Há quem siga lutando e tentando se fazer ouvir para conquistar o que lhes é devido, mesmo num contexto em que estão sós na luta contra um notório déspota que tem lucrado com o conflito interno que divide os movimentos dos estudantes, professores e funcionários. Por Pedro Sérgio

A Reitoria de São Paulo tenta isolar o movimento grevista dos funcionários de dois modos: primeiro, disputando a opinião interna dos docentes e estudantes, criando uma imagem de conciliação pelo diálogo, o que, para ela, resume-se ao contato imediato para ouvi-los, sem interlocução ou resposta; afinal, o movimento grevista não está interessado em ouvir “causos” e generalidades, mas em saber a resposta ou contraproposta daquilo que até hoje se deve: a reposição salarial, o cumprimento de acordos de reposição com gestões anteriores e o fim das perseguições aos ativistas do movimento grevista. Neste sentido, a resposta da parte da Reitoria foi clara: corte de pontos − algo proibido pela constituição −, ameaça e intimidação, além da quebra de isonomia.

Empurra-empurra político da USP: primeiro, professores contra funcionários

usp-2A quebra da isonomia diz respeito à tentativa do reitor de quebrar a aliança entre estudantes, funcionários e docentes em movimentos de greve. Preventivamente, isto é, antes de manifestações e oposições dos docentes, atendeu-se apenas a uma parte dos funcionários, os docentes, para evitar que eles entrassem em greve. Primeiro, atendeu-se a um pedido através da representação sindical – algo que não era sequer mencionado no sindicato e nas assembléias – um vale alimentação que, até então, era exclusividade dos funcionários, pois servia de “remendo” para categorias a que um aumento percentual não ajudava a custear a alimentação, ou seja, àqueles funcionários que ganham em torno de R$1000,00 em turno de 8 horas, em geral em trabalhos braçais. Este valor nominal, agora atribuído aos professores, soma-se ao aumento e silencia a base dos docentes, menos politizada em relação aos docentes mais engajados. De onde ecoa a sentença: afinal, porquê entrar em manifestações e greves sem uma necessidade material?

Da parte dos funcionários, tais aumentos são conquistados com duras lutas, em épocas quase cíclicas, pois é quando se sabe se a arrecadação do Estado dotará a Universidade com uma verba capaz de sustentar, além da manutenção das atividades de docência e pesquisa, um aumento que compense anteriores defasagens e quebras de acordos de ajuste. Tal quebra de ajustes permite somente o aumento de salário por indicações nominais, os tais planos de carreira que permitem a chamada ascensão vertical ou individual na carreira, atribuída pelos chefes que podem estar mancomunados em maior ou menor grau com os escalões ligados às diretorias de unidades, em geral francamente anti-sindicais e próximos à reitoria. Estes, por sua vez, buscam a ascensão como burocratas próximos às reitorias.

Esta ascensão entre favores de professores mais poderosos na gestão universitária estratifica os professores também entre eles, entre os que não apenas recebem mais, mas que possuem também poder político institucional, os Titulares, o que os obriga a uma aproximação aos mecanismos de cooptação do poder vigente. O sindicato é muitas vezes obrigado a se contrapor aos funcionários que conseguem ascender na hierarquia de poder, concentrando informações e tráfico de influências na administração da universidade.

É a existência, por sua vez, destes funcionários com mais poder do que muitos professores que gera um certo “mal estar” em professores que sentem-se injustiçados diante de funcionários que ganham mais que professores. No entanto, é notório que, por dependerem destes mesmos funcionários na administração e nas formas de poder interno da universidade, acabam por externalizar esta frustração atacando os funcionários em geral e o sindicato que os defende por igual. Ora, justamente o tipo de embate que travam horizontalmente é que permitiria algo contra tal hierarquização individual na burocracia universitária.

usp-3Atacando os funcionários em geral, se aproximam dos mecanismos de cooptação de professores e funcionários de alto escalão, que dominam e manipulam as regras de administração e produção de pontos e indicativos de excelência, dos quais, por sua vez dependem para subirem na hierarquia ou mesmo conseguirem financiamento de atividades de pesquisa, eventos e atividades acadêmicas. Como se, para aquilo que, a princípio, seria a função da universidade, fosse necessário pagar o tributo de referência a toda uma hierarquia de poder entre um professor, ou mesmo um funcionário que o ajude nesta tarefa, e a administração central da universidade, não importa qual seja a criatura que ocupe o posto de reitor.

Deste modo, mesmo que, a princípio, se posicionassem contra estes poucos funcionários de altos salários e poder − e, portanto, contra quem operacionaliza a centralização deste sistema de comando criado por professores nos colegiados como o Conselho Universitário (chamado C.O., para não lembrar a parte do corpo que lhe é análoga funcionalmente) − muitos professores, mesmo pouco politizados, rompiam este conflito durante as campanhas salariais, ao se associarem às entidades representativas e instâncias de decisão que os representavam horizontalmente. Estes professores uniam-se ao grosso dos participantes por uma necessidade muito mais material que política, acabando por eclodir muitas vezes uma politização ao longo do processo, relembrando pautas históricas da universidade. Como se houvesse um constante reaprendizado político nestas campanhas.

O quebra-cabeça estudantil

Quanto aos estudantes, acontece algo semelhante, isto é, há um conflito entre as forças que compõem o movimento estudantil hoje. Existem estudantes francamente de direita, que são contra a participação política e que disputam uma imagem da USP que se identifique ao seu conservadorismo francamente antiliberal; outros estudantes desejam a não-participação e o não-envolvimento em atividades políticas, mesmo que tenham posições políticas íntimas as mais diversas, ao repelir um desgastado slogan de culpabilização e implicação que não mais os atinge; e há estudantes de esquerda, ligados à representação estudantil, mas que, desejando representar os estudantes da USP em geral, tentam manter entre os estudantes ativistas e os imobilistas uma perigosa ambiguidade, que acaba por não convencer a nenhum dos lados; e há, por fim, os estudantes ativistas.

Os estudantes ativistas se ligam em causas espontâneas, mas a atividade constante os divide, como, por exemplo, a dificuldade em chamar e conduzir assembléias. Aparentemente refletindo uma crise geral da esquerda radical do país, há um franco momento de denúncia mútua, visando do menor para o menor. Disputam militantes dos grupos uns dos outros, sem qualquer quadro mínimo de acordo quanto a temas concretos e num limite numérico onde nenhum destes grupos específicos cresce para poder se disputar. Logo, atacam-se com slogans que todos já sabem e repelem a participação de estudantes que poderiam ir até os espaços deliberativos para outros fins e cujo descontentamento, muitas vezes tem sido capitalizado politicamente pela direita estudantil.

Rodas

Frente a isto, o que parece novo da parte da Reitoria é ter conseguido conduzir uma política de gestão dos conflitos a seu favor, apesar de seguidas derrotas políticas, seja contra a restrita burocracia política acadêmica que não a elegeu, ou mesmo dentro de sua unidade, uma das mais conservadoras da USP: a Faculdade de Direito − pois, aparentemente, sua proposta chocaria com a burocracia institucional uspiana por propor temas que provavelmente destruiriam o próprio lugar onde se inserem, e não para melhor, como tem se refletido em suas seguidas declarações.

Como, aparentemente, os únicos quadros burocráticos com quem Rodas tem contado são justamente aqueles que ele colocou em pró-reitorias e outras unidades, além de cooptações localizadas como professores da FFLCH, este tem seguidamente atacado a USP como um todo nos meios de comunicação externos.

usp-4Como faz parte de uma estratégia de mobilização e ação direta disputar a opinião pública tornando-se visível através de atos e manifestações, num momento em que tenta aniquilar os manifestantes ou deixá-los às mínguas, Rodas também vai buscar a comunidade externa, disputando a opinião pública sobre a USP. Ele tenta reverter essa opinião pública, pois se a população, mesmo a classe média de direita, acha que a USP é uma instituição de qualidade e que parte de seus quadros e de sua formação é parte do patrimônio intelectual paulista, o reitor teria notado que justamente isto o impede de realizar modificações em alguns lugares que tem desejado fazer.

Para conseguir modificar esta situação, ele mesmo tem atuado contra a imagem da USP nos meios de comunicação, dando mostras de certa falta de tato, mas tentando atingir o essencial. Deste modo, teria dito numa entrevista a uma rádio que “a USP está tão violenta quanto o morro carioca, quase um Haiti”, o que é difícil notar no infelizmente pacato jardim aprazível do Butantã, indicando o desejo de intervenção contra a USP. Ora, a consideração que a população paulista possuía, com tudo de ruim que este sentimento contivesse, fazia com que se solidarizasse pela USP e sua “tradição”. Tentando fazer ruir isto, Rodas tenta abrir caminho para uma reconstrução da Universidade onde haveria espaço para a privatização de modo velado (como o chamado ao mecenato na Folha de São Paulo de 10 de junho), venda de salas de aulas para propaganda de escritórios de Direito, abstraindo neste processo a biblioteca, a contratação de professores para repor aposentados em unidades que não interessem e outras medidas de precarização.

Para realizar estas medidas, como não conseguiu espaço interno nem apoio, Rodas parece ter ameaçado apelar para o uso da força que lhe é característico e contar com o desgaste dos movimentos num momento em que os divide para conquistar e intimidar. Até agora tem conseguido isto, menos contra aqueles que não têm nada que perder, ou seja, os funcionários aos quais até cortou os seus salários de quase 30 dias parados, salários já baixos como os dos funcionários da USP não alinhados com o poder burocrático, junto a um dos poucos sindicatos combativos que não se rende e que segue lutando e abrindo caminhos, mesmo quando o portão lhe é trancado.

Estes ainda seguem lutando e tentando se fazer ouvir para conquistar o que lhes é devido, mesmo num contexto em que estão sós na luta contra um notório déspota que tem lucrado com o conflito interno que divide os movimentos dos estudantes, professores e funcionários. Falta saber se este descompasso seguirá de modo tão gritante, mesmo com tantas afrontas e sabendo que aparentemente o que tem sido feito por este reitor visa alterações futuras como a implementação do ensino à distância e tantas outras medidas de precarização e destruição do pouco de público que ainda resta na USP. Estranhamente, contra isto ergue-se uma oposição apenas nas pautas dos funcionários que ocuparam a Reitoria e seguem radicalizando sua luta, apesar de todas as intimidações.

Fotografias de Fernanda Nogueira e Juliana Cardilli.

2 COMENTÁRIOS

  1. O texto em seu conjunto coloca as peças certas no tabuleiros da análise, mas retira algumas conclusões estranhas.
    Uma greve é uma crise no funcionamento politicamente provocada por razões, em primeiro lugar, de necessidade material. A indignação tem de ser voltada contra o reitor por dividir o movimento, mas me parece inocência ansiar por uma atuação dos professores num momento no qual eles estão confortáveis.

  2. Sobre os professores: os professores da geração mais antiga tinham maior mobilização em greves. Tenho percebido que os professores da geração mais jovem estão muito mais preocupados em participar de oitocentos congressos e publicações e ter quinze orientandos de uma só vez, do que lutar por melhores condições de trabalho. Geração alienada!

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