Por Passa Palavra

 

Como introdução a esta entrevista, apresentamos, extraídas do blogue do PROMOVA (movimentopromova.blogspot.com), as “propostas de contestação” saídas do Encontro Nacional dos Professores em Luta, realizado em Leiria no passado dia 14 de Março:

1. Incentivar os sindicatos a promoverem reuniões nas escolas, de forma a que os professores possam decidir as formas de luta a adoptar no terceiro período lectivo, nomeadamente, pronunciando-se sobre as seguintes opções:
a) realizar, no mês de Maio, uma manifestação nacional, promovida pelos sindicatos de professores, mas que possa ser alargada aos pais, funcionários públicos e outros sectores de actividade que têm sido objecto dos ataques deste Governo;
b) desencadear greves, tendo em conta as três possibilidades seguintes: greve às avaliações; greves sectoriais/departamentais ao longo de uma semana (cada professor fazendo 2 dias de greve) e a culminar numa grande manifestação nacional no último dia; greve de 3 dias.
2. Entregar o relatório crítico no final do ciclo de avaliação em lugar da ficha de auto-avaliação, assumindo, ao mesmo tempo, a relevância da avaliação do desempenho, mas mantendo a recusa do actual modelo.
3. Promover a realização de um Fórum/Conferência Nacional “Compromisso Educação” que permita celebrar um pacto entre partidos políticos, sindicatos e movimentos de professores orientado para a revogação de medidas injustas e absurdas, mas também para a qualificação da escola pública.
4. Organizar o recurso aos tribunais administrativos por parte de professores que manifestem essa pretensão, facilitando a constituição de um grupo alargado de professores que permita a contratação de uma equipa de advogados de direito administrativo para actuar judicialmente contra as inconstitucionalidades e ilegalidades da legislação imposta pelo Ministério da Educação.
5. Incentivar os sindicatos a, juntamente com os movimentos de professores, constituírem uma delegação nacional de professores que solicite audiências ao Parlamento Europeu e à Unesco, denunciando os sucessivos ataques deste Governo aos professores e à escola pública.
6. Estimular os professores, através da acção concertada de sindicatos e movimentos, a envolverem-se em vigílias/concentrações por tempo indeterminado, distrito a distrito, para explicar à opinião pública o absurdo das medidas e das situações aberrantes vividas nas escolas. As vigílias devem ter, também, como objectivo apelar à não votação neste Partido Socialista.
7. Manifestar reconhecimento e apoio aos PCEs que se têm colocado ao lado dos professores na recusa do actual modelo de avaliação do desempenho, de tal modo que, já no dia 21 de Março, uma representação dos movimentos possa manifestar-lhes, presencialmente, o devido incentivo e gratidão.
8. Apelar aos professores, forçados a avaliar os colegas, que prossigam a denúncia pública das aberrações burocráticas, científicas e pedagógicas ocorridas nos diferentes níveis de ensino e agrupamentos.
9. Potenciar e imprimir maior organização e eficácia à divulgação de informação que dê a conhecer as inconsistências, as injustiças e o descrédito da maioria das medidas implementadas por esta equipa ministerial.

Os movimentos de professores tudo farão para concretizar e ver concretizadas estas propostas de actuação.

A entrevista que se segue foi realizada poucos dias antes deste encontro.

Passa Palavra (PP) – Por que lutam os professores portugueses presentemente, e qual foi a evolução dessa luta nos últimos anos?

Octávio Gonçalves (OG) – Os professores confrontam-se, na actualidade, com a reforma mais atabalhoada, inconsistente, medíocre e injusta que alguma vez se tentou implementar nas escolas públicas portuguesas, em mais de 30 anos de democracia e de liberdade. Mercê desta circunstância, o ambiente escolar encontra-se refém de um mal-estar crescente, enquanto expressão inevitável de um quadro de profunda frustração, indignação e desmotivação do pessoal docente.
Para este estado anímico têm concorrido, tanto a postura de confrontação gratuita adoptada pelo Ministério da Educação, como os conteúdos penalizadores da função docente que se iniciaram com o novo Estatuto da Carreira Docente, se agravaram com o incoerente e injusto Concurso para Professor Titular, persistindo no Decreto Regulamentar da Avaliação do Desempenho do Pessoal Docente, se refinando na aprovação do novo Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas e atingindo quase o clímax (e dizemos quase porque a imaginação da tutela é, infelizmente, sempre muito pródiga em bizarrias surpreendentes) com o novo Estatuto do Aluno.

PP – Por que luta o PROMOVA em particular, e porquê e como nasceu a ideia de criar esse movimento? Qual a sua implantação e forma de funcionamento? O que a distingue de outros, como a APEDE, o MUP, o MEP ou a CDEP? Qual a sua relação, se é que existe, com estruturas sindicais como a FenProf ou os sindicatos regionais?

OG – O Movimento PROmova surgiu para acrescentar força e sentido de coerência às reivindicações dos professores, mantendo-se sempre fiel a este traço identitário.
O Movimento PROmova emergiu e cresceu a partir das salas de professores das escolas públicas portuguesas, para amplificar a voz e conferir dinâmica às justas reivindicações dos professores, reagindo a todos os ataques à dignidade dos docentes.
É um Movimento independente e, como tal, sem nenhuma ligação com qualquer formação política ou formação sindical embora mantendo relações cordiais com todos os sindicatos na defesa do que tem sido o lema deste Movimento: NA UNIDADE, GANHAMOS TODOS; NA DIVISÃO, PERDEMOS TODOS.

PP – Que factores foram, a vosso ver, decisivos para a espectacular mobilização que já por duas vezes os professores conseguiram para as suas manifestações (em 2007 e 2008)?

OG – Da substância da legislação já referenciada emergiu uma multiplicidade de implicações negativas para a organização e a eficácia do sistema de ensino, assim como se procurou atacar a dignidade profissional dos professores, destruindo-se expectativas e direitos, desrespeitando-se currículos de vidas profissionais dedicadas à escola e desestruturando-se carreiras sem qualquer fundamento ou racionalidade entendíveis. A estes entraves deve acrescentar-se, igualmente, uma incontinência legislativa inigualável, traduzida num chorrilho de regulamentos e normas que têm desviado e perturbado as escolas da sua função primordial que é garantir um ensino de qualidade.
Mas, os docentes também não esquecem o estilo autocrático, arrogante e azedo por parte da Sra. Ministra da Educação e dos seus Secretários de Estado, os quais persistem numa conduta obstinada de afronta aos professores e numa estratégia de comunicação orientada para “vender” à opinião pública, pelos vistos sem grande sucesso, um retrato mediático negativo e degradado da classe docente.

PP – Nesta luta, os professores têm tido apoio concreto de outras classes profissionais – da educação ou não -, dos estudantes e dos pais de alunos? Ou consideram que essa luta se tem limitado, ou que alguém a procura limitar, aos interesses restritos dos professores?

OG – Os apoios têm vindo a ser cada vez mais diversificados embora nem sempre devida e claramente publicitados. No entanto, começam a ser cada vez mais frequentes as manifestações de apoio e de compreensão pelas lutas dos professores face à evidente demagogia, prepotência e arrogância da equipa deste Ministério da Educação.

PP – Que saída – profissional e/ou política – pensam que pode haver para esta confrontação com o governo? Como avaliam as possibilidades actuais de os professores sairem vencedores?

OG – Este “impasse” só se resolverá se esta equipa ministerial assumir, de um modo claro e inequívoco, uma negociação franca e leal com respeito pelas ideias daqueles que efectivamente se encontram em contacto com a realidade e não a vêem através dos gabinetes. Os professores não têm a pretensão de “saírem” vencedores. Os professores desejam é que a escola pública seja efectivamente resguardada de uma política economicista, do trabalho para a estatística e, fundamentalmente, que seja preservada a sua principal função que é a de ensinar.

PP – Que outros aspectos desta luta, não referidos acima, entendem realçar?

OG – A escola não pode ser encarada como um mero local de passagem para a obtenção de resultados estatísticos nem ser perspectivada para ser uma escola a tempo inteiro onde a tónica dominante se centra no simples entretenimento das crianças e dos jovens. Do mesmo modo, uma escola inclusiva não é, seguramente, uma escola onde todas as crianças e jovens das mais diferentes situações são colocados indiscriminadamente.
Por outro lado, a carreira profissional dos professores não pode estar sujeita às arbitrariedades e injustiças já referenciadas anteriormente e ainda ser penalizada pela casuística da colocação dos professore em determinadas escolas. Já para não se falar na legislação agora saída sobre os concursos e na qual estão equacionados parâmetros resultantes da aplicação de legislação que está a ser posta em causa em termos judiciais e que, independentemente disso, se apoiam em aspectos de um processo que se transformou num autêntico simulacro de avaliação agravado pelas inadmissíveis influências de quotas que são variáveis de escola para escola.

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