Os professores não podem assistir, impávidos, aos ataques à sua dignidade e à destruição da escola pública e do ensino de qualidade, pilar fundamental de uma democracia e de um País.

Passa Palavra (PP) – Por que lutam os professores portugueses presentemente, e qual foi a evolução dessa luta nos últimos anos?

Ilídio Trindade (IT) – A luta que os professores travam hoje, de forma tão significativa e tão determinada, justifica-se por um conjunto de razões e de um f090403_profsv1contexto ímpar, agudizado pelo confronto do governo com a classe docente e com a escola pública. A verborreia legislativa tentando dar suporte a uma reforma atabalhoada, autista, com tiques ditatoriais e com objectivos meramente economicistas, feriu os professores na sua dignidade pessoal e profissional, especialmente a partir da introdução de um Estatuto da Carreira Docente idiota, gerador de enormes injustiças e causador de desmotivação. Como profissionais responsáveis e conhecedores da realidade das escolas (muito diferente do conforto dos sofás dos gabinetes da 5 de Outubro), os professores perceberam que mais do que uma reforma com sentido de Estado, se tratava de um conjunto de medidas estrategicamente pensadas que visam unicamente destruir a classe, fracturando-a em duas categorias, como foi o caso bizarro, aberrante e injusto do concurso de titulares, e acabar com o ensino público, como claramente está implícito na introdução do novo modelo de gestão encapotado de pseudo-autonomia.

Se a tudo isto acrescentarmos as dificuldades sentidas nas escolas, mercê da transformação da escola em “armazém”, da desautorização dos professores e do crescente desrespeito, os elevados níveis de indisciplina e violência, as frequentes calúnias dos responsáveis políticos, as ameaças e a grande mentira estrategicamente lançada na opinião pública, passando a ideia de que os professores nunca foram avaliados, temos o rastilho de uma luta que, deparando com o afrontamento autista dos responsáveis do Ministério, tem tendência a intensificar-se.

De lutas por direitos e salários condignos e por condições mínimas de trabalho, os professores lutam hoje por coisas mais estruturantes e por uma ideia de escola pública de qualidade. Os professores sabem que não podem assistir, impávidos, aos ataques à sua dignidade e à destruição da escola pública e do ensino de qualidade, pilar fundamental de uma democracia e de um País.

PP – Por que luta o MUP em particular, e porquê e como nasceu a ideia de criar essa associação? Qual a sua implantação e forma de funcionamento? O que a distingue de outras, como a APEDE, o MEP, o PROMOVA ou a CDEP? Qual a sua relação, se é que existe, com estruturas sindicais como a FenProf ou os sindicatos regionais?

IT – O MUP nasceu com o objectivo de criar uma rede de mobilização e unidade entre todos os docentes portugueses (dos diversos níveis de ensino, do pré-escolar ao universitário), sempre que estivesse em causa a sua dignidade pessoal ou profissional, se verificasse manifesto atropelo à sua carreira profissional ou os seus justos e legítimos direitos fossem subvertidos. O seu lema é “MOBILIZAR! UNIR! RESISTIR!”

Uma das particularidades do MUP é ser um movimento independente, apartidário e assindical, que apoia e mobiliza os professores para todas as formas de luta da classe, sejam elas organizadas pelos sindicatos, pelos movimentos ou mesmo provindas de um conjunto de professores.

A principal forma de organização – embora não exclusiva – é virtual (via internet), através de um coordenador que faz a gestão quer do blogue, quer da discussão e troca de opiniões entre os seus membros. Este é um dos aspectos que torna o MUP expedito na tomada de decisões, facto que o distingue de outros movimentos mais formais. Além disso, a base de dados que possui permite que, em segundos, qualquer informação chegue rapidamente à grande maioria dos professores. Daí ter já milhares de membros em sistemática troca de informação, discussão e participação, de Norte a Sul do País. O MUP mantém relações cordiais com todos os movimentos, com quem já organizou acções conjuntas, bem como com as estruturas sindicais, apesar de manter a sua independência crítica relativamente às mesmas.

PP – Que factores foram, a seu ver, decisivos para a espectacular mobilização que já por duas vezes os professores conseguiram para as suas manifestações (em 2007 e 2008)?

IT – Da introdução do novo Estatuto da Carreira Docente emergiu um conjunto de implicações abruptas e negativas para a classe, para a organização escolar e para qualidade de ensino. De repente, os professores sentiram-se vexados e desrespeitados, tendo sido diabolizados e acusados como a única causa do insucesso escolar. Atingidos na sua dignidade pessoal e profissional, e vendo-se defraudados nos investimentos feito ao longo das suas carreiras, seria impossível não agir. Pela primeira vez, os professores viram destruídas as suas expectativas e viram-se confrontados com aberrações e verborreia legislativa quase diária, que, de professores, os transformava em meros funcionários a preencher grelhas e papéis. f090403_profsv6

A par disto, não podemos esquecer de que este “trio maravilha da 5 de Outubro” conseguiu aquilo que nunca nenhum outro conseguiu: unir os professores. E, para isso, muito contribuiu o confronto aberto e o estilo autocrático e ditatorial de toda a equipa ministerial e do governo que a escolheu, tentando incutir na sociedade que os professores eram uma cambada de “professorzecos” malandros, bem pagos, responsáveis por todos os males, que nada faziam e nem queriam ser avaliados. Não é por acaso que, a par das manifestações, assistimos à debandada antecipada de muitos excelentes professores que, mesmo sofrendo fortes penalizações nas reformas, não suportaram o profundo mal-estar instalado.

PP – Nesta luta, os professores têm tido apoio concreto de outras classes profissionais – da educação ou não -, dos estudantes e dos pais de alunos? Ou considera que essa luta se tem limitado, ou que alguém a procura limitar, aos interesses restritos dos professores?

IT – De facto, o “excelente” trabalho de diabolização pública feito pelo governo e pelo Ministério, mediante a utilização sistemática de todos os meios de comunicação social, teve o impacto que pretendiam. No entanto, através de algum esclarecimento público que temos vindo a fazer, da nossa determinação na luta e da progressiva demonstração de que a razão está do nosso lado, os apoios têm vindo a ser cada vez mais diversificados. Na verdade, começam a ser cada vez mais frequentes as manifestações de apoio e de compreensão pelas lutas dos professores. Quando os cidadãos perceberem, de forma isenta e clara, as verdadeiras razões desta luta, vão dar razão aos professores e vão agradecer-lhes. Esperemos que não seja tarde!

PP – Que saída – profissional e/ou política – pensa que pode haver para esta confrontação com o governo? Como avalia as possibilidades actuais de os professores sairem vencedores?

IT – Tendo em conta a forma prepotente e teimosa como o Ministério tem gerido este processo, bem como o patamar a que o levou, julgo que a única saída é “voltar à estaca zero”. A confusão legislativa e as fracturas provocadas no seio da classe e desta no confronto com a equipa ministerial não são facilmente sanáveis enquanto, pelo menos, não for revogado o Estatuto da Carreira Docente e o modelo de avaliação que dele decorre.

f090403_profsv2Os professores não têm pretensão de sair vencedores, pois não querem incorrer naquilo que criticam à ministra: o autismo teimoso. Os professores querem que a escola pública não seja destruída em função de critérios economicistas, pretendem que ela volte a ser o lugar de tranquilidade necessária para o processo de ensino-aprendizagem, espaço de verdadeira aprendizagem e não o “armazém” onde se depositam as crianças para de lá saírem com a escolaridade “estatística”, mas cidadãos acríticos. Os querem ver reposta a sua dignidade profissional e fazer aquilo que sabem e gostam de fazer (e de que o País precisa): ensinar.

PP – Que outros aspectos desta luta, não referidos acima, entende realçar?

IT – Gostaria de realçar, como aspecto inovador, o surgimento de movimentos independentes de professores, que vieram dar um novo sentir e nova dinâmica à luta. A organização destes movimentos vive à custa de muito esforço e determinação de um pequeno grupo de professores e da exploração e recurso a uma ferramenta poderosa, a internet.

Além disso, há que referir que eles nascem de um facto “negativo”, mas revelam um dado extremamente positivo, isto é, surgem para dar resposta ao verdadeiro sentir dos professores, à sua exaustão face a uma série de tropelias e tensões acumuladas, que os sindicatos, infelizmente, não souberam interpretar, mas tornaram-se também numa forma de intervenção cívica pouco comum, mas tão necessária, em Portugal.

6 COMENTÁRIOS

  1. Em absoluto acordo com as palavras do Ilídio Trindade. A entrevista é muito incisiva, abordando os aspectos essenciais.
    Parabéns.

  2. A luta tem de continuar com os pais e os alunos ao nosso lado. Os pais têm de ser informados do que se passa nas escolas. Ou preenchemos papeis para tudo e para nada(ver novo regime de faltas dos alunos), ou “compramos” magalhães, ou repomos programas no magalhães (de borla, pois a empresa vendedora cobra 15 € pelo serviço), ou preparamos e damos aulas.
    Já agora devíamos todos cumprir as 35 horas na escola. Talvez aí se começasse a ver a dimensão do nosso trabalho…

  3. Como é próprio do PS não olhar a meios para atingir os fins, achou que podia arranjar votos, queimando os senhores professores nas fogueiras do Socialista Ofício e impondo a burrice e a divisão na sociedade! Infelizmente, estes desgovernantes sabem muito bem com quem estão a lidar, porque a escumalha adora o que estão a fazer contra os senhores professores! Ninguém duvide de que vai haver muitos votos no S. Zezito de Freeport, em acto de gratidão pelas patifarias que ele está fazer na educação! Viva a burrice, porque é ela que lhes dá votos!

  4. Será verdade?
    Como é que algum professor minimamente consciente poderá votar PS? Atentem nesta aberração: Um professor do 1.º Ciclo poderá aposentar-se com a pensão completa aos 52 anos de idade com 32 de serviço. Outro profesor tb do 1.º Cilco que tenha completado o 12.º Ano e tenha feito 3 anos de magistério, caso pretenda aposentar-se com 52 anos, terá de pagar mais de metade do vencimento. Isto é: um prof.º com o 9.º ano e 2 anos de Magistério terá direito ao dobro da pensão que outro com o 12.º Ano e 3 anos de Magistério. Mas esta gente bate bem da bola?

  5. Notícia de última hora

    Gripe PS já tem cura

    Investigadores portugueses descobriram remédio para o surto de Gripe PS. De acordo com as nossas fontes de informação, a Gripe PS, que já provocou a morte de um número indeterminado de pessoas e provocou o desemprego, a instabilidade profissional, a violência, a pobreza, a escravidão, a corrupção e a ignorância generalizados em Portugal, tem a terapia prevista para dia 27 de Setembro. De acordo com os investigadores, a cura da Gripe PS não necessita de recurso a fármacos nem de internamento hospitalar, só requer que o paciente seja capaz de executar manualmente uma cruz no interior de um quadradinho. Os mesmos investigadores manifestaram, no entanto, grande preocupação com a possibilidade de o surto de gripe continuar a provocar vítimas, dado a doença não ter cura antes do dia 27 de Setembro. Os investigadores recomendam com insistência que todos os pacientes da Gripe PS se submetam ao tratamento, a fim de evitar futuras contaminações.

    Uma notícia a desenvolver em próximos serviços noticiosos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here