Por Carmela Negrete

 

Em abril, uma delegação dos marines norte-americanos esteve a treinar um grupo de polícias e militares búlgaros no uso de técnicas e armas tidas como “menos letais”. O grupo responsável pela oficina, autodenominado Força de Rotação do Mar Negro (Black Sea Rotational Force), demonstrou aos funcionários búlgaros a utilização de gás lacrimogéneo, pistolas taser, gás pimenta e outras armas anti-protesto. De seguida, fizeram as malas e continuaram a tournée pelos Balcãs e pelo Cáucaso. Ao passar pela Roménia, para além de dar um espetáculo, os militares visitaram crianças órfãs e distribuíram roupa por comunidades necessitadas.

Assistimos a uma “crescente militarização da sociedade”, assegurava uma ativista do Fórum Contra a Guerra e Militarização, de Berlim. A sua afirmação não se refere apenas às ações que o Exército realiza habitualmente nas escolas de vários países da União Europeia, entre os quais a Alemanha. O contexto da frase supracitada remetia para o encontro que em fevereiro teve lugar na capital alemã, a Conferência Internacional de Operações Urbanas, na qual participaram cerca de 40 países, inclusive a Espanha. Nela, políticos, militares e empresários discutiram e apresentaram as últimas novidades técnicas e estratégicas no combate em núcleos urbanos. Armas e equipamento de guerra que podem ser usados contra o “inimigo”, conforme expressão evocada pela polícia valenciana na designação dos estudantes que se manifestaram contra os cortes na educação no passado mês de fevereiro.

Já em 2010, Portugal realizou gastos no valor de cinco milhões de euros na compra de seis veículos blindados, anti-motim, anti-bombas, anti-fogo e anti-minas. Estes veículos são iguais aos utilizados pelas forças norte-americanas e britânicas no Iraque. Um porta-voz declarava no Diário de Notícias que “a polícia portuguesa deve ser a única na Europa a dispor destas viaturas, essenciais na proteção dos grupos policiais que tenham de intervir sobre qualquer incidente de ordem pública, como um motim ou uma manifestação”. O recurso a este tipo de armamento expandiu-se pela Europa, conforme se pode observar pelos seguintes usos, mais comuns:

GÁS LACRIMOGÉNEO. Junto com o pacote, Portugal adquiriu gás pimenta e lacrimogéneo no valor de cinco milhões de euros, a aplicar contra “inimigos internos” em manifestações e outro tipo de protestos. Entre estes, os trabalhadores da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário que em janeiro deste ano quiseram entregar uma carta de protesto no Ministério de Economia. Na missiva, explicavam a injustiça na redução dos seus salários. A polícia pulverizou-os com gás pimenta, um composto químico que provoca cegueira temporária, pontadas e dor nas suas vítimas. No caso de pessoas alérgicas, poderá provocar graves complicações.

Na Alemanha, tornou-se famosa a imagem de um manifestante antifascista a mostrar o dedo anular a um agente de Dresden, enquanto este lhe descarregava gás pimenta na cara. A polícia alemã dispõe de latas e mochilas de spray, bem como pistolas que disparam balas com este composto químico, semelhantes às dos praticantes de paint-ball. No passado mês de fevereiro, véspera de eleições, a polícia eslovaca terá recorrido ao mesmo dispositivo contra manifestantes, tendo-os igualmente espancado. Os indignados romenos sentiram igualmente na pele a substância química. E em Itália, não só foi aplicado nas manifestações contra os planos de austeridade, como também nos protestos organizados por grupos ecologistas contra a construção do Transporte de Alte Velocidade (TAV) nos Alpes [1]. Contudo, o país que mais recorreu a tal método foi a Grécia, tendo a rede de televisão Skai informado que a polícia havia esgotado as suas reservas.

BALAS DE BORRACHA. Mais perigosas, as pistolas e espingardas de balas de borracha puseram o fim à vida de um jovem de 28 anos, morto pela ertzaintza [2] durante um jogo de futebol. Só em Espanha, conseguiram deixar outras 23 pessoas sem a visão de um dos olhos. Na Suíça, há décadas que as balas de borracha são utilizadas: uma associação de médicos independentes, a Vereinigung Unabhängiger Ärztinnen (VUA), alertava em 2003 para o seu perigo de morte, em especial nos casos em que o pescoço da vítima é atingido. Porém, a polícia persiste no seu emprego, tendo o último caso ocorrido em fevereiro, durante o despejo do centro social autogerido Landolt Areal, em Zurique. Em França, no mês de outubro de 2010, disparos de balas de borracha feriram gravemente uma moça que participava numa greve escolar em Paris. No seguimento, a direção da polícia proibiu a sua utilização. Em Setúbal (Portugal), durante a manifestação do 1.º de maio de 2011, a polícia recorreu a balas de borracha e gás pimenta na dispersão de manifestantes, tendo provocado diversos feridos.

CANHÕES DE ÁGUA. A 11 de novembro do ano passado, a polícia de Varsóvia recorreu a gás pimenta e canhões de água na desmobilização de uma manifestação. Este tipo de canhões são igualmente utilizados na Alemanha, tendo o ano passado provocado vários feridos graves e, inclusivamente, deixado cego um reformado [aposentado]. Segundo declarações à revista Focus, o mesmo assegurou que a única coisa que fez foi “lançar um par de castanhas à polícia”. O Estado alemão gastou em 2012 cerca de um milhão de euros num novo tanque para a cidade de Berlim.

PISTOLAS TASER. Os comandos especiais da polícia alemã, os Sondereinsatzkommandos, dispõem de pistolas de choque elétrico tipo Taser, não existindo nenhum caso conhecido de repressão ou de despejos em que tais tenham sido utilizados [3].

DRONES. Um dos últimos brinquedos militares para a vigilância policial de manifestações são os veículos aéreos não tripulados, os drones, pequenos aviões sem piloto. Em Dresden (Alemanha), no mês de fevereiro, uma manifestação antifascista foi controlada por drones, de acordo com declarações de um porta-voz da polícia ao jornal Tageszeitung.

Notas:

[1] N.T. O movimento de luta contra o TAV é constituído por uma panóplia de organizações, inclusivamente associações locais. Os grupos ecologistas são apenas parte dele.

[2] N.T. Polícia autónoma basca.

[3] NT. No processo de despejo do Es.Col.A da Fontinha, um dos manifestantes solidários foi atingido por um taser. Mais info, ver aqui.

Traduzido por Passa Palavra a partir daqui.

4 COMENTÁRIOS

  1. Texto estranho. Afinal ele se posiciona contra ou a favor dos instrumentos citados?

  2. Na verdade, o texto não tem que se posicionar mesmo, quem deve se posicionar é você José. Por isso deixo a pergunta…Você quer ser atingido por armas da polícia? Taí se reunindo para reprimir MAIS AINDA a sociedade, que na qual financia todos estes brinquedinhos e esta, não tem a mínima ideia disso, i.e, pagamos para baterem na gente.

  3. Saudações.
    O texto é pertinente e o assunto central da maior importância.
    O Brasil é um gde produtor de armas não letais.Assunto que o autor poderia desenvolver para nosso melhor entendimento das formas de repressão.
    J.

  4. Jefferson,
    A autora, Carmela Negrete, é uma jornalista espanhola. Creio que o conhecimento dela sobre a produçnao de armas menos letais no Brasil sejam muito pequenos. Penso que se você quisesse se aprofundar sobre o tema poderia propor um artigo sobre isto para o Passa Palavra.

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