Numa situação em que um ensino básico precário coexiste com um desempenho satisfatório em Pesquisa e Desenvolvimento, fica para um lado a maioria da força de trabalho, mal qualificada, e isola-se noutro lado uma minoria de trabalhadores qualificados. Por João Bernardo

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.

Por um lado, no campo do ensino, sobretudo nos níveis fundamental e médio, o Brasil encontra-se atrás de outros países emergentes. «O Brasil gasta em educação quase o dobro (4,1% do PIB [Produto Interno Bruto] por ano) da China e, apesar disto, está em posição inferior no que diz respeito ao número médio de anos de escolaridade efectiva», consideraram os economistas da firma financeira Goldman Sachs [1]. A mesma desproporção entre meios e resultados foi observada por Paulo Levy et al. «Os gastos relativos da China em educação não são muito diferentes dos do Brasil, assim como os indicadores mais gerais», escreveram estes autores. «Entretanto, a concentração dos gastos em carreiras mais científicas e a maior ênfase em qualidade parecem ser evidências de que o direcionamento dos recursos constituiu importante elemento no sentido de se obter uma qualificação dos recursos humanos mais compatível com as necessidades do desenvolvimento industrial» [2]. No período de 1998 a 2004, enquanto o Brasil tinha 88% de alfabetizados entre as pessoas com idade igual ou superior a quinze anos, a China tinha 91%. Aliás, entre os BRICs [3] só a Índia, com 61%, estava abaixo do Brasil, visto que a Rússia contava com 99% de alfabetizados naquela faixa etária. E todas as outras grandes economias latino-americanas ultrapassavam o Brasil, pois a Argentina contava com 97% de alfabetizados, o Chile com 96% e o México com 90%. Em 2008 as diferenças mantiveram-se ou agravaram-se, e o Brasil, com 90% de alfabetizados naquela faixa etária, deparava com a Argentina com 98%, o Chile com 99%, a China com 94%, a Índia com 63%, o México com 93% e a Rússia 100% [4].

brasil-4-eNo capitalismo o ensino de massas significa meramente formação de força de trabalho, e é isto que estou a analisar. A situação do ensino repercute-se na produtividade das empresas sobretudo mediante duas vias: a qualificação dos trabalhadores e a Pesquisa e Desenvolvimento, P&D. O ensino fundamental, sendo uma das vias para a qualificação básica da força de trabalho, exerce efeitos, positivos ou negativos, sobre a globalidade da economia. Por seu lado, a P&D, embora seja propiciada pela qualificação básica da força de trabalho, exerce efeitos concentrados, incidindo nos sectores de vanguarda tecnológica.

Ora, o Brasil ocupa em P&D uma posição superior à ocupada na qualificação básica da força de trabalho. Isto é materialmente possível porque a P&D diz apenas respeito às empresas mais evoluídas tecnologicamente, em especial as de maiores dimensões. Em 2002 ou 2003 o Brasil, a China, a Coreia do Sul e Taiwan foram os países emergentes que mais gastaram em P&D, como mostra a tabela 1, onde os países estão ordenados pelos valores de 2002 ou 2003.

Tabela 1: Despesas em P&D pelas dez economias em desenvolvimento e em transição que mais gastaram nesta rubrica (em milhares de milhões [bilhões] de dólares)

Fonte: United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2005. Transnational Corporations and the Internationalization of R&D, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2005.

O Brasil gasta mais do que a China em P&D por pesquisador e convém saber que entre as vinte firmas dos países em desenvolvimento e em transição que mais investiram em P&D em 2003 estão a Petrobras e a Embraer. É certo que a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras, Anpei, considerou que o montante gasto pelas empresas em P&D é muito inferior ao necessário, mas segundo a Pesquisa de Inovação Tecnológica realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, as empresas, que haviam investido em média 0,57% do seu facturamento em P&D em 2005, passaram a investir 0,62% em 2008. Como em economia os números isolados são geralmente enganadores, a apreciação é mais realista em percentagem do PIB. E aqui os dados podem ser apresentados de maneira pessimista, como faz por exemplo o coronel Fernando Costa ao escrever que «nos últimos 15 anos, cerca de 0,7% do PIB tem sido destinado ao financiamento de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), enquanto os índices dos países europeus é [sic] de 2%» [5]. A tabela 2, porém, mostra que não só nenhum país da América Latina superou o Brasil neste âmbito como a supremacia brasileira se reforçou ao longo do tempo.

Tabela 2: Despesas em P&D (em % do PIB)

Fonte: Comisión Económica para América Latina y el Caribe, La Hora de la Igualdad. Brechas por Cerrar, Caminos por Abrir, CEPAL, 2010.

Tal como a Comisión Económica para América Latina y el Caribe, CEPAL, concluiu num estudo de 2010, «o Brasil constitui uma excepção no panorama regional, pois as suas despesas em pesquisa e desenvolvimento aumentaram desde o final dos anos noventa e passaram a situar-se em redor de 1% do PIB, o que o converte no líder da região quanto a esta rubrica» [6].

brasil-4-iOra, numa situação em que um ensino básico precário e uma escolaridade deficiente coexistem com um desempenho satisfatório em P&D, pode operar-se uma dicotomia de consequências nefastas, colocando para um lado a esmagadora maioria da força de trabalho, mal qualificada e laborando por isso em empresas pouco produtivas, e isolando noutro lado uma minoria de trabalhadores qualificados, sem que haja mobilidade de uma esfera para outra e provocando um estrangulamento na oferta de profissionais habilitados. Será possível evitar este perigo sem remodelar a totalidade do ensino fundamental e médio? Entre as medidas propostas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Fiesp, para «capacitar recursos humanos para inovação» conta-se «investir no Ensino Médio, em especial nas escolas técnicas. Essas instituições, ao lado do Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], se responsabilizam pela formação de mão-de-obra técnica de nível médio. Portanto, elas são a base da formação profissional da mão-de-obra técnica e podem desempenhar um importante papel na atualização tecnológica da indústria». Outra dessas medidas é «recobrar a capacidade de formação em engenharias, no ensino tecnológico e em gestão tecnológica, os quais vêm perdendo terreno para outras opções profissionais» [7]. Tratar-se-ia, em suma, de melhorar a vertente profissionalizante do ensino médio e ampliar a formação de técnicos superiores, mas parece-me que isto teria como efeito apenas alargar o gargalo e não suprimi-lo.

Se não se ultrapassar a dicotomia entre um ensino básico precário e um ensino profissionalizante e universitário satisfatório, a colaboração das universidades com as empresas, em vez de ampliar o nível genérico de conhecimentos científicos, pode ter como efeito a formação de ghettos tecnológicos. A Pesquisa de Inovação Tecnológica efectuada pelo IBGE esclareceu que, entre as fontes de informação utilizadas pelas empresas para realizar inovações, a internet foi a mais citada e as universidades, institutos de pesquisa e centros tecnológicos vieram em último lugar. Apesar disto, leio no World Investment Report 2005 que a Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, tinha mais de 250 acordos de P&D com firmas privadas, entre elas filiais de companhias transnacionais de origem estrangeira, e 60 acordos com companhias públicas [8]. Outras universidades têm acordos do mesmo tipo, e a Lei de Informática usa incentivos generosos para encorajar as empresas a prosseguir actividades de P&D em Tecnologia da Informação, inclusivamente por meio de parcerias com universidades e institutos de pesquisa. Mas se prevalecer a dicotomia que apontei, ela impedirá que os avanços tecnológicos se repercutam pela generalidade das empresas, confinando o desenvolvimento da produtividade a um pequeno número de estabelecimentos e deixando o resto da economia em estagnação, o que por sua vez terá um efeito de ricochete e impedirá que as firmas avançadas se desenvolvam tanto quanto seria possível. Encontro um indício deste efeito de ricochete na referida Pesquisa de Inovação Tecnológica, onde se vê que o terceiro maior obstáculo à inovação indicado pelas empresas, com 57,8% dos casos, é a falta de pessoal qualificado, superando em número de menções a escassez de fontes de financiamento. Outro exemplo de ricochete foi detectado num estudo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação, Brasscom, que calcula que o défice de profissionais neste ramo atinja quase 92.000 pessoas em 2011 [9].

brasil-4-hCom efeito, se regressarmos à tabela 1 verificaremos que, entre aqueles dez países em desenvolvimento e em transição, o Brasil foi o único cujas despesas se contraíram, em termos de dólares, entre 1996 e 2003, tanto na P&D total como na P&D prosseguida pelas empresas. O mais grave é que esta tendência declinante continuou nos anos recentes, pois a comparação entre os dados relativos a 2008 e os relativos a 2005 da referida Pesquisa de Inovação Tecnológica mostra que a taxa de crescimento do investimento das empresas em inovação se tem mantido ligeiramente abaixo da taxa de crescimento da economia. E o número total de pesquisadores que actuam em actividades internas de P&D, tanto na indústria como nos serviços, diminuiu 8%. «O único crescimento significativo revelado pela pesquisa é o aumento do percentual das empresas que inovaram por meio da implementação de novos softwares (que cresceu 59% no período)», indicou Roberto Mayer. «Infelizmente, o IBGE não estuda a origem do software (se desenvolvido no país ou no exterior)» [10]. Será que esta contracção resulta dos obstáculos erguidos pelas deficientes condições do ensino fundamental e médio?

A situação é espinhosa, porque na actual fase de transnacionalização as companhias estão a dispersar a P&D por vários países e, portanto, o Brasil arrisca-se a ficar na cauda da recepção de investimentos directos [11] que contribuam para proporcionar mais valor acrescentado. Já em Agosto de 2005 o Boletim Sobeet nº 36 se preocupara com o facto de o Brasil, ao mesmo tempo que se revelava muito atractivo para os investimentos externos directos, não aparecer como uma localização preferencial para os departamentos de P&D das companhias transnacionais. Deste modo o Brasil fica menos capacitado para beneficiar da potencial difusão da tecnologia obtida noutros países pelas companhias transnacionais, tanto de matriz brasileira como estrangeira. Talvez a situação seja pior, porque se as companhias transnacionais de matriz estrangeira não se precipitam para estabelecer centros de P&D no Brasil, parece que as firmas brasileiras estão ainda menos interessadas na inovação tecnológica. «Apenas 30,6% de firmas brasileiras investem em inovações de produtos e processos, enquanto isso figura um montante de 61,8% para EMNS [empresas multinacionais], que representam apenas 3% das companhias industriais do país» [12].

A curto prazo, a economia brasileira pode contornar este inconveniente na medida em que algumas das graves deficiências das instituições de ensino estão a ser supridas pela difusão de meios técnicos de informação e comunicação. Como destacaram os economistas da Goldman Sachs, «o desempenho do Brasil tem sido relativamente melhor no que diz respeito às capacidades tecnológicas, especialmente ampliando o acesso à internet e aos computadores pessoais mais depressa do que os outros BRICs à excepção da Rússia, e expandindo rapidamente o acesso aos telefones» [13]. Mas não creio que este recurso, ainda que importante, remedeie completamente os efeitos de uma escolarização deficiente.

brasil-4-kAssim, as falhas nas infra-estruturas e os problemas na educação conjugam-se e potenciam-se, causando estrangulamentos na produtividade. E mesmo que sejam tomadas rapidamente medidas adequadas, elas só surtirão efeitos a longo prazo. Os empresários e os economistas que os representam atribuem usualmente a culpa da baixa produtividade geral à protecção legal dos direitos do trabalho. Para me limitar a uma fonte conceituada, o suplemento estatístico do World Development Report 2005 indicou, baseado numa amostragem, que no Brasil a falta de qualificação da força de trabalho levantou obstáculos à economia em 39,6% dos casos, mas que a legislação regulamentadora do trabalho os levantou em 56,9% dos casos [14]. Pretender isto num lugar como o Brasil é hilariante. Os maiores obstáculos à produtividade, neste país como em qualquer outro, é no meio empresarial que se encontram.

Considerando o Programa Estratégico de Desenvolvimento e o II Plano Nacional de Desenvolvimento, levados a cabo pelo regime militar entre 1968 e 1980, como um «projeto ambicioso de auto-suficiência científica, tecnológica e industrial», o coronel Fernando Costa, membro do Centro de Estudos Estratégicos do Exército, reconheceu que este projecto «não obteve uma resposta significativa do setor produtivo privado como um todo e acabou confinado a alguns segmentos da burocracia estatal e à comunidade científica». O coronel Costa revelou uma certa ingenuidade ao lamentar que «a origem da tecnologia empregada importava menos do que o seu custo e confiabilidade». Mas em seguida aproximou-se do alvo, quando considerou que «os laços entre o sistema de C&T [Ciência e Tecnologia] e o setor produtivo permaneceram tênues, pela falta de demanda [procura] por tecnologias avançadas, decorrentes do ambiente protecionista, da abundância de mão de obra e recursos naturais baratos» [15]. Com efeito, a política de baixos salários, promovida pelo regime militar, só podia ter consequências negativas sobre o desenvolvimento da produtividade e, portanto, sobre o desenvolvimento tecnológico que é uma das suas condições. A luta pela elevação dos salários é o motor do crescimento económico, e se não precisarem de compensar através do aumento da produtividade o que pagam a mais em remunerações, os capitalistas não se darão ao esforço de fomentar a inovação. E assim consolidou-se no Brasil um hiato entre um pequeno número de empresas com elevado grau de produtividade, geralmente de grandes dimensões, e as restantes empresas, onde prevalece o atraso tecnológico. A tabela 3, baseada numa pesquisa efectuada recentemente pela CEPAL, mostra a produtividade relativa consoante a dimensão das empresas, e vemos aí que o desfasamento entre os dois extremos é mais grave no Brasil do que nas outras economias latino-americanas importantes, com excepção do Chile.

Tabela 3: Produtividade relativa consoante a dimensão das empresas (em %)

Fonte: Comisión Económica para América Latina y el Caribe, La Hora de la Igualdad. Brechas por Cerrar, Caminos por Abrir, CEPAL, 2010.

O interesse da tabela 3 não se esgota na posição do Brasil relativamente a outros países da América Latina e são igualmente importantes os dados referentes às economias europeias, especialmente a Alemanha e a França. Estes dois países, tal como alguns outros na Europa, são reputados pela elevada competência das suas pequenas e médias empresas, o que atrai companhias com exigências tecnológicas, que podem contar com subcontratantes e fornecedores locais de alto nível. Quanto menor for o desfasamento de produtividade, e portanto de grau de desenvolvimento tecnológico, entre as empresas maiores e as menores, tanto mais facilmente as tecnologias inovadoras se difundirão por toda a economia, arrastando um crescimento geral.

brasil-4-lEste efeito de arrastamento é hoje ainda mais importante, porque a transnacionalização leva à dispersão das cadeias produtivas e ao recurso extensivo à subcontratação. Ora, quanto mais elevada for a qualificação básica da força de trabalho de um país e quanto mais evoluídas tecnologicamente forem as pequenas e médias empresas desse país, tanto mais facilmente se poderão ligar às redes tecnológicas mundialmente inovadoras. O aumento geral da qualificação dos trabalhadores faz com que todo o tecido económico seja permeável aos avanços tecnológicos. E assim, depois de considerarem que a Lei da Informática «está contribuindo para a qualificação de cientistas e engenheiros brasileiros» e de informarem que «diversas firmas [de matriz estrangeira] mencionaram que estão realizando no Brasil parte de seus esforços globais em P&D, devido à disponibilidade de recursos humanos qualificados, boa infra-estrutura e o alto nível de grupos de estudos em algumas universidades e institutos», Eva Stal e Milton Campanário advertiram de que «mesmo se considerarmos as mais fortes atividades inovadoras de EMNS [empresas multinacionais] no Brasil, a atração de laboratórios de P&D não gerará todas as capacidades esperadas, a menos que esses centros estejam intimamente relacionados à estrutura de produção brasileira, compartilhando com seus fornecedores, quando necessário, os resultados de P&D alcançados, para que o esforço tecnológico da empresa possa beneficiar toda a cadeia produtiva» [16]. Por todos os lados que se estude o problema, regressa-se sempre à mesma dicotomia que levanta obstáculos à melhoria da qualificação básica da força de trabalho, único motor que empurraria a generalidade das empresas para patamares mais produtivos.

Penso que reside aqui a razão última do fracasso da Política de Desenvolvimento Produtivo, PDP, no que diz respeito à P&D, e para mais o governo federal lançou com objectivos convergentes o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação. Inaugurada em Maio de 2008, a PDP propunha-se aumentar a parte ocupada pela P&D privada no PIB, que fora de 0,51% em 2005, para 0,65% em 2010, o que exigiria que os investimentos das empresas nestas actividades crescessem à média anual de 9,8% entre 2007 e 2010. Chegados a 2010, porém, os investimentos privados em P&D tinham alcançado apenas 0,59% do PIB. Tentando retomar a iniciativa, o governo federal lançou em Agosto de 2011 o Plano Brasil Maior, que inclui entre os seus principais objectivos a elevação dos investimentos privados em ciência e tecnologia para 0,90% do PIB, mas terá mais êxito do que as medidas anteriores? Entretanto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, BNDES, tem procurado incluir as micro, pequenas e médias empresas, MPMEs, nas linhas de fomento à P&D, e a partir de Junho de 2009 o cartão do Banco vocacionado para empresas dessas dimensões passou a dar acesso a crédito no ramo dos serviços tecnológicos, ou seja, inovação. «A inclusão desses serviços no escopo do Cartão BNDES deve-se à importância que a inovação tem para alavancar a competitividade das empresas e de seu papel determinante para a sobrevivência das MPMEs», explicou um relatório do Banco [17]. Mas poder-se-ão difundir os centros de pesquisa e as firmas capazes de aplicar inovações se a oferta de profissionais qualificados se encontra estrangulada pela situação precária do ensino fundamental e médio? O governo federal lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação, PDE, cujo «principal objetivo», segundo dois assessores da Presidência do BNDES, «é aumentar a qualidade da educação básica, tendo em vista que ela é o pilar de uma boa formação dos profissionais do futuro» [18]. A engenharia é arriscada quando se ergueu o edifício antes dos pilares. É perante este dilema que o Brasil hoje se encontra.

brasil-4-mO capitalismo brasileiro depara com o grande risco de se operar uma dicotomia entre uma força de trabalho muito numerosa e não qualificada e outra qualificada e pouco numerosa. Ao mesmo tempo, porém, o facto de o país contar com todo o leque de mão-de-obra, desde a não qualificada e mal paga até à muito qualificada e relativamente bem paga, dá-lhe possibilidades competitivas no mercado mundial. Trata-se de um caminho estreito, de uma linha de equilíbrio difícil entre, de um lado, antagonismos que se paralisam e, de outro lado, contradições que se harmonizam. A condição para que a diferenciação interna da força de trabalho não se converta numa clivagem intransponível é que exista uma pressão para o aumento geral dos salários, quero dizer, que sejam progressivamente melhoradas a remuneração e as qualificações da força de trabalho menos qualificada e mais mal paga, ainda que se mantenha muito aberto o leque de rendimentos e habilitações no interior da classe trabalhadora. Esta melhoria progressiva das camadas inferiores indica a generalização do desenvolvimento económico ou, em termos marxistas, revela a pressão da mais-valia relativa. Se existir uma tendência para o aumento geral dos salários, então as potencialidades do capitalismo brasileiro podem realizar-se e a produção do país pode ir progredindo tecnologicamente e incorporar cada vez mais valor acrescentado. Algumas companhias transnacionais sediadas em países emergentes começaram como subcontratadas, mobilizando mão-de-obra mal paga e especializando-se em níveis tecnologicamente inferiores das cadeias produtivas, para ascenderem depois a níveis superiores e acabarem por ter uma posição tecnológica similar à das companhias transnacionais oriundas de países desenvolvidos. Várias firmas brasileiras conseguiram efectuar este percurso ascensional. Será que outras o conseguirão?

Mas o problema da educação e da qualificação básica da força de trabalho é muito mais vasto do que cada empresa em particular e diz respeito a todas elas em conjunto. Não se trata de uma questão de microeconomia, mas de macroeconomia. Ora, contrariamente ao que sucedeu com algumas das infra-estruturas privatizadas na década de 1990, não parece que a privatização seja uma panaceia para todas as falhas nas infra-estruturas materiais e institucionais que hoje se fazem sentir no Brasil. Soluções deste tipo não são viáveis para os estabelecimentos de ensino, tendo em conta, de um lado, o elevado custo do ensino privado nos níveis fundamental e médio e, do outro lado, a péssima qualidade do ensino universitário privado. Se o meu raciocínio estiver correcto, a intervenção do Estado será indispensável para resolver estes estrangulamentos e estas deficiências.

Notas

[1] Goldman Sachs Global Economics Group, BRICs and Beyond, 2007, pág. 78.
[2] Paulo Mansur Levy, Marcelo José Braga Nonnenberg e Katarina Pereira da Costa, «O desenvolvimento da China e da Índia — lições e implicações para o Brasil», em Octavio de Barros e Fabio Giambiagi (orgs.), Brasil Globalizado. O Brasil em um Mundo Surpreendente, Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, pág. 195.
[3] Em 2001 Jim O’Neill, economista-chefe da firma financeira Goldman Sachs, reuniu num grupo o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, fazendo um acrónimo fácil de fixar porque se pronuncia como a palavra inglesa que significa tijolo.
[4] The International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank, World Development Report 2006. Equity and Development, Nova Iorque: The World Bank e Oxford University Press, 2005, págs. 292-293; The International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank, World Development Report 2011. Conflict, Security, and Development, Washington: The World Bank, 2011, págs. 344-345.
[5] Fernando Sampaio Costa, Ciência e Tecnologia no Brasil e no Exército Brasileiro, Centro de Estudos Estratégicos do Exército, 2007, pág. 2. Será este o mesmo coronel que comandou o Batalhão de Infantaria da força militar brasileira no Haiti?
[6] Comisión Económica para América Latina y el Caribe, La Hora de la Igualdad. Brechas por Cerrar, Caminos por Abrir, CEPAL, 2010, pág. 108.
[7] Departamento de Competitividade e Tecnologia, A Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP após a Crise, Cadernos Política Industrial nº 3, São Paulo: FIESP, pág. 38.
[8] United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report 2005. Transnational Corporations and the Internationalization of R&D, Nova Iorque e Genebra: United Nations, 2005, pág. 183.
[9] Rogério Jovaneli, «Déficit de profissionais de TI chega a 92 mil», Info Online, 8 de Abril de 2011.
[10] Roberto C. Mayer, «Desindustrialização tecnológica», site Administradores, 22 de Março de 2011.
[11] Classificam-se como investimentos externos directos aqueles que asseguram ao investidor o controlo ou, pelo menos, um interesse duradouro e uma influência decisiva na empresa estrangeira onde o capital é aplicado. Considera-se habitualmente que o investimento é directo quando permite adquirir uma participação superior a 10% do capital de empresas estrangeiras. Uma participação inferior é considerada como um investimento de portfolio ou investimento em carteira.
[12] Eva Stal e Milton de Abreu Campanário, «Países em desenvolvimento e atração de centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas multinacionais», em Afonso Fleury e Maria Tereza Leme Fleury (orgs.), Internacionalização e os Países Emergentes, São Paulo: Atlas, 2007, pág. 279.
[13] Goldman Sachs Global Economics Group, op. cit., pág. 77.
[14] The International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank, World Development Report 2005. A Better Investment Climate for Everyone, Nova Iorque: World Bank e Oxford University Press, 2004, pág. 247.
[15] Fernando Sampaio Costa, op. cit., pág. 3.
[16] Eva Stal e Milton de Abreu Campanário, op. cit., págs. 278 e 279.
[17] Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Relatório Anual 2009, Rio de Janeiro: BNDES, 2010, pág. 65.
[18] Ana Cláudia Além e Rodrigo Madeira, «Internacionalização e competitividade: a importância da criação de empresas multinacionais brasileiras», em Ana Cláudia Além e Fabio Giambiagi (orgs.), O BNDES em um Brasil em Transição, Rio de Janeiro: BNDES, 2010, pág. 51.

Esta série inclui os seguintes artigos
1) hesitações
2) desindustrialização ou avanço tecnológico?
3) infra-estruturas
4) ensino e Pesquisa e Desenvolvimento
5) capitalismo burocrático
6) transnacionalização tardia
7) geografia do novo imperialismo
8) teia do novo imperialismo

10 COMENTÁRIOS

  1. Um texto do dia 1 de setembro de 2011 – Folha de São Paulo – que se relaciona com o assunto.

    SILVIO MEIRA

    A sala de aula, desconectada

    Não podemos ignorar, no processo de aprendizado escolar, as tecnologias de informação e comunicação

    TRINTA ANOS depois do primeiro PC, só 7% dos coordenadores pedagógicos das escolas brasileiras acreditam que seus professores sabem preparar uma apresentação em PowerPoint. Há 15 anos na era das redes, só 20% dos professores dizem estar na web, a partir da escola, quase todos os dias.
    Tal estado de coisas só não é mais preocupante porque 69% dos professores com menos de 30 anos revelam estar na rede a partir de casa, todo dia ou quase, realizando atividades associadas ao seu papel na escola.
    Os dados são da pesquisa sobre as TICs (tecnologias da informação e comunicação) nas escolas, empresas e domicílios, publicada pelo CGI.br (Comitê Gestor da Internet brasileira) -ver o link bit.ly/ra829Z.
    Você poderia dizer que o papel dos professores, na escola, é “dar aulas”. Mas não, não é. O principal papel dos professores, em todos os níveis, é conduzir processos de criação de oportunidades de aprendizado. E isso pode ser feito de muitas formas, entre as quais a aula.
    Mas a aula à qual estamos acostumados -normalmente a explanação de um texto conhecido, quando não a repetição pura e simples, na escola, do material que os alunos poderiam ter lido em casa para discutir em sala- já deveria ter sido proibida há décadas.
    Talvez “proibida” seja muito forte neste contexto. Mas você já imaginou a quantidade de tempo e de gente que se perde, mundo afora, ouvindo o professor recitar, e muitas vezes mal, um texto que poderia ser lido antes da aula, especialmente pelos maiores, para um debate em sala?
    Será que o processo de aprendizado mudaria significativamente se todos os professores soubessem preparar e realizar uma apresentação em PowerPoint, talvez resultado de terem mais acesso à internet na escola? Não necessariamente, até porque o domínio da tecnologia para expressar o conteúdo não significa domínio do conteúdo.
    E estamos cansados de saber que um dos maiores problemas dos professores dos primeiros níveis de ensino é sua formação, em cursos de pedagogia que, se têm pouco a ver com as necessidades reais das escolas, estão quase sempre abaixo da crítica no que tange à qualidade de seu próprio processo educacional.
    Ainda por cima, de que adiantaria preparar uma apresentação computacional, gráfica e interativa, se apenas 4% das salas de aula têm um PC para apresentá-la?
    Ocorre que as tecnologias de informação e comunicação não podem mais ser ignoradas no processo de aprendizado, até porque são parte da linguagem dos aprendizes.
    Internet, redes sociais, jogos digitais, smartphones não são uma raridade exótica na realidade dos alunos. Mais de 85% das residências têm celular, 35% têm computador, 31% estão ligadas à internet.
    A sala de aula, coitada, está desconectada. Entre os 44% dos brasileiros que usam computadores com alguma frequência, 50% sabem usar uma planilha e manipular som e imagem e, surpreendentemente, 18% têm alguma competência em programação. Aí é que a escola, os professores e a sala de aula ficaram, em termos de competências em TICs, muito atrás da média da população.
    O que quer dizer, também e auspiciosamente, que as oportunidades de aprendizado pularam o muro da escola e foram para a rua, onde estão situadas, do ponto de vista das TICs, mais competências do que no sistema educacional.
    Isso é bom, porque indica que pessoas e empresas não estão dependendo só da escola e de sua dinâmica para aprender, o que realmente deveria ser o caso em uma sociedade “em rede”, de informação e conhecimento.
    Mas quer dizer também que a escola é quase irrelevante para o aprendizado de um vasto conjunto de fundamentos e de técnicas que são essenciais no trabalho e na vida de qualquer um, hoje e no futuro, qualquer futuro.
    O estudo do CGI.br aponta problemas antigos, crônicos e diagnosticados há anos, que já poderiam ter sido tratados de múltiplas formas, se o sistema educacional tivesse a prioridade que deveria ter em um país que, se no passado era “do futuro”, quer, no presente, estar “no futuro”.

    SILVIO MEIRA, 55, fundador do http://www.portodigital.org e cientista-chefe do http://www.cesar.org.br, escreve a cada quatro semanas nesta coluna.

    @srlm

  2. João,
    Alguns dos países que despontam no cenário atual possuem esta mesma característica. Ao lado de um ensino superior mais estruturado e eficiente aliam uma população carente de formação ou precariamente formada e, entretanto, conseguem se desenvolver. Me parece ser o caso da China, da Índia, como é do Brasil. Os Estados Unidos, até porque se beneficiam da chamada fuga de talentos, alia um ensino superior de qualidade ao lado de uma população que não se interessa em estudar, no geral, havendo um ensino básico cheio de problemas.

    O interessante nesta discussão é pensar que o Brasil pôde se constituir como um novo país depois de Vargas mesmo tendo como base uma população basicamente analfabeta e pessimamente qualificada, incluindo ai os imigrantes. É o mesmo com China, com Índia e outros países mais. Uma vasta economia precarizada tem servido para alojar esta mão de obra desqualificada ao ponto de ser maior o desemprego entre quem possui o ensino médio completo do que entre quem não possui. Até certo ponto, a força física, a coragem e as formações que se adquire na família, no próprio trabalho ou na vida contam mais do que o que é oferecido nas escolas.

    O que eu tenho acompanhado é uma atitude de recusa ao saber ofertado na escola e depois os alunos fazem algum cursinho para viver, aprendem consertar um chuveiro, operar uma máquina e vão seguir a vida. Ou acabam aprendendo algo na família, no trabalho ou com os colegas. Isso pode ir desde aprender a roubar carros ou aprender a decorar com gesso. A parte que vai para as universidades é pequena, daí que o ensino médio conte mais como período de vivências e diversões.

    Da parte do governo, há pressões para aumentar a produtividade do ensino. No entanto, o querem fazer sem maiores investimentos, sem aumentar gastos. E assim a escola ofertada não consegue ser algo de diferente no meio de baixa qualificação em que vivem os alunos, ela é parte mesmo desta desqualificação. Mas o que queria perguntar é: se as escolas não apresentam um norte diferente, até onde o país poderá continuar a crescer nesta base ou serão as empresas que terão que assumir a dianteira na qualificação da força de trabalho?

  3. Ronan,
    Quanto ao ensino fundamental, creio que as estatísticas no começo do artigo mostram a diferença de situações entre o Brasil e a China.
    Quanto aos segundo e terceiro parágrafos do seu comentário, chamo a atenção para a seguinte passagem do meu artigo: «o facto de o país contar com todo o leque de mão-de-obra, desde a não qualificada e mal paga até à muito qualificada e relativamente bem paga, dá-lhe possibilidades competitivas no mercado mundial. Trata-se de um caminho estreito, de uma linha de equilíbrio difícil entre, de um lado, antagonismos que se paralisam e, de outro lado, contradições que se harmonizam». Veremos como — ou se — o capitalismo brasileiro conseguirá superar esse obstáculo.
    Quanto à sua última pergunta, creio que o final do meu artigo já indica que, na minha opinião, sem a intervenção activa do Estado o ensino fundamental não poderá melhorar. O grande problema, todavia, é que o capitalismo conseguiu produzir artigos industriais em massa com excelente qualidade, mas nunca consegiu produzir um ensino em massa com boa qualidade.

  4. A respeito do final do artigo, estive em Campinas justamente pesquisando o arquivo de Roberto Mange, engenheiro suíço, naturalizado brasileiro, é uma das mentes por trás da criação do SENAI e que ficou conhecido pela literatura industrial como “o semeador de escolas”. Além disso, ele está envolvido na criação de diversas instituições responsáveis pela organização científica do trabalho, tanto na administração pública com a criação do DASP (Departamento de Administração do Serviço Público), quanto privado com o IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho), juntamente com outros engenheiros, além da figura de Roberto Simonsen. Na historiografia, porém, existe um debate sobre suas filiações teóricas, se Mange era taylorista, ou se tinha uma vinculação maior com a psicotécnica de origem alemã. Ainda não tive tempo de analisar os dados que recolhi (os diversos cadernos e artigos dele), mas parece que ele trabalhou nas duas áreas. O problema é que o autor que fala de um Mange não taylorista quer desvincular sua obra no SENAI da exploração do trabalho, pois segundo ele a preocupação de Mange não ia somente de encontro à formação profissional, mas somava-se a uma formação técnica mais ampla. No meio desta documentação encontrei vários artigos de jornais onde Mange parece fazer um apelo aos industriais para que contratassem técnicos, que seriam o elo intermediário entre os peões e os gerentes e engenheiros das empresas (existe inclusive uma ilustração de uma corrente, onde do lado esquerdo estão os “pões” no meio os “técnicos” e na ponta direita os “gerentes e engenheiros”). Vou precisar estudar mais sobre a função dos técnicos neste momento, mas de início fiquei com uma dúvida: desempenhariam ali preferencialmente a função de trabalhadores de mais-valia relativa, ou gestores de escalão inferior? De qualquer forma parece um bom espaço para esta discussão. Mas falei isto tudo porque Mange tinha uma verdadeira aversão a todo o trabalho que não fosse executado exatamente da forma como prescreviam os engenheiros, sendo que isto tinha a função de acabar com os laços de solidariedade tradicionais entre os trabalhadores. Algo que foi especialmente importante para desenvolver o capitalismo nas décadas de 20, 30 e 40. Neste momento, parecia ser mais importante para o capitalismo prescindir do conhecimento dos trabalhadores, vindo da experiência no trabalho, que engolirem um eventual processo revolucionário. Do ponto de vista político esta foi uma das funções do SENAI. Situação completamente diferente da Odebrecht e o seu sistema TEO, onde nesta jogada parecem os capitalistas ganharem muitas vezes: incorporam os conhecimentos dos trabalhadores locais, formando uma tecnologia de produção mais avançada; formam força de trabalho para si e para o mercado de trabalho local “de graça”; e ainda ganham simpatias junto a população e governo. Apesar disso, está lá o SENAI novamente. Muito interessante.

  5. Isto deixa as coisas mais sinistras ainda. Há uma pressão dos governos por aumento da produtividade do ensino, mas sem que se aumentem os investimentos. É lembrar do seu texto sobre as infra-estruturas e imaginar que as escolas não possuem internet e parte delas chega a não ter luz elétrica. Mesmo trabalhando na oitava economia do Estado de São Paulo, numa cidade com 1 bilhão de arrecadação-ano, foi-me recusado 40 cópias sulfite faz umas três semanas. Imagine o resto!

    Eu simplesmente não vejo de lado algum o Estado assumindo essa questão, é ver o futuro. Entretanto, inúmeras são já as faculdades que oferecem cursos de português, línguas e matemática de formar a sanar as deficiências trazidas pelos alu nos.

  6. Olá,

    Para as pessoas que estão acompanhando essa série de artigos – e querem uma contextualização mais detalhada do sistema TEO da Odebrecht citado pelo Rodrigo Araújo em seu comentário – fica a sugestão para que leiam o artigo “Odebrecht e a luta social” (de João Bernardo): http://passapalavra.info/?p=41170

    Realmente muito interessante esses pontos relatados pelo comentário do Rodrigo – gostei muito de saber um pouco mais sobre a genealogia do sistema Sesc-Senai (tão importante para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro).

    Abraços.

  7. Rodrigo, sou professor de um Instituto Federal de Educação Tecnológica e me identifiquei com a sua questão; “fiquei com uma dúvida: desempenhariam ali preferencialmente a função de trabalhadores de mais-valia relativa, ou gestores de escalão inferior?”.

    O que tenho percebido nesta minha ainda curta experiência docente é que, os atuais tecnólogos de formação superior, podem se encaminhar para qquer um destes caminhos. Vai depender de como forem absorvidos pelo mercado de trabalho. A sua formação é de fato ambígua, talvez por esta fase de transição que a educação tecnológica está vivendo, entrando com mais força aos ciclos de mais-valia relativa. O ensino por “competências” tenta equalizar as necessidades do mercado com a oferta de força de trabalho qualificada, numa tentativa de racionalizar a distribuição da força de trabalho, um verdadeiro sonho durkheimeano de “solidariedade orgânica”. Na realidade, é a busca toyotista de aproximação entre oferta e demanda aplicada à educação.

    Mas, é preciso observar a força com que certos conteúdos gestoriais vêm entrando nas grades curriculares: gestão, empreendedorismo, marketing, logística, etc. Esta questão para mim é uma das mais nefastas, pois está trazendo para o seio da formação da classe trabalhadora a ideologia do empreendedorismo. Vejo jovens trabalhadores com os olhos brilhando diante da possibilidade de “criar seu próprio negócio”, “ser seu próprio chefe”, “ser bem sucedido”, etc. A possibilidade de mobilidade social sempre foi um ótimo apaziguador de contradições sociais, principalmente quando existem casos reais “de sucesso” para inspirar tais anseios. Uma ideologia sem uma base material não é nada. Se os “ghetos de qualificação” citados por João Bernardo podem criar um fosso entre os trabalhadores, e concordo plenamente com isso, o empreendedorismo também. Lógico que se trata de uma estratégia de dinamização da Economia, mas, para mim, também é uma forma de ampliar a fragmentação dos trabalhadores.

    E, para os temerosos das privatizações, não se preocupem, com a implementação de sistemas toyotizados de gestão nas Instituições de Ensino, isso talvez nem seja necessário. Benchmarking, Qualidade Total, Ensino por Competências, etc., são só alguns dos conceitos que estão tomando conta da “linguagem” acadêmica. Enquanto isso, os espaços onde se poderiam abordar conteúdos que tentem romper com essa “pedagogia” pragmática e individualista, vão sendo minados e retirados dos currículos. Afinal, conhecer o conceito de mais-valia, por exemplo, não é uma “competência” necessária para adentrar ao mercado de trabalho, nem vai garantir o seu sucesso nos negócios, então, por que abordá-lo? E isso é muitas vezes dito por estudantes, o que atesta a eficácia do problema exposto acima.

    Saudações!

    Iraldo.

  8. Pablo,
    Com efeito, essa notícia relaciona-se mais directamente com a 7ª e a 8ª partes. Enquanto isto, há dias, em The Economist de 24 de Maio, li que a Vale está a construir uma ferrovia desde a Beira, em Moçambique, até ao Malawi. Mas a esquerda brasileira continua a identificar imperialismo com Estados Unidos, o que lhe permite fechar os olhos à expansão imperialista do capitalismo brasileiro na América Latina e em África. E quando afirmam que a economia do Brasil na última dúzia de anos regressou a um estado semicolonial, já nem se trata de fechar os olhos, mas de arrancá-los. Aliás, a expansão do imperialismo brasileiro em África não se limita ao plano económico e está a lançar profundas raízes sociais, de que é um exemplo a notícia que você indicou. Na mesma perspectiva, também é interessante observar a política de concessão de bolsas de graduação e pós-graduação a estudantes oriundos dos países africanos de língua portuguesa, o que leva ao estreitamento das relações entre as elites destes países e as classes dominantes brasileiras, consolidando as vias de penetração do imperialismo brasileiro. Compreende-se como é importante para a expansão deste imperialismo em África a aplicação da política de cotas no Itamaraty. Outro dia li um texto de uma figura do movimento negro brasileiro aplaudindo a expansão brasileira em África e dizendo que o Brasil reencontrava assim as suas verdadeiras raízes. As novas elites surgem já providas da sua autolegitimação ideológica.

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