Por M e M

– Caro, levando em conta este artigo, como você vê a eleição do Zelensky na Ucrânia?

– É a confirmação do que está escrito no artigo de que você falou. Digo mais. É um voto de protesto canalizado pela direita. Esses caras ganham quando os “profissionais” se mostram incompetentes. Ocorre que era a esquerda quem canalizava estes votos antissistema, votos de protesto etc. anos atrás. Isso porque os “profissionais” eram a direita. Hoje é o contrário: em muitos países é a esquerda, a centro-esquerda ou a direita (liberal ou conservadora) moderada quem está no poder há bastante tempo e formou seus “profissionais”, e, obviamente, a extrema-direita capitaneia esta onda contra os “profissionais”. Há que se refletir muito profundamente sobre isto, porque nenhum dos governos de direita que tenho visto eleger-se nos últimos anos representa outra coisa senão votos de protesto.

– Porque a esquerda se integrou no sistema muito bem.

– Exato. Eu acho que tudo tendia ao “centro”, ao “diálogo”, à “concórdia”, ao “republicanismo”, às “regras do jogo”, essa baboseira toda. A única coisa que não se direcionava ao “centro” – tirando a extrema-esquerda, que não tem força para se projetar da mesma forma, não tem quem a banque, e que acaba sendo associada ou se associando voluntariamente à esquerda no poder, portanto ao “centro” – eram esses outsiders de direita ou extrema-direita. O povo “doido” das teorias da conspiração, das fake news. Em suma: o tiozão reaça do churrasco chegou ao poder, porque ninguém aguentava mais os “engravatados”. Ou seja: quando as coisas convergem ao centro, tenha medo.

– Exato.

– Veja também outra coisa. Para fazer uma correlação e não ficar no óbvio, Bolsonaro é “governo de minoria”, Trump agora (depois que os Democratas cresceram no congresso dos EUA) é “governo de minoria”, Theresa May está apanhando no parlamento e pode até renunciar… A tendência, se não se tratar apenas de uma impressão minha, é a seguinte: elege-se um desses malucos “antissistema”, mas no legislativo seguem sendo eleitos os mesmos de sempre, porque ninguém sabe direito mesmo que porra faz um parlamentar e vota por qualquer motivo. Vota pragmaticamente pela defesa de interesses que os caras dizem que vão representar, vota porque vai com a cara da figura, vota porque recebeu o santinho na porta do local de votação, vota por qualquer porra, mas vota. Aí o maluco eleito pro executivo não consegue governar direito porque não tem maioria parlamentar. Precisa negociar. Precisa compor. E o problema não é a tradicional esquizofrenia eleitoral que torna a eleição para o executivo como que plebiscitária e a eleição para os parlamentos num salve-se-quem-puder, num circo de horrores; não, o problema não é esse, não é a estratégia política de composição de maiorias pró-governo, é alguma outra coisa, desde a “velha política” até as conspirações mais toscas. Quer testar essa hipótese? Veja se isso que está acontecendo no Brasil, nos EUA e no Reino Unido acontece em outros lugares (Hungria, Polônia, Itália etc.) onde os malucos estão sendo eleitos. Se acontecer, confirma-se a tendência. Se não ocorrer, são casos minoritários a se analisar com algum detalhe, porque os “governos de minoria” quando conduzidos por gente politicamente inábil prestam-se à seguinte argumentação: “Eu quis fazer, mas o legislativo não deixou”. O próximo passo é flertar com ditaduras, com soluções de força, com recrudescimento do autoritarismo e da centralização de poderes no executivo.

– Mas você considera a May no Reino Unido comparável com o Trump e o Bolsonaro, por exemplo?

– No aspecto Brexit apenas. Trump para ser ditador só falta alguém dizer que o rei está nu.

A conversa não seguiu adiante por outras razões, mas pode ser continuada nos comentários. E você, o que acha das questões levantadas?

Este texto foi ilustrado com obras de Honoré Daumier.

1 COMENTÁRIO

  1. não vou tanto na linha da conjuntura política, propriamente dita, mas gostaria de compartilhar uma reflexão:
    o terraplanismo vem a ser hoje uma forma de nihilismo. É a negação completa e total da nossa sociedade, em seus fundamentos modernos. Já contamos com relatos de crianças acusando seus professores de ensinarem meras opiniões, pontos de vista, etc; é claro que adultos podem fazer isso de maneira muito mais refinada, pois essencialmente cínica e satírica. Defender com tanto ânimo e militância em 2019 que a Terra é plana, se trata de um tipo de bomba cultural sendo jogada contra os fundamentos da sociedade moderna. É um extremismo intelectual, muito análogo ao terrorismo prático levado a cabo por supremacistas e outros “lobos solitários” de extrema-direita, que veem apenas na negação prática do mundo atual uma forma de combatê-lo.

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