historiador israelita Shlomo Sand. Talvez fossem ainda mais importantes os contactos tecidos por profissionais da discrição, como Feivel Polkes, um dos comandantes da organização paramilitar sionista, que, segundo Klaus Polkehn (págs. 71-72), já na Palestina mantinha relações com a rede de espionagem nazi e visitou Berlim em Fevereiro e Março de 1937 para conversações com agentes do SD. Polkes prometeu-lhes cooperação e nomeadamente o fornecimento de informações, com a condição de o Terceiro Reich acelerar a partida dos judeus para a Palestina. No final daquele ano, acrescentou Klaus Polkehn (págs. 75-76), outros dois agentes sionistas deslocaram-se da Palestina a Berlim, e um terceiro a Viena no Verão de 1938, com o objectivo de organizar a emigração judaica para a Palestina através de canais ilegais, sem que chegasse ao conhecimento das autoridades britânicas.

    Insere-se neste quadro a Ha’avara, o acordo sobre transferências que analisei no artigo. Segundo Klaus Polkehn (pág. 68), Wilhelm Stuckart, um secretário de Estado no Ministério do Interior do Reich que passados alguns anos desempenharia um papel importante no genocídio dos judeus, declarou num memorando de 17 de Dezembro de 1937 que «não há dúvida de que Ha’avara contribuiu muitíssimo para a edificação fenomenalmente rápida da Palestina».

    Também nesta perspectiva entende-se a criação pelos SS de fazendas experimentais, onde os candidatos sionistas à emigração para a Palestina aprenderam técnicas agrícolas modernas. Segundo Klaus Polkehn (pág. 76), no final de 1938 cerca de mil jovens judeus haviam sido formados nestas fazendas. Nem a guerra pôs termo a tais iniciativas, porque, de acordo com Martin Gilbert (vol. I, págs 379-380), uma dessas fazendas, situada na proximidade de Berlim, foi criada em 1939 e durou até Maio de 1942, quando os seus oitenta agricultores sionistas foram enviados para um campo de extermínio.

    Em suma, e por muito extraordinário que isto hoje nos possa parecer, enquanto os diplomatas profissionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Terceiro Reich adoptavam uma posição intransigente contra a Palestina sionista, a atitude conciliatória cabia aos SS, a instituição mais fanaticamente racista — uma análise a que eu já havia procedido e que encontra confirmação no artigo de Klaus Polkehn (pág. 68), o qual acrescentou (págs. 68-69) que o próprio Hitler resolvera o diferendo em Janeiro de 1938, determinando que continuasse a apoiar-se o sionismo na Palestina.

    Esta colaboração sistemática e persistente dos sionistas com as autoridades nacional-socialistas explica a facilidade com que os nazis conseguiram enquadrar e exterminar os judeus tanto no Reich como na Europa ocupada. Hannah Arendt analisou este problema no livro que citei neste artigo. Acrescento agora um relatório de 20 de Janeiro de 1941, devido ao funcionário responsável pela evacuação dos judeus no distrito de Varsóvia, no Governo-Geral, ou seja, a parte da Polónia ocupada pelo Reich, e que se encontra reproduzido por J. Noakes e G. Pridham (vol. III, págs. 458-459). «É espantoso», lê-se nesse documento, «que as acções de transferência de população, abarcando cerca de 250.000 pessoas num período relativamente curto, que não chegou a seis semanas, tivessem sido executadas sem nenhum derramamento de sangue e só na última fase precisassem da ajuda de pressões policiais. Foram levadas a cabo graças à mobilização, por um lado, do presidente da Câmara [ou seja, para os brasileiros, prefeito] polaco e, por outro, do Conselho Judaico».

    A conversão de perseguidos em perseguidores é o tema central deste artigo, e ela explica-se pela génese nacionalista e racista do sionismo. Nathan Birnbaum, o intelectual judeu a quem se deve o termo sionismo, pretendeu num artigo de 1886 que as diferenças raciais explicariam as diferenças culturais. «É devido à diferença de raças que o Alemão ou o Eslavo pensam de maneira diferente do Judeu», escreveu ele (citado por Shlomo Sand, pág. 257). «É esta diferença que explica que o Alemão tivesse criado o Canto dos Nibelungos e o Judeu, a Bíblia». Parece que Herzl não considerava que a identidade nacional se fundasse numa identidade racial, mas, segundo Shlomo Sand (pág. 266), não era esta a perspectiva adoptada pela generalidade dos sionistas. Quais as consequências desta perversa simetria? Shlomo Sand sintetizou o problema ao observar (pág. 256) que «o sionismo tornou-se como que num reflexo negativo da imagem antijudaica» (ver igualmente a pág. 266).

    Mas, no meio das atrocidades cometidas ao longo destes dias em Gaza pelo governo do Estado de Israel, o leitor não deve esquecer, e é esta a conclusão principal do meu artigo, que a conversão de perseguidos em perseguidores não caracterizou só o sionismo e é intrínseca a todas as reacções de tipo nacionalista.

    Referências

    Martin GILBERT, The Second World War, vol. I: From the Coming of War to Alamein and Stalingrad, 1939-1942, vol. II: From Casablanca to Post-War Repercussions, 1943-1945, Londres: The Folio Society, 2011.
    Sebastian HAFFNER, The Meaning of Hitler, Londres: The Folio Society, 2011.
    J. NOAKES e G. PRIDHAM (orgs.) Nazism 1919 – 1945. A Documentary Reader, vol. I: The Rise to Power 1919-1934, vol. II: State, Economy and Society 1933-1939, vol. III: Foreign Policy, War and Racial Extermination, vol. IV: The German Home Front in World War II, Exeter: University of Exeter Press, 2008-2010.
    Klaus POLKEHN, «The Secret Contacts: Zionism and Nazi Germany, 1933-1941», Journal of Palestine Studies, 1976, V, nº 3-4,.
    Shlomo SAND, The Invention of the Jewish People, Londres e Nova Iorque: Verso, 2010.

  11. Caro João Bernardo,

    solicito, se possível, um esclarecimento sobre uma dúvida

    Não me recordo a fonte, mas tomei conhecimento que o movimento sionista, de início, almejava se intalar na ilha de Chipre, chegando a formular junto à coroa britânica este pedido que, obviamente fora negado em virtude da posição estratégica que esta ilha ilha representava para os interesses ingleses, que, como solução, fomentaram justamente a ida dos judeus para a palestina com o intuito de ali instalar um elemento desestabilizador na região que, depois da 1ª guerra, viu surgir os gérmens de um “pan-arabismo”.

    Caso essa informação proceda, não seria mais lógico o apoio inglês ao sionismo? Não seria por isso que pouco depois da 2ª guerra o estado de Israel foi criado e reconhecido quase que de pronto?

  12. Caro Beto,

    Theodor Herzl, o fundador do sionismo, propôs que Chipre fosse usado para o estabelecimento dos judeus, tal como propôs outros lugares, por exemplo o Uganda. Você encontra na internet um artigo acerca desta questão, além de outros textos. O nacionalismo judaico foi sempre inseparável do impulso colonizador.

    Mais tarde, já depois da nomeação de Hitler para a chancelaria, vários governos, think tanks e personalidades colocaram a hipótese de promover a migração dos judeus para outros lugares além da Palestina, uns porque queriam desembaraçar-se dos judeus e outros porque partilhavam as teses do nacionalismo judaico. Foi assim que nos Estados Unidos Charles J. Liebman, presidente da Refugee Economic Corporation, se interessou durante algum tempo pelo estabelecimento dos judeus em Chipre e mais tarde, já durante a guerra, a administração Roosevelt admitiu que Chipre, entre outros lugares, pudesse ser utilizado como lugar de refúgio para os judeus da Europa. Este tipo de propostas deve ser entendido como uma manifestação do anti-semitismo dos Aliados, que se recusaram a receber nos seus próprio países os judeus perseguidos no Terceiro Reich. Tratei deste assunto na 3ª parte do artigo «O mito da culpabilidade alemã». Especialmente importante neste contexto é o parágrafo referente à Conferência de Évian, reunida no Verão de 1938.

    Quanto aos aspectos geopolíticos que você refere, antes da primeira guerra mundial a hipótese de migrações judaicas para Chipre ou para a Palestina inseria-se no esforço britânico de fragmentação do império otomano. Entre as duas guerras mundiais os britânicos procuraram manter a sua influência na região mediante um equilíbrio de centros de poder rivais. Neste quadro, o Reino Unido tinha de conciliar a actividade colonizadora da Agência Judaica na Palestina com uma política de boas relações com os árabes, o que era um equilíbrio difícil. Mussolini, que inicialmente considerara o sionismo um mero instrumento dos interesses britânicos, passou depois a fazer por sua conta um jogo idêntico ao do governo de Londres, tentando equilibrar judeus e árabes, tal como indiquei muito sumariamente neste artigo.

    O pan-arabismo foi sobretudo estimulado pelos nacionais-socialistas, que consideravam os árabes como uma raça superior. Aqui o lugar de destaque coube ao mufti de Jerusalém, Hadj Amin el-Husseini, que após os tumultos de 1929 havia emergido como o campeão da causa árabe na Palestina. Era ele quem mobilizava os apoios de que Hitler e Mussolini dispunham na região e quem tentava organizá-los numa acção comum. Encontramos o mufti por detrás das conspirações a favor do Reich no Egipto e no Iraque, e mais tarde, quando os revezes militares obrigaram as tropas do Eixo a abandonar o Norte de África, o mufti ajudou os SS a recrutar uma legião muçulmana nos Balcãs e colaborou no programa de extermínio dos judeus. Hitler (Hitler’s Table Talk, 1941-1944. His Private Conversations, Nova Iorque: Enigma, 2000, pág. 547) considerou-o «um homem com mais de um ariano entre os seus antepassados e que muito possivelmente descende do melhor sangue romano». O nasserismo, enquanto modelo do pan-arabismo, foi gerado neste quadro político, e não é por acaso que mais tarde ideólogos fascistas como Maurice Bardèche ou Adriano Romualdi reconheceram o carácter fascista do regime de Nasser.

    Convém uma vez mais recordar que a dialéctica fundamental aqui não diz simplesmente respeito à conversão de uma parte — uma parte muito minoritária — dos judeus em sionistas, mas ao nacionalismo como mecanismo de conversão de perseguidos em perseguidores. É a esta luz que convido os leitores a apreciarem a série de artigos que Manolo e eu dedicámos ao mito do regresso a África, nomeadamente a 3ª parte, «Nós fomos os primeiros fascistas». Marcus Garvey, que três anos antes de morrer considerou Mussolini como seu discípulo, foi o fundador de um movimento que vários historiadores compararam ao sionismo.

    Este emaranhado de questões, que tem o nacionalismo no centro, é a preocupação fundamental deste artigo.

  13. «Este emaranhado de questões, que tem o nacionalismo no centro, é a preocupação fundamental deste artigo».

    Essa é também a preocupação dos dias de hoje, mas praticamente toda a esquerda portuguesa e europeia parece marimbar-se para as questões fundamentais e chega ao ponto de ser quase tão reaccionária como a extrema-direita. Ou seja, fenómenos como o do fascismo italiano, do Garvey, do nacional-bolchevismo ou do sionismo partiram de meia dúzia de pessoas e só se tornariam processos-chave anos mais tarde. Por isso quando a maioria da esquerda portuguesa e europeia hoje pensa que pode deixar de lado os eixos políticos fundamentais do nosso tempo, fico com a certeza de que ela tem tanto de ignorância política como de germe de produção de fenómenos nacionalistas. Com o actual cenário que se passa em Gaza com a bárbara actuação do Estado de Israel, o anti-semitismo parece também ganhar força à esquerda.

    E o pior de tudo isto é que ainda há gente que se considera autonomista/libertário pelo meio e acha muitíssimo bem ter uma boa relação política com os sectores que em Portugal e em Espanha fazem o papel da extrema-direita. Se a isto se juntar que essa esquerda projecta preconceitos contra as vacinas e os OGM’s, é animalista e ecologista e ainda tem como motor a protecção endogámica dos amiguismos académicos, então o leitor pode ter uma visão do que é a maioria da esquerda portuguesa. E, como disse, aqui refiro-me também à esquerda que até se considera anticapitalista e autonomista, que não é menos hipócrita do que as esquerdas leninista ou radical.

  14. Excelente artigo, de cunho rigorosamente histórico, que não cai nas armadilhas fáceis que a questão suscita aos comentaristas incautos. Acredito que o escritor austríaco Stefan Zweig por conta própria também fez algumas gestões junto a António Salazar com o objetivo de fundar em Angola uma nação para acolher os judeus, mas nada conseguiu. Depois de conhecer o Brasil os olhos atentos do escritor se voltaram para aquela terra ainda pouco habitada, de grande futuro econômico, cuja população crescia sem preconceitos de raça e de religião. O livro “Brasil país do futuro” é uma clara demonstração, como se fosse um recado aos judeus “assimilacionistas” (ele próprio um deles), de que essa era uma esperança, uma opção válida como destino migratório. A tragédia do suicídio em Petrópolis (1942) pôs fim a essas especulações.

  15. Nos últimos dias, em Ramallah, na Cisjordânia, numerosos manifestantes têm-se confrontado com as forças de segurança da Autoridade Palestiniana em protestos pelo assassinato do activista Nizar Banat, espancado até à morte pouco depois de ter sido preso. Os manifestantes reivindicam, entre outras coisas, a demissão de Mahmoud Abbas, que desde há dezasseis anos preside inamovivelmente à Autoridade Palestiniana. «O povo quer derrubar o regime», gritam os manifestantes, «demite-te Abbas!».

    É curioso que os Comités Palestina que por aí existem permaneçam silenciosos perante esta luta do povo palestiniano, tão curioso como o silêncio do movimento negro perante as atrocidades cometidas pelos governantes e as elites africanas.

    Estes acontecimentos conferem uma nova actualidade às últimas linhas do meu artigo: «O sionismo, enquanto via de passagem da perseguição sofrida pelos judeus às agressões praticadas pelo Estado de Israel, mostra que a luta contra a opressão sofrida por um povo deve ser inseparável da luta contra a exploração sofrida pela classe trabalhadora desse povo. O povo palestiniano tem de se defender da agressão israelita, mas isto não significa que os trabalhadores palestinianos não tenham de se defender dos seus patrões, sejam eles israelitas ou árabes, e que as mulheres palestinianas não tenham de se defender da opressão masculina, tão imbuída na tradição islâmica».

  16. No comentário acima critiquei os Comités Palestina por não tomarem posição perante o assassinato do activista palestiniano Nizar Banat, espancado até à morte pelas forças de segurança da Autoridade Palestiniana.

    No entanto, acabo de receber um comunicado do Comité Palestina português noticiando o seguinte:
    «Shahd Wadi, militante contra a ocupação israelita, membro do Comité de Solidariedade com a Palestina, foi despedida do seu posto de assessora na representação diplomática da Palestina em Lisboa. A carta que aqui divulgamos testemunha da repressão usada pela Autoridade Palestiniana contra os que levantam a voz contra a sua política de opressão e violação dos direitos humanos».

    A carta enviada por Shahd Wadi ao Comité Palestina é a seguinte:

    «No dia 5 de julho último, a Missão Diplomática da Palestina informou-me verbalmente de que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Palestina exigiu a minha demissão imediata e sem aviso prévio do cargo de Assessora dos Assuntos Culturais e Imprensa, por ter condenado nas redes sociais, o hediondo assassinato do activista político e candidato ao Conselho Legislativo da Palestina, Nizar Banat, morto pelas mãos das Forças de Segurança da Autoridade Palestiniana após a sua detenção.
    «Banat, era um activista que acusou em várias ocasiões a Autoridade Palestiniana de corrupção e que revelou ultimamente o escândalo do acordo entre as autoridades palestinianas e Israel sobre vacinas contra a COVID-19 perto de fim da validade. Nizar Banat, foi detido de madrugada do dia 24 de Junho e espancado até a morte.
    «Até àquele momento, a expressão do meu repúdio por aquele acto consubstanciou-se na partilha nas redes sociais de artigos que o meu pai, o escritor Farouq Wadi, escreveu sobre o assunto, na assinatura de uma carta aberta conjunta de um grupo de jovens palestinianas e palestinianos residentes em Portugal (em anexo), a qual foi entregue na Missão Diplomática da Palestina, no dia 30 de Junho último. A Missão Diplomática da Palestina entregou-me uma carta de cessação de contrato, prometendo pagar uma indeminização em breve e agradecendo o trabalho desempenhado no exercício das minhas funções desde 2010.
    «O meu despedimento não foi o primeiro. Ihab Bseiso, Director da Biblioteca Nacional da Palestina ex-ministro da cultura, foi demitido por ter criticado nas redes sociais este assassinato extrajudicial. As manifestações pacíficas que foram organizadas em protesto contra esta morte, foram reprimidas violentamente, usando métodos utilizados normalmente pelas forças da ocupação israelita, como o gás lacrimogêneo, manifestações estas onde muitas pessoas foram feridas e detidas. As manifestantes mulheres jovens sofreram particularmente represálias, tendo os seus telemóveis sido confiscados com a ameaça de divulgar as suas fotografias íntimas.
    «Especialmente hoje, num momento em que se intensificam os ataques contra Gaza e as tentativas da limpeza étnica e colonização da Palestina seja em Sheikh Jarrah, Silwan, Beita e outras localidades palestinianas, é urgente fortalecer a unidade e resistência do povo palestiniano contra a ocupação israelita. Saliento que as minhas críticas neste momento sobre os vários episódios de violência e de represálias da parte da Autoridade Palestiniana partem da minha crença da importância de reunir e juntar o povo palestiniano e não criar mais divisões.
    «Apesar de meu despedimento ter sido amplamente divulgado pelos meios de comunicação na Palestina e até fora, não pretendo de maneira nenhuma torná-lo num caso específico ou pessoal, mas demonstrar, através do mesmo, o ponto a que chegou a repressão do exercício de liberdade, designadamente da liberdade de expressão na Palestina.
    «Também não pretendo desviar a atenção da nossa luta principal contra a ocupação israelita, mas não podemos esquecer que quando lutamos pela liberdade da Palestina, lutamos por toda a liberdade contra qualquer opressão, venha ela de onde vier.
    «Neste momento, é importante juntar a voz das pessoas solidárias com a causa palestiniana à voz do povo palestiniano, o qual, enquanto resiste a perseguição dos seus jornalistas pela ocupação israelita, não esquece as tentativas de asfixia da liberdade de expressão exercida pela Autoridade Palestiniana. As mesmas pessoas que estão à porta das prisões israelitas para saber de membros da sua família, estão à porta das prisões da Autoridade Palestiniana para saber dos seus entes queridos. As pessoas que saem à rua contra a ocupação israelita são também as mesmas que se manifestam contra a opressão da Autoridade Palestiniana. O luto que se faz pelos resistentes mortos pela ocupação tem a mesma cor do que se faz por Nizar Banat.
    «Qualquer pessoa que se junte ao seu povo na defesa dos seus direitos, onde eu me incluo, é perseguida ou despedida injustamente. Apelo-vos juntar a vossa voz à do povo palestiniano para pôr fim a qualquer tipo de injustiça, sejam elas as perpetuadas pela ocupação israelita sejam as praticadas pela autoridade palestiniana.
    «Continuarei, como sempre, a minha luta pela defesa dos direitos do povo palestiniano, contra a opressão e pela liberdade, toda a liberdade.
    «Shahd Wadi
    «9 de Julho 2021»

    A carta aberta a que Shahd Wadi se refere foi publicada pelo Passa Palavra aqui.

    Repito o que escrevi no artigo: «O povo palestiniano tem de se defender da agressão israelita, mas isto não significa que os trabalhadores palestinianos não tenham de se defender dos seus patrões, sejam eles israelitas ou árabes, e que as mulheres palestinianas não tenham de se defender da opressão masculina, tão imbuída na tradição islâmica».

  17. Sensacional texto. Revela que o holocausto não sido tão grande se não houvesse a colaboração de setores judaicos. Convém salientar que os imperalistas britânicos passaram a cobrar mil libras por cada família que emigrasse para a Palestina. Ninguém fala sobre isso. Ninguém fala também que as famílias judaicas mais ricas do mundo nada fizerem para ajudar os judeus europeus a emigrar para a Palestina. Hitler perdeu a guerra porque cometeu grandes erros. Um deles foi a perseguição e extermínio dos judeus da Europa. Outro foi a sua visão de homem do séc. XIX na qual o império britânico deveria ser preservado. Ao invés de se empenhar totalmente em derrotar a Inglaterra, destruindo o Canal de Suez e Gibraltar e abrir o caminho para a independencia da Índia e África do Sul, invadiu a Rússia….. Tivesse Hitler dado prioridade a combater e derrotar os ingleses, tirar-lhes suas colônias e protetorados obtendo vitória na África do Norte e chegando até ao Egito, Iraque e Irã, teria a possibilidade de assentar todos os judeus na Palestina e, assim, o holocausto não teria acontecido.

  18. Que texto de fôlego! O desenvolvimento é ótimo, enquanto a conclusão duplica a qualidade já presente. Aqui uma pergunta: antes do fim da Primeira Guerra Mundial e da eclosão da revolução de 1917 havia sionistas trabalhistas? Qual era a posição dos partidos, organizações e personalidades da Segunda Internacional sobre o movimento sionista?

    ***** ***** *****

    Outra pergunta: eu comecei, mas não terminei, a ler Labirintos do Fascismo e dá para constatar a ênfase do autor em sua crítica ao nacionalismo em todas as suas matizes, incluindo carbonárias e pretensamente emancipadoras. Como surgiu sua crítica ao nacionalismo? Ou melhor dizendo, como o nacionalismo se tornou objeto de crítica em suas análises?

  19. Felipe,

    Quanto à sua primeira pergunta, peço-lhe que leia, neste artigo, a parte do meu comentário de 27 de Julho de 2014 onde indico que «no início da primeira guerra mundial os sionistas representavam menos de 2% dos judeus alemães e entre os judeus franceses a percentagem era menor ainda». O meu comentário no dia seguinte pode também ser elucidativo. O movimento sionista era então muito pouco expressivo e só depois adquiriu relevância. A esmagadora maioria dos judeus — ou daqueles que assim se consideravam — era assimilacionista.
    Note que na última versão do Labirintos do Fascismo (São Paulo. Hedra, 2022, vol. IV, págs. 231-326) tratei mais extensamente e com uma bibliografia mais ampla muitos dos aspectos analisados neste artigo.

    Quanto à sua segunda pergunta, não sei responder-lhe exactamente, porque isso me obrigaria a reler tudo o que escrevi anteriormente ao 25 de Abril de 1974. Mas sei que desde muito cedo tomei posição contra qualquer tipo de nacionalismo. Tanto quanto me recordo, sempre fui crítico do capitalismo de Estado, o que obrigatoriamente implica uma crítica à noção de economia nacional. Durante a revolução portuguesa de 1974-1975 colaborei activamente no jornal Combate, de que fui um dos fundadores, e desde o seu manifesto de lançamento o Combate se pronunciou pelo internacionalismo e contra os nacionalismos, insistindo nesta posição ao longo da sua existência. E no início de 1975 publiquei o livro Para uma Teoria do Modo de Produção Comunista, cuja versão inicial fora escrita em Julho-Setembro de 1973, e toda a perspectiva económica e social defendida nesse livro é radicalmente oposta ao nacionalismo.
    O jornal Combate encontra-se integralmente on-line aqui e em 2020 foi integralmente publicado em papel numa reedição fac-simile, como se pode ver aqui. Quanto à fundação do Combate e ao seu núcleo inicial, encontra-se uma breve explicação aqui. O Para uma Teoria do Modo de Produção Comunista encontra-se, por exemplo, aqui.

  20. Há ocasiões em que seria preferível não ter razão, mas a realidade é mais forte. Os dois últimos parágrafos deste artigo antecipam a acção do Hamas a 7 de Outubro. O resto do artigo fala por si. E se, de um lado, o antagonismo entre os judeus assimilacionistas e os judeus sionistas levou à colaboração do sionismo com o fascismo italiano e com o nacional-socialismo e levou igualmente à cisão do sionismo numa ala clara e explicitamente fascista, do outro lado o fascismo italiano e o nacional-socialismo do Terceiro Reich estimularam e orientaram o nacionalismo árabe. O fascismo italiano desempenhou um papel importante na promoção do nacionalismo na Tunísia. Quanto aos nacionais-socialistas, salienta-se o apoio activo que lhes prestou o mufti de Jerusalém, Hadj Amin el-Husseini, bem como, no Egipto, Nasser e sobretudo Anwar al-Sadat, e o governo de Rashid Ali al-Gaylani no Iraque, sem esquecer a acção dos fascistas árabes na Argélia, em colaboração com as tropas do Reich que ocupavam a França durante a segunda guerra mundial. Será interessante meditar sobre o destino do argelino Mohammad Said, que depois de combater contra os soviéticos durante a segunda guerra mundial, integrado nas tropas dos voluntários fascistas franceses, pôs-se mais tarde à disposição dos serviços secretos do Reich para dirigir operações de sabotagem na Argélia ocupada pelos Aliados, para afinal desempenhar o cargo de ministro de Estado no governo provisório argelino no exílio, sendo, depois da independência, titular de vários ministérios e membro do Conselho do Comando Revolucionário. Aliás, um número significativo de quadros e dirigentes da futura Frente de Libertação Nacional argelina apoiou o Terceiro Reich durante a guerra e alguns pertenceram a partidos fascistas franceses. O horror que hoje se vive na Palestina não se explica sem este complexo passado histórico. É a lição deste artigo, que o nacionalismo radical é a antecâmara directa do fascismo e que assumir-se como perseguido é preparar-se para ser perseguidor.

  21. Se eu tivesse escrito este artigo hoje, e não há treze anos, tê-lo-ia intitulado De um genocídio a outro genocídio.

    No mês passado alguém me enviou um cartaz que havia sido ostentado numa manifestação neonazi na Alemanha, colocando a par os actuais bombardeamentos de Gaza com os bombardeamentos aliados que na segunda guerra mundial destruíram Dresden. Foi uma comparação inteiramente justificada, embora na Alemanha seja um tabu político qualquer menção aos bombardeamentos da aviação britânica e americana que, segundo uma directiva do marechal do ar Arthur Harris, em Fevereiro de 1942, deviam ter «como alvo principal o moral da população civil e especialmente dos operários da indústria». E em Janeiro do ano seguinte a conferência anglo-americana de Casablanca, com a presença de Churchill e Roosevelt, decidiu lançar uma grande ofensiva aérea contra o Terceiro Reich com o propósito de, segundo a directiva secreta emanada dos estados-maiores, «destruir e desarticular progressivamente o sistema militar, industrial e económico alemão e minar o moral da população alemã até que esteja fatalmente comprometida a sua capacidade de resistência armada». Em palavras simples, tratava-se de um genocídio da população civil das cidades, com a justificação moral de se estar a combater um fascismo. Sobre isso escrevi aqui e aqui.

    Vejamos o que ocorre na Palestina agora. Com a justificação de combater o fascismo e o racismo anti-semita do Hamas, o governo do Estado de Israel, composto pela extrema-direita e por fascistas, todos eles racistas anti-palestinianos, executa um genocídio da população civil de Gaza.

    Olhem-se ao espelho e vêem a imagem uns dos outros. Não saímos do horror.

  22. Leo Nobu,

    Com efeito, este artigo está traduzido em inglês aqui e a tradução foi publicada pelo Passa Palavra aqui.

  23. Caro Camarada João é sobre isso que vivo falando. Anos e anos falando sobre o terror do Sionismo e seu Genocídio contra o Povo Palestino. Desde de criança que na escola tinha um professor que era descendente de egípcio e ele falava sobre o Apartheid e o massacre que os colonos Israelenses sionistas fazem há décadas contra o povo Palestino. Na escola no fundamental, ensino médio e faculdade eu falava sobre e explicava, mas muitos falavam que era mentira, me chamava de antissemitista, e as vezes alguns que não eram colegas diziam nas escondidas que eu era nazista e tal, aquelas falácias de ignorantes de história e da ideologia sionista. Sempre fui a luta e fiz protestos com outros camaradas sobre o Sionismo do Estado de Israel, e junto com os Judeus ortodoxos que são contra os Judeus Sionistas. Depois teve um povo que foi acordando e também com muitas informações hoje na internet e fora dela em documentos antigos em bibliotecas antigas que estão em larga escala conseguindo documentos antigos e neles vem algo sobre o massacre e a invasão sionista. Seu texto é atemporal, quando falamos que o Sionismo é praticamente outra forma do nazismo é a mais pura verdade, sendo com outros povos contra outros povos. Nazismo e Sionismo sempre andaram lado à lado. É o ditado mais certo : O sonho do oprimido é se tornar o opressor ! Grande abraços irmão !

  24. Boa noite!
    Alguém teria link dos Diários de Victor Klemperer em portugues?

    Alguns imbecis do MBL aqui da cidade se recusam a acreditar que o sionismo colaborou com o nazismo. Creio que os diários colaborem nesse convencimento (se é que é possível).

    obrigado

  25. Breno, a esta altura você crê no bom-senso de integrantes do MBL? Espera verdadeiramente convencê-los de algo?

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