Por Salvador Schavelzon

Resenha e ensaio crítico sobre o livro: García Linera, Álvaro. ¿Qué es Una Revolución? De la Revolución Rusa de 1917 a la revolución de nuestros tiempos. Vicepresidencia del Estado, La Paz, 2017[1].

O último livro de Álvaro García Linera, publicado em 2017 pela vice-presidência da Bolívia e também como artigo numa coletânea sobre os 100 anos da Revolução Russa, na Espanha (García Linera, 2017), apresenta um compêndio de trabalhos ou intervenções públicas anteriores do autor, organizadas aqui junto com uma leitura do processo de estabelecimento do poder soviético. García Linera busca neste texto se aproximar de uma definição sobre o que é uma revolução, abrindo um debate sobre as tarefas dos revolucionários em tempos sem revolução. Entre as frequentes publicações do vice-presidente orientadas para a intervenção no debate político boliviano, o texto se destaca por explorar uma dimensão mais distante da conjuntura e por suas pretensões de dialogar com a esquerda mundial. A discussão contribui, de fato, como justificativa clara de uma posição que muitas vezes a esquerda acaba assumindo de forma um pouco envergonhada: a resignação frente às leis da economia capitalista e o refúgio no Estado liberal; o abandono da tarefa de criar novas instituições; de construir poder de baixo; ou qualquer outro objetivo que se contraponha ao de manter o status quo dos grupos de poder e promover a expansão do capitalismo, da mercantilização das relações e da vida.

O texto se organiza como um O que fazer para quando não existe um processo de mobilização em curso. E a proposta é simples: o Estado, como âmbito da estabilização do poder político, posteriormente ao assalto revolucionário do poder governamental, numa gestão sem rupturas da economia. Trata-se, basicamente, de controlar e neutralizar o conflito entre forças políticas e sociais para “esperar” condições favoráveis que permitam avançar novamente, num momento futuro fora do alcance do Estado, com novos atores num futuro indefinido que sabidamente virá. O avanço demorará anos ou décadas em se reativar, na argumentação de García Linera, cabendo somente administrar uma situação política sem mais beligerância entre setores. Enquanto uma onda revolucionária de mobilização não acontece, trata-se de administrar o capitalismo favorecendo, em lugar de se opor, as relações econômicas existentes.

As características do processo da revolução russa narrado por García Linera fazem parte do consenso historiográfico sobre o assunto. O autor se refere ao mesmo citando autores clássicos de referência, inclusive alguns bem questionados pelo viés conservador e interessado numa descrição trágica e negativa do processo que sucedeu à chegada ao poder (Liz, 2017). García Linera busca também se afastar do período inicial, descartando rapidamente as medidas iniciais para fazer um elogio acrítico do que viria depois. No olhar interpretativo do curso dos acontecimentos na Rússia, é onde encontramos a contribuição do García Linera, na tentativa de uma leitura com pretensões teóricas pela qual o controle férreo da autoridade estatal se torna inevitável e, assim, o processo de burocratização e centralização autoritária do poder na Rússia é descrito como inexorável.

Deixando de lado uma busca anticapitalista que aparece como não possível na escala nacional, para García Linera o objetivo dos revolucionários deveria ser prioritariamente o de garantir o controle centralizado e monopólico do Estado. Depois de fazer a revolução, não devemos pensar em retomá-la, continuá-la, em busca da revolução dentro da revolução ou do trabalho para sua expansão. Não se trata sequer de levar adiante o processo de mudanças. Na base da nova hegemonia, o revolucionário espera num processo que não está mais a seu alcance, e que exige dele priorizar a economia, fator-chave para garantir o controle político. Controle político estatal e livre mercado.

O centro e a maior parte do texto de García Linera é uma releitura da posição do Lênin em 1921, quando, depois do período conhecido como “comunismo de guerra”, o governo bolchevique adota a NEP (Nova Política Econômica). A NEP, naquele momento, foi o resultado de uma conjuntura complexa onde o governo dos bolcheviques se encontrava pressionado pela situação política que exigia ceder posições frente à reação. As cidades e o campo estavam se levantando contra a revolução, além de persistir o acosso das potências ocidentais, dentre outras inúmeras dificuldades, incluindo o boicote econômico da burguesia nacional. Na leitura de García Linera, no entanto, o elogio da NEP se eleva a modelo para pensar a revolução em qualquer época, criticando como ingênuas as tentativas anteriores dos bolcheviques, quando foi tentada uma intervenção vigorosa contra a lógica capitalista de valorização e organização da produção, na indústria e no campo.

Para García Linera, a NEP não teria sido um “recuo”, e menos ainda uma política fracassada, como o próprio Lênin a definiu em diferentes momentos (Carr, 1981, p. 58). Ela seria uma medida necessária e inevitável. A escolha do gesto centralizador do Lênin, em lugar de outros possíveis do revolucionário russo, democratizadores ou de ruptura com as estruturas existentes, faz sentido como justificação da política adotada pelo governo da Bolívia. Mas veremos abaixo como a comparação carece de sentido na forma em que aqui é apresentada.

García Linera concede na argumentação que, embora seja fundamental controlar o Estado, e é isso que Lênin teria possibilitado na decisão estratégica de adotar a NEP, não é o Estado que faz a revolução. A NEP, nesse sentido, não é uma política de ordem revolucionária, mas a medida tática que permite aos revolucionários que substituíram à burguesia no comando político, se manterem no poder. Também a tomada do Estado em outubro não seria a revolução, para García Linera. A revolução só pode ser entendida num processo mais amplo, onde, além de reorganização do poder entre blocos de classes, é necessária uma modificação das estruturas do poder moral e das ideias dominantes que circulam entre elas.

A revolução se faz num processo lento, explica García Linera, como disputa que se dirime no mundo plebeu, antes da tomada do poder estatal, e que tem uma importante dimensão simbólica e cultural. García Linera pensa com o Gramsci da disputa hegemônica, embora o pensamento do autor sardo não possa ser recuperado plenamente, por exemplo na distância do argumento de García Linera com a ideia de revolução passiva. Para García Linera a revolução se interrompe totalmente no momento de refluxo das ondas de mobilização de baixo, justificando assim a necessidade de controle e intervenção política centralizada nas instituições.

O que García Linera retoma de Gramsci é a ideia de batalha cultural num campo político que envolve a sociedade, e que seria prévio ao assalto revolucionário. Mas também as críticas que Gramsci faz ao economicismo da ortodoxia marxista não são válidas na recuperação que García Linera faz do foco na hegemonia. García Linera pensa o Estado com Hegel (e Bourdieu) mais do que com Marx, entendendo o poder e a economia de forma idealista, num campo de disputa simbólica tido como separado das relações econômicas materiais. São ideias, que devem ser disputadas como princípios socialmente aceitos, por exemplo, no neoliberalismo. Ao mesmo tempo, no entanto, para um revolucionário sem processo de mobilização em curso, não há o que fazer para além de administrar as relações econômicas estabelecidas. É essa concepção que levaria o processo a se fechar na administração do Estado e da economia existente.

O idealismo que Marx criticava, que podemos associar às teorias contemporâneas da esquerda populista, com prioridade para o discurso e a política como esfera autônoma, aparece combinado, em García Linera, com um determinismo econômico como ressábio da ortodoxia marxista; e ainda com o aceite da institucionalidade burguesa como campo de atuação, de um progressismo que se encontra com o caminho histórico da socialdemocracia e o reformismo. Essas são as coordenadas de uma teoria da revolução que nasce da tentativa de justificar o rumo do progressismo latino-americano e do governo da Bolívia, a partir de uma perspectiva que busca manter uma associação com o legado da Revolução Russa.

García Linera também faz a reflexão sobre o Estado para pensar a diferença entre sociedades centrais e periféricas proposta por Gramsci. É nas sociedades “orientais”, com menos interiorização da lei e com um Estado menos enraizado, que a guerra de posições se faz mais apropriada; e é nas sociedades “ocidentais” onde o poder se estrutura de forma mais férrea. Invertendo a análise do Gramsci, García Linera vê o Estado mais distante, “gelatinoso” e ausente nas sociedades “orientais”, como Bolívia e Rússia, resultando em menos obediência e conformismo. Sem um Estado com sustentação mais consolidada e estrutural, as sociedades periféricas seriam mais plurais e diversas. Na esteira do Gramsci, esse ponto faz García Linera convergir com René Zavaleta e toda a geração intelectual da qual o autor faz parte, com uma discussão que extrai reflexões a partir da luta do movimento camponês e indianista da Bolívia, dando suporte à ideia do Estado Plurinacional (Multi-Nacional, em trabalhos anteriores de García Linera) como forma política que busca se aproximar do pluralismo social, da sociedade abigarrada [mesclada, misturada]. Na teoria do Estado e da Revolução do García Linera, no entanto, a luta das nacionalidades indígenas por autogoverno e descolonização se transforma num processo estatal[2].

Essa luta no campo social e da cultura é prévia e mais importante do que a tomada de assalto para a conquista de um Estado decadente que, para García Linera, quando a onda revolucionária se levanta, já estaria morto. Bourdieu é um autor com o qual García Linera pensa esses problemas, a partir do destaque dado aos aspectos simbólicos do poder e da definição do lugar social de grupos representados por um novo Estado. No livro também há menções ao sociólogo Erving Goffman, sobre a interiorização da lei nas sociedades “ocidentais”, e a Durkheim, sobre a necessidade de alterar as estruturas mentais morais e lógicas da sociedade – parte da fase “gramsciana” da luta pelo poder. Mas a proposta teórica aponta a necessidade de complementar esse pensamento sociológico e gramsciano, útil para entender especialmente a fase prévia ao controle do poder, com o pensamento do Lênin, necessário para entender a conquista do poder político e a imprescindível centralização estatal.

Na argumentação de García Linera, a guerra de posições e a consolidação de condições culturais hegemônicas na Rússia teriam ocorrido de forma muito acelerada, num percurso que, depois, foi completado pelos bolcheviques no plano da direção política, dentro de um momento jacobino ou ponto de bifurcação da revolução. Este momento leninista teria sido uma tarefa separada e posterior à fase de luta pela hegemonia, e também não teria como objetivo o controle das instituições, mas especialmente uma luta pelo poder político e de definição do projeto de poder. É depois da revolução, na dupla vitória cultural e política, gramsciana e leninista, quando se estabelece uma nova “direção geral da sociedade para todo um longo ciclo estatal”. Podemos dizer que, nesse ponto, García Linera enxerga um congelamento político que abre passo para que os jacobinos – sejam eles socialistas, republicanos ou progressistas – passem a se concentrar na administração do poder político aparentemente, agora sim, de forma “oriental”, despótica.

No livro, García Linera rapidamente abandona o Lênin do assalto ao poder, de Outubro, e também da disputa hegemônica prévia, gramsciana. O que interessa a García Linera é o Lênin do Estado, depois da revolução. Não é também o Lênin do Estado e a Revolução, escrito em 1917, nem o do Imperialismo, fase superior do capitalismo. É o Lênin do Estado sem revolução, e de uma política focada no Estado-nação, que contrasta com o olhar internacionalista, intercalando-se com posições mais comuns em tradições políticas nacionalistas, bonapartistas e populistas.

O título da edição boliviana do livro é “O que é uma Revolução?”, mas o conteúdo se refere a uma leitura em que a mesma se situa fora do alcance do revolucionário, numa visão que lembra muito o etapismo e o mecanicismo do marxismo ortodoxo, na medida em que o Estado é o lugar prioritário de intervenção política, mas especialmente porque este lugar aparece como tempo de espera resignada, de asilo para o revolucionário, que não teria em seu alcance influir no retorno de uma nova onda revolucionária, ou de uma revolução mundial.

A revolução permanece como possibilidade adormecida ou referência às lutas do passado. Fora dos momentos de explosão e movimento, é preciso um poder unificado que se expressa no Estado. Toda luta que ocorra fora desses momentos fundacionais, mitologizados, distantes, tratar-se-á de lutas locais, incompletas, não universais, e que se não forem controladas pelo Estado, sob o comando revolucionário, jacobino, progressista, deverão cessar. Assim, depois da revolução é preciso estabelecer uma autoridade, que tenderá a buscar um controle monopólico do território e o poder.

Um momento estatal, de consolidação do poder, resulta da combinação entre o momento jacobino leninista e o momento gramsciano hegemônico que lhe serve de base. Assim se define o monopólio territorial da coerção e o monopólio nacional da legitimidade, diz García Linera, “para todo um longo ciclo estatal”. Esse momento se define na Revolução Russa com a adopção da NEP, superando a tentativa ilusória de abolir as relações de mercado, além da escala salarial, no comunismo de guerra. Só a NEP encontra um desfecho para a disputa com as antigas classes dominantes. Em termos de teoria revolucionária, cabe assinalar, com a ideia do monopólio nacional da coerção e da legitimidade, García Linera se aproxima da tendência que se conheceu como Socialismo em um País Só no processo soviético, e também de processos caudilhistas similares em outros países.

Sem capacidade para intervir num processo que necessariamente se produz fora do Estado, diz García Linera, o revolucionário deve consolidar o poder político evitando o retorno das antigas classes dominantes. Entre o passado funesto, interrompido por uma revolução, e o futuro onde ela poderá ser continuada, se impõe um presente desencantado de administração do possível. Um presente morto, em termos de política revolucionária (ou revolução passiva), que conjura o futuro no mesmo gesto em que a ele tudo delega. Se em outro lugar García Linera (2016) acusa aqueles que chegaram a constatar um final de ciclo para o progressismo latino-americano, como se estivessem emulando o fim da história do Fukuyama, aqui é García Linera que, para justificar a administração do Estado burguês sem interferências na economia de mercado, propõe a espera, a esperança no futuro, o imobilismo no presente. Encontra-se longe de entender a história como luta de classes, urgência em encontrar caminhos de mudança dos têm a vida empenhada pelo capital, ou enxergam os limites da civilização e do capitalismo para viver bem.

A importância do livro de García Linera reside, assim, na explicitação do pensamento de uma esquerda estatal, hoje em retirada dos governos latino-americanos, onde tanto a busca por formas políticas não centralizadas como por alternativas ao capitalismo e sua lógica mercantil, em todo lugar, são canceladas.

García Linera compara o momento da adopção da NEP na Rússia com a resistência à invasão na Baía dos Porcos, na revolução cubana; a greve da PDVSA e golpe de 2002, na Venezuela, e, na Bolívia, com a vitória contra o “golpe de Estado cívico-prefectural” (dos comitês cívicos e governos estaduais), em setembro de 2008. Nesse momento, quando a resolução do processo constituinte boliviano ainda estava em aberto, o MAS de Evo Morales consegue vencer definitivamente o que tinha sido uma importante resistência ao novo governo. Com apoio social na Meia Lua, e chegando a declarar a autonomia política de fato, a oposição desafiava o monopólio estatal com realização de referendos massivos e ocupação de instituições. O MAS retomava a iniciativa política que mesmo uma vitória eleitoral de 67% num referendo revocatório recente parecia não ter garantido. Só depois de reconhecer a autonomia regional em mesas de negociação com a oposição, e permitir a revisão do projeto de constituição no congresso nacional, o processo que se encaminharia para a aprovação da nova Constituição e um novo ciclo de poder estatal se iniciava (cf. Schavelzon 2012).

Uma NEP na Bolívia?

O livro de García Linera tem o claro sentido de tentar justificar o rumo tomado pelo processo boliviano, considerado aqui como caminho que avança na mesma direção que o da adoção da NEP. Como demonstra a inclusão no livro de frases textuais de outras intervenções dedicadas originalmente a discutir com os críticos do progressismo, a defesa do Estado como espaço de interrupção não deixa de ser uma crítica aos que pedem mais do processo boliviano, aos que criticam um desvio do rumo inicial ou consideram chegado o fim de um processo de descolonização e mudança. É para essas críticas que García Linera responde dizendo que é preciso esperar, e que para os revolucionários só cabe a tarefa de controlar o poder da forma mais consolidada possível, a qualquer custo.

A definição da permanência no comando do governo como prioridade, inclusive acompanhada de um relaxamento das tensões com o poder econômico, serve para entender também a conjuntura boliviana, com frequentes manifestações contrárias ao governo, incluindo setores indígenas, cocaleros, moradores de antigos bastiões de apoio, com um retrocesso eleitoral no país inteiro. Nesse contexto, foi aprovada a possibilidade de “repostulação” do Evo Morales para uma nova reeleição, a partir de uma polêmica sentença no Tribunal Constitucional, controlado pelo governo, contradizendo uma definição expressa na Constituição impulsionada pelo MAS, e também a vitória do “Não” num referendo que consultava a possibilidade de que Evo Morales e García Linera disputassem uma nova reeleição[3]. A permanência no controle do Estado se mostra como prioritária, a qualquer custo.

Em diferentes intervenções fora da Bolívia, García Linera postula uma visão matizada do afirmado neste livro, onde a centralização estatal complementaria de modo paradoxal as formas que democratizam o poder. O Estado Plurinacional da Bolívia seria exemplo disso, com movimentos sociais no poder (García Linera, 2015)[4]. Mas a importância desse livro é que o efeito do elogio da adopção da NEP na Rússia permite que discutamos com um García Linera mais honesto. Sem necessidade de se referir por extenso ao processo boliviano, onde a centralização política teve como consequência o afastamento dos movimentos sociais da base do MAS da dinâmica do governo, García Linera está livre para destacar o que vê realmente como política necessária num processo político: a centralização, monopólio estatal da ação e repressão do conflito dissidente ou fora do controle. É verdade que na Bolívia as dinâmicas comunitárias e de participação políticas estão vivas. Mas é contra elas que a política adotada pelo MAS vem se desenvolvendo.

Longe de destacar a democratização que os bolcheviques impulsionaram na escolha dos sovietes como espaço que deveria controlar o poder, vemos que o que interessa a García Linera para pensar a revolução é o Estado, e a direção política do processo dentro do Palácio. Nesse processo, as bases mobilizadas deixam de controlar o poder e passam a ser controladas por ele, da mesma forma que os setores de poder destituídos, sujeitos todos de um novo poder transcendente que se postula como universal. Numa crítica que também cabe aos bolcheviques, quando é postulado o controle estatal em termos unificados e monopólicos, dificilmente isso pode ser conciliado com sujeitos sociais não estatais no comando do processo político. É esse o sentido do processo que García Linera está discutindo, independentemente de que qualquer Estado, e ele mesmo, declarem que as ações do governo respondem à vontade geral, aos movimentos sociais, ou a de alguns dos seus membros que se tornam quadros administrativos.

Sem recursos políticos para intervir nas forças econômicas que se mostram inatingíveis, que apenas um processo revolucionário emergente na sociedade, além de internacional, poderia alterar, para García Linera cabe ao revolucionário apenas melhorar as condições de vida da população através de políticas do Estado. Numa frase dirigida aos críticos de esquerda, García Linera diz no livro: “a gente gostaria de fazer muitas coisas, mas apenas conseguimos fazer algumas” (2017, p. 61). Assim, em diálogo com a Revolução Russa, vemos que o revolucionário ideal de García Linera deixa de ser o agente que se organiza para criar um poder paralelo, de baixo, e destruir o Estado burguês, para se tornar seu administrador.

Assim, a revolução russa que García Linera resgata não é a dos bolcheviques que negam colaborar com o governo provisional progressista ou de tendência republicana de Kerensky. A identificação com o Lênin é na sua dimensão jacobina, de vanguarda de mando, e não da democratização do poder, ao serviço da classe trabalhadora na construção de novas instituições e na interrupção do controle econômico da burguesia. Depois da conquista do poder político, assim, será possível apenas colher os frutos do que uma luta cultural prévia fizera possível. Não haverá espaço para a tantas vezes evocada “participação”, nem para disputas internas pelo destino do processo político. Uma paz controlada que não permite resolver os antagonismos sociais nem reabrir uma disputa pelo poder político quando seus novos ocupantes viram às costas ao processo iniciado pelos de baixo.

O verdadeiro aspecto heroico e romântico da revolução, para García Linera, se situa nessa fase pós-conflito, ou que nega o conflito, de pouca épica e problemas de governo. A tentativa do livro é reconhecer positivamente o curso que o processo político tomaria na Rússia e na Bolívia, começando com a fusão dos sovietes com o partido e o Estado; para depois avançar na proibição do conflito e dissidência interna; e finalmente consolidar uma burocracia autoritária que terminaria se constituindo na própria derrota da revolução.

Para García Linera a tomada do poder pode ser violenta ou não, justificando a luta armada para situações em que a definição do poder esteja em aberto, num momento jacobino que exija isso, mesmo que não a considere como único caminho possível. Mas o curso posterior da revolução é, para ele, um processo que precisa da mão firme reitora. Esse poder em poucas mãos, cada vez mais longe, ocorre na Rússia depois de 1921 e na Bolívia depois de 2009, embora estejamos falando, num caso, de um processo que respeita as instituições anteriores e, em outro, de um que as demole. Independentemente dos caminhos e também das medidas que são feitas ou não em cada caso, é nesse momento-chave que se situa o cerne de um processo, com centralização e verticalização que se realiza, diz García Linera, como paradoxo e “contra a revolução” (2017, p. 52).

A revolução deve avançar contra a revolução, a democracia e a descentralização do poder dos sovietes de camponeses, soldados e operários que, no momento jacobino de ruptura da ordem antiga, se tornaram espaços de democracia direta. Na Bolívia, podemos fazer um paralelo com o avanço do processo de mudança contra a autonomia das organizações indígenas históricas que propuseram o Estado Plurinacional na Assembleia Constituinte, com as quais o governo do MAS rompe depois de 2009. É necessário que o Estado imponha ordem em escala nacional, diz García Linera, contra a fragmentação dos trabalhadores e o assédio da contrarrevolução. A democracia comunitária, a representação direta das nacionalidades indígenas e a descolonização do Estado ficariam como frases decorativas da Constituição, com o governo do MAS operando para que elas se mantenham à margem das novas instituições, sob risco de questionar a unicidade e concentração do poder monopólico almejado.

Não é difícil imaginar o lugar do García Linera na repressão que a partir de 1921 o Estado Soviético orientaria contra opositores de esquerda, sovietes rebeldes, o exército de camponeses revolucionários da Ucrânia e, depois, os próprios membros do partido bolchevique que não aderiram à linha dominante. Mesmo não tendo sido desencadeado um processo repressivo em grande escala, houve criminalização de protestos e de ONGs críticas; intervenção governamental em organizações sociais; difamação de adversários na mídia, marcando um caminho que acompanha o favorecimento do “bom clima de negócios”. Ao mesmo tempo o governo se aproximou de uma nova burguesia local; priorizou a estabilidade econômica, em aliança com setores poderosos da economia antes resistentes ao novo governo. Depois de um momento inicial com atritos e medidas fortes, o poder governamental se consolidou nas mãos do partido de governo, com a economia marcando o rumo enquanto se buscava garantir investimentos e liberdade para os atores econômicos dominantes.

García Linera menciona o episódio de Kronstadt, em que Lênin e Trotsky comandam uma repressão violenta contra marinheiros que eram heróis da recente revolução. Trata-se para o autor de um “produto da arriscada modificação da correlação de forças ao interior do bloco popular” (2018, p. 90). Isso ocorria junto com a discussão sobre a NEP no congresso do Partido, quando também se constataria uma virada a respeito de liberdades de expressão e organização política no País. García Linera não menciona esse processo que acompanhou a adopção da NEP, mas entende-a como efeito necessário, seguido do reforço do controle político vertical, de modo a evitar o estabelecimento de um jogo de correlação de forças políticas no interior do bloco popular.

Além do início da censura em grande escala praticada pelos bolcheviques, deixando para trás o momento em que eles a sofriam, junto com a NEP se proibia a dissidência interna no partido, mesmo que não se organizasse como tendência ou facção, que anteriormente já não era permitida. Simultaneamente, milhares de mencheviques foram presos, exiliados ou tiveram pena de morte decretada, embora não executada (Fitzpatrick, 2005), e os bolcheviques substituíam membros de outras organizações no interior dos sovietes (Machajski, 2018).

García Linera define a prática revolucionária com base em algumas definições como “referentes universais que revelam a natureza social de um processo revolucionário em curso” (2017, p. 66). Esses referentes são o modo como a sociedade se constitui (como classe), se organiza (na ação política coletiva, com participação) e se projeta (como objetivos do processo político). Com as classes plebeias mobilizadas, nesta definição, existem possibilidades de luta anticapitalista. Também se supera a democracia representativa, assim como, no plano material da economia, os objetivos da luta buscam abrir espaços à lógica do valor de troca como ordem planetária, a partir do valor de uso, num regime de relação entre as pessoas e as coisas não mediado pela relação capitalista (2017, p. 66-7).

No entanto, agora, a bonita definição, radical na medida em que define uma verdadeira revolução a partir da alteração efetiva do Estado burguês e da economia capitalista a partir de um sujeito político de baixo, fica suspensa, por longos períodos, quando uma incidência política efetiva nesses planos fica definida, por García Linera, como não possível. Nesse ponto, uma nova definição se impõe, onde, de forma cínica, o que acabou de ser caracterizado como rasgos de uma revolução fica descartado. A tarefa do revolucionário não envolve formas democráticas e coletivas, se impõe como governo de poucos, embora se diga em nome da classe ou do grupo de fusão dos pobres e plebe subsumida à acumulação ampliada do capital. Em lugar disso, aparece uma elite jacobina que também não alterará a lei do valor mas, antes, criará condições para que o capitalismo se expanda, fazendo sua praça do espaço politicamente controlado por anticapitalistas.

É nesse ponto, com um governo que administra o estado e economia capitalista e decreta que o momento do conflito acabou, que aparecem dois aspectos identificáveis como a essência do novo momento: espera e controle. Não sendo possível uma revolução socialista, a energia do processo se apaga ou se volta para dentro, descuidando justamente de algo que os bolcheviques ensinaram: uma revolução realizada onde a teoria não a considerava possível, nas posições do Lênin em 1917 contra o próprio partido. Destacando os caracteres táticos e situados da ação e pensamento leninista, hoje nos perguntamos por caminhos concretos para uma revolução que não passará necessariamente pela aceitação do existente, nem pela promessa de um controle político que posterga o mundo novo para bem longe e além do presente.

García Linera postula um paralelo entre o Estado, como espaço do universal, e o dinheiro. Nos dois espaços se encontra um limite que exige entender que o movimento revolucionário cessou. A partir daí é contra os interesses da revolução, isto é, da sua permanência, modificar impositivamente as leis do mercado, e também questionar a nova autoridade estatal. Assim, junto com o controle político, há uma abertura econômica, com efeitos na política internacional, num processo que podemos ver caminhar na direção do enterramento de todo possível novo foco revolucionário, por caminhos diferentes aos que, por exemplo, Che Guevara seguiu a partir de premissas e situações políticas comparáveis (Sztulwark, 2017).

Ao mesmo tempo em que a NEP era apresentada no congresso do Partido, e a repressão política avançava, a Rússia dos bolcheviques também reabria relações comerciais com a Inglaterra e assinava acordos secretos com a Alemanha para hospedar fábricas de armas alemãs, proibidas de funcionar naquele país por causa do tratado de Versalhes (Carr, 2017). Longe da época em que os bolcheviques ordenaram a publicação dos tratados ocultos do Czar, o governo soviético governava agora um país com interesses que podiam não ser os do processo revolucionário, nem contrários ao objetivo de acabar com o capitalismo e democratizar o poder. E é exatamente isso que identifica a García Linera com esse momento.

A ocasião e o tema do livro servem a García Linera para generalizar uma análise que costuma aplicar ao entendimento do processo boliviano: como Marx analisaria o 1848 na Europa, as revoluções na história acontecem como sucessão de ondas. Constatação retrospectiva, na argumentação de García Linera, as ondas funcionam como esperança futura, celebração das rebeliões do passado, mas presente morto. A revolução é um instante efêmero que nos preenche de ilusão, mas que devemos entender como bem diferente do tempo do refluxo, quando o Estado toma conta da situação e as lutas necessariamente desaparecem.

García Linera entende o estado fluido da sociedade como produto de lutas, mas elas ficam circunscritas a uma fase inicial, seguida necessariamente de um momento em que a forma estatal regula a sociedade por décadas, como estrutura de poder produto dessas lutas anteriores. O Estado Soviético, e já não um poder soviético contra o Estado, e o Estado Plurinacional, na Bolívia, são uma fortaleza onde, antes de qualquer objetivo da revolução – ou dos princípios básicos da esquerda –, a prioridade é garantir a permanência do comando político considerado revolucionário. O Estado Revolucionário é o passado das lutas fortificado e consolidado como autoridade centralizadora e autônoma de qualquer lealdade com os movimentos dos que é resultado.

Para García Linera, as revoluções se “esfriam”, “solidificam” quando as lutas se institucionalizam e deixam espaço para estruturas estatais e econômicas que “regerão e regulamentarão a sociedade sob a forma de relações de poder e dominação durante as seguintes décadas, até um novo estalo” (2017, p. 17). Numa palestra em Buenos Aires, destinada a refutar a ideia de que a Bolívia e os governos progressistas da região se encontrariam num fim do ciclo, García Linera conecta explicitamente os objetivos do governo da Bolívia com os que seriam dos bolcheviques depois do “comunismo de guerra”, que derrotou a direita, mas teve sete milhões de pessoas mortas de fome. Os objetivos seriam “cuidar da economia, ampliar os processos de redistribuição, aumentar o crescimento”. O que Lênin fez, diz García Linera, é “priorizar a economia […] reestabelecer a confiança dos setores populares, operários e camponeses, no seu governo, a partir da gestão econômica, do desenvolvimento da produção […] respeitando iniciativas autônomas de camponeses, operários e pequenos empresários – inclusive empresários – para garantir uma base econômica com estabilidade e bem-estar para a população”. (García Linera, 2016).

Na hora em que o Lênin de García Linera começa a parecer com um líder europeu de pós-guerra, um defensor do empreendedorismo ou um ministro da Bachelet ou Rafael Correa, talvez seja preciso refletir se o paralelismo que García Linera propõe pode ser levado adiante.

Independentemente do justeza da avaliação da NEP para a Rússia, como medida necessária para a consolidação da revolução, ou que dinamizaria a situação política, revitalizando um processo que encontrava uma queda no ímpeto das novas instituições e energia dos revolucionários, o que estava em jogo na Bolívia parece ser bem diferente. A Bolívia passaria por um processo de centralização do comando, encerrando uma das experiências mais avançadas de partido-movimento, onde o “mandar obedecendo” e a decisão política nas mãos das bases eram elementos fundamental, e foram eliminados. Esse processo, que García Linera justifica, embora não possa ser considerado responsável, como ator secundário na organização do novo poder da Bolívia, ocorreu num momento de condições econômicas excepcionais, com preços altos de commodities, estabilidade econômica e receita estatal mais alta da história.

A Bolívia contou com condições políticas positivas a partir de 2009, com controle absoluto dos três poderes de governo e com a oposição perdida e em dispersão. Trata-se de uma situação oposta às condições em que a NEP é decidida, com dor para os revolucionários, na Rússia de 1921. Além do ciclo positivo de bonança econômica regional, teve decisões políticas na Bolívia que explicam a capacidade de reduzir a pobreza e fazer políticas “de inclusão”, mas também de não afetar a distribuição do poder econômico, e que propõe um modelo de desenvolvimento que não difere do adotado pelos países vizinhos sem administração progressista ou de esquerda.

García Linera destaca o exemplo da decisão dos bolcheviques em abrir a exploração de recursos naturais para empresas estrangeiras, com condições privilegiadas que as empresas nacionais não tinham. Tratava-se de uma necessidade prioritária, por causa da falta de energia para a indústria. Muito diferente da situação boliviana, embora a decisão dos bolcheviques apareça no texto de García Linera com claro sentido justificador, na adopção de um modelo extrativista de tipo neocolonial, favorecedor de empresas estrangeiras, em contradição com o espírito de outubro de 2003, quando as ruas da Bolívia abriram um momento com possibilidades revolucionárias, se opondo à privatização do gás, e que no início do governo de Morales seria, sim, respeitado no aumento de impostos para as empresas estrangeiras que exploravam hidrocarbonetos no País, a chamada nacionalização de 2006.

Até que ponto o caráter revolucionário do novo Estado Russo, que justificaria a centralização autoritária do poder, pode ser evocado para pensar o governo do MAS é uma questão que nos leva a avaliação do processo russo, à teoria da revolução não democrática e aprisionadora do García Linera, mas também da possível leitura equivocada de processos políticos pontuais. A escolha da NEP, que na Rússia resultou de fortes pressões vindas de fora, e a falta de acompanhamento internacional da Revolução, com o fracasso da esperada revolução alemã; na Bolívia consistiu na escolha de um caminho político que, na argumentação do García Linera, não aparece como uma escolha difícil, sacrificada, de renúncia dos objetivos e metas almejadas. Isso leva a pensar que, ao contrário da Rússia, foram internas ao processo de mudança, e não externas, as limitações políticas e pressões que resultaram na interrupção de uma possível busca anticapitalista, procurada de fato na Rússia, mas não na Bolívia.

Na Bolívia, um processo de mobilização, produto de uma construção de décadas, derivou num processo que teve possibilidades de alcance revolucionário mas foram abortadas desde dentro, e não por uma derrota frente a forças externas. A pergunta que se abre, na Bolívia, é se, depois de mais de uma década de governo do MAS, de fato as mudanças no sistema político e a incorporação de membros de organizações sociais na administração do Estado e o poder institucional significaram a destituição do antigo poder. Para além do simbolismo de um presidente camponês, sindicalista e indígena, e da aprovação de uma Constituição que estabelece mudanças na concepção do Estado, até que ponto houve uma ruptura com a institucionalidade republicana e liberal anterior.

Por outro lado, mesmo assumindo que num contexto como o boliviano possam ser colocados problemas semelhantes aos da Revolução Russa, nos últimos 100 anos o pensamento de esquerda tem questionado a ideia de progresso, o lugar do Estado como motor do desenvolvimento, o modelo econômico que um processo revolucionário deve impulsionar e as formas políticas adequadas para um capitalismo contemporâneo que não pode ser comparado com o da Rússia de 1917 ou 1921. O trabalho, o sujeito político, a organização revolucionária e as formas institucionais são assim rediscutidas. O salto temporal e político de García Linera, dos bolcheviques aos progressistas dos governos da América do Sul no começo da década, parece permanecer no mesmo lugar em que a esquerda pensava o poder naquela época, sem entender como este mesmo poder produz, circula, e não aparece de forma centralizada como objeto a ser possuído e controlado por um grupo pequeno de iluminados.

Entre o realismo pragmático, esquerdismo e ilusão

Uma crítica possível a García Linera seria a que se faz a partir de princípios e proximidade com o projeto da tradição de esquerda, contra um pragmatismo que Lênin ou qualquer outro revolucionário poderiam ter feito em determinado momento. É o lugar que García Linera queria assumir na discussão, como bom comunicador do progressismo hoje em retirada: o lugar do responsável homem de Estado que sabe até que ponto os desejos podem ser levados adiante, e até que ponto não. Assim, o vice-presidente da Bolívia reconhece que a revolução exige a centralização das decisões e o sacrifício do fluxo de criatividade do povo, como criticara Rosa Luxemburgo, e diz que “não devemos adequar a realidade às ilusões, mas ao contrário; temos que adequar as ilusões e as esperanças à realidade” (2018, p. 61).

De fato, podemos ver um García Linera que se convergiria com Lênin nas críticas à Rosa Luxemburgo, por exemplo, para quem as concessões da NEP para os kulaks, camponeses ricos, ou antes, a perda de democracia na hora de decidir, sem os sovietes, a tomada do poder, teriam um custo alto demais, com consequências futuras desastrosas, inclusive em termos de alcance da revolução. Aceitando o lugar do impossível, podemos preferir uma leitura da revolução russa que mostre como a história e o possível foi desafiado, assaltando o céu. Todo o poder para os sovietes e a possibilidade de criar um Estado proletário têm ainda um poder desafiador e revolucionário, que mostrou mudanças materiais, e capacidade de criar um mundo novo, transformando estruturas que pareciam fixas para sempre e contribuindo para o pulso da energia revolucionária no mundo todo.

No contexto de um livro que presta homenagem aos 100 anos da Revolução Russa, assim, podemos pensar como bastante fora de lugar o esforço do García Linera em levar a ideia de revolução justamente ao lugar onde ela se apaga. Se lembramos 1917, porque dificilmente vamos encontrar muitas homenagens à NEP em 2021, não é pela mesura, espera e capacidade de controle social dos bolcheviques que a revolução russa é evocada. O desespero do Lênin nas cartas ao partido para organizar de forma urgente a insurreição, ou inclusive críticas no final da sua vida direcionadas à burocracia, e o monstro que se desenhava, passam uma ideia contrária de desmesura e poder subjetivo para contribuir com o alinhamento de uma crise e mobilização numa revolução.

Lembramos dos bolcheviques por terem sido loucos, numa aposta sem precedentes, que a teoria indicava como impossível, e que apesar disso deu certo. Os bolcheviques foram inventivos, ousados, conectando auto-organização e disponibilidade para a luta dos de baixo, mas também avançando num salto para o vazio. Saltaram num lugar que antes deles não existia. A NEP foi voltar ao conhecido das relações capitalistas de comércio, incentivo à produção, propriedade e livre mercado.

O que é realmente admirável é como Lênin entendeu o movimento das forças políticas defendendo com determinação uma posição oposta à linha do próprio partido, e que abriu um tempo novo onde não parecia que fosse possível. É esse o núcleo da revolução, que na Bolívia provavelmente se aproxima mais da força camponesa e operária num devir indígena que se propôs descolonizar as instituições e pensar formas distribuídas de poder estatal, numa aposta para formas territoriais, recíprocas e comunitárias para além do Estado e conectada com indícios que permitem discutir com propriedade alternativas outras à civilização ocidental.

A NEP pode ter sido uma boa decisão de governo, ou não. E pode ter sido uma boa decisão de governo que, no entanto, não foi um bom movimento para continuar a revolução e expandi-la. Mas boas decisões de governo temos em todos os países e em todas as épocas… estadistas e bons estrategistas temos de qualquer lado do espectro ideológico. Não é isso que faz da revolução russa uma experiencia útil para pensar qualquer revolução ou processo de mudança. Não precisamos do Lênin nem do García Linera para pensar o problema da dificuldade de levar programas à sua execução, ou da esquerda que passa a governar da mesma forma àquilo que antes combatia, com objetivos de curto prazo e deixando para mais para frente os objetivos de transformação.

O MAS, junto com a oposição política ligada ao poder tradicional e empresarial, se ocupou de fortalecer e restaurar o poder republicano da Bolívia, com um pensamento que priorizava a busca pela estabilidade política, a consolidação do poder de mando, e o livre espaço para expansão capitalista, se encontrando com formas políticas que antes caudilhos ou governantes nacionalistas tentaram. Tem-se, então, uma crítica pertinente ao pragmatismo que encerra buscas políticas mais radicais e exigentes, que eram apresentadas como esquerdistas, infantis aliadas ao imperialismo por García Linera e outros construtores do relato progressista, enquanto o poder político se aliava ao poder econômico tradicional.

Longe da crítica ao pragmatismo governamental, no entanto, temos também outra crítica possível, que mostra até que ponto a leitura do García Linera é conservadora.

Na contramão da organização que o próprio García Linera faz da discussão política, contra os revolucionários de café, podemos ver no livro um alto grau de retórica revolucionária mistificadora e idealista, alheia às forças materiais que de fato orientam o processo boliviano. García Linera mantem um tom lírico na sua evocação da revolução, e da NEP, como momento de avanço e consolidação revolucionário. Nesse ponto a sua perspectiva contrasta com a forma com que os próprios bolcheviques se referiram ao novo plano econômico. Tanto Lênin como Trotsky (2008) a apresentaram como única alternativa, obrigados por condições muito desfavoráveis. Numa leitura não romântica mas realista do processo boliviano, urge nos afastar da ilusão de que a chegada ao Estado de um governo “progressista” possa ser sugerida como revolução homologável com a Revolução Russa, cujas fases e disputas possam ser pensadas em termos de efetivo assalto ao poder e vitória no campo da hegemonia.

O desencantamento frente às dificuldades reais de realizar mudanças estruturais nos distintos governos do progressismo latino-americano contrasta, em García Linera e tantos outros, com visões totalmente fantasiosas, mistificadoras e empolgadas sobre o que teria se tratado de uma autêntica revolução na região. García Linera, como boa parte da base de classe média intelectualizada do lulismo, do kirchnerismo, do correísmo, são de fato geradores de uma fundamentação com linguagem de esquerda revolucionária ou progressista, nacional-popular ou cidadanista, congelada na sua narrativa na época de oposição ao neoliberalismo contra governos da década de ’90, como se no fim do ciclo falassem ainda no começo do mesmo, sem ter alterado o lugar de fala depois de ter sido governo por mais de uma década. É nesse campo político, onde faz sentido a visão da Revolução Russa concentrada na abertura para as relações capitalistas, o recuo, a espera e o controle político dos focos de conflito e luta política autônomo.

A retórica carregada sobre poder indígena, soberania nacional e anti-imperialismo, de uma revolução concretada na Bolívia na redução da pobreza, expansão do consumo e políticas de transferência de renda para setores populares, com uma nova classe média que se torna principal sujeito político do novo País, se traduz no campo político polarizado com uma direita liberal ou conservadora, mas, no tocante ao modelo econômico, não apresenta uma impugnação ou divergência. Além da falta de horizonte socialista ou comunitário, uma disputa limitada ao plano de uma esfera política de discursos e símbolos, entendida como autônoma, dificilmente tem algo a ver com o processo revolucionário Russo.

O idealismo romântico de García Linera é o de chamar de governo revolucionário um processo que se sente no direito de fechar alianças com os inimigos das classes subalternas, os poderes econômicos tradicionais, cuja proximidade se constata no processo boliviano depois de encerrado o conflito pela aprovação da constituição. Entre mistificação, propaganda e defesa de privilégios, o cinismo e a ilusão, interesse e falta de autocrítica, todo poder estatal que se imponha como mediação que posterga o momento da implementação das mudanças deve ser questionado como distante da revolução e não símbolo que se apresenta em seu lugar, ocupando como poder estatal o lugar imaginário daquela, contra o fascismo, o neoliberalismo, o colonialismo ou qualquer outro antagonismo discursivo que o marketing político entenda conveniente.

Na falta de revolução, temos então uma teoria da revolução sem revolução. Na imagem do García Linera, pretender alcançar o socialismo a partir do Estado, como no “comunismo de guerra”, seria como andar com uma lanterna na noite escura. O controle estatal apenas funcionará onde conseguimos iluminar; além disso, será o mercado que se imporá (2018, p. 86). A impotência reconhecida nesta afirmação, e coincidente com uma atribuição do Estado apenas aparente e fraco nas sociedades periféricas, contrasta com o postulado da necessidade de um poder político férreo, mas apenas para deixar a economia agir livremente regida pela inevitável lógica de valoração capitalista. Assumindo que o papel estatal se desenvolve de forma mais eficiente como administração do capitalismo, García Linera pretende assim fazer da força do capitalismo uma virtude dos revolucionários.

Perguntamo-nos pelos efeitos subjetivos e de neutralização de energias revolucionárias desse tipo de visão política. O efeito de pensar a política com o espírito da NEP, parece resultar em passividade, ao se atribuir a si mesmo um papel de direção e controle estatal, mais em acordo com forças políticas do que como militantes revolucionários se dirigem a votantes de classe média (nova ou velha) em mensagens televisivas que substituem o que em outro momento foi um processo político levado adiante pela mobilização. Das ruas à Assembleia Constituinte com mobilizações e finalmente o Estado, nos perguntamos até que ponto a espera das ondas futuras da revolução não se constitui num muro que evita e obstaculiza a emergência de experiências que encontrem outro caminho.

A posição do García Linera não parece distante da de quem se atribui o papel de coordenar a revolução dos outros, lugar conhecido na organização do poder das repúblicas coloniais. Trata-se de uma elite política que se sente no direito, ou na responsabilidade, de assumir esse papel. Um jacobinismo que, sem capacidade de conduzir um processo de transformações, gerencia e arbitra entre setores velhos e novos da burguesia que se reparte o poder (Prada, 2013). Não é estranho que, junto a esse isolamento dos processos que deram origem ao novo momento estatal, se coloque a culpa na passividade dos de baixo, que não teriam preparo ou capacidade para exercer um autogoverno, justificando o lugar da nova casta burocrática, condutores de um processo que se sustenta com propaganda e imaginário revolucionário, mas que congela o conflito social num presente eterno de controle e resignação.

Um Lênin para uma revolução comunitária?

Slavoj Žižek menciona uma desconhecida preocupação mantida por Lênin que permite chamar atenção para possibilidades comunitárias do processo boliviano que foram descuidadas, enquanto um sonho desenvolvimentista e de clausura estatal impedia o processo político ir na direção que buscavam as forças políticas fundamentais na fase prévia à chegada de Evo Morales. Em termos da análise do García Linera, se poderia dizer que o lugar adquirido não apenas pelos indígenas mas pelas suas formas de justiça, democracia e economia obtiveram um vitória cultural, mas foram sepultadas depois do ponto de bifurcação em que a consolidação do poder estatal jacobino tomou uma via que os negava, que trabalhou na sua neutralização, como sempre o fez o poder político da Bolívia.

Num texto sobre Lênin, Žižek interpreta o lugar do revolucionário russo como um gesto de “excisão sectária”, recuperando o lugar dos bolcheviques para pensar, nos tempos atuais, uma necessária fuga da Europa, do seu legado e seu corpo decadente. Esse seria o lugar onde o gesto leninista poderia ser recuperado, diz Žižek, pensando uma necessária ruptura com a modernização econômica e os sagrados fetiches liberais e democráticos, onde nada deveria ser intocável (nem as relações econômicas de mercado, por sinal), num possível novo começo. E cita uma história referida ao mesmo momento em que Lênin defendia a NEP, e concretava o fechamento centralizador e repressor da dissidência na Rússia (2010, p. 97).

No verão de 1921, relata Žižek, Lênin convoca a formação de um grupo para discutir o fortalecimento do vínculo entre os camponeses e o governo soviético. Proporiam entregar terras para antigas seitas cristãs “protocomunistas”, que naquela época contavam entre três e quatro milhões de membros. Em 5 de outubro, uma proclamação se dirigiu à Seita dos Velhos Crentes (perseguidos pelo regime czarista desde o século XVII) convidando-os a se instalar em terras abandonadas e viver ali de acordo com seus costumes. Citava uma frase dos Apóstolos: “Ninguém deveria dizer que o que possui lhe pertence somente a ele, e deveria se manter em comum […]”.

O objetivo de Lênin não era apenas prático, de produzir mais alimentos; pretendia também explorar os potenciais comunistas das formas pré-capitalistas de propriedade comunal (que já Marx, na correspondência com Vera Zassulitch, assinala como base potencial para a produção comunista). De fato, a seita de velhos crentes fundaria uma fazenda estatal (sovkhoz) perto de Moscou, cuja atividade foi acompanhada muito de perto pelo Lênin. Žižek conclui o comentário considerando que a esquerda deveria mostrar essa mesma abertura atualmente, mesmo em relação com fundamentalistas mais “sectários”[5] .

É provável que, se em algum lugar do ocidente recente o processo político abriu possibilidades para pensar comunidades ancestrais como possibilidade do presente, esse lugar é a Bolívia, a partir do trabalho das organizações indígenas que se mobilizaram abrindo um ciclo político novo, com presença crucial na Assembleia Constituinte, propondo conceitos de ruptura, e em 2008-2009 se afastaram definitivamente do MAS. A vigência de relações comunitárias no país andino, presentes nas grandes cidades, nos sindicatos do campo, na tradição política do indianismo katarista, é uma presença contínua da política boliviana.

Nada disso é alheio a García Linera. Muito pelo contrário. Foi justamente na luta política de ayllus e das comunidades onde García Linera se formou politicamente, ao se somar ao processo político nos anos ‘80. Estudou o interesse de Marx nas formações comunais (nas cartas com Vera Zassulitch e os Cadernos Kovalevsky), e dedicou justamente a isso vários trabalhos, incluindo seu livro de maior fôlego, escrito quando estava preso por participar do Exército Guerilheiro Tupaq Katari[6] .

No livro Forma Valor e Forma Comunidade, de 1995, García Linera desenvolve um ponto retomado no texto sobre a Revolução Russa. É no plano da lei do Valor onde uma revolução se mede. Justamente essa dificuldade é que leva a colocação de que é o Estado onde se espera, entre as ondas revolucionárias que passaram e virão. Mas nesse livro ainda lemos uma crítica aos manuais marxistas que apresentam como necessária a modernização progressivista contrária à comunidade. Destaca, ainda, as “potencialidades contemporâneas destas formas de sociedade comunal, para se converter em ‘ponto de partida’ e força direta para a supressão do sistema capitalista mundial e a reconstrução, com novas e superiores; da comunidade primária ancestral convertida agora em uma de caráter universal” (2009, p. 239). Mas isso deve ser reconsiderado como mera literatura panfletária, se atentamos que o García Linera de hoje considera que o horizonte comunitário e da autonomia consistia apenas num programa para o tempo de resistência e luta pelo poder, não para sua efetuação na construção de uma sociedade nova[7].

Em lugar disso, García Linera lê a revolução possível de hoje como um processo estatal e nacional desenvolvimentista, com foco na classe média. Ou melhor, considera que isso é o que resta, enquanto uma nova onda de mobilização planetária não compareça. Perguntamo-nos novamente se esse destino, que é o da sociedade capitalista e industrial, não pode ser questionado após cem anos da Revolução Russa. Rosa Luxemburgo e toda uma tradição de marxismo autonomista ou crítico questionariam a falta de democracia do regime soviético e o afastamento do horizonte socialista. Bukharim seria derrotado num importante debate onde Lênin, Trotsky e Preobrajenski se imporiam com o modelo de industrialização acelerada, que posteriormente Stalin implementaria, levando a centralização, a burocratização e o autoritarismo ao extremo. Nesses debates, o poder do coletivo e do soviete proletário, base da Revolução, aparecia associado à tradição comunitária rural, que o sesgo de um marxismo-leninismo de corte moderno e jacobino negaria.

Coincidindo com García Linera na ideia de revolução e de Estado como forças que não se encontram e até se repelem, o desafio de hoje talvez seja pensar contra García Linera, por um caminho político onde o que fazemos politicamente não esteja tão distante do que desejamos e entendemos como objetivo para avançar na construção de uma nova sociedade ou vida melhor. Nessa direção hoje resulta difícil pensar um processo que proponha uma ideia de poder concentrado em lugar de distribuído; controle social e não estatal; desarticulação ou desconexão em lugar de administração do sistema. Contra a estabilização com políticas públicas num cemitério estatal das lutas, re-encontrar, estimular e estar aberto a visualizar as ondas em lugar de esperar por elas ou impedi-las quando vêm contra um poder que antes as surfou, e agora foge delas. Na leitura da Revolução Russa, também, evidentemente a centralização e a abertura não levaram a ondas de mobilização que permitam superar o alcançado inicialmente. Quando apareceram, o poder estatal se voltou contra elas sem poder evitar um inexorável colapso.

As fotografias que ilustram o artigo são do soviético Víktor Akhlomov (1938-2017)

Notas

[1] Disponível em PDF em ¿Qué es Una Revolución? De la Revolución Rusa de 1917 a la revolución de nuestros tiempos.
[2] Sobre a questão do Estado, ver por exemplo essas duas conferências que trabalham temas próximos ao do libro (García Linera, 2013, 2016a). No discurso de janeiro de 2013, afirma-se: “El Estado Plurinacional es la irradiación de la conducción del Estado hacia todos los confines de la sociedad boliviana para organizar su autogobierno unificado y, es por eso, que la territorialidad estatal, que la topología del poder en el Estado Plurinacional, por primera vez, abarca 1.098.581 kilómetros cuadrados que tiene nuestra patria; por primera vez, no se detiene donde llega el interés de casta, clase ni persona. La territorialidad del Estado Plurinacional es homogénea y resulta de la fusión de las territorialidades de las naciones indígenas, de las comunidades campesinas, de las clases sociales, de las juntas vecinales, de las organizaciones juveniles, de las regiones y de todos .”. E na Universidade de Praga, em abril de 2015 “El Estado y la economía son, mitad, estructuras, recursos y medios; y mitad, ideas, y carencias. Si algo he aprendido, en ocho años en el gobierno, es eso, que el Estado es la estructura más idealista que conozco en el mundo, Hegel tenía razón más que Marx en este caso, el Estado es materia, instrumentos, medios, instituciones y coerción pero, también mitad son ideas fuerza e ideas movilizadoras. […] La función del dinero es material que simboliza recursos, pero es un símbolo, es idea, es creencia, la mitad de las cosas que pasan en la economía tienen que ver con las ideas, con las creencias, con los simbolismos, lo mismo pasa en el Estado.”.
[3] Pablo Solon, ex representante do governo do Evo Morales na ONU, o descreve assim: “O que foi feito do processo de mudança que há mais de quinze anos conquistou sua primeira vitória com a Guerra da Água em Cochabamba? Por que o conglomerado de movimentos que queriam mudar a Bolívia acabou preso num referendo para que suas pessoas pudessem se reeleger mais uma vez em 2019?” (Solon 2018:61). A citação é necessária para caracterizar rapidamente aqui um processo político que, independentemente de ter sido revolucionário ou não, caminhou no sentido da centralização, fortalecimento de um poder unitário com tendências monopolísticas, longe dos postulados sobre partido-movimento e democracia comunitária além de, nos últimos tempos, como processo que não se faz mais com o apoio plebiscitário do voto majoritário.
[4] Ver conferência na Universidade de Nova York, no 30 de abril de 2015: “Me atrevo a decir que es la única experiencia de un gobierno de organizaciones sociales, un gobierno de movimientos sociales, y es complicado porque un gobierno Estado es monopolio, es la definición de Weber, de Marx, de Elías, de Bourdieu, de quien sea. Movimientos sociales es democratización de decisiones. Entonces, es una paradoja, pero es una bella paradoja real, que funciona con tensiones, con complicaciones: si democratizas mucho, te paralizas; y si centralizas demasiado, eres un gobierno cualquiera, y no te diferencias de los demás. La clave está en esa tensión, en este equilibrio: centralizar – democratizar. Esta es la experiencia viva en Bolivia a partir de este esquema de gobierno de movimientos sociales que podrían cumplir, a su modo, al modo andino amazónico, la reflexión del profesor Habermas sobre la acción comunicativa, a partir de estos espacios de democratización de toma de decisiones.”
[5] Žižek cita como fonte do seu comentário o livro de Jean-Jacqes Marie, Lénine 1870-1924, París, Editions Ballano, 2004, pp. 392-93.
[6] Como registra Bruno Bosteels (2013), em trabalhos da década de 90, García Linera (com pseudônimo de Qhananchiri) escreve que a tarefa dos comunistas em relação ao parlamento é “¡Destruirlo!, ¡quemarlo!, ¡hacerlo desaparecer junto con el gobierno y todo el aparato estatal!”(Crítica de la nación y la nación crítica naciente, La Paz: Ofensiva Roja, 1990, 34). Bruno Bosteels (2013) mostra o percurso dos estudos das formas comunitárias feitas por García Linera – e abandonada ao entrar no governo – útil para um autor que não costuma revisar abertamente suas mudanças de posição. Ali lemos a seguinte citação: “En palabras de Marx, utilizadas para referirse al futuro posible de la comuna rural rusa, lo que se requiere para ‘salvar’ en la actualidad a la forma comunal allá donde ella se ha preservado en una escala nacional, es ‘desarrollarla’ convirtiéndola en ‘punto de partida directo’ de la construcción de un nuevo sistema de organización social fundada en la producción y la apropiación comunitaria-universal.” (104).
[7] Em entrevista de 2013, García Linera se refere ao abandono da agenda da descolonização e da autonomia, que defendeu até em termos de pensar um novo Estado aymara: “la autonomía surgió como una consigna para debilitar el Estado. Eso fue. Ahora el Estado se ha indianizado y la autonomía pierde su fuerza que tuvo antes […] eso es una agenda en resistencia, no es una agenda de mando”. Perguntado se era apenas um discurso estratégico ele disse que era só uma ”agenda de resistencia […] siempre ha sido planteado así. Es lo que ni el chato [Raúl Prada] ni la CONAMAQ entienden. Y esos debates se han hecho desde el año 2008 para la Constitución […]. Nos reclaman ‘¿por qué no la economía comunitaria?’, porque no es el Estado el que hace la economía comunitaria. Eso es estatismo. La producción comunitaria, o es comunitaria, o no va a ser nada. El Estado tiene que estar atento, ahí donde surge una iniciativa colectiva” (Schavelzon 2013, s/p).

Bibliografia
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6 COMENTÁRIOS

  1. Caros, eu li texto ao ongo de 4 dias e pode ser que tenha passado desapercebido em alguma passagem. Mas aqui vai uma consideração. Acho que a conclusão é muito boa. Mas o autor se esquece do cotexto em que Garcia Linera escreve o livro: A Bolívia, o Equador e a Venezuela eram os países mais avançados em termos de mobilização social popular na América Latina. Mas dos 3, a Bolívia foi aquele que esteve mais próximo de uma guerra civil ainda na época da Nova Constituinte (episódio de Massacre de camponeses em Pando, 2008, separatismo da Meia Lua, apoiado por latifundiários do Brasil e pró-Brasil). Além disso é um país primário-exportador, sem saída pro Mar, obrigado a conviver com o subimperialismo do Brasil, a política externa pró-EUA do Chile (mesmo quando a presidente era a socialista Michelle Bachelet) e as flutuações de humor político da Argentina e do Paraguai (esse sim acossado por um golpe de estado em 2012 muito antes de todos os outros países da América do SUl). A Bolívia compunha um dos países da ALBA, todos membros do eixo do Mal do George W. Bush (virou até filme do diretor Oliver Stone). POr fim, só para lembrar, a crise do Gás, quando Evo decide nacionalizar uma estação de produção de gás da Petrobrás na Bolívia (2006) e toma plantas da EBX (do safado do Eike Batista) é um episódio exemplar da condição subalterna do país, mesmo dentro da “onda progressista nacional-desenvolvimentista” que durou as duas primeiras décadas no continente. A situação foi contornada via diplomacia de LULA, MArco Aurélio Garcia e Celso Amorim, que, com todos os problemas, garantiram a chegada de gás ao Brasil e a geração de renda pro estado Bolíviano.
    Ou seja, o autor desse texto enche a mão pra atacar a posição teórica de Garcia Linera, mas se esquece que nenhuma revolução do mundo com média duração de décadas, conseguiu se manter sem a base das forças armadas mobilizadas e em estado de atenção e resistência contínua contra países vizinhos estrangeiros. Do contrário da Venezuela, a Bolívia, o Equador não tinham essa força. Seria necessário criar poder popular armado e auto-organizado. A consciência política não vence sozinha. Não é questão de debate racional e teórico. E sim de possibilidades práticas. Por fim, lembremos que ainda é um país que corre o risco de perder um governo progressista e ligar a marcha ré da História, no mesmo sentido que países em situação “revolucionária” enfrentam hoje: Egito, Síria, Argélia, Ucrania e o Brasil. Pra Não falar em outros. Era mais fácil ser autonomista e conselhista, em contexto progressista de acumulação de forças produtivas.

  2. Seria assim “mais fácil” ser autonomista e conselhista em tempos de prosperidade? Ou tem uma geração inteira acostumada com a vida mole? Sobre o assunto, cabe lembrar de Henk Sneevliet, que quem não conhece poderia conhecer. Há algo sobre a vida dele no final deste artigo: http://passapalavra.info/2017/12/117069. Basta dizer que ele fez parte de um grupo que, entre outras coisas, articulou uma greve geral exitosa sob a ocupação nazista, e que era comum fazerem propaganda antibélica e internacionalista junto aos soldados alemães que então ocupavam a Holanda. E o cara era um simples ferroviário.

  3. Manolo, nunca ouvi falar da greve exitosa durante a ocupação nazista na Holanda. Legal que tenha existido isso. Mas pelo que eu saiba, a Holanda não virou socialista. E quem segurou os nazistas foi o “Socialismo num só país” da URSS que moeu milhões de seus soldados pra segurar a máquina de guerra Nazi. Podemos somar aí os partisans da Iuguslávia, Itália, etc… Mas o conselhismo,o autonomismo e o Luxemburguismo não conseguiram segurar a Revolução de 1919 na Alemanha. E deixaram caminho aberto pro Nazis nadarem de braçada. Não é possível segurar revolução sem Estado e Armas.

  4. Sem armas, concordo que revolução não se sustenta. Sem Estado, veja a autogestão espanhola, a república de Shimin, a comuna de Paris etc.. Afinal, em última instância, nem o socialismo de Estado de matriz soviética foi vitorioso, pois o socialismo não se espraiou globalmente e o capitalismo foi, historicamente, o vitorioso. Ao menos até o momento. Mas enfim, falamos de pontos de vista completamente opostos. Te interessam os vencedores, pouco importa a que custo. Já eu penso o contrário.

  5. “Mas o conselhismo,o autonomismo e o Luxemburguismo não conseguiram segurar a Revolução de 1919 na Alemanha. E deixaram caminho aberto pro Nazis nadarem de braçada”.

    Pular da revolução alemã derrotada para o nazismo, sem dizer uma palavra sobre a socialdemocracia é ignorância ou má fé, não sei o que é pior. E entre a socialdemocracia e o bolchevismo a diferença é apenas de meios, não de fins. Sobre o heroísmo bolchevique na I Guerra e sobre o seu antinazismo da II, poderíamos discutir o Tratado de Brest-Litovski e o Pacto Molotov-Ribbentrop, então depois falar sobre vias abertas para o nazismo…

  6. O autor do texto poderia ser mais dialético e materialista, como o próprio Linera está tentando ser. Garcia Linera como teórico do processo boliviano, identificou um impasse real e deu seu encaminhamento político a ele. Este encaminhamento político pode ter certo fôlego mas não determina completamente as forças sociais, não é capaz de docilizar a realidade. Os movimentos sociais de base, que se afastam do MAS, por sua vez, precisam elaborar sua crítica e seu encaminhamento da situação, também. Se não concordamos com o encaminhamento do Linera, precisamos do nosso. O impasse de como fortalecer um processo democratizador e pluralista, sem ser derrotado pelas forças econômicas dominantes, permanece. No final, esboça uma alternativa de aliança com as formas comunais, mas – voilá! – essa foi a própria alternativa esboçada pelo Linera durante seus anos de luta e que foi abandonada por ele uma vez no Estado. Resta só uma condenação moral do vice-presidente, mas se fizermos um esforço reflexivo, ainda nos falta uma solução para o problema que ele está tentando enfrentar, o do Estado e de como lidar com a lei do valor capitalista.

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