Abrir uma casa cujos proprietários não usam é um acto modesto. Mas olhem que isto implica organização colectiva, solidariedade dos vizinhos, partilha dos conhecimentos manuais e jurídicos, autodefesa perante a polícia. São gestos de solidariedade. Por La Clinique

Acabaram as férias. Rendas de casa [aluguéis] demasiado caras, ocupantes expulsos durante o verão, fim dos contratos, apartamentos minúsculos ou em mau estado, são muito numerosos os que procuram casa, sem terem dinheiro nem poderem prestar as garantias exigidas.

Há quatro meses, devido a uma decisão de expulsão, tivemos de sair da casa em que habitávamos sem direito nem título legal. Desde então temos vivido por aqui e por ali, como tantos outros o fazem, em casa de amigos que nos arranjavam um canto onde dormir, os nossos haveres [pertences] dispersos por vários lugares. Indagando a pé ou de carro, através de grupos destinados à procura de alojamento, concebendo bons planos entre camaradas, averiguando nos registos − procurávamos casa.

Estamos felizes hoje, ao anunciar que temos uma nova casa.

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Uma casa onde vários podem morar juntos, suficientemente grande para termos convidados, um quintal para cultivar, um abrigo onde é possível dormir, comer, conversar, conspirar, amar, criar, fazer projectos e por aí adiante, tanto tempo quanto pudermos. Uma casa para morar no mundo.

Já nos tínhamos apercebido desta casa, vazia desde há algum tempo. Uma casa fechada, entaipada, morta. Ela pertence a Quartz Properties, uma sociedade imobiliária que é dona da empresa vizinha e de várias dezenas de outros terrenos em Montreuil [nos arredores de Paris], nomeadamente junto aos Murs-à-Pêches, para cuja distribuição contribuiu em grande parte. Quartz Properties pertence ao Proudreed, um fundo de investimentos especializado no imobiliário de empresa. Proudreed possui dezenas de empresas como a Quartz Properties, as quais são, por sua vez, proprietárias de centenas de terrenos e de edifícios em França.

doorOs seus administradores mostram-se satisfeitos: «Apesar do contexto mundial de crise, 2008 foi um ano record para o Proudreed em termos de subida dos rendimentos dos aluguéis, de valor dos patrimónios, de cashflow e de baixa da taxa de não-ocupação», peroram eles na página de abertura do seu site na internet. E ainda: «A única maneira de ser seguido é correr mais depressa do que os outros». Triunfalismo cínico e sem complexos da ideologia liberal.

Mas o individualismo não reina em todo o lado. As práticas de ajuda mútua e de solidariedade nunca deixaram de existir, e muito menos agora, quando é organizada a precarização de todos, sob o pretexto de uma crise histórica.

A ajuda mútua são grandes e pequenas coisas, um desejo de comunidade que existe no quotidiano. É o meu vizinho que me empresta o automóvel e uma ilha em greve que consegue abastecer-se enquanto bloqueia os fluxos. É juntar-se para cuidar das crianças quando não há mais lugar nas creches e é albergar um homem sem documentos, perseguido pela polícia. São operários que param o trabalho para apoiar os seus colegas despedidos [demitidos] e moradores que fabricam pão para todo o bairro. É juntar-se para se defender das instituições de controlo social ou fazer uma grande manifestação contra a ocupação da rua pela polícia.

Abrir uma casa cujos proprietários não usam é um acto simples, modesto. Mas olhem o que isto implica: organização colectiva, solidariedade dos vizinhos, partilha dos conhecimentos manuais e jurídicos, autodefesa perante a polícia. São gestos de solidariedade, rompendo com aquelas lógicas de gestão que isolam, circunscrevem, esmagam. É prestar atenção ao que há em comum, cansativo por vezes, mas sempre vital. Por isso continuamos…

Até breve, na rua, aqui ou noutro lado.

Nota explicativa

Quando dissemos que tínhamos sido expulsos de uma casa, tratava-se de outra ocupação em Montreuil, cujos habitantes foram expulsos por decisão de Junho de 2009, e não de La Clinique. Mas as pessoas que participavam nessa nova ocupação faziam parte do colectivo de La Clinique.

A casa agora ocupada servirá para habitação e não será um local público, como era La Clinique. Porém, ao divulgarmos publicamente a ocupação pretendemos afirmar que se trata de uma resposta aos tiros de 8 de Julho de 2009 e de uma continuação das acções realizadas em La Clinique.

http://laclinique.over-blog.net/

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