O autor analisa como, nos últimos anos, os direitos fundamentais foram arrasados em nome da luta conta o narcotráfico. Por Artur Anguiano

A eleição presidencial mexicana decorreu numa atmosfera de fatalidade, gerada pelo inevitável retorno do velho e desacreditado governo do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Durante mais de 70 anos, este moldou o país à sua medida, criando um regime despótico, antidemocrático e corporativo, assente sobre relações clientelares e patrimoniais.

Um regime articulado por um presidente omnipotente, uma república fictícia e uma federação de estados sem funções nem equilíbrios efetivos, na realidade, avassalados e subsumidos pelo primeiro. Um regime que se tornou odioso e cuja decadência foi desvendada pela revolução indígena protagonizada pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). No virar do século, este mesmo regime viu-se repudiado pela primeira eleição presidencial democrática, a qual, todavia, favoreceu a direita de Vicente Fox, o candidato do Partido de Acão Nacional (PAN), uma organização católica integrista.

O balanço do governo do PAN

É chocante verificar que a alternância política, tão tardia, se vê agora coberta por um golpe de destino, por via do qual se prepara o glorioso regresso do governo PRI, responsável pelo autoritarismo, patrimonialismo e toda a corrupção que os envolve. Tal feito demonstra o fracasso dos governos panistas que, ao invés de uma democratização, se limitaram a reproduzir a mesma lógica, das práticas despóticas degradantes às estratégias neoliberais de devastação social. A política judicializou-se e o social foi criminalizado (lutas, resistências, trabalho). A intolerância, a repressão, a explosão do feminicídio, a quebra do Estado laico, o apoio a grupos fundamentalistas, o patrimonialismo e, inclusive, a fraude eleitoral foram marca destes governos de «mudança».

Doze anos depois, o balanço é ainda mais desastroso. O presidente Felipe Calderón governou sob o signo de uma guerra contra o crime organizado, procurando com isso a obtenção de prestígio. Cedo, o controlo fugiu-lhe das mãos, provocando a morte de mais de 60.000 pessoas, bem como a recorrente e ampla violação de direitos humanos. A legalidade manipulada, a justiça à medida, a presença massiva de forças armadas debilitaram (mais do que reforçaram) a presidência e o Estado, regidos segundo uma lógica militar contra um inimigo esquivo. O cartel do narcotráfico, porém, será tanto mais forte quanto maior for a ofensiva que se lhe opõe.

Na realidade, a procura por ordem e segurança veio agravar a desordem e expandir a insegurança, impondo uma estratégia de temor (que visou a paralisação dos diferentes sectores antagonistas), sem que, no entanto, se tenha deixado de desfrutar das cumplicidades desta ordem, corroída pela corrupção. Em plena campanha eleitoral, surgem acusações e autos contra altas figuras do Exército e ex-governadores.

Ao mesmo tempo que apoiaram essa guerra, os meios de comunicação social ocultaram as outras guerras que o governo travava contra as condições de vida e emprego; as comunidades despojadas de terras e recursos naturais a favor do capital global; os sindicatos que sobreviveram à derrocada do corporativismo; os povos indígenas que não deixam de resistir, recriando a sua autonomia e práticas coletivas; e, em geral, contra quem pensa de modo diferente.

Nestas condições, as campanhas eleitorais decorreram sem considerar o clima de desassossego e cansaço que parece permear a situação política. Candidatos ou sobredimensionados ou alvos de purga por parte de meios que exercem um poder aparentemente irrestrito e fabricam levantamentos estatístico, tentando prefigurar resultados. Enrique Peña Nieto (PRI), favorito dos meios eletrónicos desde que era governador do estado do México; Josefina Vásquez Mota (PAN), ex-ministra do governo Calderón; e Andrés Manuel López Obrador (Movimento Progressista) revelam-se incapazes de perfilhar programas e projetos que motivem uma cidadania. Num país que instituiu a sua democracia apenas no ano 2000, tal cidadania teve poucas oportunidades de se afirmar de forma eficaz.

Os partidos e os seus candidatos desenvolveram as suas campanhas eleitorais em plena crise nacional, sem, contudo, a compreenderem, numa espécie de autismo social apenas sensível a uns tantos. Até que em Maio, de forma inesperada, os estudantes decidiram confrontar Peña Nieto, que defendeu a sua ilegal e abusiva vingança repressiva contra o povo de Atenco em 2006 e pretendeu condená-los como provocadores.

O movimento Soy132 vem denunciar as movimentações interessadas na imposição do candidato do PRI, manifestando o seu cansaço e indignação relativamente às mentiras, à vacuidade e ao desprezo pela inteligência das pessoas. O clima nacional ficou mais pesado, as pesquisas manipuladas tornaram-se mais diversas e até os meios de comunicação se abriram a notícias e duros debates, até então negligenciados. Iniciou-se um autêntico debate sobre a situação, a ausência de democracia e as necessidades sociais. Derrubada a candidata do governo panista, desestabilizou-se o fiel da balança. Peña Nieto e López Obrador insuflaram-se como em 2006. As expectativas viram-se alteradas.

A poucos dias do 1 de Julho, regressa a incerteza que deveria caracterizar as eleições presidenciais. A fatalidade esfumou-se. O México polarizou-se entre os candidatos do PRI e do Movimento Progressista. O voto útil, que garantiu a Vicente Fox a derrota da velha oligarquia estatal (a mesma que hoje ensaia o seu regresso) é a solução procurada para um desenlace imprevisto. A apatia, no entanto, pode associar-se ao incómodo derivado dos processos monopolizados por uma classe política sedenta de poder, mas sem soluções ou alternativas de fundo capazes de mudar o país.

Traduzido por Passa Palavra a partir de Diagonal ( http://www.diagonalperiodico.net/Mexico-unas-elecciones-tenidas-de.html ).

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here