Lembro-me bem. Era 1989, eu passava da infância para a adolescência. Meu pai, ex-militar e patriota irredutível, levara-me, como de hábito, para assistir ao desfile militar do 7 de setembro. Postados naquela que então era uma das principais praças da cidade, assistíamos, eu e ele, a modorrenta parada militar que, por influência paterna, tanto me empolgava. “Queria um dia estar ali”, pensava. Súbito, um bando estranho, de roupas rotas pretas e correntes, com estranhas bandeiras pretas, irrompeu em meio ao desfile, panfletando aos berros: “Fome! Miséria! Para quê, independência? Fome! Miséria! Para quê, independência?” Meu pai agarrou-me, como que por proteção. Gritava: “Vagabundos! Malandros! Vão trabalhar!” No meu íntimo, entre o susto, a admiração e o estranhamento, lembro-me claramente de haver pensado: “queria um dia estar ali”. Passados trinta anos de meu primeiro contato com o anarquismo, pergunto-me, às vezes: poderão as crianças de hoje viver um tal impacto? Passa Palavra

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