“Senzenina” (2018), do sul-africano Haroon Gunn-Salie

Por Angry Workers of the World

É um mundo estranho. Passamos mais tempo no trabalho do que com nossos amigos e família. Trabalhar consome nossa vida, mas vemos o trabalho como separado da vida. Não queremos levar o trabalho a sério porque nós, como humanos, não somos levados a sério no trabalho. A criatividade e a vida de bilhões é desperdiçada na forma como o trabalho é organizado no sistema atual.

Democracia? Que piada!

Nos dizem que vivemos em uma democracia – mas no lugar onde passamos a maior parte das nossas vidas, temos de pouca a nenhuma voz. A forma como o trabalho é organizado dificulta muito criar amizades ou ser amigo dos colegas: a máquina é muito barulhenta, a linha de produção é muito acelerada para permitir conversas (com frequência nos dão broncas por “conversar demais”), os colegas vêm e vão embora, então fica muito fácil pensar “para que me dar ao trabalho de conhecer essas pessoas?”, algumas pessoas acham que eles vão ter trabalhos melhores se mostrarem que são trabalhadores melhores que os “preguiçosos” – encoraja-se o tempo todo um sentimento de competição a despeito de todo o discurso de “espírito de equipe”. O trabalho não tem alma e faz com que a gente se sinta praticamente meio-humano, então como podemos falar de se conectar com os colegas?

Pequenos passos para tomar o poder de volta – de verdade!

É verdade que nós não controlamos o que acontece na nossa empresa, o que é produzido e como, quem é contratado e demitido e porquê. Mas podemos começar criando pequenos espaços em que nós e outros podemos respirar, algum espaço contra as metas de produtividade, algum espaço para ser amigável.

— Diminua a pressão no trabalho e tente não competir com os colegas. Não trabalhe mais rápido que a média, tente trabalhar um pouco mais devagar e ganhar algum tempo para os seres humanos do seu lado. Estimule outros a fazerem o mesmo.

— Não reclame dos seus colegas com os supervisores ou a gerência. Tente falar com seus colegas diretamente. Se o problema é mais sério, converse a respeito disso com outros colegas que você confia. Juntos vocês vão encontrar uma solução.

— Seja amigável com os colegas novos, com os trabalhadores terceirizados – mesmo que você pense que eles não vão ficar por muito tempo com você. Explique para eles como as coisas funcionam no lugar e que eles não deveriam se matar por um salário mínimo.

— Mostre apoio aos colegas quando os gerentes gritarem com eles, os enquadrarem ou os perseguirem. Inclusive chegar no colega e perguntar se ele está bem. Se você tem um grupo maior, uma possibilidade é enfrentar o chefe e exigir que ele se desculpe.

— Vamos tentar conversar com as pessoas no intervalo ao invés de só ficar encarando a telinha do celular. Vamos conversar sobre o clima, sobre o trabalho, sobre a vida. Vamos tentar também superar as nossas barreiras de linguagem – nem todo mundo se sente seguro em falar inglês, então seja paciente se as pessoas estão se esforçando.

— Tente diminuir ao máximo as horas extras – claro que todo mundo precisa do dinheiro extra, mas isso só acontece a curto prazo: a longo prazo os chefes vão nos fazer trabalhar mais horas pelo mesmo salário.

Podemos exigir mais!

Esses são apenas pequenos passos, mas eles ajudam a mudar o clima no trabalho. Eles também podem nos ajudar a exigir mais. Isso não vai acontecer do dia para a noite e também não precisamos esperar absolutamente todo mundo estar envolvido. Podemos começar com nossos colegas mais próximos, que têm a nossa confiança.

Sempre rolam pequenos conflitos com a gerência: sobre o ritmo do trabalho, horas extras, mudanças para turnos piores ou atividades mais degradantes, promessas de efetivação dos contratos, cortes nas gratificações, procedimentos disciplinares…

Frequentemente aceitamos essas mudanças, com o discurso de que não podemos fazer ou que “os colegas não vão aderir”. Para justificar nosso medo de fazer qualquer coisa é frequente dizermos: “a única opção seria todo mundo entrar em greve, mas as pessoas não vão fazer isso”. Mas existem passos menores que podemos trilhar, passos que não nos vulnerabilizam muito.

— Ache um pequeno grupo de colegas para começar. Quatro, cinco ou seis já tá valendo.

— Conversem sobre pequenas coisas que vocês podem fazer e que irritariam a gerência, permitindo que eles saibam que as pessoas não estão satisfeitas com as mudanças.

— Uma possibilidade é uma “operação padrão” secreta: os colegas nas diferentes funções cumprem rigorosamente todas as normas da empresa, de saúde e de segurança. Só faça as atividades que estão previstas no contrato. Isso geralmente diminui muito o ritmo do trabalho.

— Encontre formas de causar pequenas falhas nos computadores ou nas máquinas sem colocar a sua saúde ou a dos colegas em risco. Descubra outras formas de diminuir o ritmo de trabalho que não permitam que a gerência consiga identificar você ou outras pessoas.

— Um boicote “não oficial” das horas extras pode ser uma outra forma de mostrar que vocês estão putos sem se exporem demais. Quanto mais pessoas aderirem, mais efetivo vai ser.

— Faça seu trabalho normalmente, mas pare de se comunicar com a chefia, não diga “oi” nem “tchau” para os chefes. Se um departamento inteiro aderir, os chefes vão sentir o efeito em algum tempo e podem reconsiderar as mudanças.

— Encontre formas de colocar suas reivindicações sem precisar mandar um porta-voz – a gerência ou vai puni-lo ou comprar qualquer “liderança”. Precisamos de ação coletiva, não de heróis!

— Descubra maneiras de falar com os trabalhadores dos outros departamentos e estimulá-los a fazerem coisas parecidas. Isso pode acontecer em encontros depois do trabalho, por meio do WhatsApp ou outros meios.

— Às vezes a gerência se incomoda se a imprensa ou os clientes da empresa ficam sabendo que os empregados estão insatisfeitos, que metas de prazo ou de qualidade podem estar comprometidas. Você pode fazer isso ou ameaçar fazer isso sem dar a cara para a gerência.

Podemos colocar pressão nos patrões de muitas formas criativas. Quanto mais pessoas aderirem, melhor. Mas mesmo um pequeno grupo pode irritar a gerência. O desafio é manter as cabeças baixas e evitar uma luta aberta na qual podemos perder.
O local de trabalho e além – por que se juntar à rede de solidariedade WorkersWildWest?

Ser pobre não é divertido – se você está sozinho. A situação é parecida no trabalho. Mas se você se juntar com outras pessoas e se apoiarem, podemos nos defender melhor. Por esse motivo nós criamos uma rede de solidariedade no Oeste de Londres.

Muitos de nós mudam de emprego com frequência – e as condições são parecidas em todo lugar. Problemas no trabalho com frequência continuam depois do expediente – ao invés de lidar com a chefia sacana da empresa temos que lidar com senhorios, se estressar com a agência pública de empregos ou outros lugares da burocracia estatal. Atualmente as lideranças políticas querem que a gente faça um mundo cão uns com os outros: pessoas do lugar contra imigrantes, fãs de Jesus contra os seguidores de Maomé e por aí vai. Esperam que a gente brigue pelos ossos que jogam para nós. Devemos recusar o jogo deles e lutar de volta. Não precisamos de líderes para isso. Se é assim, o que podemos fazer e como podemos fazer?

Nos encontramos semanalmente em diferentes lugares em Southall, Acton, Park Royal e Greenford. Se você, ou um grupo de vocês, está enfrentando algum problema, venha para algum dos nossos locais de reunião ou entre em contato por e-mail ou telefone. Somos todos trabalhadores, não somos advogados nem especialistas. Mas sabemos nossos direitos. Discutimos o problema e pensamos num jeito de colocar pressão nas pessoas que querem nos roubar, despejar ou o que seja. Aqui estão alguns exemplos…

— A Agência de temporários ASAP em Greenford não pagou o adicional do feriado para quatro trabalhadores. Esses trabalhadores ligaram várias vezes e mandaram cartas, sem resultado. Elaboramos alguns panfletos e um grupo de oito pessoas foram ao escritório da empresa e disseram para a gerência que não íamos embora até que as coisas fossem resolvidas e que íamos falar para os clientes e para possíveis novos empregados o que tinha acontecido. Em meia hora o pagamento foi feito.

— O departamento que controla o vale aluguel em Ealing se recusou a pagar três meses do benefício para um de nossos amigos, que é um “imigrante da União Europeia” depois de trabalhar no Reino Unido por oito anos. Mandamos várias cartas e finalmente conseguimos entrar com um recurso na corte de Watford – e isso não custou nenhuma taxa advocatícia. No fim o amigo conseguiu os três meses do benefício retroativamente.

— Um agente de vistos pegou £10,000 de um amigo que trabalha em galpões logísticos. O agente prometeu um treinamento em TI, um passaporte de trabalhador e uma garantia de emprego. Isso não se materializou e quando nosso amigo pediu o dinheiro de volta, o agente se recusou a pagar. Nós bloqueamos a entrada do escritório e ameaçamos ficar na frente de cada uma das três escolas de treinamento dele. Aos poucos ele pagou todo o dinheiro de volta.

— A Agência de empregos temporários ‘Hays’ não pagou três dias de salários extraordinários para um gari local. Mandamos cartas e ao fim distribuímos panfletos para outros trabalhadores no depósito de reciclagem Amey. Também ameaçamos informar à imprensa. No final eles pagaram.

— A Agência de empregos temporários ‘Templine’ ficou perseguindo um amigo no depósito de Sainsbury por algumas ausências relacionadas à doença com a posse de atestado médico. Formulamos uma carta de reclamação oficial, o que diminuiu a pressão da chefia.

Novamente, quanto mais formos, mais podemos conseguir. Não se trata apenas de exigir de volta o que é nosso. Trata-se de construir confiança na classe trabalhadora e criar uma força local de solidariedade, contra o mundo cão que eles estão criando!

Traduzido pelo Passa Palavra a partir do original “Take the power back: breathing space, friendliness and solidarity at work”.

A imagem em destaque é a escultura “Senzenina” (2018), do sul-africano Haroon Gunn-Salie; as demais são Moais, as famosas Cabeças da Ilha de Páscoa, construídas pelo povo Rapanui.

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