Por Passa Palavra

A Comissão de Defesa da Escola Pública e de Qualidade, posta de pé em 1998 e reconstituída em Maio de 2002, agrupa um conjunto de cidadãos, professores, educadores, auxiliares de acção educativa, pais e estudantes, unidos em torno do mesmo objectivo: defender uma Escola pública, democrática e de qualidade, como um espaço de liberdade e crescimento, cuja finalidade central seja a formação do Homem e, só depois, do trabalhador. Tais objectivos pressupõem a demarcação em relação a todas as instituições subordinadas ao capital financeiro (desde o Banco Mundial, ao FMI, à OCDE, e à União Europeia e suas directivas). Não pretendemos substituir-nos a qualquer organização, seja ela de carácter sindical, partidário ou associativo em geral, mas tão só contribuir para uma reflexão que dinamize os processos de defesa e de construção da Escola democrática e de qualidade. (da Carta de Apresentação da CDEP).

Passa Palavra (PP) – Por que lutam os professores portugueses presentemente, e qual foi a evolução dessa luta nos últimos anos?

Carmelinda Pereira (CM) – As principais reivindicações dos professores e educadores dos ensinos básico e secundário estão, de certa maneira, contempladas na Resolução que os dirigentes da “Plataforma dos sindicatos dos Professores” apresentaram, na manifestação de 120 mil docentes, realizada em Lisboa, no dia 8 de Novembro de 2008:
– Suspensão do modelo do ME de Avaliação do Desempenho Docente (ADD) e da participação da “Plataforma sindical dos Professores” na Comissão de Acompanhamento dessa avaliação.
– Processo amplo de revisão do ECD (que garanta uma carreira única, sem fracturas e sem quotas de mérito), a retirada da prova de ingresso na profissão, estabelecimento de regras pedagogicamente relevantes para a organização dos horários dos professores, regras excepcionais para aposentação dos docentes (tendo em conta o desgaste físico e psicológico da profissão).
– Rejeição da nova legislação dos concursos.
– Correcção das irregularidades e ilegalidades cometidas na elaboração dos horários e pagamento do serviço extraordinário.
– Revisão da nova Lei de gestão das escolas, para que sejam garantidas as condições que viabilizem os princípios da autonomia, da participação e do funcionamento democrático das escolas.
– Anulação das medidas do Governo que visam limitar a organização e o exercício da actividade sindical.

PP – Por que luta a CDEP em particular, e porquê e como nasceu a ideia de criar esse movimento?

CM – Os grandes objectivos da CDEP estão definidos na sua carta de apresentação [ver acima].
Sendo os professores a pedra angular da Escola pública, se o Governo se ataca ao seu estatuto profissional, para os lançar uns contra os outros e lhes retirar a liberdade de ensinar, com a divisão artificial em categorias, com quotas decorrentes do Orçamento do Estado, para permitir a progressão apenas de alguns na sua carreira profissional, de tal modo que só um terço poderá atingir o topo, a CDEP tem que se associar a todas as iniciativas que vão no sentido da unidade de todos os docentes com as suas organizações, para derrotar este plano.

PP – Como nasceu a ideia de criar a CDEP?

CM – O nascimento da CDEP está ligado com dois momentos da luta para defender o Ensino público, de acordo com os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa.
Um primeiro momento, em 1998, coincidiu com a defesa da gestão democrática das escolas e do Ensino Recorrente. Foi, por um lado, a luta contra o decreto-lei que instituiu os Conselhos Executivos, anulando os Conselhos Directivos nas escolas do segundo e terceiro ciclos do Ensino básico, nas escolas do Ensino Secundário e, posteriormente, acabando com a democracia directa nas escolas do primeiro ciclo, através dos Conselhos Escolares soberanos, tal como se formaram com a Revolução do 25 de Abril de 1974. E, por outro lado, a luta em defesa do Ensino Recorrente, isto é, do Ensino nocturno para os estudantes trabalhadores.
Nestas lutas juntaram-se professores e estudantes trabalhadores de várias escolas. E, como resultado, decidiram formar o primeiro embrião de uma Comissão de Defesa da Escola Pública.
Um segundo momento, em 2002, consistiu num conjunto de iniciativas de professores e educadores numa altura em que surgiram as primeiras medidas do governo de António Guterres contra o Ensino Especial.
A Comissão para a Unidade, que se constituiu nessa luta, decidiu manter-se, reactivando a CDEP, com os objectivos com que hoje se apresenta, com excepção das referências às instituições internacionais.
Estas referências foram acrescentadas num Encontro realizado em 2007, já com um balanço claro, por parte dos seus membros, de como as políticas aplicadas em Portugal – nomeadamente em matéria de ensino – decorrem de orientações e directivas cuja fonte são as grandes instituições ligadas à defesa do capital financeiro e das multinacionais.

PP – Qual a sua implantação e forma de funcionamento?

CM – A CDEP é uma organização muito flexível, intencionalmente informal, para tentar corresponder aos objectivos que os seus membros se propõem assumir, para que nela haja toda a liberdade de pertencer a qualquer outra organização. Mantendo uma composição com diferentes intervenientes na defesa da Escola Pública, como é o caso dos encarregados de educação, actualmente está ligada sobretudo a docentes dos Ensinos básico e secundário, de escolas dos concelhos de Oeiras, Lisboa, Amadora, Cascais, Sintra e Marinha Grande. Ela tem ainda um blogue (escolapublica2.blogspot.com) e uma larga rede de contactos, ligados através de correio electrónico.
Os seus membros têm diferentes perspectivas políticas, mas assumem todos a defesa dos princípios que dão rosto a esta Comissão. É importante sublinhar três importantes particularidades neste agrupamento:
1ª) O grande desejo de defender a qualidade do ensino; daí a defesa da exigência pedagógica com que todos se identificam. Nesta exigência estão contempladas algumas das iniciativas da CDEP que a têm ligado a vários projectos pedagógicos ou a acções solidárias com movimentos de defesa dos conteúdos programáticos.
2ª) A procura de ligação com o movimento operário internacional, em acções para defender o Ensino público. Neste sentido, a CDEP já enviou, por mais do que uma vez, delegados a iniciativas com estes objectivos e convidou professores sindicalistas de outros países a participarem em Encontros nacionais. 3ª) Não pretende substituir-se às organizações responsáveis pela direcção da luta em defesa da Escola Pública, mas sim tentar contribuir para a unidade dos trabalhadores do Ensino com as suas organizações.
Regra geral de três em três semanas. o nosso local de reunião tem sido na Biblioteca Municipal de Algés.

PP – O que a distingue de outros, como a APEDE, o MUP, o MEP ou o PROMOVA? Qual a sua relação, se é que existe, com estruturas sindicais como a FENPROF ou os sindicatos regionais?

CP – Entre as iniciativas da CDEP contam-se vários Encontros, delegações aos deputados da Comissão de Educação da Assembleia da República e ao Conselho Nacional de Educação, bem como a participação na luta dos professores e educadores, nas suas diversas formas, incluindo os “movimentos de professores”.
Esta prática distingue a CDEP dos “movimentos” que se constituíram, tanto quanto se sabe, essencialmente para defender os professores e educadores nos seus combates recentes.
A sua ligação com a FENPROF e todos os outros sindicatos é feita no quadro da procura das acções para a unidade.
Por exemplo, os responsáveis dos principais sindicatos dos docentes têm sido sempre convidados a participar em todas as iniciativas públicas da CDEP. Actualmente, as respostas por parte de muitos desses dirigentes têm sido positivas, situação que nem sempre se verificou em anos atrás.

PP – Que factores foram, a vosso ver, decisivos para a espectacular mobilização que já por duas vezes os professores conseguiram para as suas manifestações (em 2007 e 2008)?

CP – Os factores que, na opinião da CDEP, levaram às mobilizações históricas dos professores e educadores portugueses têm a ver com as consequências das medidas do Governo para a educação, as quais são insuportáveis para a vida profissional dos docentes, que se vêem constrangidos pela exigência das respostas educativas que são necessárias para a formação dos alunos, em situações cada vez mais difíceis (turmas muito numerosas, integrando alunos com necessidades educativas especiais e outros com problemas sociais, etc.), o aumento do horário de trabalho, a avaliação com um conjunto de parâmetros aberrantes e impossíveis de aceitar e, ainda, a campanha mediática que tem sido desenvolvida contra os docentes. Como dizia uma professora da Escola EB 2,3 de São Julião da Barra – em Oeiras: “Abateu-se sobre nós e sobre a Escola uma hecatombe”.
Por outro lado, as mobilizações dos professores inscreveram-se num processo – que vinha em crescendo – de mobilização de todos os sectores da população trabalhadora portuguesa, contra a política do governo de Sócrates, uma política que a maioria do povo tinha rejeitado massivamente, derrotando os governos da coligação PSD/PP de Durão Barroso e de Santana Lopes.
Notemos que as primeiras mobilizações de professores – que surgiram como cogumelos, um pouco por toda a parte, com ou sem “movimentos”, com vigílias nas quais os docentes acenavam lenços brancos, para dizer: “Ministra vai embora” – tiveram lugar em Fevereiro de 2008, no seguimento da demissão de Correia de Campos, ministro da Saúde, igualmente contestado por mobilizações que cresciam por toda a parte, contra o enceramento dos serviços de saúde de proximidade.
Carvalho da Silva, em declarações ao semanário Expresso – depois da manifestação de 200 mil trabalhadores, em Outubro de 2007, contra o processo e agravamento do Código do Trabalho – afirmou: “O restolho está mais que seco; uma pequena faúlha… e tudo pode incendiar-se”.
Ele sabia do que falava. Talvez por isso tenha sido “o padrinho” do “Memorando de entendimento” assinado entre a Plataforma sindical dos professores e a ministra da Educação, no mês Março de 2008 e rasgado pelo movimento prático dos professores em Novembro do mesmo ano.

PP – Nesta luta, os professores têm tido apoio concreto de outras classes profissionais – da educação ou não -, dos estudantes e dos pais de alunos? Ou consideram que essa luta se tem limitado, ou que alguém a procura limitar, aos interesses restritos dos professores?

CP – Quem pode apoiar uma luta desta envergadura – uma luta que por várias vezes pôs em causa o Governo – é o movimento sindical organizado. O que faz todo o sentido: por um lado, porque se trata da defesa da Escola Pública, conquista do movimento operário; e, por outro lado, porque a luta dos professores faz parte da luta de conjunto de todos os trabalhadores, em particular os funcionários públicos, que estão a ser alvo do mesmo plano de contra-reformas.
Aliás, a Plataforma sindical dos professores e educadores pediu o aval aos docentes quando estes se reuniram, a 120 mil, no passado dia 8 de Novembro, em Lisboa, para encontrar todos os meios para a organização de uma grande marcha em defesa da Educação, a realizar na capital.
Esta iniciativa foi agarrada por alguns grupos de docentes, em reuniões em Oeiras, Barreiro e Beja, nas quais apelavam para que as direcções das Centrais sindicais (a CGTP e a UGT) assumissem, em unidade, a organização desta iniciativa. Tivemos conhecimento de que alguns sindicatos e Assembleias municipais também tomaram posição pública no mesmo sentido.
A resposta não foi positiva, e o que aconteceu foi que mesmo a Plataforma sindical dos docentes deixou passar o tempo sem cumprir o seu compromisso.

PP – Que saída – profissional e/ou política – pensam que pode haver para esta confrontação com o Governo? Como avaliam as possibilidades actuais de os professores saírem vencedores?

CP – Os responsáveis pela direcção da luta – os dirigentes sindicais – deixaram os docentes entregues a si próprios, escola a escola, quando as suas mobilizações tão fortes pediam, e continuam a pedir, uma ligação aos outros sectores dos trabalha dores. Enquanto isto acontecia, o Governo ganhou tempo, para continuar a pressionar e a intimidar, individualmente, cada docente.
Mesmo assim, a força da razão e da unidade dos docentes, colocou do seu lado, pelo menos formalmente, toda a “Oposição “ ao Governo, e mesmo alguns deputados do Grupo Parlamentar do PS que o suporta. Que consequências não poderia ter tido a “Marcha nacional pela educação”, diante da Assembleia da República? Agora, existe uma situação de impasse. Os professores procuram uma saída que não vêem. Precisam de se reapropriar do seu movimento, de retomar a autoconfiança.
É por isso que os professores ligados à CDEP aprovaram, na reunião da Comissão de luta de professores de Oeiras e Cascais, a proposta de uma Carta aberta dirigida à Plataforma sindical dos docentes, para que esta convoque e organize uma Conferência Nacional em Defesa da Escola Pública e dos seus docentes, proposta foi apresentada e adoptada no Encontro dos professores de Leiria, realizado em 14 de Março.

PP – Nesse Encontro Nacional dos Professores em Luta a CDEP esteve presente?

CP – Sim, a CDEP foi uma das organizações de defesa da Escola Pública que participaram nesse Encontro.

PP – Como avalias a participação dos professores nesse Encontro?

CP – Todos os docentes presentes no Encontro procuravam uma saída para a luta que o seu grupo profissional vem desenvolvendo há mais de dois anos.

PP – Qual foi o núcleo dos debates e as suas conclusões?

CP – O centro do debate foi como poder ajudar a que a mobilização do conjunto dos professores se desenvolva de novo.

PP – Que perspectivas práticas de lá saíram para a vossa luta?

CP – Pela parte da CDEP, queremos salientar o facto dos participantes no Encontro de Leiria terem considerado ser urgente reunir representantes de professores e educadores, militantes de movimentos e de comissões de luta, em conjunto com os responsáveis pelas organizações sindicais, numa Conferência Nacional onde seja centralizada a vontade de luta em defesa das nossas legítimas aspirações e definidos os meios para fazer recuar o Governo na sua ofensiva demolidora e sistemática contra a Escola Pública, a nossa dignidade profissional e os nossos direitos.
Para concretizar isso, o Encontro de Leiria decidiu dirigir-se à “Plataforma sindical dos professores e educadores”, na medida em que esta Plataforma vai organizar uma consulta a todos os docentes, promovendo reuniões – na última semana de Abril – em todas as escolas e agrupamentos de escolas. A perspectiva é que a preparação dessa Conferência Nacional, cuja data é proposta para o decurso do mês de Maio, possa ter como elemento essencial a discussão de propostas de acção e a eleição de delegados nessas reuniões nas escolas e agrupamentos.
Uma tal Conferência Nacional – que tem todas as condições para constituir um passo histórico na vida da Escola Pública e da democracia no nosso país – poderá ser um elemento fundamental para reforçar a unidade dos docentes portugueses com as suas organizações sindicais e movimentos, deliberando em particular sobre as iniciativas capazes de nos unir com todo o movimento social, em defesa da Escola Pública assente nos ideais do 25 de Abril, consignados na Constituição da República e na Lei de Bases do Sistema Educativo. O Encontro de Leiria concluiu: «Pela nossa parte, professores e educadores determinados a não deixar cair os braços, tudo faremos para que uma tal iniciativa possa estar à altura das mobilizações históricas que já soubemos realizar.»
A Carta aberta dirigida à Plataforma sindical dos docentes, propondo-lhe a organização dessa Conferência Nacional, tem estado a recolher assinaturas nas escolas – uma forma de preparar as condições para que os professores retomem o controlo do seu próprio movimento.
Entretanto, os “movimentos de professores” organizadores do Encontro de Leiria já solicitaram uma reunião com a Plataforma sindical dos Professores, em que um dos pontos a tratar será a organização dessa Conferência Nacional.

1 COMENTÁRIO

  1. Pela leitura desta entrevista e de outras mais, assim como, pela existência de publicações como o A Página da Educação, percebe-se que em Portugal há uma organização de base por educação inexistente no Brasil. Aqui, são empresários, governos e igrejas que estão a fundar movimentos sociais pela educação, o que evidencia a ausência dos sindicatos e do professorado em geral, assim como de pais e alunos no que diz respeito à construção de um projeto e/ou discussões próprias sobre a educação.

    A exceção fica por conta do surgimento dos cursinhos populares, tocados por movimentos vários, ongs e etc. e o trabalho educativo que outros movimentos desenvolvem, como o MST, as Posses de Hip-HOP. Entretanto, todos dispersos e sem buscarem a consolidação de um movimento mais amplo.

    A situação chegou a tal patamar que nem das discussões teóricas o professorado toma conta. Sendo uma ONG, a Ação Educativa, a única a enfrentar com qualidade o debate que é tocado pelo governo e pelos empresários, que hegemonizaram hoje a agenda e as publicações.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here