A iniciativa expressa a típica prática do capitalismo que a Bienal representa: assimilar tudo aquilo que o combate, transformando isso em mercadoria. Por Bruno Baader
Está acontecendo a 29ª Bienal de São Paulo. O evento conta com diversas obras de inúmeros artistas, dos mais variados ramos da arte. No entanto, a luz do tempo não afastou a sombra da polêmica da última Bienal, quando pichadores, revoltados com a “exposição do vazio”, invadiram o evento com latas de spray e picharam as paredes e vidros do salão, localizado no Parque do Ibirapuera. Naquela ocasião, os pichadores foram perseguidos e acabaram sendo vítimas da truculência dos seguranças do evento. Dois dos pichadores foram presos.
Mas a arte, assim como a vida, é dinâmica e o capitalismo – muito bem representado pelo elitismo de eventos culturais como as Bienais – também. A 29ª Bienal, com o tema “Há sempre um copo de mar para o homem navegar”, tenta apagar da memória coletiva os estigmas de repressão da 28ª Bienal e abre espaço justamente para os algozes de outrora: os pichadores. O evento, este ano, conta com um mural onde estão expostas algumas pichações que também podem ser encontradas nas ruas de São Paulo. Além disso, o visitante pode assistir a diversos vídeos de variadas ações dos pichadores – entre elas, a invasão da 28ª Bienal – em televisões de LCD penduradas, imitando quadros.
O espaço aberto (ou conquistado?), à primeira vista, pode ser visto como algo positivo, uma vez que isso pode ser uma tentativa de transformação da arte popular em arte reconhecida. No entanto, a iniciativa, na verdade, expressa a típica prática do capitalismo que a Bienal muito bem representa: assimilar tudo aquilo que o combate, transformando isso em mercadoria.
A pichação é arte. Arte marginal não é menos arte que “outras artes”. Da mesma forma que os Renascentistas eram vítimas de perseguição por questionar os dogmas de sua época (dogmas religiosos que defendiam o tabu em relação à forma humana), os pichadores o são por questionarem os dogmas de nossa época (dogmas burgueses que defendem a soberania da propriedade privada), ainda que não recorram a um discurso organizado para expressar esse questionamento de forma consciente. Apesar da perseguição e da criminalização, a pichação é mais parte do cotidiano das pessoas do que qualquer outra arte visual estática e pode ser muito melhor degustada por quem está se dirigindo à Bienal do que por quem lá está. Basta olhar para os prédios, muros, viadutos e outras “telas urbanas” disponíveis democraticamente a céu aberto, de graça para todos.
Além disso, quem degusta a pichação na Bienal degusta uma arte “menos artística” – se é que é possível fazer uma hierarquização da arte – porque as pichações presentes nos murais da Bienal não contaram com a acrobacia comum a quem busca o pintar no impossível. Não contam com o questionamento recorrente entre transeuntes: “Como conseguiram escrever ali!?”. Não contam com a essência da pichação, que é o já citado questionamento à soberania da propriedade privada. Enfim, a pichação legalizada presente na 29ª Bienal é arte, mas uma arte despida de sua essência, uma arte sem porquês, que revela seu potencial de mercadoria.
Por outro lado, os intelectuais que freqüentam a Bienal podem se portar com a pompa de uma aristocracia liberal e defensora dos princípios democráticos. José Jobson, em um artigo sobre o livro Senhores e Caçadores do historiador Edward Thompson, defende que a elite e suas leis têm que parecer justas e algumas vezes até sê-lo para serem respeitadas e manter seu domínio sobre os outros. Essa é a tentativa da elite organizadora, patrocinadora, colaboradora e freqüentadora da Bienal, mostrando para todos o quão tolerante pode ser e, de quebra, se defendendo do maior risco à hegemonia da arte burguesa e elitista: a invasão do salão (o mundo da aristocracia contemporânea) pelas ruas.
Estou extremamete contemplado pelo que o companheiro disse.
A pichação nessa última bienal é uma tentativa de domesticação de uma expressão popular, assim como aconteceu com a cultura popular que antes de “entrar” nesses centros era marginalizada.
O capital busca transformar a cultura popular em mercadoria para esvaziar o seu sentido, foi sintomático a pichação da “obra de arte” na bienal passada, era as ruas preenchendo o vazio da arte das bienais, agora essa quer transformar a pichação em “arte de bienal”, isto é, esvaziá-la.
Enquanto houver uma ponte ou um beiral haverá pichação, enquanto houver capital haverá domesticação, enquanto houver opressão haverá resistência.
Confesso que, antes de ler o texto, cá com os meus preconceitos, eu fazia (e ainda faço) uma polarização entre o grafite e a pixação, considerando o primeiro como arte e o segundo como excrescência, um subproduto da própria cultura urbana capitalista; seja por me incomodar esteticamente, seja pelo individualismo exibicionista que geralmente impulsiona os pixadores. Posso aceitar a legitimidade dessa expressão, mas não idealizaria a coisa como fazem o autor e o comentarista Manoo, defendendo que a pixação se opõe aos dogmas da propriedade privada. Acho, ao contrário, que os pixadores, em geral, tornam privado um espaço que é público (pois o muro de uma casa, apesar de ser privado, está exposto ao público, pertencendo ao público, portanto). Além disso, a pixação, contrariamente ao grafite, e junto com a propaganda capitalista, torna a paisagem urbana pública ainda menos aprazível, competindo para o enclausuramento doméstico/condominial dos dias de hoje. Mas bem, posso ser convencido com uma boa argumentação que me contradiga.
Como bem já procurou mostrar Roger Taylor, a arte é inimiga do povo. Esse ciclo não é novo. E não há o que se possa fazer contra ele.
Fico mudo de indignação ao ver alguém ser capaz de escrever que «a arte é inimiga do povo». Quanta barbárie se esconde no fundo de gente que aparenta intenções benfazejas! Walter Benjamin preveniu que quando se começa a estetizar a política, o fascismo não anda longe. Mas quando se nega a estética em nome da política, temos pior ainda, temos a barbárie absoluta, a anulação do sentimento, o grau zero da cultura, o desprezo por toda a história.
Acho que o texto incorre em um primeiro equívoco ao não analisar esta Bienal em seu contexto, primeiramente a sua proposta para este ano era a de discutir Arte e Política e Política da Artes. Neste sentido a inclusão do ato de protesto do ano passado, uma vez que este questionava justamente a política das artes instituída naquele espaço.
O segundo e mais grave equívoco é a análise da função da Bienal em relação ao público. Trata-se de uma exposição visitada por um média de público de 6,6 mil pessoas por dia sendo que foram mais de 100 mil estudantes de escola pública atentidos pelos servições educativos. Então a Bienal é um momento em que existe uma visitação massiva auma exposição de Arte, não atende portanto (apenas) o público da elite, de galeristas.
Em primeiro lugar, sobre a contextualiazação da Bienal (LL). É ingênuo esse raciocínio. Não percebe que ao trazer a pichação para dentro dos salões a consequência é justamente “matar” a pichação, esvaziá-la não apenas de seu conteúdo, como de sua integridade, de sua vivacidade?
Assim o que deveria ser um soco no estômago do cidadão que apenas percorre cotidianamente casa-trabalho-lazer conformado com sua miséria, sem intervir em nada no cenário faminto, violento e desgraçado que o cerca, (a pichação, no salão,) vira, para esse mesmo cidadão mais um adereço de uma “PAISAGEM URBANA PÚBLICA cada vez mais APRASÍVEL”, ao gosto de Eduardo Tomazine Teixeira e outros exeplares cidadãos. Mas não se iludam, a prioridade não é ser APRAZÍVEL.
Graffiti e Pichação é uma diferenciação de conceitos que serve às prateleiras. Passamos muito tempo dizendo Graffiti para ser aceito. Talvez agora poderemos falar pichação e pronto, apenas mantendo uma diferenciação de produto, como Coca-Cola e Dolly.
Porém não se esqueçam que a pichação não é apenas um recente fenômeno de experssão de “tribos urbanas”. Na decadência do Império Romano plebeus enfurecidos pintavam com uma mistura preta muros com dizeres diversos sobre a desgraça vivida e ofensas aos patrícios. Essa mistura era o piche. Agora querem colocar no salão pra gente ficar admirando, analisando, comentanto, enfim consumindo o produto contemplando passivamente o mundo desgraçado… é justamente o ódio das classes de baixo servindo aos interesses da classe se cima!
Como o texto aponta, o processo já é (ou deveria ser) muito bem conhecido: mercantilização. Neste processo, o pichador deixa de ser aquele deliquinquente odiado e vira um belo produtor de pichação para os salões. Mas os salões não são como as ruas, seu espaço é delimitado – e controlado – pela organização da Bienal e outros grupos da elite. Então o que fazer? Selecionar as melhores, é claro – que idéia genial! Vamos abrir concursos de pichações, vamos premiá-las, exportá-las, colocá-las em latas de refrigerante,etc. Porque não uma lei Ruanê em apoio à pichação? Que maravilha, essa arte tem futuro, vai se desenvolver! – como diria Adão Silva.
Esse processo não é exclusivo da pichação, nem do graffiti, nem da arte, nem da saúde, nem do conhecimento, nem do ensino-pesquisa-extensão. Ele é amplo, dominante, hegemônico e voraz. E mais: totalitário. Portanto, Cuidado!
Não se enganem camaradas, o pichador assim procedendo vai deixar de ser o autêntico e respeitável incômodo que deve ser e virar o malandro bem comportado daquela música do Chico Buarque, vai ascender socialmente, vai virar grafiteiro! Quanta canalhice! Quanta falsificação! Quanta MALANDRAGEM!!! O pichador não terá mais de escalar prédios, pontes, muros. Em sua frente haverá a escalada mais infernal de todas: a escalada da carreira profissional. Mas o pichador pra valer não espalha. E será que aposenta o spray, o rolinho, o pincel? Veremos.
Se é para enquadrar, que seja um Portinari, um Picasso, e outros tantos que já tavam enquadrados e são belos, não é mesmo? E que Walter Benjamin não sacuda os restos de ossos se restarem, mas muito importante sua advetência. Não preguemos a negação do estilo, mas o estilo da negação!
Para quem pensar que tudo isso é verborragia ou blá-blá teórico vá à venda mais próxima e pegue sua lata de Sprite. Ou visite o seguinte endereço que contém todos elementos citados: http://refresque.sprite.com.br/criesuaarte/jotape.html .
Mais uma coisa. Esse caso não é isolado como vimos e é impossível simplesmente vetá-lo. Mas ao processo, mas é mister reagir. Sem pressa e sem demora. Que essa Bienal sirva como lição, pois a burguesia marcou mais um ponto com sua arma mais forte e pelo que o texto informa, não houve reação ainda.
Espero não ser pretencioso dizendo que escrevi quase tudo que havia de escrever e por isso escrevi bastante. E também que não se ofendam com a distribuição de nome aos bois.
Saúde a todos!
João,
Dizer que a “arte é inimiga do povo” não é negar a estética.
É negar o conceito de arte. É perceber que aquilo que é considerado arte em cada momento tem a ver com o que uma classe aceita ou consome e não com estética.
Julgam que tudo aquilo que está nos museus é arte burguesa.
Será que também julgam que tudo aquilo que está nas bibliotecas é literatura burguesa?
Ignoram completamente os processos de ruptura na arte e a formação de vanguardas.
Na 29ª Bienal de São Paulo está em exposição o resultado da construção de uma imagem, criada a partir de formas muito parecidas com as das pichações de São Paulo, sobre um suporte também conhecido dos pichadores? Copia-se a forma e cria-se um conteúdo novo?
Já os tênis Piet Mondrian, expostos nas prateleiras de lojas, junto com canecas, vestidos Saint Laurent e tantas outras mercadorias que carregam algum tipo de inspiração das obras de Piet Mondrian (1872-1944), seriam cópias quanto à forma dos desenhos, mas criados sobre outro tipo de suporte material? Formas e cores (primárias), copiadas em escalas reduzidas e aplicadas sobre outro tipo de suporte?
Podemos, em termos gerais, falar em ‘formas parecidas’ e ‘conteúdos diferentes’? O mesmo acontecendo com os tênis modelo Piet Mondrian, marcas Nike e Vans, vestidos Saint Laurent, ano 1965, modelo Mondrian, e, as pichações exposta nesta Bienal?
No final, o que muda essencialmente, de um caso pro outro, é apenas o suporte que recebe as cópias de formas de desenhos, anteriormente apresentadas em diversos tipos de artes como, por exemplo, nas pichações encontradas nas ruas de São Paulo ou nas telas de Mondrian?
Existe algum tipo de perigo nas cópias? Qual dessas duas seria a mais perigosa?
Penso que existe um problema que não está nas cópias, mas nas relações sociais que criam a arte e as cópias.
Não sou conhecedor da obra de Piet Mondrian. Vi algumas imagens de suas obras pela internet. Faço nove perguntas por que não consegui fazer dez.
Fernando Paz
Vejo aqui um comentário de Fernando Paz, e embora eu não seja o autor deste artigo — felizmente — atrevo-me a responder, pela simples razão de que, desde muitíssimo jovem, tenho Mondrian como o meu maior mestre. Mestre na arte, na política e na maneira de viver.
A questão do suporte da forma artística seria fundamental para certas correntes estéticas e para certos artistas. Para outros, tratou-se precisamente de ultrapassar esse suporte. Foi o caso com a vanguarda das três primeiras décadas do século passado. O grande objectivo dessa vanguarda foi o de remodelar a estética dos objectos de uso corrente, destruindo definitivamente a barreira que separava a arte das artes aplicadas. Esta tendência já vinha a ser significativa na Grã-Bretanha desde os meados do século XIX e fora muito incentivada pelo primeiro artista marxista, William Morris, mas foi com a Bauhaus na Alemanha e com os modernistas russos no começo do regime soviético que ela chegou às formas que hoje conhecemos — e de que a maior parte das pessoas não se dá conta, a tal ponto se tornaram banais. Quanto ao Mondrian, amigos dele relataram a alegria em que ele ficou (ele era dado a alegrias pueris) uma vez em que viu numa vitrine um vestido que lhe pareceu inspirado numa das suas telas. Aliás, basta olhar para um quadro de Mondrian (refiro-me aos quadros da fase neoplasticista). Ele ultrapassa os limites da tela, invade tudo o que o cerca. Como observou Michel Seuphor, o autor que mais profundamente estudou o neoplasticismo, um quadro de Mondrian organiza o espaço que lhe está em redor. Mondrian e todos os demais artistas de De Stijl, os escultores construtivistas, a Bauhaus, a Proletkult, triunfaram na realidade material, porque os bairros em que hoje vivemos, a roupa que vestimos, os pratos, copos e talheres com que comemos, o mobiliário, a própria disposição interna dos apartamentos, em suma, a forma como olhamos e usamos o espaço, foi condicionada por eles. Podemos não o saber e julgar que são formas intuitivas, que nasceram connosco, mas não é o caso. Foram formas criadas por artistas e que a produção industrial de massas transportou para a realidade quotidiana, e que a partir daí educaram o gosto da generalidade das pessoas.
As vanguardas estéticas das três primeiras décadas do século XX, e depois os seus continuadores após a segunda guerra mundial, sobretudo os neoconstrutivistas, a Pop Art e os minimalistas, pretenderam deliberadamente fazer uma arte dirigida para uma sociedade industrial de massas, uma arte que levasse em conta a produção industrial de massas e cujos produtos artísticos pudessem ser elaborados e consumidos como produtos de massa. Foi talvez Moholy-Nagy quem deu a primeira grande lição nesse sentido, quem pela primeira vez avançou mais longe nessa destruição da aura do objecto de arte. O ensaio de Benjamin deve ser lido nesta perspectiva, a de uma arte inserida na produção de massa e que por isso perde a aura.
E chegamos então ao exacto oposto do que hoje pretende certa extrema-esquerda de mentalidade tão retrógrada que ainda vive na estética das avozinhas, embora julgue que não, coitada. Começam aos gritos contra a recuperação capitalista da arte quando vêem a produção de massas incorporar a arte nos objectos de uso corrente, e nem sequer se apercebem do profundo elitismo que está por detrás dessa sua atitude. A roupa que os artistas da Proletkult desenharam e que esperavam que o jovem Estado soviético produzisse em massa não foi produzida ali, porque depressa o governo soviético aniquilou as vanguardas — artísticas e outras — mas foi produzida mais tarde nos países de livre mercado pelas fábricas de blue jeans. E um processo semelhante ocorreu com os restantes bens de consumo.
Tudo isto a propósito da Bienal de São Paulo. Seria bom que aqueles e aquelas que agora consideram a Bienal como um santuário do capitalismo estudassem um pouco a figura de Mário Pedrosa, uma das personalidades fundamentais para o desenvolvimento da Bienal. Aqui no Passa Palavra, por exemplo, o Manolo escreveu uma excelente e erudita série de artigos sobre o Mário Pedrosa.
Em suma, o elitismo está naqueles que julgam que os rabiscos que fazem nas paredes são só deles, ou seja, que só eles podem ditar o lugar onde os rabiscos devem ficar; que julgam que um museu, enquanto espaço de reflexão colectiva, não se pode apropriar desses rabiscos e colocá-los noutro contexto, perante outros produtos artísticos, suscitando outros resultados.
A arte não está só em quem a produz. A arte está também em quem a vê ou a ouve. Um bom artista existe somente na medida em que existirem bons leitores, bons espectadores, bons ouvintes. Por isso mesmo a vanguarda de uma época jamais deixa de ser vanguarda nas outras épocas. A vanguarda não é uma simples novidade, é uma ruptura; e continuará a ser ruptura se for vista como deve, enquanto ruptura. E se não o for, a culpa não é do artista, mas do público. Ah! Mas o perigo da recuperação capitalista, da conversão da obra em mercadoria! Ah sim? E o perigo que representa, ou pode representar, para o capitalismo a existência de vanguardas artísticas? Quem ganhará no fim? Quem sabe… Caravaggio pintou quadros que consubstanciam uma das mais profundas rupturas estéticas e que hoje valem quanto? Milhões, biliões? Estão acima de qualquer preço. Mas para quem as vê e as sabe ver, ou para quem as ouve e as sabe ouvir, a integração de uma obra de vanguarda no mercado não lhe retira em absolutamente nada o carácter de vanguarda. A integração de uma obra no mercado não significa que o olhar ou a escuta sejam dominados pelo mercado. E é isto o principal. Porque afinal, sejamos sinceros, esses e essas que vão rabiscar as paredes também comem, o dinheiro vem-lhes de algum lado. Estão, como todos nós neste mundo em que vivemos, integrados no mercado. E, se não estão eles, estão os pais deles, que lhes dão o dinheiro. E aqueles ou aquelas que bramam que a arte é inimiga do povo também vendem a sua força de trabalho em algum lado, quando não obtêm uma bolsa universitária. É curioso. Eles julgam que não estão integrados no mercado. Que só os outros…
Viva o pixo:
Sempre à margem,
Sempre contra o sistema!!!
É engraçado quando alguém afirma que o grafite é arte e a pichação não. Claro, o debate se algo é ou não arte já está bem velho, mas digo isso pois não há um grafiteiro que não tenha começado pichando, tanto um como o outro são filhos do mesmo movimento, um movimento que buscava preencher o vazio deixado pelos ambientes urbanos. A pichação na bienal passada foi uma resposta a esse vazio. Esperem, nem todos são burgueses angustiados.
O mais engraçado disso tudo é quando a classe intelectual, representada por nós (estudantes e professores) e pelos organizadores das galerias de artes, se acham no direito discriminar algo como não sendo arte; lembremos pois que algo se transforma num produto artístico quando “alguém” que tem notoriedade e reconhecimento afirma que tal produto é uma obra de arte. Esse respeito ou notoriedade é fruto de uma relação de poder/saber, no qual o intelectual é o meio para legitimar a dominação.
Acredito que tanto as obras de artes das galerias como os livros das bibliotecas são produtos de “um” mesmo indivíduo, este permanece indeterminado mas tem sua classe social declarada; pois produção de pobre é caso de polícia, e a bienal tá aí pra provar.
Manoo: “produção de pobre é caso de polícia, e a bienal tá aí pra provar.”
Parte da arte (pois a arte não está somente em quem a produz, está também em que a vê) dos pixadores da Bienal passada foi caso de polícia. Nem toda produção de pobre é caso de polícia. Algumas são, outras não, e isso depende de uma infinidade de fatores. Não vemos muitas pixações nas escolas, e outras instituições, sem que a questão passe pela criminalização e repressão policial existentes? Não vemos como é fácil comprar a arte dos pixadores, na grande São Paulo e em tantas outras cidades do Brasil, que preencham, por exemplo, fachadas de empresas ou paredes de casas? Os pixadores até deixam os números de seus telefones para facilitar a venda de seus trabalhos. Arte feita por pobre e por não pobres é coisa que está no mercado, e sabemos que não é de hoje. O dinheiro sempre sai de algum lugar. Os pintores “nabis”, entre 1890 e 1910, não venderam painéis decorativos, para clientes particulares, e, ao mesmo tempo expunham em Paris, com grande impacto, a nova cara das grandes telas? Gritaremos: “Denis seu vendido!?” Se é com esta Bienal que se inaugura um padrão de pixação, um modelo que virá a cair no gosto de uma futura moda vigente, isto nós não sabemos. Talvez, é aqui que esta Bienal se mostra diferente. A padronização, o encaixe perfeito em molde rígido e bem acabado, pode trazer a morte para tantas rupturas que o pixo mostra. “E o reino dos fauves, cuja civilização parecia tão poderosa, tão nova, tão surpreendente, adquiriu subitamente o aspecto de uma cidade fantasma.” (Sarah Whitfield, 1967).
Fernando Paz
A estética é toda a filosofia na sua ocupação com a arte. Nela, a arte já foi definida como beleza, expressão, conhecimento e fazer. De acordo com Luigi Pareyson a arte é um fazer original e único, sendo que isso implica também a indissociação entre forma e conteúdo.
Benjamin já dizia que a arte depende das condições de produção, e que o valor de eternidade empregado à arte, até sua produção em série, devia-se à influência das técnicas reprodução dos gregos, apenas duas: o molde e a cunhagem.
Panofsky diz que a arte é a valorização da forma em relação à função. Mas em que momento ocorre essa passagem? Como a intenção do artista na valorização da forma sobre a função é também assim percebida pelo observador? De acordo com Panofsky, era o contexto histórico que influenciava a consonÂncia dessas visões.
A noção de obra aberta da filosofia é questionada por Bourdieu, para quem não tiramos conclusões originais e livres sobre as obras de arte, antes nossa percepção delas se deve à nossa origem social e escolaridade.
Se os filósofos de uma maneira geral procuram determinar na arte produzida nesses séculos algo que lhes seja comum e diverso das outras atividades humanas, a fim de encontrar a essência da arte, Bourdieu “simplifica” a discussão colocando a noção de arte sob a perspectiva do campo, e nele, quem vence a luta (também simbólica) que aí se trava, consagra uma obra como arte. Assim, marchands, pintores, escritores, editores, museus, galerias, editoras etc. estão em conflito no campo da arte. A noção de campo serve para não reduzir a análise de uma obra aos seus elementos signícos componentes, nem a um determinismo grosseiro da ditadura e o tropicalismo, por exemplo.
A respeito das pixações, foi sobre elas que o New York Times escreveu na década de 70, alcunhando-as como graffiti. Não é novidade no campo da arte que um movimento sustente a alcunha que lhe foi lançada,assim aconteceu com os góticos e os fauvistas por exemplo. Portanto, as pixações foram apelidadas de graffiti.
A polêmica sobre o graffiti é na verdade duas: o graffiti é pixação? o graffiti é transgressão?
Quanto à primeira, a maioria dos grafiteiros diz que graffiti e pixação é a mesma coisa, que o graffiti engloba o lambe, o estêncil, o sticker e a pixação, sendo essas apenas diferentes expressões estilísticas do graffiti. Há outros entretanto, como Celso Gitahy, que dizem que graffiti procura legitimação e que não deve ser confundido com pixação, que seria uma prática vândala.
Quanto à segunda, para alguns a transgressão do graffiti estaria em sua mensagem semiótica política de contestação; ainda no âmbito semiótico, Baudrillard diz que a transgressão seria na afirmação do anonimato, conforme a paráfrase irônica de Bansky, segundo a qual cada um tem direito a 15 minutos de anonimato; para outros estaria no uso do muro como suporte, pois isso em si, independente da mensagem política, constituiria um atentado à propriedade privada. Nesse sentido, graffiti e pixação são necessariamente a mesma coisa por partilharem da mesma natureza transgressora, desnecessário dizer que, apesar das ongs que atuam junto à guarda municipal no inculcamento que graffiti é arte e é autorizado, para a polícia, tanto faz se é graffiti ou pixação, o que importa é se tem autorização ou não.
Para mim, sob a perspectiva de Marshall McLuhan, a questão é que o muro, meio do graffiti, veicula outro meio. O meio é a mensagem e a mensagem não é a imediata de ataque à propriedade privada, que é literalmente um ataque de fachada que não constitui sério risco à ordem burguesa (afinal as penas mais comuns são multas e medidas socioeducativas). A questão não é o encapamento da arte pelo museu. A mensagem é que o muro veicula o museu, a galeria, o atelier… A mensagem é a expansão do campo da arte, para novos agentes e novas instâncias de legitimação.
da mesma forma que a arte se voltou para ela mesma, de certa forma excluindo todos aqueles que não tinham repertório para uma leitura mais densa, a intervenção urbana também trabalha com um complexo sígnico próprio, para quem pratica ou possui o mínimo de conhecimento sobre o assunto.
não acredito que exposições com obras que se dizem “interativas” realmente promovam a interação do espectador. para mim a interação sempre é raza, não é possível compreender uma obra apresentada no itaú cultural sem ter uma noção dos últimos 200 anos de história da arte.
quando uma intervenção ilegal acontece o debate sobre os limites da arte é novamente aquecido, sai do seu circuito fechado, e, por incomodar, acaba convidando todos para discutir.
quando foi a última vez que uma obra de arte causou tanto impacto que virou manchete na capa dos principais jornais e tomou os veículos de comunicação no Brasil?
a questão pra mim não é se a pixação é bela, se é um crime, ou se é arte ou não, a questão é que a pixação levanta essa discussão que já estava morna, aliás, bem geladinha.
não adianta nos ampararmos em teóricos diversos, isso só fecha mais o circuito, beira ao cômico mas “a verdade está lá fora”.
como minha chefe acabou de pedir um relatório pra ontem vou parar meu comentário por aqui…
João Bernardo, não se trata de “ditar” onde a arte (e os rabiscos) devem estar, mas de analisar a quem eles servem em função do lugar em que eles estão. Se a bienal não é, de fato, elitista como você pretende, então não há porquê a pichação estar lá, já que o povo a vê na rua, quando está indo trabalhar. Aliás, não há necessidade de Bienal, já que a arte lá presente pode estar exposta nos terminais e nas ruas da cidade. A divisão espacial é sem sentido, não se explica, se sua tese for verdadeira.
Acho engraçado como o seu discurso catedrático combativo tem se colocado em defesa da assimilação da dita “arte de rua” pela Bienal, mas até agora nada houve em defesa de uma assimilação em sentido contrário, ou seja, que a rua assimile a arte da Bienal – que, concordemos, não é a mesma.
A propósito do comentário de Baader, observo uma vez mais que muito facilmente as polémicas – por parte de quem não sabe polemicar – resvalam do confronto de opiniões para o ataque pessoal. Uma discussão nesses termos não me interessa. Limito-me aqui a indicar um link:
http://www.espacoacademico.com.br/055/55uni_bernardo.htm
João Bernardo, em nenhum momento objetivei o ataque pessoal, me desculpe se foi o que pareceu. Continuo sustentando que não vejo motivos para que haja um muro entre a Bienal e as ditas massas, se a Bienal é para as massas, como você defende. Acreditar que sua tese não se sustenta, se colocados os elementos fetichiosos que circundam a bienal, se trata de um embate de idéias e não um ataque pessoal. Conheço, ainda que superficialmente, parte de sua trajetória e, por isso, acredito que você não está entre os acadêmicos que se ofendem por encontrar oposição de idéias. Portanto, sei que o suposto ataque pessoal foi muito mais um erro de comunicação. Assumindo a possibilidade de esse erro ter partido de mim, friso meu pedido de desculpas.
O fato é que não importa se a arte do museu (ou da bienal) e os livros da biblioteca (os quais você chegou a citar nesse tópico) foram feitas por ou para o trabalhador, o fato é que na Bienal e nas bibliotecas a arte ou os livros estão muito mais próximos de uma elite (econômica e/ou intelectual, já que os termos se confundem na sociedade contemporanea) do que do trabalhador. Prova disso é que as bibliotecas de duas das que estão entre as maiores universidades do País (me refiro à Unicamp e UNESP, as que tenho conhecimento aprofundado) restringem seu acervo aos universitários, ou seja, o trabalhador, a menos que seja um trabalhador universitário, não pode pegar um livro e levá-lo para a casa. Dizer que isso não é restringir o acesso a uma categoria de pessoas é um equivoco. Assim como dizer que concentrar obras de arte em um unico local não é dificultar o acesso a uma parte da população também o é.
João, o livro do Roger Taylor que no brasil foi publicado como “Arte: inimiga do povo”, nada diz contra o mercado. Assim como eu aqui nunca me posicionei contra mercado de arte, ou contra uma suposta “recuperação capitalista”.
Como já escrevi trata-se simplesmente de “perceber que aquilo que é considerado arte em cada momento tem a ver com o que uma classe aceita ou consome e não com estética”. No fundo, nenhuma novidade, como o Manoo, escreveu.
Roger Taylor dá o exemplo do Jazz no seu livro. No Brasil temos o exemplo do samba e agora do funk. Criminalizados e aos poucos sendo aceitos e ganhando um status diferente, a partir do momento que passa a ser consumido e aceito por uma certa classe.
Não sei o que há de polêmico nisso.
Existe uma ideia que vi nesta discussão que não me agrada pessoalmente. E ela sempre tende a retornar quanto estamos tratando questões relativas às massas: a vulgarização.
É comum ver nas esquerdas a concepção de que quanto mais complexa e elaborada é uma ideia, mais distante está ela do povo e de uma suposta “realidade”. Como se as pessoas não tivessem a capacidade de compreender situações complexas, como se elas mesmas não vivessem situações extremamente difíceis que exigem acurada reflexão para sua resolução.
Uma coisa é utilizar, a moda dos acadêmicos, de vários autores e citações para encobrir um saber inexistente e projetar um poder real. Outra coisa é utilizar tudo o que já foi acumulado sobre um assunto para a resolução de uma questão.
Ou bem entendemos que o trabalho acumulado no tempo é parte do que somos e das nossas potencialidades, ou caímos no mundo da vulgarização e dos simplismos estúpidos e nos condenamos a nos mesmos a mediocridade.
Fico especialmente chateado porque quando vejo coisas assim me vem à memória imediatamente a minha rotina de trabalho. Em especial as falas dos conselheiros pedagógicos, quando se referem à incapacidade de meus alunos. Dizem o que dizem e sequer percebem a própria incapacidade em lidar com eles, que fazem o melhor que podem para não cederem a sua pressão.
E quando me lembro disto as minhas emoções se equilibram, afinal os oprimidos acabam sempre por dar um jeito de superarem as limitações que lhes são impostas.
Ainda sobre a esquerda e a cultura, existe aqui um artigo de relatos que considero valioso por sua objetividade corrosiva: http://passapalavra.info/?p=2703
A desmarginalização das pichações proposta pela exposição desta Bienal, transformará em simplesmente “arte”, o realizado por pichadores.
Para os pichadores, essa assimilação é positiva, pois, alguns terão a chance de ascender socialmente através da arte.
Quando isso acontecer, pichações como: “por quanto você se vendeu hoje?” continuarão a incomodar e levar os trabalhadores à reflexão? Não temos como saber, mas não podemos negar que essa absorção da pichação pela indústria cultural sugará, paulatinamente, o teor existente de combatividade.
O inimigo não é a arte, é a separação da estética e do objetivo de tal. Difunde-se a estética, elimina-se a contestação.
Quanto às bibliotecas, sou frequentador assiduo das municipais e posso dizer com certeza que quando se trata de literatura, podemos nos servir muito bem destas, no entanto, quando desejamos procurar livros de teor acadêmico, de disciplinas como História, não encontramos nada além de manuais educativos. São autores como Eduardo Bueno, jornalista, historiador(?) por ocupação é quem difundem seus livros para os trabalhadores, enquanto os nossos doutores e livres docentes, com sua escrita truncada e complexa, conseguem ser interpretados e entendidos apenas por alunos privilegiados, oriundos em sua grande maioria da elite e da classe média alta, que alcançando bons resultados no funil conhecido por vestibular, cursam universidades públicas. E é apenas nas bibliotecas destas, de acesso restrito que podemos encontrar seus livros, cuja difícil escrita torna-se muitas vezes de dificil compreenção até para os graduandos, não são livros para todos, são livros só para iniciados de uma elite intelectual…
Será que tudo o que é complexo é elitista? O elitismo é uma política que procura acentuar as hierarquias sociais e renovar as classes dominantes graças à promoção de vanguardas diversas. Mas não existe actividade científica sem complexidade. Estará o mal na complexidade ou no facto de os trabalhadores serem afastados do conhecimento? Devemos lutar para que os trabalhadores se promovam ao conhecimento? Ou devemos acabar com a indispensável complexidade da cultura com o pretexto de que os trabalhadores, aqui e agora, não a entendem? Qual deve ser o nosso padrão cultural, o do ser humano numa possível sociedade sem classes ou o daqueles trabalhadores que sejam exclusivamente formados e deformados pela sociedade capitalista? Acima de tudo, como Rodrigo Araújo fez notar, com que direito um estudante universitário decreta que um trabalhador é incapaz de entender uma coisa complexa só porque ele, mau estudante, a não entende?
Porquê tanta indignação com a mercantilização da produção artística pelos marchands, pelas galerias e pelos museus por parte de gente que não parece nada preocupada com o facto de a esmagadora maioria dos trabalhadores se condenar a ouvir exclusivamente uma submúsica que é uma produção industrial de massas e se condenar a ver filmes de shopping e telenovelas que são uma produção industrial de massas? Porquê tanta indignação com a Bienal e tão pouca indignação com a estética de shopping?
Será que os rabiscadores de paredes pensam que foram eles quem inventou uma arte ligada ao quotidiano e confundida com a vida? Mas foi este precisamente o programa que distinguiu o dandy desde o começo do século XIX e que inspirou as correntes erradamente consideradas «esteticistas» ou de «arte pela arte», Théophile Gautier, Baudelaire, Oscar Wilde. Todos eles procuraram, mais ainda do que fazer uma arte que se fundisse com a vida, viver de uma maneira artística. Gilbert and George são o culminar contemporâneo dessas correntes.
E será que os rabiscadores de muros imaginam que se deve a eles uma arte que abandona a problemática da beleza? Mas isso deveu-se aos dadaístas, há já quase um século, quando a sociedade ela mesma estava a superar a beleza, graças ao inédito horror da primeira guerra mundial.
Os rabiscadores de paredes imaginam-se como revolucionários com pouco trabalho, só o trabalho de rabiscar paredes, e ficam aflitos quando a Bienal, metendo lá dentro as suas obras, lhes destrói o álibi. Mas já deviam ter previsto que isto lhes sucederia, o caso de Jean-Michel Basquiat estava aí para os alertar. Se os rabiscadores frequentassem habitualmente os museus poderiam entender a arte que fazem — e a que não fazem. Mas é certo que ver, ver mesmo, dá muito trabalho.
Rodrigo, a discussão não me parece se pautar na “complexidade” da Bienal e, sim, no seu caráter excludente. Eu fui até lá acompanhando alguns alunos e pude ver como eles, ainda que submetidos ao que chamo de fordismo comportamental (tiveram apenas o direito de permanecerem uma hora e meia lá), se deliciaram com cada uma das artes ali expostas (cada uma ds que foram possíveis digerir em apenas uma hora e meia), como eles puderam interpretar e desfazer os nós do sentimento do artista. Exceto pela escassez do tempo, os alunos (da periferia de Campinas) não deixaram a desejar no quesito interpretação.
O que me incomoda na Bienal (e nas bibliotecas) é o inegável caráter excludente. Se a Bienal fosse popular, como pretendem alguns, as obras dos pichadores seriam lá mantidas no ano retrasado e não teria ocorrido o que ocorreu: aquele alarde, a repintura das paredes, a prisão dos envolvidos para, depois de dois anos, haver a assimilação daquela arte “marginal”.
Se a Bienal é popular, por que não tolerar a invasão das ruas? Por que não INVADIR as ruas? Se é popular, por que exigir “convites” para que um artista exponha sua arte?
Fiquei frustrado quando um aluno perguntou ao orientador da visita (que deixaria Taylor com inveja, tamanho seu esforço para racionalizar os movimentos a fim de apressar o passeio) se podia expor ali seus desenhos e recebeu um “não é bem assim” como resposta. Por que meu aluno não podia, se a Bienal é popular? Por que não existe campanhas chamando a população a expor ali, se é popular? Por que não descentralizar a Bienal e deixar a arte (todo o tipo dela) tomar conta das ruas e terminais que é onde o trabalhador está, se ela é popular?
João Bernardo muito bem disse que elitismo é a política que pretende acentuar hierarquias sociais. Se é permitido expor algumas obras e outras não (como a do meu aluno, ou como a dos pichadores na última Bienal), por que não admitir que isso é reforçar as hierarquias? Se é reforçar as hierarquias, não é elitismo? Por quê? Minhas dúvidas são muitas, as respostas é que são poucas.
Eu reli os comentários e tive a impressão que seus questionamentos já foram contemplados…
Bruno, ninguem ensina ninguem. A gente aprende é tendo dúvida mesmo.
Aquele negócio que chamam de aprender onde somos passivos no processo chama-se inculcação. Neste tipo de “saber” agente reproduz a fala dos outros e não cria saber.
Sério? Eu não… poderia explicar-me, por favor?
Acredito que seja necessário entender as várias tendências que permeiam a questão da Bienal.
Em primeiro lugar a Bienal é uma importante iniciativa no sentido de popularizar a arte, na medida em que comporta a interação de um público mais amplo que aquele que naturalmente lhe teria acesso. Pela própria proposta leva a discussão sobre a arte a um público além dos letrados. Acho que quando ela coloca em pauta arte, política e política de arte, ela está de alguma forma sendo permeada por pressões que são exteriores a si mesma.
Contudo ela comporta também um controle que é inerente ao mundo em que vivemos. Mas antes um milhão de vezes a bienal que um Shopping popular que não tem nada a acrescentar.
Acho que é imprescindível um lugar de destaque a obras que são mais relevantes. Dou mais importância àqueles que foram mais elaborados, que procuraram transcender o próprio universo.
Elitismo é uma coisa, é ação política de classe. Outra coisa diferente é classificar.
A classificação é mecanismo que nos permite compreender o mundo. Sem classificação tudo acaba por ter o mesmo peso e o mesmo valor. A não classificação cria um nivelamento rasteiro que é útil somente enquanto mecanismo de dominação na medida em que nada promove.
Por acaso li ontem no último Flash Art uma entrevista com Moacir dos Anjos, um dos curadores da Bienal, em que a certa altura ele diz: «O carácter político da arte [the politics of art] consiste, de facto, nesta capacidade que ela tem de mudar a maneira de entendermos o mundo». Mas para isso é necessário ver a arte, o que não sucede quando não se olha para ela, ou quando não se olha com olhos de ver. E quando se olha só para a subarte ou para uma péssima arte, o que acontece, de que maneira se entende o mundo?
Entendi o seu ponto, embora não concorde com ele. Em primeiro lugar, acredito que existem maneiras menos “classificatórias” e, portanto, mais eficazes de popularizar a arte. Em segundo lugar, acredito que esse seu argumento também invalida a presença da pixação. Ela não precisa ser mais “popularizada”. E se o intuito for para lançar uma discussão acerca do caráter artístico, como alguns provavelmente dirão, que se fizesse isso na última Bienal, ao invés de criminalizar o movimento para DEPOIS DE TUDO, tentar lançar reflexões acerca do ato.
Sobre a própria arte, não consigo conceber a idéia de dar “mais importância àqueles que foram mais elaborados, que procuraram transcender o próprio universo”. Não quero te ofender, mas acho esse discurso extremamente arrogante de uma prepotência típica da aristocracia do saber, ou dos acadêmicos. Qual a propriedade que lhe permite julgar quem foi ou não capaz de transcender algo tão subjetivo quanto o próprio universo? O pichador anônimo, quando visto, não transcendeu o próprio e o dos outros? A pintura do aluno não é fruto de suas observações e a expressão das conclusoes acerca da vida? A do Picasso, sim, né? Por quê? Porque Picasso é digerivel de acordo com a estética da confraria culta contemporânea?
Eu concordo que classificar nos permite compreender o mundo. Mas classificar não é sinônimo de excluir: Eu posso classificar uma pessoa enquanto alva ou negra. Mas não posso excluir a nenhuma em virtude dessa classificação. O nome disso não é classificação, é racismo. Assim como a exclusão em função de parametros estéticos e ideológicos típicos de uma classe social é elitismo. Não concordo com esse pensamento vanguardista que sugere que algum iluminado deve, usando o bom senso que lhe fora atribuido por deus (ou pelo conhecimento, ou seja lá pelo que for), classificar o que pode ou não ser palatável.
Acredito que a arte, desde sempre tem fundamental importancia na vida social: não é a toa que um regime totalitário faz suprimir a arte. Assim cmo acredito que o papel da arte rompe as intenções de quem a faz: ela torna desnudos os preconceitos e as ações conservadoras do nosso cotidiano e que estão tão arraigados que nem percebemos quando a cometemos!
P.s.: Para evitar possíveis mal entendidos: não foi intuito ofender quando disse “arrogancia”… Substituiria por alguma outra palavra, mas meu limitado vocabulario me trouxe como sinonimo “prepotencia” e acho que não atenuaria os efeitos!
Abraço!
Aproveito este debate para lançar um brado de indignação contra o atletismo. Porquê os que treinam todas as manhãs hão-de correr mais depressa do que os que passam a vida sentados? Porquê os que correm mais depressa hão-de chegar em primeiro lugar? Não será isto o estabelecimento de uma hierarquia? Porquê seleccionar os participantes num jogo de futebol ou de volley ou de basket? Porquê impedir que entre em campo quem quiser e impor aquela norma arrogante de que haja uma única bola em vez de cada jogador ter uma bola para si? Não será isto uma selecção? O desporto é inimigo do povo. Inimicíssimo.
Concordo com o João, afinal os homens nascem iguais e o sol nasce para todos. Quem não aproveita, muito provavelmente, merece a miséria que o acompanha. Inclusive, li isso numa entrevista em que alguém (não me lembro quem) condenava o bolsa família. Ele dizia que quem não vence (como no atletismo) é porque não se esforçou o bastante. Outra vez ouvi dizer que isso fazia parte do discurso liberal, mas não tenho propriedade para repetir.
Achei um ponto, em especial, muito interessante no comentário: Todas as atividades tratam-se de competições. Esportivas,mas competições. Agora, a Bienal é uma competição? É uma competição para quem sobressair em relação a quem? Existe um vencedor entre os artistas, exceto aquele que ganha mais diheiro com sua obra? Isso é mercantilização da arte.
Num campo de várzea, também existe a regra do “arrogante” que diga que pode haver apenas uma bola, mas ninguém reclama (talvez a bola) porque, apesar disso o acesso ao campo não está limitado a um grupo ou classe social. Tentem: qualquer um pode jogar. Você senta lá e grita: “Eu estou de próximo” e pronto! Você já está inscrito. Você pode inclusive dizer: “10 minutos ou dois gols”, mesmo sem ser o dono da bola. Isso não me parece uma seleção, quer dizer não uma seleção excludente. Coisas que deveriam ser mais estdadas pela academia!
Não me pareceu que é o que acontece na Bienal. Alguém pode dizer: “sou o próximo?” e ter parte daquele espaço? Agora e se os donos da bola (no caso FIAT e Itau, os patrocinadores) dissessem o mesmo? Estes teriam, né? Mas se isso ocorresse, com certeza, alguém aqui gritaria: “Isso é seleção, é classificação, faz parte do processo natural e é inerente ao homem, assim como ocorre no desporto e em N outros lugares!”
Intelectuais orgânicos…
Vejo que a Bienal e o Desporto guardam, em si, muitas diferenças, mas a principal é: se o desporto é inimigo do povo, não sei… Mas a Bienal COM CERTEZA!
Os rabiscadores de muros não conseguem suportar a noção de que existem na arte diferenças de qualidade, que há boas e más obras artísticas, que as há mutíssimo boas e péssimas. Quando se esforçam por dar à argumentação um aspecto sofisticado, invocam o carácter relativo das apreciações estéticas, confundindo assim relativo com subjectivo. Os critérios e os padrões de apreciação são relativos, dependem de muita coisa. Mas dentro de cada critério podem determinar-se com objectividade quais são as obras melhores e as piores e aquelas que se devem pôr de lado. Ora, o mais comum é que os rabiscadores, achando a vida facilitada pelo subjectivismo, considerem que os seus rabiscos, pelo facto de serem deles, são tão bons como as produções estéticas de qualquer outra pessoa. A isto chama-se incapacidade de aprender, porque se os rabiscos, pelo mero facto de estarem rabiscados, já são óptimos, é inútil o rabiscador pô-los em causa, olhar para outras obras, tentar fazer algo diferente ou melhor.
E assim os rabiscadores caíram desde há bastantes anos no campo estético oposto àquele que imaginam ocupar. Caíram no mais banal academismo. Obras que se mantêm invariáveis no estilo, na técnica empregue e no suporte usado, a ponto de serem incapazes de trazer qualquer olhar novo, obras que já conhecemos antes de as termos visto, são obras académicas. A pichação faz parte da constelação de movimentos que eu designo como neo-pompiers.
Sem suscitarem novos olhares, os rabiscos devem classificar-se como uma antivanguarda. Os rabiscadores e os promotores da rabiscação consideram que qualquer juízo de valor estético, uma vez aceite por um número significativo de pessoas, passa a integrar-se na ideologia dominante, que eles, com uma enorme ingenuidade sociológica, identificam como a ideologia das classes dominantes. Ignoram assim o processo de formação das vanguardas artísticas e ignoram as grandes lutas que as várias vanguardas permanentemente travam para abrir e ampliar visões novas das coisas e das relações sociais. Existem vencedores entre os artistas, sem dúvida alguma. Não são quem ganha mais dinheiro com as obras, mas quem consegue romper as visões predominantes e criar novas maneiras de olhar. E ampliam o mundo por causa disto, porque nos ensinam a ver coisas diferentes.
Ensinam-nos, com a condição de estarmos dispostos a aprender, o que aqui significa, a olhar. O problema é que aqueles que ignoram um mecanismo não deixam por isso de estar submetidos à sua acção; pelo contrário, sofrem ainda mais profundamente os seus efeitos, porque, não identificando o mecanismo, não podem lutar contra ele. Ignorando as várias vanguardas, diversas ou opostas, que se formaram ao longo dos séculos e que hoje se diluem e se voltam a formar sob os nossos olhos — sob os olhos de quem seja capaz de ver — os rabiscadores deixam-se docilmente ser formados pela estética sem nome, quero dizer, pela estética que não se afirma como tal e que tudo permeia, a estética que condiciona os hipermecados e os shoppings, os programas de televisão e a quase totalidade dos filmes de grande audiência, para não falar nas músicas de três minutos despejadas a toda a hora por todo o lado.
Os rabiscadores julgam-se imunes a esse condicionamento estético porque, na sua candura — que é uma forma amável de classificar outra coisa — julgam que uma ruptura política é por si mesma uma ruptura estética. O mundo seria mais simples se isto fosse verdade, mas não o é. As rupturas têm de se fazer em cada campo e de cada vez. Não existem rupturas totais e definitivas.
Os rabiscadores legitimam-se como vanguarda estética pelo facto de terem alegadamente procedido a uma ruptura política, e consideram uma ruptura política o facto de os seus rabiscos não adquirirem valor no mercado. Daí a sua indignação contra a Bienal, e contra esta Bienal em particular, porque, ao abrir as portas aos rabiscadores, ela desvendou o carácter falacioso daquele argumento. Os rabiscadores não se incomodam com a Pinacoteca nem com o Museu de Arte Sacra, por exemplo, porque estas duas instituições, não se interessando por rabiscos, não põem em causa aquele pretenso alheamento do campo das mercadorias.
Ora, os rabiscos, quando conseguem sair do academismo da pichação, inovar e adquirir certa qualidade estética, são efectivamente integrados no mercado dos objectos artísticos, quer os rabiscadores queiram ou não. Evoquei num comentário anterior o caso de Jean-Michel Basquiat e poderia citar também o que sucedeu ao famigerado Muro de Berlim. No capitalismo não existem ilhas, e mesmo que os rabiscadores não vendam o seu produto, eles vendem a sua força de trabalho, ou de algum outro modo ganham a vida, ou recebem o dinheiro de alguém que a ganha por eles, e assim têm tempo e instrumentos para rabiscar.
Mas o verdadeiro problema é outro ainda. No campo artístico as questões são artísticas, e a questão primordial não é saber se uma dada obra adquiriu ou não valor mercantil, mas se ela tem ou não a qualidade de uma ruptura estética. As rupturas não são tão simples, não basta rabiscar paredes. Sem reflectir sobre os processos estéticos não se fazem rupturas estéticas. Mas para reflectir é preciso ver, e os rabiscadores e os ideólogos da rabiscação fogem dos museus e das galerias como as beatas dos lugares de pecado.
Sobre a popularização da arte e as iniciativas que possibilitam acesso aos museus àqueles que muitas vezes não são visitantes assíduos, ideia que apareceu em vários comentários, apresento dois exemplos em curso na cidade de Curitiba/PR. 1) No Museu Oscar Niemeyer (MOM), conhecido popularmente como museu do olho, graças a seu desenho arquitetônico, o departamento de Ação Educativa criado em 2003, que tem o intuito de levar a arte para além de suas salas expositivas, recentemente criou o projeto chamado “Missão Artística Francesa – Uma interação Museu – Escola” como um desdobramento da exposição “A Missão Artística Francesa – Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)”, que foi exibida no MOM em 2007. Neste, foram criadas cartilhas educativas, painéis com reproduções das imagens da exposição, material de apoio para professores e, nos meses de junho e julho deste ano, o projeto visitou 32 escolas de Curitiba e região metropolitana, levando a mais de mil alunos um pouco da história do grupo de artistas franceses que desembarcaram no Brasil em 1816. 2) No Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE-UFPR), museu temático voltado também à cultura popular brasileira, o departamento de Ação Educativa levou, entre os meses de agosto e outubro deste ano, uma pequena parte de seu acervo a mais de 960 alunos da rede pública municipal. Além disso, o projeto que também leva o nome “Ação Educativa”, estabelecendo uma parceira com a secretaria de educação de Curitiba, possibilitou a vista de todos estes alunos ao (MAE-UFPR). Acredito que projetos deste tipo, que apresentei de forma bastante resumida, fomentam em seus públicos o pensamento crítico e a reflexão sobre história, arte, produção cultural e artística, entre diversos outros assuntos, qualificando cada vez mais os museus como espaço de reflexão coletiva. Como alerta aos desavisados digo que estou olhando para os projetos e os resultados que conheço, não estou fazendo aqui a defesa de nenhum grupo político que está, ou esteve, à frente do governo de Estado do Paraná, ou da prefeitura de Curitiba. Estou certo que “ver a arte, ver mesmo, dá trabalho”, e, conhecer os museus, conhecer mesmo, dá muito mais trabalho ainda.
João,
Para a analogia com o esporte ser correta, ou fazer sentido, em relação ao conteúdo por trás do título “arte: inimiga do povo”, de modo a se dizer igualmente que o “esporte é inimigo do povo”, ter-se-ia que procurar mostrar que o conceito ou significação de ‘esporte’ se relaciona fortemente ou indissiociavelmente ao que uma classe (burguesa ou dominante, como se queira)considera como esporte ou aceita como esporte. Ter-se-ia que tentar mostrar que uma certa atividade não era vista como esporte até essa classe aceitá-lo e/ou começar a praticá-lo e assim por diante.
O título não tem nada a ver com deixar uns de fora e outros dentro, ou em hierarquizar pessoas.
Vejo a arte, assim como o capital, como disse Marx em relação ao último, como uma relação social, e não um conjunto de coisas (de impressões ou produções estéticas etc.).
Mas embora tenha ficado instigado a lhe perguntar algumas coisas a partir da leitura rápida do seu último comentário, no fundo ‘arte’ não é um tema que me interesse, por isso, fico por aqui. Sempre achei uma grande besteira alguém querer chamar ou deixar de chamar algo que se faz de arte. Faça-se o que se quer fazer e pronto.
João, concordo quando diz que, dentro de cada critério de apreciação da arte, é possível determinar quais são as melhores e as piores. No entanto, cabe ressaltar que, na medida em que essa determinação se faz de forma unilateral, por uma categoria em especial, temos uma relação que configura a política elitista da qual muito se falou por aqui. Quem, durante sua apreciação, deve determinar qual arte é boa ou qual ruim? O expectador ou uma comitiva composta por pessoas, ao menos parcialmente, comprometida com os ideais políticos e estéticos do patrocinador?
Acredito que a discussão chegou a um ponto que não mais é possível se resumir aos “rabiscadores”. No entanto, cabem algumas considerações a respeito de suas observações:
1) Se os rabiscadores não progridem artisticamente, você concorda que o que levou a Bienal a aceitá-los esse ano, em detrimento do ano retrasado, foi uma questão de cunho puramente político, afinal eles não evoluíram artisticamente para ocupar tal patamar. Logo, a Bienal assimila aquilo que ela mesma não aceita e, fazendo isso, mantém os riscos interpostos pelos “rabiscadores de parede” afastados, além de possibilitá-los entrar no mercado de arte. Esse é o ponto do texto. Não há motivos para discussões a este respeito;
2) Quando você fala que os “rabiscadores de parede” não evoluem porque a subjetividade lhes proporciona uma zona de conforto, você, com certeza, despreza o trabalho de pichadores (que agora recebem nome de grafiteiros) como Bansky, cujos trabalhos são de uma sensibilidade e uma técnica inenarráveis. Ele também foi cooptado pelo sistema, assim como os demais pichadores (como você bem ressaltou), embora isso não anule os méritos de seu trabalho. (para ver obras de Bansky: http://www.banksy.co.uk/outdoors/outuk/horizontal_1.htm)
3) Dizer que os “rabiscadores de parede” têm preguiça de aprender por não refinarem sua técnica não um erro. É o mesmo que dizer que se um punk não fosse preguiçoso, ele seria um músico do heavy metal. Se esquece que a famosa receita dos 3 acordes são, em si, a essência da contestação estética que o punk proporciona. Conhecer todas as tendências para se saber o que se está questionando? Eu concordo. Seria mais coerente, mas isso é seguir uma regra com a qual somente nós estamos preocupados.
Discutir isso é o mesmo que dois professores de educação física discutir, na década de 80, se o skate é ou não um esporte. É uma discussão que não interessa a quem pratica. Cabe a nós perceber que a ingratidão de ser teórico é que a Terra não espera pela teoria para girar… Ela está lá (ou cá), limitemo-nos a observar e apresentar os motivos.
4) Se ampliar os olhares é o que traz ao artista a vitória, podemos achar que os “rabiscadores de paredes” são uma vanguarda vitoriosa, à medida em que romperam o “antigo” modo de se pensar a arte dos muses? Talvez. Eu prefiro acreditar que foram cooptados e enquadrados
Em questões mais amplas, concordo que a Bienal desnudou o discurso dos “rabiscadores de parede” mas não o meu (no caso, um dos ”promotores da rabiscação”), já que, como alguns comentários meus dizem: os pichadores estão sendo assimilados e se mostrando mercadorias em potencial, assim como os rappers.
Por fim, não vejo os “ideólogos da rabiscação” como os que fogem de algum lugar. Criticar não é evitar, nem temer! Pelo contrário, como o comentário do Fernando mostra, estes – os “ideólogos da rabiscação” pretendem que os museus invadam as cidades. Não são os ideólogos da rabiscação os que têm um discurso articulado no sentido de excluir parcela da população da visitação e/ou exposição, quem o faz são aqueles que, aproveitando a analogia religiosa, preferem que a arte esteja concentrada em mosteiros culturais, nos quais somente os monges da cultura podem expor. Os outros? Que sejam submetidos à fogueira junto com os que não consomem a verdadeira arte e una arte.
Penso que este tipo de debates deve interessar mais aos leitores, pelo menos àqueles que tiverem paciência para os ler, do que aos intervenientes. Assim, pela minha parte gostaria apenas de acrescentar três coisas antes de encerrar.
Eu pertenço ao número daqueles que, como Eduardo Tomazine num comentário de 27 de Novembro, distinguem graffiti e pichação. Um leitor considerou que essa atitude só cabia a «exemplares cidadãos». Quanta ingenuidade em imaginar que basta rabiscar por aqui e por ali para ter uma vacina de anticapitalismo! Quem quiser saber o que eu penso acerca dos graffiti pode ler um artigo de que sou co-autor: http://passapalavra.info/?p=2329 O leitor desse artigo verá também o que penso acerca da atitude tomada pela anterior Bienal a respeito da pichação. Defendo o direito de os rabiscadores rabiscarem, porque não acredito na utilidade de proibir a péssima arte nem de perseguir judicialmente os péssimos artistas.
Mais importante é a questão da selecção das obras artísticas e da definição da sua qualidade. Essa selecção pode caber inicialmente a um grupo de especialistas remunerados, em geral ligados a um museu ou a uma fundação. Nos casos em que a obra é seleccionada apenas deste modo ela raramente goza de consideração ao longo do tempo. A selecção só tem possibilidade de ser duradoura quando cabe inicialmente à apreciação de outros artistas. Nos séculos XIX e XX, praticamente todos os artistas plásticas cuja reputação se afirmou até hoje foram seleccionados informalmente por outros artistas ligados às mesmas correntes estéticas. Na maior parte dos casos, a selecção de uns artistas opera-se contra a selecção de outros, instaurando-se representações de correntes estéticas rivais ou mesmo francamente antagónicas.
Qualquer que seja o modo como for efectuada, a selecção pode ser aceite pelo público e pelos marchands. Pode suceder que a aceitação de ambos coincida, mas pode suceder também que a celebridade do artista seja promovida por uns e não por outros. São inúmeros os casos em que os artistas promovidos pelos marchands acabaram por não ter acolhimento pelo público, o que entra na rubrica das perdas e danos dos promotores. E o inverso sucede também, quando os marchands só tardiamente se apercebem de que um artista por eles desprezado pode constituir uma hipótese de mercado interessante. E já aconteceu, com os cubistas, por exemplo, que um único marchand promovesse a vanguarda, contra a opinião dos demais e ao lado de uma parte do público esclarecido.
Note-se que as formas de selecção aqui evocadas dizem respeito unicamente à sociedade capitalista. Em épocas anteriores, quando o artista produzia em resposta a uma encomenda de um mecenas, laico ou religioso, o problema do mercado não se colocava. O artista recebia um estipêndio, maior ou menor consoante a sua celebridade, e a obra não ficava à venda.
Mas o grande selecccionador, o maior de todos, é a história, e ainda aqui os julgamentos podem ser rivais. Michel Seuphor disse que em cada época havia duas estéticas opostas mas complementares, a que ele chamou o grito e o estilo. E assim teríamos Rembrandt e Vermeer, Delacroix e Ingres, Rodin e Brancusi, Pollock e Mondrian, e vários outros pares de oposições. Nenhum destes, note-se, foi seleccionado originariamente pelo mercado. Todos eles foram seleccionados por outros artistas e pelo público connaîsseur. Confundir a definição de vanguardas com a selecção mercantil não resiste à prova dos factos. A definição de vanguardas é múltipla, contraditória e, no geral, originariamente exterior ao mercado.
Ora, nós conhecemos as selecções operadas pela história porque podemos ver as obras em museus. As obras têm de ser preservadas, sob pena de ficarem destruídas. Antigamente as obras eram guardadas em conventos e em palácios, e aqueles que consideram os museus como lugares elitistas fariam bem em estudar a história do aparecimento dos museus públicos. Fariam igualmente bem em consultar as estatísticas relativas à frequência social dos museus, não especialmente no Brasil, onde não existem museus de boa qualidade, mas nos países onde estão sediados os principais museus.
Evidentemente que os museus guardam apenas obras materiais e não as formas efémeras de arte, que só podem ser registadas em filmes ou vídeos. E nos casos em que essas formas efémeras requerem a participação do público, o registo não pode ser senão parcial. Talvez um dia a estética vigente passe a ser totalmente constituída por formas efémeras. Mas, mesmo então, o que sucederá às obras materialmente existentes? Deitam-se fora? Ou continuam a guardar-se em museus? Termino recordando o que escrevi no primeiro dos meus comentários, que quando se nega a estética em nome da política temos a barbárie absoluta, a anulação do sentimento, o grau zero da cultura, o desprezo por toda a história.
Ao Baader, que não conseguiu perceber o brado irônico do João:
Transpondo a questão do campo artístico ao campo de futebol, não se pode dizer que a qualidade de um Pelé, de um Cruyf ou de um Messi seja igual a de um Felipe Mello, de um Dunga ou à minha jogando pelo Arranca Toco FC.
Desaparecido de Praga, Bakunin é reencontrado feito comandante militar em Dresden; ex-oficial de artilharia, ensina a arte militar aos professores, músicos, farmacêuticos… Ele os aconselha a fixar a Madona de Rafael e os quadros de Murillo sobre os muros da cidade e de se servir deles como defesa contra os prussianos que são “demasiado ilustrados” para ousar atirar em Rafael.
Mais uma obra dessa vanguarda brasileira, inauguradores da arte pós-contemporânea ou hiper-realista.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1104868-igreja-pichada-por-brasileiros-em-berlim-esta-interditada-por-tempo-indeterminado.shtml
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-polemica-entre-os-pixadores-de-sp-e-a-bienal-de-berlim
Então existe mesmo inteligentinhos, pseudointelectuais, que consideram a produção em série, brega, kitsh, como “arte”? Tá difícil viver num mundo assim em que pássaros dormem com morcegos e acabam de cabeça pra baixo. Depois vem as dores de cabeça, pensamentos virados, e outros sintomas. LAMENTO!