A insurreição twittada e a revolução 2.0 são tão pouco seguras como todas as outras o foram. Por Passa Palavra
Há dois anos atrás, quando publicámos os nossos primeiros artigos de crítica ao Fora do Eixo, a polémica nos comentários rapidamente chegou onde devia chegar e muitos leitores acusaram-nos de sermos arcaicos, de não termos dado conta de que a tecnologia digital mudara as coisas e que a revolução agora dispensaria o rancor e seria uma revolução 2.0.
E realmente era esse o centro do problema, porque nós nunca criticámos o Fora do Eixo por ser uma empresa. Vivemos no capitalismo, nada mais natural do que haver empresas e todos os dias surgem novas. Nós criticámos o Fora do Eixo por fingir que não é uma empresa. Estabelecemos que o era, desvendámos as relações internas e externas de exploração e o desenvolvimento de mecanismos fiduciários destinados a reforçar a esfera — no caso, o cubo — dessa exploração.
Passaram dois anos e isto parece ser hoje ponto assente. Relatos que em 2011 pessoas tiveram receio de divulgar circulam hoje amplamente, confirmando o que já havíamos denunciado e mostrando que as coisas são ainda piores do que mesmo nós imaginávamos. O Fora do Eixo está de tal maneira desmistificado que alguns dos seus defensores se limitam agora a negar que ele explore trabalho gratuito e que possa ser considerado uma empresa esclavagista, ou seja, no final das contas, defendem que ele é uma empresa como as outras.
Mas o que nos chamou a atenção nos comentários aos nossos últimos artigos sobre o Fora do Eixo é que não houve já quem nos viesse falar do fim do rancor e do surgimento da revolução 2.0. Não nos disseram agora que a revolução passou a ser twittada e que a democracia se instalou on line subtraindo o número dos não curti ao dos curti. Não nos disseram que a noção de um trabalho organizativo de base deve ser colocada no museu de antiguidades ao lado da máquina a vapor e que tudo o que existe no Facebook é real porque a realidade agora é o Facebook. Até as meninas e os meninos das acampadas se mantiveram calados, sem dizerem que fingir de Comuna é o mesmo que fazer uma Comuna. Por que será tamanho silêncio?
Será porque a Tunísia e o Egipto, onde duas ditaduras haviam sido derrubadas pelos twitters e pelos telemóveis (ou celulares), estão agora como estão? Será porque em Istambul a tecnologia digital foi capaz de encher a Praça Taksim e muitos outros lugares, mas depois? Será porque agora mesmo, em Junho, no Brasil, os telemóveis (ou celulares) e os twitters ajudaram o Movimento Passe Livre a encher cada vez mais as avenidas, até que os mesmos meios permitissem aos coxinhas virar, por dentro, as manifestações do avesso e desencadearem a sua contra-revolução? Contra-revolução não menos fugaz, porque assim como aquelas revoluções não instauraram a liberdade também esta contra-revolução twittada não trouxe de volta o regime militar.
Noutros artigos o Passa Palavra escreveu aquilo que toda a gente já sabia mas fazia de conta que não acontecia, que não há um click que se faça na internet, um número que se disque num telemóvel (ou celular), um sorria você está sendo filmado que se cruze na rua, sem que isso seja registado em algum lugar e, consoante as necessidades e as prioridades, devidamente analisado e avaliado. Ainda a este respeito nos disseram que sim, claro, isso é verdade, mas por outro lado… Afinal, o conforto é tão grande, para quem gosta de bisbilhotar a vida alheia, e a verdade é que a tecnologia digital promete acabar com a privacidade. «Saiba o que os seus amigos estão a fazer neste momento», reza a publicidade. Nós sabemos, se quisermos, mas o pior é que eles, os outros, sabem também e querem sempre sabê-lo.
E então chegou um sujeito corajoso que disse basta, o Edward Snowden, que trouxe provas indesmentíveis para abrir os olhos das pessoas que teimam em fechá-los. O que fazer perante a vigilância quase total do tráfego da internet? Ou perante os acordos de cooperação firmados entre a Agência de Segurança Nacional (NSA) e as principais empresas de comunicação, como Facebook, Google, Microsoft e Apple? Como fica agora a tecnologia do amor social on line e da revolução 2.0?
Note-se que a política externa norte-americana tem agido não só através de invasões e Mariners, mas inclui no seu expediente a utilização de cyber-armas, como o worm Stuxnet que atrasou o programa nuclear do Irão, e o uso intensivo de drones (VANTs – Veículo Aéreo Não-Tripulado). E as redes sociais digitais — a tal revolução 2.0 — foram incorporadas na panóplia de instrumentos daquela política externa.
Como o capital tem a arte de fazer de tudo um negócio, as principais empresas de comunicação que cooperam com a vigilância em massa expandem os seus mercados nos países exteriores à esfera de influência norte-americana, como a Rússia, o Irão, a China, Cuba e, em troca, passam a ter a garantia de Estado de que os seus negócios não serão atacados virtualmente nem censurados. Quanto aos Estados Unidos, fica sob o seu controlo e monitoramento a comunicação estrangeira. Se são estas as ferramentas de mobilização social, nas mãos de um governo elas servem para fomentar a dissidência e a desestabilização política nos países inimigos ou rivais. E assim as maiores empresas de comunicação se tornaram numa extensão da política externa dos Estados Unidos.
Há dias, por e-mails e twitter, evidentemente, foi divulgada uma iniciativa que, além de pretender estimular a utilização de software livre, insistia na produção sulamericana. «Para a emancipação tecnológica da nossa região e independência perante os sites/redes/softwares estadunidenses e de espionagem contínua sobre nossa região». Num plano mais profissional, e aproveitando a onda, o governo federal do Brasil anunciou recentemente que em breve os Correios terão um serviço de e-mail próprio para oferecer aos brasileiros. Só nos faltava mais esta. Abaixo o big brother do Norte! Vivam os little brothers do Sul! Espiados, sim, mas espiados pelos nossos, por quem é da casa, e não espiados pelos outros, os do lado de lá. E assim se deu a volta completa. A tecnologia digital veio, instalou-se, ligou todo o mundo, literalmente, numa rede de comunicação instantânea, e sobre esta base inteiramente transnacionalizada trazem-nos agora como novidade o velho nacionalismo.
É que a tecnologia não é um instrumento de sentido único, nas mãos de quem quer que seja. Ela é um campo da luta de classes. Cada uma das forças em jogo introduz elementos novos ou modifica os existentes, numa contínua espiral de respostas e contra-respostas. A insurreição twittada e a revolução 2.0 são tão pouco seguras como todas as outras o foram, a revolução dos pombos-correio, a das cartas com selo e a dos telefones com fio. Tudo depende da força das classes em luta, da firmeza das suas solidariedades internas, da formação de uma cultura comum, que integre as diferenças de melanina e de sexo, de olhos e narizes.
A propósito, alguém sabe alguma coisa desse desenvolvimento de uma cultura de classe comum? Não nos referimos à cultura de classe que unifica os capitalistas, essa vêmo-la todos os dias. Referimo-nos à outra. Há notícias?
As obras que ilustram o artigo são de Tarsila do Amaral.
A coisa vai ainda mais além.
Toda a nossa comunicação de hoje pode ser usada contra nós a futuro, tudo o que comunicamos nos e-mails, celulares, mensagens. E tem as câmeras pra todo lado: no trabalho, na escola, nas ruas, nos bancos, nas faculdades. Isso tudo num contexto no qual o poder judiciário e outros setores se esforçam por tornar crime a simples aparência ou o simples pensamento. Ter visto dados sites, escrito dadas coisas ou enviado dados vídeos serão, cada vez mais, considerados provas de que efetivamente se era alguma coisa ou se cometia algum delito.
Um exemplo: um jovem da quebrada é revistado várias vezes pela polícia militar. Todas as revistas são acompanhadas pela consulta ao seu nome na base de dados da justiça. Essas consultas ficam registradas. Depois, chegará um momento em que a polícia o interrogará para saber qual a razão de ter passado tantas vezes numa revista policial. Ao invés de ficar provado o preconceito da polícia em revistar tantas vezes um menino da quebrada e não um uspiano, é o menino da quebrada que vai ter que explicar o que acontece que ele é tantas vezes revistado.
Devemos nos preocupar com a caça que fazem à ironia hoje porque a futuro a ironia talvez seja um dos últimos espaços de liberdade.
Por fim, a Microsoft lançou, junto com o X-BOX 360, um aparelho chamado kinect. Esse aparelho serve para filmar o ambiente interno da casa enquanto se está a jogar video-game. As empresas de games pretendem tornar obrigatório o uso destes aparelhos espiões conectados à internet enquanto se jogam os games. Assim, estaria completo o círculo e o espaço privado da casa, para alegria das feministas, também seria objeto de filmagem e escuta, sendo os dados transmitidos pela net. Os novos modelos de Kinect permitem filmar a casa, as expressões faciais, reconhecer batimentos cardíacos, gravar sons.
http://gameworld.com.br/8578-e3-2013-kinect-a-servico-do-grande-irmao
Belo texto e pergunta excelente ao final.
O que exatamente se quer dizer com isso: “uma cultura de classe [resistente] comum”?
Talvez existam notícias, abundantes. Talvez não (e a pergunta parece caminhar mais por aqui, no sentido deste “talvez não” – não?).
Que dizer nesse sentido de coisas como, por exemplo, este Passa Palavra, ou a mensagem fundamental de “A esquerda que não teme dizer seu nome”, pequeno grande livro de Vladimir Safatle, ou a miríade de organizações políticas resistentes, ou então…?
Em vez de simplesmente despejá-la (um tanto ironicamente?), valeria muito explorá-la, esta pergunta final.
Abração, Caio.
Considero o Passa Palavra (PP) mais que um lugar de notícias, um espaço de debates e idéias, mas ultimamente o PP tá se tornando um cantinho de “receitas e admoestações”, como se o PP estivesse assumindo cada vez mais o papel de Linha Mestra. Nos textos, por exemplo, sobre as jornadas de junho o PP começa a ocupar o lugar do irmão mais velho, cheio de experiências e sabedorias.
Além de um moralismo do tipo “eu te disse, eu te disse”, o PP também anda escrevinhando textos enormes, tijolões à moda acadêmica, chatos.Os autores precisam parar de escrever para seu próprio deleite e gozo, lembrando que as idéias quanto mais claras, mais próximas podem ser daquilo que pretendem descrever.
No mais, o forte abraço de sempre aqui das lonjuras amazónicas
boas observações Jonas eu deixei de visitar o passa palavra por que está cada dia mais parecido com os textos dos meus professores aqui da USP. Parabéns pela comentário
Caio,
creio que ao despejá-la o coletivo propõe justamente que os leitores reflitam sobre a pergunta e compartilhem seus pensamentos (as vezes sou um otimista).
No meu caso, penso que sua referência ao livro do Safatle é importante. Creio que que existe um campo do imaginário social onde a quase totalidade dos trabalhadores ve como positivo um Estado que se conforma principalmente pelos serviços (hoje) universalistas (no Brasil), tais como educação e saúde (o transporte quer chegar lá). Quando os anarquistas pedem o fim do Estado é certo que não lhes passa pela cabeça botar fogo num posto de saúde de uma quebrada*. Este tipo de aparelho de Estado parece estranhamente estar numa zona cinza, ele merece ser criticado (se não por sua constituição epistemológica, tanto escola quanto hospital, então pela sua forma organizativa) mas no entanto existe algo em sua realização que vai ao encontro dos ideais da extrema esquerda e se configura como o apelo das grandes massas de trabalhadores, além de servir, mesmo que talvez de forma imaginária, como palavra de ordem dos trabalhadores qualificados, e até dos coxinhas, no momento de sair às ruas sem pauta.
Não lhes parece estar aí um campo consensual o suficiente para dobrar o capital em nome da totalidade dos trabalhadores? (não que isso seja novidade, o que se tenta aqui é a forma de se posicionar a questão na luta de classes. Me abstenho de comentar os meio de colocar tal luta em prática, mas é claro que não estamos nos referindo a programas do governo federal ou promessas de campanha eleitoral).
*Isso me faz lembrar um certo grupo anarquista que no debate sobre a lei do aborto legal se colocava ferrenhamente contrario à lei, pois de natureza estatal, e propunham como alternativa anarquista a criação de grupos abortistas anarquistas que viajariam o país realizando os abortos da classe trabalhadora.
Acompanho o Passapalavra há anos. É minha principal fonte de notícias junto com CMI, Diário Liberdade, Rede Extremo Sul, site do MTST, site da Flaskô e os camaradas por emeio. A parte dos vídeos dos movimentos e das lutas mostradas é muito boa, mas concordo com o Jonas Lima. Há um tom paterno, arrogante, acadêmico e sarcástico nos textos de opinião. Esse tom arrogante e acadêmico já me incomodou mais, hoje chego achar graça. Vejo como um estilo. Esse texto mesmo, concordo com toda a discussão – aliás sempre concordei que o Fora do Eixo é uma empresa como qualquer outra porque antes dos artigos do Passapalavra já tive um amigo iluminador de palco que trampou pros cara e recebeu em cubo card – e nem tenho feicibuk e nem sabia o que era uma revolução 2.0, mas claro que tudo que cês disseram é vero, hehehe, mas o jeito de escrever… sei lá… mostra um distancimaneto das ruas que sei que as pessoas – pelo menos as que eu conheço – do Passapalavra não tem. Sei que fazem uma luta anticapitalista importante e já tivemos em várias lutas lado a lado… como no Milton Santos contra o despejo… e várias ocupações e resistência de movimentos…
As vezes vou ler um texto e vejo muita razão pra minha cabeça confusa… as vezes não entendo a linguagem… e se reclamam da minha falta de esforço pra entender podem pensar em se esforçar também pra se fazerem entender…
Outra coisa: falta autocrítica. O Passapalavra também está submerso no mar – ou na lama? – de contradições, mas as vezes parece que flutua sobre as contradições do resto da esquerda.
No mais, abração procês e reafirmo que acho o trampo de vocês muito bom.
Fazia um tempão que não passava no Passa a Palavra, TODOS os motivos foram expostos linhas acima (jonas lima e outros), então estou contemplada. Só não sei se voltarei a passar por aqui, se mudarem….talvez. Duvido?!
Quem reclama da linha adotada pelo Passa Palavra deveria tomar o mesmo como exemplo. As pessoas do PP eram pessoas descontentes com a linha adotada por outras mídias de esquerda e, ao invés de ficarem reclamando, resolveram se reunir e montar um site próprio. É bem clara a satisfação dos membros do PP com a linha adotada e bem nítido que realmente pretendem se apresentar como grupo que tenha algo a dizer. Foi pensado desta forma, desde o início, como quem tenha algo para melhorar a esquerda anticapitalista. Qualquer um que o acompanha nota.
O Passapalavra não é um site para novatos. É um site formado por militantes e direcionado para um público militante. Por isso alguns textos são de maior fôlego, outros necessitam mesmo uma leitura mais atenta. O grupo pretende um debate de melhor qualidade e não tem medo de tocar em assuntos delicados ou polêmicos.
Ao meu ver, a principal riqueza do site é justamente publicar coisas que não seriam publicadas em outros cantos, expandir os horizontes ideológicos da esquerda, ter coragem de encarar os assuntos dos quais a esquerda foge por medo da censura e do isolamento.
Tendo isso em conta, apontaria dois problemas. O primeiro, mais raro, é a falta de honestidade intelectual, pedantismo ou o que se poderia chamar de postura fake que o site apresenta em algumas ocasiões. Já ocorreu algumas vezes de o grupo querer ostentar ter um conhecimento que não possui, uma experiência que não tem. O caso das jornadas de junho é exemplar. Quem acompanha o site diariamente sabe que o grupo foi pego pelos fatos como todos os demais. Basta ler os textos publicados desde o primeiro ato. Todos sabiam da estratégia do MPL de usar o Facebook como instrumento de mobilização mas ninguém escreveu uma linha sequer sobre os riscos desta estratégia. No entanto, passado os fatos, lá vem o Passapalavra publicar texto que dá a impressão de que desde o início sabia dos riscos que a revolução 2.0 trazia. Isso é totalmente fake. Foram varridos pelos fatos como os demais e tomaram carreira dos coxinhas como todos nós.
O segundo problema é que o site era muito mais plural quando foi criado. Basta repararem como aumentaram os textos assinados pelo coletivo ao passo que diminuíram, comparativamente, as contribuições externas. A publicação incessante de textos do coletivo é a expressão do fechamento do mesmo sobre dados temas. O PP não tinha uma posição fechada sobre o MST, ecologia, feminismo quando foi criado. Hoje tem. E esse adotar de posições muitas vezes é feito de forma na qual até mesmo o espaço para questionar dados assuntos é fechado. Afinal, por que o site precisa bater o martelo sobre o feminismo, sobre o MST ao invés de simplesmente deixar o debate aberto entre os membros e colaboradores? É sensível a mudança do PP de um grupo que pretendia apenas noticiar as lutas e apoiá-las para um grupo que adota linhas, que bate o martelo sobre temas. Por isso há, agora, tantos textos assinados “Passapalavra”.
Já que o texto deu margem para uma avaliação do PP, não ficarei indiferente em contribuir com um projeto que tem sido o único no Brasil a andar com uma agulha a furar balões de ilusões e confusões disseminadas aos montes no chamado meio de “esquerda”. Ao mesmo tempo sem abrir mão de uma postura intransigente de enfrentamento com o reacionarismo tradicional.
Por falta de tempo, me limitarei a abordar um tópico: a alegada perda de pluralidade.
Se no meio acadêmico a pluralidade é algo valioso (até pq caso ela dali desapareça, será em benefício do status quo), nos meios militantes e de luta social muitas vezes não o é.
O que muitas vezes passa por “pluralidade” no segundo ambiente, na verdade é uma política de condescendência com um certo tipo sutil de oportunismo que pretende ganhar – ou pelo menos manter o “diálogo” – pessoas situadas em movimentos e organizações com concepções das quais se discorda.
Assim, não se deve “bater o martelo” sobre o MST, afinal a base é uma coisa e a direção é outra não é mesmo?
Não se deve “bater o martelo” sobre feminismo, afinal existem feministas que podemos ganhar não é mesmo?
Não se deve “bater o martelo” sobre a ecologia, afinal existem pessoas sinceras que atuam neste meio não é mesmo?
Nada disso o PP fez até o dia de hoje. E é justamente por não tê-lo feito que ele tem se mantido com condições políticas de analisar e contribuir com as lutas em profundidade a amplitude.
E essa linha adotada pelo PP me parece ser a única possível de adotar para que ele não seja mais um dentre incontáveis projetos que nascem com perspectivas anticapitalistas e se permitem ser recuperados pelo capitalismo.
Diante disso, isolamento, incompreensão, ataques de todo tipo e afastamentos de pessoas próximas são preços a se pagar claramente previsíveis.
Tenho afirmado que, nos tempos que correm – e que devem durar muito – de três coisas quem pretende se manter anticapitalista nunca deve se afastar: 1) ideias claras; 2) determinação inabalável, e 3) métodos coerentes.
E isso o coletivo do PP até hoje tem mantido, para a sua não recuperação e para a sanidade mental de pessoas como eu.
O PassaPalavra versão 2012/2013 ficou interessante. Ao apoiar certas lutas e depois se afastar. Dando folego ao Desocupa em Salvador e depois ao MPL Salvador. Será que em 2014 vamos dar folego a Desmilitarização da PM e do Ocupe a Midia?
Hoje se briga por referencias aos nomes dos coletivos ao inves de criar interações com as diversas redes. Os novos-organizados não se desorganizam com as diversas frentes. E as frentes de luta ainda precisam de umas oficinas de hacktivismo e prism-break.
O coletivo não tem falado sobre os perigos das mídias eletrônicas e a comunicação via internet (incluída aí o Facebook)? Pois existe uma etiqueta que praticamente só trata deste assunto no site e conta com cerca de 27 postagens: http://passapalavra.info/tag/vigilancia
Deixa-me perplexo que um leitor, num comentário em que acusa o Passa Palavra de uma ocasional «falta de honestidade intelectual», escreva o seguinte: «Todos sabiam da estratégia do MPL de usar o Facebook como instrumento de mobilização mas ninguém escreveu uma linha sequer sobre os riscos desta estratégia». Nunca vi o Passa Palavra recusar a internet, o Facebook e o Twitter como meios de acção, até porque, se não me engano, é na internet que o Passa Palavra existe e usa tanto o Twitter como o Facebook. O que eu leio neste artigo — e a ideia encontra-se em vários outros artigos assinados pelo colectivo do Passa Palavra — é: «Não nos disseram que a noção de um trabalho organizativo de base deve ser colocada no museu de antiguidades ao lado da máquina a vapor e que tudo o que existe no Facebook é real porque a realidade agora é o Facebook». Sempre vi o Passa Palavra prevenir dos riscos de esquecer o trabalho organizativo ou de imaginar que se possa fazer trabalho organizativo só na internet, e nunca o vi afirmar que a internet e especificamente o Facebook não devam ser usados como instrumentos, embora o Passa Palavra tivesse vezes sem conta chamado a atenção para os riscos de segurança inerentes à internet. Será que esse comentador ignora os anos e anos de trabalho de base, trabalho organizativo físico e pedestre, que o MPL de São Paulo fez para conseguir o que conseguiu em Junho? Mas a partir do momento em que ocorreu a primeira das grandes manifestações, o curto lapso de tempo que mediava entre elas fez com que o Facebook e o Twitter aumentassem de importância e, sobretudo, que a sua utilização se multiplicasse entre pessoas que nem pertenciam ao MPL nem estavam na sua órbita de influência directa. Por isso neste artigo eu leio também que «em Junho, no Brasil, os telemóveis (ou celulares) e os twitters ajudaram o Movimento Passe Livre a encher cada vez mais as avenidas, até que os mesmos meios permitissem aos coxinhas virar, por dentro, as manifestações do avesso e desencadearem a sua contra-revolução». Precisamente por isso o Passa Palavra, num artigo de 24 de Junho (http://passapalavra.info/2013/06/79985 ), assinalou a necessidade urgente de prosseguir o trabalho de base onde ele é socialmente mais favorável aos anticapitalistas: «A rua, pois, é o lugar onde devemos estar, mas é o lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Há anos que nossas siglas às vezes contêm mais letras do que militantes ou base social. […] Como a nossa clivagem não é política, no seu sentido partidário, mas é de classe, saiamos às ruas, mas pelas bordas». Tudo isto a propósito da «falta de honestidade intelectual».
Eu pessoalmente sinto uma falta tremenda de um outro site de conteúdos originais com textos debatendo temas de esquerda com a seriedade e sobriedade que se tenta praticar neste espaço.
Sinto enorme falta pois vejo muitos e muitos comentaristas capazes de criticar o estilo dos textos do PP, mas não vejo ninguém desenvolver um pensamento de verdade sobre isso, são apenas comentários curtos que não desenvolvem nenhuma idéia propriamente, apenas indica uma inadequação de linguagem.
Beirando ao anti-intelectualismo, diz-se que são textos academicos ou arrogantes. Como se incentivar um diálogo, um debate fosse o pior dos aspectos da academia, como se aprofundar os arguentos com fontes fosse coisa de quem se acha melhor que os outros. Como é possível levar a cabo uma esquerda que não se debruça sobre os temas com a maior sobriedade possível num espaço aberto e acessível como a internet? Digo isso pois vejo acusações de que o site perdeu pluralidade. Oras, mas e o resto da internet? A pluralidade se realiza no âmbito geral da internet, assim como pluralidade de midia não quer dizer apenas um canal com variada programação. Onde estão os outros sites de coletivos dispostos não apenas a fazer análise e crítica de maneira empenhada, mas a publicá-las para que seja objeto de crítica de qualquer anônimo da internet?
Ao meu ver, as feridas de outros lugares recaem sobre o PassaPalavra, pois é um dos poucos lugares onde as pessoas se propõe a incomodar as outras, tirá-las das certezas reconfortantes.
Se fosse verdade que um debate legal não rola por falta de abertura do PP, veríamos um movimento de contestação por fora do site, o que não vejo ocorrer, da maneira como se pode ver que ocorre nos textos sobre Portugal, onde parece de fato haver um debate entre blogs, com textos em resposta de textos, e não apenas comentários de queixas que mais parece um Serviço de Atenção ao Cliente dos leitores descontentes com a linha editorial ou uma palpitagem sobre pautas mais importantes a se escrever.
Falta conteúdo para a esquerda ou falta vontade de fazer um debate profundo aberto? Quem são os que hoje estão interessados em pensar a luta da esquerda, contribuindo com análises, críticas, debates e polemicas? Gostaria que houvessem muitas outras fontes do que apenas o PassaPalavra!
Alguns debatedores demonstram um desconhecimento de boa parte dos artigos aqui publicados. Para não ser repetitiva, já que os comentadores antes de mim deram diversos exemplos de como este site debate há tempos a questão da internet e movimentos sociais, acrescento mais um artigo, publicado em 2011: “Curtir or not curtir” – http://passapalavra.info/2011/10/46696
O mais contraditório é que muitos destes militantes que chamam o Passa Palavra de arrogante e academicista estão em universidades conceituadas, quando não estudando em programas de mestrado ou doutorado. Escrevem semanalmente inúmeras linhas entre artigos, monografias, teses e dissertações, mas são incapazes de escrever textos que contribuam para a militância. Sequer se preocupam em direcionar os seus estudos para produzir conhecimentos relacionados às bandeiras que levantam. Se contentam com as bolsas e o sonho de uma vaga em algum departamento. Sabem que se expor através da crítica, como fazem os colaboradores do Passa Palavra, é abrir mão da própria academia, pois a academia hoje é exatamente o silêncio ou a futilidade, com raras exceções.
Não foram em poucas oportunidades que ouvi de militantes que eles próprios fariam textos em resposta ao Passa Palavra, principalmente contra a posição do site e de seus colaboradores em relação à agroecologia e ao feminismo excludente, mas estes textos nunca apareceram. Nem aqui nem em outro lugar. Minto: sobre a agroecologia e a ecologia apareceram textos, e o debate foi muito bom. Mas sofre o feminismo, até hoje espero…
Como essas práticas se perpetuam (tanto o Passa Palavra continua elaborando suas críticas quanto a maioria dos militantes continua a não escrever nada que eles mesmos consideram valer a pena divulgar ou falta coragem), os ataques ao Passa Palavra e aos seus colaboradores passam a atingir o nível pessoal. Comentários ofensivos passaram a ser a rotina.
Na boa, fiquem a morder suas próprias testas, ou parem com esse choro e escrevam textos em respostas. Se acham que o Passa Palavra perdeu a pluralidade, e continuam achando o Passa Palavra importante, enviem textos com linhas diferentes a que o site vem adotando. Ou, se o Passa Palavra já está perdido de vez dentro da sua arrogância ou cretinice (último adjetivo que ouvi), façam outro site e travem o debate por lá. Este tipo de ataque, entre todos os já sofridos pelo site, é o mais lamentável.
O conhecimento – ou o conhecimento verdadeiramente útil para as lutas sociais – só se produz fazendo uso da contradição. Muito me surpreende que pessoas militantes ou simpatizantes da militância anticapitalista se sintam desconfortáveis em serem contraditas. E a agressividade da argumentação é justamente aquilo que suscita o debate. É só observar os artigos que não são caracterizados por um discurso de tom agressivo: nestes quase sempre não há nenhum comentário e, portanto, nenhum debate. Eu mesmo já me senti desconfortável com teses expostas neste site de maneira agressiva, teses que contradiziam crenças que eu nutria com muita estima. Mas só o desconforto em relação à contradição dessas crenças me fez parar para refletir sobre aquelas teses e mudar as minhas opiniões.
Um dos comentadores disse que a maior parte dos artigos, desde há algum tempo, estão a ser escritos pelo próprio coletivo do Passa Palavra. Por que é então que estas pessoas não escrevem textos em resposta, com tons mais agressivos ainda, trazendo as pessoas para o debate e a reflexão, como propôs outro dos comentadores? Aí está algo para se refletir.
Uma das melhores formas de se ensinar qualquer coisa, quando existem pessoas dispostas a aprender, é uso de provocações. Se o Passa Palavra assumiu uma postura demasiado pedagógica, que se realiza através da polêmica, isto ocorre exatamente porque não existem interlocutores dispostos a assumir posturas idênticas, embora contrárias, no mesmo site, o qual disponibiliza o seu espaço justamente para a polêmica. Na luta e na reflexão sobre a luta, todos podem contribuir para o aprendizado. Se nem todos estão dispostos a fazê-lo, aí o problema já é outro.
Quanto à linguagem complexa utilizada pelo site: se existem leitores que não conseguem entendê-la, trata-se mais da constatação de que o público leitor não dispõe de qualificações para fazê-lo. Quando lemos alguma coisa que não entendemos e que, mesmo assim, em seu tema, nos interessa, o mais recomendável e que nos coloquemos a tentar ampliar os nossos conhecimentos. Caso contrário, o Passa Palavra se tornaria mais um dos muitos sites doutrinários que se limitam a reproduzir o be-a-bá das esquerdas, sem suscitar nenhum debate e nenhuma reflexão.
A meu ver, este é um site que abre espaços para polêmicas indispensáveis para que a esquerda se engaje no exercício da autocrítica, o que a tornaria capaz de reavaliar o seu terreno de atuação, as forças em luta, as táticas, as estratégias… e, quem sabe, o que a tornaria capaz de começar a ganhar, para variar. Temas como ecologia, feminismo e nacionalismo, que se tornaram lugares-comuns na esquerda contemporânea… só encontramos opiniões contraditórias em relação a tais lugares-comuns aqui.
Parabéns aos membros do coletivo pela coragem de dizer “na lata” o que as pessoas parecem não querer ouvir, por estarem muito confortáveis com as crenças que nutrem.
E o curioso é a quantidade de “ex-leitor” que veio se encontrar aqui nestes últimos dias!
Adoro vocês, e agradeço muito pela oportunidade que nos dão de aperfeiçoar nossos próprios discursos. Muito triste perceber que o aprofundamento e a complexidade na abordagem de assuntos densos virou sinônimo de arrogância. Parece que virou obrigação permanecer na superficialidade para não se “ofender” ninguém. Considero um elogio ter um texto comparado ao de professores da USP, pois lamentavelmente estamos assistindo uma geração de juventude cuja maioria faz trabalhos do tipo copiar/colar. Por conta disso, tem dificuldade de ler e construir textos mais complexos, e por isso fica numas de querer que tudo venha mastigadinho. Só falta pedir pra colocar na boquinha.