No local onde os nazis fizeram uma grande fogueira de livros, em Berlim, em 1933, está hoje um memorial: uma biblioteca para 20.000 livros… completamente vazia.

Por Passa Palavra

“Os que queimam livros acabam queimando homens”
Heinrich Heine, poeta alemão (1797-1856)

Dizem os historiadores que os primeiros livros foram feitos na Suméria, Mesopotâmia (hoje o centro-sul do Iraque), entre 3.000 e 4.000 anos a.C.

Ao longo de cerca de 55 séculos, a humanidade destruiu milhões de livros e documentos, nas suas primeiras formas: tabletas de argila, papiros, pergaminhos (dos babilónios, assírios, egípcios, persas e chineses); depois em papel (inventado na China no início do séc. II e introduzido na Europa pelos árabes no séc. XII), até à forma em que hoje os conhecemos. Foram destruídos em diferentes contextos, por diferentes razões: em guerras, por vontade dos seus autores ou dos seus rivais, por razões morais, religiosas, políticas, ideológicas, raciais, culturais ou… outras.

Em grande parte tirados do livro História universal da destruição dos livros: das tabletas sumérias à guerra do Iraque, que é o resultado de 12 anos de pesquisa de Fernando Baez, autor venezuelano de 36 anos, damos conta de alguns passos dessa destruição através da história, até aos dias de hoje.

Fotocomposição de Emília Duarte

A biblioteca de Ebla, na Síria, foi destruída pelo rei Naram Sin, no séc. XXIII a.C. O faraó Akhnatón (séc. XIV a.C.) mandou queimar milhares de papiros porque falavam de espectros e de espíritos e a biblioteca de Ramsés II (séc. XIII a.C.), em Tebas, desapareceu. Entre os restos da Biblioteca de Assurbanipal (séc. VII a.C), em Ninive, que foi arrasada pela guerra e que é considerada pelos historiadores a biblioteca mais antiga do mundo, os arqueólogos encontraram mais de 20 mil tabletas. O imperador Shih Huang Ti (212 a.C.) mandou edificar a Grande Muralha da China e determinou que fossem queimados todos os livros anteriores a ele. As sucessivas destruições da Biblioteca de Alexandria (fundada no início do séc. III a.C. e com um acervo de cerca de um milhão de livros) sepultaram para sempre a maioria das obras da antiguidade clássica. Papiros com textos de Hesíodo, Platão, Górgias, Safo e muitos outros, foram usados para acender o fogo dos banhos públicos da cidade. Das 800 peças de comédia grega apenas restam algumas obras de Plauto e Menandro. Na Grécia, estima-se que 75% da literatura, filosofia e ciência antiga se perderam. Das 120 obras de Sófocles, só existe a versão integral de sete e muitos fragmentos. Paulo de Tarso (São Paulo), no primeiro século da nossa era, levou os magos de Éfeso a queimarem voluntariamente os seus livros, para que não caíssem nas mãos dos cristãos. Em meados do século IV, em Roma praticamente não havia livros.

No séc. XII, o papa Inocêncio III destruiu a obra de Abelardo. Em 1204, quando a Quarta Cruzada chegou a Constantinopla, milhares de manuscritos foram destroçados e um ataque das tropas turcas, em 1453, destruiu milhares de livros. No século XV, uma guerra civil no Japão acabou com todas as bibliotecas de Kioto. Antes da instituição da Inquisição em Portugal (1536), um alvará de Afonso V, de 1451, ordenava que os livros falsos e heréticos fossem queimados e “non fossem mais achados em os nossos reinos”. Em 1495, Savonarola, em Florença, mandou queimar livros e quadros e, depois, a Igreja queimou todos os seus escritos, sermões, ensaios e panfletos. No séc. XVI, o exército de Carlos V, ao conquistar Roma, destruiu muitas bibliotecas. Sobre a Monarquia, de Dante, foi reduzido a cinzas. Depois de o papa Paulo III restabelecer a Inquisição (cujos princípios básicos remontam a 1184), como órgão oficial da Igreja (1542), Carlos IX, em França, passou a destruir, pelo fogo, livros perigosos. Da primeira edição de As Centúrias, de Nostradamus, só restam dois exemplares. Os colonizadores da América provocaram o desaparecimento de códices pré-hispânicos. No séc. XVIII, em França Os Pensamentos filosóficos, de Diderot, foram incinerados por ordem do Parlamento. Na Revolução Francesa, só em Paris, mais de 8 mil livros foram queimados. Em meados do séc. XIX, quando tomaram o Canadá, os soldados americanos queimaram a Biblioteca Legislativa e, como vingança, os ingleses queimaram a Biblioteca do Congresso Americano. A origem das espécies, de Charles Darwin, teve muitos exemplares queimados. Durante a Comuna de Paris, várias bibliotecas foram destruídas. Já no século XX, a côrte de Westminster, na Inglaterra, decretou a eliminação de todos os exemplares do Satyricon, de Petrónio. O impressor irlandês John Falconer queimou 999 dos mil exemplares da primeira edição de Dublinenses, de James Joyce.O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence, teve a primeira edição inteiramente destruída. Durante a Guerra Civil Espanhola, a Biblioteca Nacional, em Madrid, foi bombardeada. Franco, com um decreto oficial, iniciou um movimento de “depuração” das bibliotecas. Os nazis, na Alemanha, queimaram centenas de milhares de livros.

No local onde os nazis fizeram uma grande fogueira de livros, em Berlim, em 1933, está hoje um memorial: uma biblioteca para 20.000 livros… completamente vazia.

A expansão soviética destruiu muitas bibliotecas. Só em 1944, dezenas delas foram arrasadas em Budapeste (Hungria) e, na Roménia, trezentos mil livros desapareceram. Na Revolução Cultural chinesa, todos os livros considerados ofensivos à consciência do povo eram queimados. No Brasil, Getúlio Vargas mandou queimar 1700 exemplares de Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado e, quando do golpe militar de 1964, na famosa “Fogueira de livros de Florianópolis”, os livros da Livraria Anita Garibaldi foram todos queimados e a primeira edição de A Cidade e os Cães, de Mario Vargas Llosa foi confiscada e totalmente queimada. A acusação de pornografia levou o Departamento de Estado norte-americano a queimar livros do psicanalista Wilhelm Reich. Os Khmers Vermelhos no Camboja, em 1975, destruíram a Biblioteca Nacional de Phnom Penh onde penduraram um letreiro: “Não há livros. O governo do povo triunfou”. No Chile, Pinochet atacou a sede da Editora Quimantú, destroçando milhares de livros. Em 1980, na Argentina, a ditadura destruiu 1,5 milhão de volumes. Os talibãs destruíram em Cabul, capital do Afeganistão, todos os livros contrários à sua fé. No conflito entre judeus e palestinianos, milhares de livros, de ambos os lados, já foram perdidos. Em 1994, quando as tropas russas entraram na Chechénia e arrasaram Grosny foram destruídos dois milhões e setecentos mil livros. Calcula-se que em toda a Chechénia mais de mil bibliotecas e mais de 11 milhões de livros foram dizimados. Em 1997, os bibliotecários da Escola Hertford, no Reino Unido, mandaram destruir 30 mil livros sobre temas homossexuais. Em 1998, na Virgínia Ocidental, um Colectivo de Mulheres queimou livros considerados degradantes para a condição feminina. Em Cuba, em 1999, centenas de livros doados pelo governo espanhol foram destruídos. Recentemente, grupos diversos manifestaram a intenção de destruir a Biblioteca do Congresso americano e a Biblioteca do Vaticano.

Ilustração retirada devido à mensagem seguinte: «Olá, não autorizo o uso da minha foto no seu site de forma gratuita. Se a quiser manter deve pagar os direitos de autor. Cumprimentos, Valter». Se por um lado os livros estão a ser queimados porque não se vendem, por outro as fotografias não são vistas porque não são compradas.

Rimbaud (1854-1891) queimou muitos de seus manuscritos. Franz Kafka (1883-1924), antes de morrer, pediu ao seu amigo Max Brod que queimasse os seus manuscritos. O filósofo romeno Emil Cioran (1911-1995) deixou 34 cadernos de mil páginas com uma indicação: “Destruir”. Século XXI 2001 – A Igreja da Comunidade de Cristo no Novo México (EUA), fez uma “fogueira sagrada” com livros do Harry Potter.

Acerca da biblioteca de Bagdad durante a invasão americana, Donald Rumsfeld respondeu: «Já tivemos saques neste país. Já vimos tumultos em partidas de futebol em vários países do mundo. Próxima pergunta»

2003 – Com a invasão americana, a Biblioteca Nacional de Bagdad foi totalmente destruída. Tabletas de argila dos sumérios, com mais de 5.300 anos, pelas quais comerciantes de arte pagam até 57.000 dólares cada uma, foram roubadas das vitrinas. Um milhão de livros, 10 milhões de documentos e 14.000 artefactos perderam-se. Queimada a sede do Ministério de Assuntos Religiosos, perdeu-se uma colecção de Alcorões, alguns com mais de mil anos.

2007 – A “Happy Ending Foundation”, uma associação de pais britânicos contra livros infantis sem um final feliz organizou “Fogueiras dos Livros Maus”.

2008 – Em Israel, numa acção contra missionários cristãos, judeus ortodoxos incendiaram centenas de cópias do Novo Testamento.

Maio 2009 – O ministro da Cultura do Egipto, Farouk Hosni, candidato a director-geral da Unesco (organização criada para promover a cultura no Mundo), ameaçou queimar todos os livros israelitas que encontrasse. Alegou depois que não era aquilo que pretendia dizer, que foi um uso metafórico, alegórico…

“Fahrenheit 451” – filme de François Truffaut, baseado no romance homónimo de Ray Bradbury.

Junho 2009 – Um panfleto distribuído numa praia do centro de Portugal convidava os jovens para uma festa de fim do ano escolar, organizada por um bar: “Uma noite branca sobre cinzas” – “Traz um livro para queimar & vê o estudo a acabar!!!”.

Julho de 2009 – Tem vindo a aumentar nos últimos meses o número de editoras portuguesas que recorrem à destruição de exemplares dos fundos editoriais como forma de fazerem face à crise. Está em curso a destruição de muitos milhares de livros. Também a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (editora do Estado) ameaça destruir centenas de milhares de livros editados há mais de quatro anos, porque “ocupam um espaço infindo”. Interrogado sobre por que razão não os doavam, Alcides Gama, director comercial da IN-CM, respondeu: “Se as bibliotecas se habituam a receber os livros oferecidos acabam por não os comprar e os livros são feitos para serem vendidos”. Passa Palavra

7 COMENTÁRIOS

  1. Está aí, na crise, mais uma mostra da essência do processo capitalista – a conversão de tudo em mercadoria, a sumbissão da necessidade ao valor, a privação que disso decorre. Ou seja, nada nesse mundo pode ser de graça, nem um pão, nem nada.
    Isso já indica muito bem qual é a primordial tarefa dos movimentos sociais anticapitalistas. Expropriem estes livros!

  2. Me lembrei de dois tópicos aparentemente equívocos de Marx, ou que teriam mudado. Ao pensar sobre a perca de bens culturais e sociais designados genericamente como desenvolvimento das forças produtivas adquiridas, Marx na “Ideologia alemã” e nos “Grundrisse” citava o exemplo dos cartagineses e da técnica do uso da prata no que era a espanha romana, para dar um exemplo da destruição, junto com uma cidade e um povo, das forças produtivas adquiridas (neste etapa inicial do seu pensamento, bem pragmático e simplista) junto o povo destruído pela guerra.
    Deste modo qualquer desenvolvimento poderia ser destruído pela guerra que seria, ao lado do comércio, uma forma de acumulação. No entanto, o comércio, ao expandir para além de um local determinado uma técnica ou um bem cultural, permitiria que este se preservasse.
    Veja que interessante reversão o caso apontado por vocês quando mostram que a lógica do capital pode neutralizar o valor de uso ou a capacidade de produção de bens culturais e sociais, pois em momento de crise, para preservar o valor de troca, destrói-se com muita facilidade o valor de uso. E, no caso, não de qualquer valor de uso, mas um que mantém o desenvolvimento de relações sociais.
    Outra referência é Sloterdjink em “Regras para o parque humano” que diria que a filosofia quando consegue preservar graças à tradução, um acultura mesmo dominada como o caso da cultura grega pela romana, permitiria o primeiro entendimento do texto filosófio como cartas que seriam escrita para um leitor que não se sabe qual é. Este diálogo cresceria, e posteriormente entraria em crise junto com a idéia de criação da comunidade de leitores nacional, o ensino obrigatório, que seria o outro lado do projeto nacional junto ocm o serviço militar obrigatório.
    Estando as instituições nacionais em crise, vemos junto com a crise da educação pública, a crise das organizações militares nacionais e, como vemos agora, do uso deste objeto aparentemente tão simples, o livro.

  3. Olá,

    Não autorizo o uso da minha foto no seu site de forma gratuita.

    Se a quiser manter deve pagar os direitos de autor.

    Cumprimentos,
    Valter

  4. E eu cá fico a me perguntar, qual o valor da arte? Seja livros, fotos…
    Curioso o pedido de $direitos autorais$ para um site que não tem fins comerciais, não possui propagandas, e que logo abaixo esclarece que funciona com Copyleft (livre reprodução para fins não comerciais)
    E os fotógrafos pedem autorização para as coisas que fotografam? Sejam paisagens “mortas” ou “vivas”? Sejam árvores, montanhas ou pessoas?
    Recordo-me de uma manifestação em que fui, umas dessas políticas (pela libertação de algum militante, contra a privatização de algo, pela diminuição do valor do transporte, pelo aumento de direitos, enfim, uma manifestação política em prol de um coletivo)… e me dirigi a um fotógrafo conhecido nestes meios (pois está sempre a clicar em manifestações políticas) pedindo-lhe se poderia repassar uma ou outra foto pois eu pretendia fazer um breve escrito e ajudaria a ilustrar a situação.
    A resposta do fotógrafo-militante (e aí o fotógrafo vai como substantivo e não adjetivo), era que neste caso não poderia, pois ele estava lá a trabalho e, portanto, havia direitos autoriais pelas fotografias, pagas por um grande portal da internet.
    Tentei argumentar que poderia ser as que ele não venderia e que daríamos os créditos pela fotografia mesmo assim (ou usaríamos pseudônimo se ele assim achasse melhor)… não adiantou.
    Numa última tentativa pedi o nome do site, pois, de repente, poderia pegar as fotos que já tivessem sido publicadas e devidamente daria os créditos pelas fotos e local que as pagou… mais uma negativa.
    Curioso que o fotógrafo-militante não tenha pedido a autorização de nenhuma pessoa que lá estava para clicá-las e depois vender seus cliques.
    Enfim, qual a função da arte?

  5. Eu juro que também não consigo entender como que alguém pode vender uma imagem que não é a tua.

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