Por Paul Hampton

A revolução iraniana de 1978-79 foi um dos acontecimentos mais importantes do séc. XX, rico de ensinamentos para os trabalhadores socialistas. É uma história de luta de classes, de emancipação das mulheres e de despertar de minorias nacionais. Os trabalhadores iranianos foram a força decisiva que esteve por trás do derrube do odiado regime de Mohammed Reza Shah. Todavia este movimento foi esmagado pela teocracia que tomou o lugar da monarquia. O Estado islâmico dirigido pelos sacerdotes foi uma catástrofe para os trabalhadores, para as mulheres e para os oprimidos em geral. Os acontecimentos tiveram enormes repercussões em toda a política do Médio-Oriente e do mundo. Paul Hampton conta a história neste artigo em quatro partes. WorkersLiberty.org

O Xá Mohammed Reza tornou-se senhor do Irão [Irã] depois de o seu pai (o Xá Reza, que fundou a dinastia Pahlavi em 1921) ter sido forçado a abdicar pelos Aliados em 1941. Depois também ele foi marginalizado, em 1952, pelos nacionalistas liderados por Mossadeg. Em 1953, com o apoio da CIA, a ditadura do Xá foi restaurada por um golpe militar.

Apoiado nas reservas de petróleo e na repressão, o Xá deu algumas ajudas do Estado ao desenvolvimento industrial e à reforma agrícola, com consequências económicas rápidas e importantes. Entre 1950 e 1978, segundo números da OCDE, o PIB aumentou nove vezes enquanto o PIB per capita quadruplicava.

Em 1962 os trabalhadores industriais representavam apenas cerca de 20% da força de trabalho total. Em 1977, 33% da força de trabalho estava na indústria. Em 1977, cerca de 50% da população economicamente activa (isto é, quase 9 milhões) eram trabalhadores assalariados. A maior parte era assalariada em actividades industriais (2,38 milhões), como as manufacturas, a mineração, a construção, os bens de consumo, os transportes e as comunicações. No entanto muitos trabalhadores eram migrantes que ainda mantinham fortes laços rurais (Bayat, Workers and Revolution in Iran). Como explicou o historiador Ervand Abrahamian: “O Xá Reza deu azo ao surgimento de uma classe trabalhadora moderna; o Xá Muhammad alimentou o seu crescimento para fazer dela a maior classe do Irão contemporâneo” (in Iran between two revolutions).

O Xá Reza e a rainha recebem a corte.

Este período de rápido desenvolvimento do capitalismo (conhecido como a “Revolução Branca”) teve outros efeitos. O governo do Xá foi marcado pelos métodos selvagens da SAVAK – a polícia secreta – em que se generalizaram as torturas e os assassinatos encomendados pelo Estado. Tanto a oposição, como o parlamento burguês e os sindicatos foram proibidos; só era legal o partido do Xá, Partido do Ressurgimento Nacional. As políticas do Xá levaram os camponeses a deixarem as suas terras pelos bairros de lata [favelas] das cidades, esmagaram o comércio da classe média e desafiaram o bem implantado clero.

O golpe de 1953 pôs termo ao processo de sindicalização e uma lei trabalhista de 1959 interditava a auto-organização dos trabalhadores. O Xá também criou sindicatos oficiais dirigidos pela SAVAK. Segundo Assef Bayat, quando o Estado criou a Organização dos Trabalhadores Iranianos, em 1976, havia 845 sindicatos oficiais e 20 sindicatos livres com 3 milhões de filiados.

Em meados dos anos 1970, a seguir a um breve aumento dos preços do petróleo, a economia começou a vacilar. Gente de todas as classes começou a desafiar o Xá e tornou-se claro que o seu poder estava ameaçado.

A oposição

O Xá foi incapaz de criar uma base social adequada de apoio ao seu regime. De facto teve contra ele uma série de opositores. Em primeiro lugar a classe trabalhadora, da qual um terço estava concentrada em grandes fábricas e nas maiores cidades, em particular Teerão. Mas os trabalhadores estavam politicamente atomizados, sem representação independente, e só se conseguiam organizar clandestinamente em empresas isoladas.

Soldados com máscara de gás confrontam-se com estudantes revoltosos nos portões da Universidade de Teerão (1978).
Soldados com máscara de gás confrontam-se com estudantes revoltosos nos portões da Universidade de Teerão (1978).

Em segundo lugar as minorias nacionais. Curdos, azeris, árabes, baluches, cashquaias e turcomanos constituíam pelo menos um terço da população do Irão e viviam sobretudo nos campos. Eram regularmente reprimidos pelo regime e era-lhes negado qualquer direito nacional, linguístico ou cultural. Houve uma rebelião armada no Curdistão iraniano entre 1967 e 1969.

Em terceiro lugar, a minoria de muçulmanos sunitas, assim como os judeus, os zoroastrianos e os bahais, que foram alvo de perseguições religiosas.

Em quarto lugar, houve também sectores da burguesia, estudantes e intelectuais da classe média que se opuseram ao regime. Uns eram membros da Frente Nacional, o partido de Mossadeg. Outros eram membros do Movimento de Libertação do Irão, fundado em 1961.

Outros ainda tomaram parte nos movimentos esquerdistas de guerrilha, a partir dos anos 1960. Destes, o grupo mais notável era a Organização das Guerrilhas Fedaiyin do Povo Iraniano, conhecidos como “os fedaiyins”, resultado da fusão de anteriores organizações de guerrilha, e que começou a fazer ataques militares contra instalações e contra personalidades do regime em 1971.

A Organização Popular Iraniana Mujahedin (Marxista-Leninista), conhecida como “os mujahedins marxistas”, nasceu de uma organização muçulmana com o mesmo nome. O Partido Tudeh (Comunista) tinha pouca presença organizada no Irão durante a maior parte dos anos 1970, aparentemente só com um ramo organizado a funcionar antes de 1979 (Maziar Behrooz, Rebels with a cause).

Socorrendo um manifestante ferido, Outono de 1978.
Socorrendo um manifestante ferido, Outono de 1978.

Todas estas organizações eram fortemente influenciadas pelo estalinismo, seja por certos Estados como a Rússia, a China e a Albânia, seja pelas suas teorias da revolução em dois estádios [estágios], dependência, “anti-imperialismo”, etc.

Por fim, o grupo mais visível de oposição ao Xá eram os mulás [líderes e eruditos religiosos] e o bazar [comerciantes dos mercados]. Tanto os religiosos como o bazar tinham sido prejudicados com o desenvolvimento capitalista. A reforma agrícola do Xá reduziu os rendimentos das mesquitas e as reformas educativas enfraqueceram a sua influência nas escolas.

A figura proeminente e força motora dos mulás era o aiatola Khomeini. Expatriado pelo Xá em 1963, Khomeini passou a maior parte dos 15 anos seguintes em Najaf (Iraque) onde desenvolveu as suas ideias de um regime teocrático. Foram as suas hostes que conduziram o processo de derrube do Xá e por fim foi ele que o substituiu.

O derrube do Xá

A maior parte dos relatos do derrube do Xá enfatizam o papel dos intelectuais e do clero na corrosão do seu regime. Mas a força social que transformou a oposição deles numa ameaça real foi a classe trabalhadora iraniana.

Em Junho de 1977 a polícia foi enviada para arrasar favelas [bairros de lata] no sul de Teerão. Milhares de pobres urbanos confrontaram-se com a polícia durante semanas, recusando-se a deixá-los executar a destruição. Em 27 de Agosto de 1977, 50.000 manifestantes varreram os bulldozers e a polícia das suas ruas, forçando o regime a desistir do plano. Desde 1950, este foi o primeiro protesto de massas contra o Xá que saiu vitorioso e que mostrou que o regime podia ser derrotado.

Manifestação contra o Xá em Teerão, com a tropa por perto para controlar a multidão, 1978.
Manifestação contra o Xá em Teerão, com a tropa por perto para controlar a multidão, 1978.

Depois de anos de paz [social] na indústria, os trabalhadores das fábricas modernas começaram a exprimir as suas reivindicações. Em Julho de 1977, trabalhadores pegaram fogo à fábrica da General Motors em Teerão. Durante os três meses seguintes houve mais de 100 incêndios nessa que era uma das maiores empresas do país.

A oposição intelectual e religiosa tornou-se mais reivindicativa. Em Novembro de 1977, escritores, advogados e poetas começaram a fazer leituras públicas. No mês seguinte a oposição religiosa começou a crescer. Começou com um apelo do aiatola Khomeini ao derrube do Xá em Dezembro de 1977.

Khomeini conseguiu criar uma rede de sacerdotes dentro do Irão para manter viva a sua mensagem – por exemplo através de cassetes gravadas e espalhados pelo país. E, com consequências futuras, desenvolveu as suas ideias quanto ao tipo de Estado que queria para substituir o Xá.

As manifestações religiosas começaram na cidade santa de Qom em Dezembro de 1977. Foram mortos manifestantes e Khomeini apelou a um luto de 40 dias, ao qual se seguiria uma nova manifestação, e assim se desencadeou um ciclo de protestos em que cada repressão se tornava motivo para manifestar de novo. Estes protestos de inspiração religiosa, que mobilizavam a pequena burguesia do bazar e o lumpenproletariado, prosseguiu pela Primavera e Verão de 1978.

Como refere Ramy Nima, “os motins de Outubro de 1977 até Junho de 1978 raramente tinham a participação da classe trabalhadora industrial, dos pobres das cidades ou dos recém-recrutados trabalhadores ‘migrantes’; e apenas sete greves importantes são mencionadas durante este período” (in The Wrath of Allah).

A classe trabalhadora industrial movimenta-se

Foi então que a classe trabalhadora industrial se impôs – se bem que mais motivada pelos seus interesses económicos próprios do que por objectivos políticos e sociais mais gerais.

Os trabalhadores do petróleo entraram em greve nos finais de 1978.
Os trabalhadores do petróleo entraram em greve nos finais de 1978.

Em Março de 1978 os trabalhadores da fábrica Azmayesh, em Teerão, entraram em greve contra os despedimentos [demissões]. Nesse mesmo mês, seiscentos jardineiros empregados na indústria petrolífera pararam o trabalho exigindo aumento de salário. Em Abril, 2.000 trabalhadores da indústria de tijolos de Tabriz vieram para a rua (Bayat).

Como refere Nima: “A meio do Verão a situação tinha mudado drasticamente; o número de greves aumentou rapidamente à medida que a crise económica se agravava, os salários reais caíam e o número de desempregados crescia. Quando a campanha do regime contra os altos salários e a baixa produtividade começou a fazer efeito, a classe trabalhadora entrou na arena da luta.

“A primeira onda de greves, em Junho de 1978, ainda se limitava a reivindicações económicas, em particular os prémios, as horas extraordinárias e os salários… Os trabalhadores da água e algumas unidades industriais de Teerão também pararam o trabalho. Entre Julho e Setembro, as greves multiplicaram-se. Em Abadan, no princípio de Julho, 600 trabalhadores do saneamento entraram em greve, exigindo 20% de aumentos salariais, prémios anuais e um sistema de seguro de saúde. Nos finais desse mês, cerca de 1.500 operários têxteis de Behshar fizeram greve por salários; questionavam o papel e a natureza dos sindicatos oficiais do Estado e exigiam eleições livres para os delegados sindicais.

“Em Agosto ocorreu um grande número de greves em Tabriz, a mais importante das quais foi a dos cerca de 2.000 trabalhadores da principal fábrica de máquinas-ferramenta. Os grevistas foram para a rua durante duas semanas exigindo salários mais altos, prémios anuais, assim como melhor habitação e condições sociais. Em Setembro, os trabalhadores desencadearam várias grandes greves em Teerão, nas províncias de Fars e Khuzestan, em especial na cidade de Ahwaz; fábricas de montagem de automóveis, fábricas de máquinas-ferramenta, fábricas de papel, todas se tornaram cenário de lutas.”

As mobilizações religiosas e as lutas nas indústrias começaram a abalar o regime. A resposta do Xá foi aumentar a repressão. Declarou a lei marcial e deu ordens às tropas para atacarem a manifestação de 8 de Setembro de 1978, conhecida como “Sexta-feira Negra”, em que milhares de manifestantes foram mortos.

A classe trabalhadora intervém politicamente

A resposta dos trabalhadores foi passar à acção na indústria, não só pelos seus interesses imediatos mas também com reivindicações sociais e políticas. Nima, mais uma vez, descreve os acontecimentos com bastante realismo:

Numa parede em Teerão, 1978: "Os reis são a desgraça da história. Tu és o mais desgraçado dos reis. Morte ao imperialismo".
Numa parede em Teerão, 1978: “Os reis são a desgraça da história. Tu és o mais desgraçado dos reis. Morte ao imperialismo”.

“[Em 9 de Setembro] cerca de 700 trabalhadores da refinaria de petróleo de Teerão entraram em greve, não como anteriormente, só por melhores salários, mas em protesto contra a imposição da lei marcial e o massacre da Praça Jaleh. Dois dias depois, a 11 de Setembro, a greve estendia-se às refinarias de Isfahan, Abadab, Tabriz e Shiraz. A 12 de Setembro, 4.000 tipógrafos e outro pessoal dos dois maiores jornais de Teerão saíram à rua protestando contra a renovação da censura ordenada pelo general Oveissi, governador militar. Em 13 de Setembro, trabalhadores das cimenteiras de Teerão entraram em greve exigindo melhores salários, liberdade para todos os presos políticos e o fim da lei marcial. A onda de greves chegou à maior parte das vilas e cidades: trabalhadores do cimento em Behbahan, motoristas de autocarros [ônibus] em Kermanshah, trabalhadores da fábrica de tabacos de Gorgan, professores, bancários, e até trabalhadores de alguns hotéis de luxo (incluindo, por exemplo, o Teheran Hilton).”

Assef Bayat, autor do livro mais detalhado em inglês acerca do papel dos trabalhadores no Irão durante este período, escreveu que, “segundo os dados disponíveis, nas greves registadas (menos do que as realmente acontecidas) pelo menos cerca de 35.000 trabalhadores de diferentes fábricas pararam o trabalho em Setembro, avançando com reivindicações económicas e políticas, organizando manifestações e publicando resoluções”.

Mas em Outubro a situação alterou-se. Diz Bayat: “Quando 40.000 operários do petróleo, 40.000 operários metalúrgicos e 30.000 trabalhadores dos caminhos de ferro pousaram as ferramentas no espaço de três semanas, o dinamismo do processo revolucionário mudou drasticamente”.

Bayat cita notícias da altura do jornal liberal Ayandegan:

“Só no dia 6 de Outubro, entraram em greve os trabalhadores dos caminhos de ferro de Zahedan, mais 40.000 trabalhadores da metalurgia de Isfahan, das minas de cobre de Sar Cheshmeh e Rafsanjan, da petroquímica de Abadan, dos correios de Isfahan e de todos os ramos do Banco de Shahriar. No dia seguinte, o mesmo: juntaram-se ao movimento todas as refinarias, os Royal Air Services, a fábrica Iranit em Ray, os funcionários da alfândega de Jolfa, o Departamento dos Assuntos de Navegação e Portuários em Bandar Shahpour, a Tractor Sazi em Tabriz, a rádio e as televisões de Rezayeh, 80 unidades industriais de Isfahan, uma siderurgia em Bafgh, funcionários judiciais por todo o país e funcionários das Finanças de Maragheh. No dia seguinte, foi a vez da fábrica Zamyad em Teerão, da General Motors, da Organização do Plano e do Orçamento e dos ferroviários de Zahedan (de novo). No dia a seguir (11 de Outubro de 1978) os maiores jornais diários entraram em greve. A fábrica Canada Dry, os portos e estaleiros de Khorramshahr, a fábrica Iran Kaveh, as zonas de pesca de Bandar Pahlavi, a fábrica Minoo, a Vian Shre, a Gher Ghere-i Ziba, todos os trabalhadores da província de Gilan, 2.000 tijoleiros de Tabriz, operários do petróleo de Abadan e Ahwaz, da fábrica de tubos e na Machin Sazi em Saveh, 40.000 trabalhadores do Behshar Industrial Group por todo o país, motoristas de autocarros [ônibus] de Rezay, trabalhadores das comunicações de Kermashah – todos estes se juntaram à greve numa rápida sucessão”.

As greves mais importantes em Outubro foram as da indústria do petróleo, que foram organizadas por comités de greve militantes. Nima descreveu como “os trabalhadores do petróleo no Khuzistan elegeram um comité de greve para organizar a greve e ligá-la às lutas dos trabalhadores nos campos petrolíferos, nas refinarias e na administração. As suas exigências políticas, formuladas a 29 de Outubro, incluíam a abolição da lei marcial, a libertação dos presos políticos e a dissolução da SAVAK. A produção de petróleo parou totalmente. No importante terminal de petróleo da ilha Kharg, estivadores e outros empregados tinham-se juntado à greve, impedindo qualquer carregamento de petróleo para fora da ilha.

Houve tentativas infrutíferas para pôr fim à greve e finalmente o exército foi utilizado para forçar os trabalhadores a voltarem ao trabalho.”

O PROGRAMA DOS TRABALHADORES DO PETRÓLEO
Em 29 de Outubro, os trabalhadores do petróleo em Ahwaz formularam um amplo leque de reivindicações:
1. Fim da lei marcial.
2. Total solidariedade e cooperação com os professores em greve em Ahwaz.
3. Libertação incondicional dos presos políticos.
4. Nacionalização da indústria petrolífera.
5. Todas as comunicações em língua persa [parse].
6. Expulsão do país de todos os trabalhadores estrangeiros.
7. Fim da discriminação contra as mulheres, enquanto empregadas e operárias.
8. Implementação de uma lei para resolver o problema da habitação dos operários e empregados do petróleo.
9. Apoio às reivindicações dos trabalhadores da produção, incluindo a dissolução da SAVAK.
10. Punição dos ministros e altos funcionários corruptos.
11. Redução dos turnos das tripulações das plataformas petrolíferas offshore.

Mariam Poya descreveu alguns aspectos notáveis destas lutas. Os trabalhadores das alfândegas deixaram entrar os medicamentos, os alimentos para crianças e o papel. Os trabalhadores dos tabacos manifestaram-se contra a importação de produtos estadunidenses. Os mineiros do carvão entraram em greve por solidariedade com os professores e os estudantes.

“Não passavam muitos dias sem que um novo sector do mundo do trabalho entrasse por sua vez em greve, ou se juntasse às manifestações e protestos de rua. Todas as noites, durante uma hora, os trabalhadores das comunicações cortavam as emissões da propaganda das rádios e televisões do regime. Os ferroviários recusaram-se a deixar os oficiais da polícia e do exército a viajarem nos combóios. Os trabalhadores da energia atómica entraram em greve, declarando que a sua indústria havia sido imposta ao Irão pelas grandes potências mais interessadas na guerra nuclear do que numa indústria criativa. O complexo siderúrgico construído pelos russos foi completamente fechado. Praticamente todos os estabelecimentos industriais foram fechados, com excepção do gás, dos telefones e da electricidade: nestes casos, os trabalhadores explicaram que continuavam a trabalhar para servir o público, mas que apoiavam as greves e as manifestações para derrubar o regime. Os estivadores e os marinheiros só descarregavam alimentos, material médico e o papel que era preciso para a actividade política.” (“Iran 1979”, in Colin Barker ed, Revolutionary Rehearsals).

Trabalhadores do petróleo ocupam o centro da cena

A greve dos trabalhadores do petróleo tinha um significado especial, dada a sua posição estratégica na economia. A greve de Outubro durou 33 dias e paralisou a economia.

Depois de um encontro do comité de greve com o presidente da Companhia Nacional de Petróleo Iraniana, os trabalhadores contaram que ele iria “tomar em consideração as reivindicações económicas, mas que as outras estavam fora da sua esfera de acção”. A resposta deles foi: “Dissemos-lhe que não faríamos qualquer distinção entre as nossas reivindicações económicas e as não-económicas. Dissemos-lhe que temos um só caderno de reivindicações” (Nore in Nore e Turner, Oil and Class Struggle).

Depois de as exigências políticas terem sido apresentadas e de as negociações com o governo terem falhado, 1.700 delegados de diferentes empresas presidiram a uma concentração de massas da refinaria de Abadan, à frente das tropas, decidindo permanecer toda a noite nas instalações da administração. Foram atacados com tanques (Bayat).

O Xá respondeu enviando o exército. Mas os trabalhadores não vergaram. Em 4 de Dezembro desencadearam uma greve total, cessando completamente a produção.

O povo arma-se com armas dos quartéis conquistados em Teerão, um ou dois dias antes de queda da monarquia, Fevereiro de 1979.
O povo arma-se com armas dos quartéis conquistados em Teerão, um ou dois dias antes de queda da monarquia, Fevereiro de 1979.

Por todo o Irão, os trabalhadores criaram comités de greve, ocuparam as suas empresas ou pararam a produção. No entanto havia pouca coordenação entre as várias indústrias. O melhor exemplo foi a discussão entre trabalhadores do petróleo e ferroviários sobre o transporte de combustíveis para uso doméstico: os trabalhadores do petróleo argumentaram sobre os níveis de produção para outras prioridades e os trabalhadores siderúrgicos de Isfahan negociaram com os ferroviários o transporte de carvão para as suas fornalhas (Nore).

Estas lutas, não sendo o resultado de uma direcção consciente de organizações revolucionárias, também não eram simplesmente “espontâneas”. Bayat recolheu provas de que alguns trabalhadores vinham organizando núcleos clandestinos nas suas empresas pelo menos desde há oito anos antes destes acontecimentos (Bayat).

Desta vez, a importância global da acção dos trabalhadores não desapareceu às mãos dos comentadores burgueses. O Xá saiu do Irão a 16 de Janeiro de 1979, para nunca mais voltar.

Como dizia o Financial Times em 17 de Janeiro de 1979: “Uma vez que as greves aplicaram a sua pressão em áreas-chave como as alfândegas, a banca e evidentemente o petróleo, isso revelou-se a arma mais eficaz para levar o Xá a compreender que tinha de ir embora.” (Nima)

O papel do clero

Embora tenha sido o poder da classe trabalhadora a forçar o Xá a ajoelhar-se, não foram organizações de trabalhadores que conduziram todo o movimento de oposição ao seu regime. Apesar de as palavras de ordem nas manifestações de Dezembro – “Enforque-se a marioneta dos Estados Unidos”, “Armas para o povo” e “Fora com o Xá” – serem bem laicas, a organização desses protestos estava nas mãos dos apoiantes de Khomeini.

Diz Bayat: “Claro que os trabalhadores controlavam todas as actividades revolucionárias nas empresas, mas não exerciam a sua liderança, nem podiam fazê-lo, sobre o movimento de massas no seu todo. Essa liderança estava nas mãos de outros: Khomeini e os líderes a ele associados.”

Os seguidores de Khomeini tinham construído uma bem organizada rede de quadros por todo o país, em especial nos centros urbanos. Ao longo da luta, as mesquitas receberam fundos dos bazares, que eram usados para fins políticos. Nima descreve as forças sociais representadas pelos líderes religiosos:

“Nenhuma outra organização da oposição podia exibir uma rede de 180.000 membros, com 90.000 quadros (os mulás), cerca de 50 líderes (os aiatolas), 5.000 funcionários (o clero médio), 11.000 estudantes de teologia e toda uma massa de membros de base, como professores de islamismo, pregadores, oficiantes e organizadores de procissões.”

Clérigos muçulmanos e soldados dão as mãos em sinal de amizade, em cima de um blindado, Fevereiro de 1979.
Clérigos muçulmanos e soldados dão as mãos em sinal de amizade, em cima de um blindado, Fevereiro de 1979.

Khomeini apelou às greves em 17 de Outubro e de novo em 18 de Dezembro, como parte da sua campanha para derrubar o regime. Apesar de receber apoio financeiro das mesquitas e dos comerciantes do bazar, o comité de greve do petróleo rechaçou a proposta de um representante de Khomeini, Barzagan (que viria a ser o primeiro primeiro-ministro pós-Xá) para desmobilizarem as greves e apenas pararem as exportações (Campanha contra a Repressão no Irão, Movimento dos Trabalhadores Iranianos). Segundo Poya, “alguns trabalhadores do petróleo enviaram uma carta a Khomeini exprimindo o seu apoio, mas exigindo a participação dos trabalhadores no futuro governo”.

Note-se, por exemplo, que as reivindicações dos trabalhadores do petróleo não incluíam a apelo à criação de uma República Islâmica. E, como mostrou o desenvolvimento das shuras (conselhos de fábrica) a partir do início de 1979, havia um choque de interesses entre os dirigentes clericais e o movimento dos trabalhadores – e a perspectiva de uma luta autónoma da classe trabalhadora ao mesmo tempo contra o Xá e contra o novo regime teocrático.

Teria sido possível prever a natureza do regime de Khomeini? Era claro, a avaliar pelas palavras de ordem usadas em manifestações (tais como “Vitória ao justo poder do Islão”, “O véu ou a morte”, em Tabriz, em Fevereiro de 1978). Também era claro que as queimas de livros e os ataques aos cinemas tinham um cariz reaccionário – por exemplo, uma campanha contra um banco porque tinha tido um capitalista bahai [religião monoteísta persa, não islâmica] como accionista. (Workers Action, 24 de Novembro de 1978).

1 de Fevereiro de 1979, aeroporto de Teerão-Mahrabad: o aiatola Khomeini (ao centro) regressa do exílio.
1 de Fevereiro de 1979, aeroporto de Teerão-Mehrabad: o aiatola Khomeini (ao centro) regressa do exílio.

Khomeini manifestou claramente a sua hostilidade à esquerda. No Le Monde de 6 de Maio de 1978, disse: “Não iremos colaborar com marxistas, nem mesmo para derrubar o Xá. Dei instruções específicas aos meus seguidores para não o fazerem. Opomo-nos à ideologia deles e sabemos que sempre acabam por nos apunhalar pelas costas. Se eles chegassem ao poder, estabeleceriam um regime ditatorial contrário ao espírito do Islão”.

Também nos seus escritos era claro que tinha a intenção de instalar um poder teocrático. Nomeadamente, Khomeini formulou a ideia do Velayat-e-Faqih, a vice-regência ou governo dos juristas islâmicos. Nas suas conferências de 1969 explicou que “os verdadeiros governantes são os próprios juristas islâmicos” (Bakhash, The Reign of the Ayatollahs).

Resumindo, se a esquerda tivesse estado atenta, havia sinais óbvios quanto à natureza do regime que Khomeini queria criar.

[Fim da primeira parte]

Versão original (em inglês) aqui. Tradução do Passa Palavra.

As quatro partes do artigo são:

(1) Como os trabalhadores derrubaram um ditador
(2) Como os trabalhadores foram esmagados
(3) O fracasso da esquerda
(4) Os islamistas contra as mulheres

3 COMENTÁRIOS

  1. Estes acontecimentos históricos são importantíssimos para que possamos analisá-los a fundo e não repetir este erros em um futuro possível. Teve um trecho que me chamou bastante atenção, quando diz que:
    (((( Os seguidores de Khomeini tinham construído uma bem organizada rede de quadros por todo o país, em especial nos centros urbanos. Ao longo da luta, as mesquitas receberam fundos dos bazares, que eram usados para fins políticos. Nima descreve as forças sociais representadas pelos líderes religiosos:
    “Nenhuma outra organização da oposição podia exibir uma rede de 180.000 membros, com 90.000 quadros (os mulás), cerca de 50 líderes (os aiatolas), 5.000 funcionários (o clero médio), 11.000 estudantes de teologia e toda uma massa de membros de base, como professores de islamismo, pregadores, oficiantes e organizadores de procissões.” ))))
    As organizações burocratizadas (e portanto contra-revolucionárias) podem, e geralmente, já existem bem antes dos acontecimentos geram grandes transformações em uma determinada sociedade. De forma que quando o conflito passa a ser entre estas organizações e os conselhos de fábrica, as primeiras tendem a ter mais legitimidade pela militância histórica.

    Aguardo as outras partes do artigo para comentar esta disputa, entre os trabalhadores organizados em conselhos e os grupos religiosos e outras organizações burocratizadas.

  2. O artigo será publicado na íntegra, numa série de quatro, com periodicidade semanal, aos domingos.

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