Por Wang Xiaolin

Desde 2012 é publicada a revista Relatos da Fábrica com reportagens sobre as condições e a luta dos trabalhadores no Delta do Rio das Pérolas (Zhujiang). O site Gong Chao selecionou e traduziu (para o inglês e para o espanhol) alguns desses relatos e agora o Passa Palavra apresenta-os em português. Todos os relatos poderão ser lidos clicando aqui.

(Relatos da Fábrica #3, Maio de 2012)

Xiaowang vem da província de Hunan e trabalha como supervisor em uma fábrica de brinquedos. Ele normalmente diz para os trabalhadores: “Mudar de fábrica é como pular de uma toca de lobos para o covil de um tigre!”. Entretanto, ele é o rei das mudanças de trabalho. Aos 18 anos de idade ele terminou o ensino médio e saiu [de casa] para arrumar um emprego. Nos doze anos que se passaram desde então, ele já trabalhou em mais de vinte fábricas. Claro, nem todo mundo tem tanta sorte. Muitos trabalharam dez anos ou mais — continuamente mudando de trabalho — mas permanecem trabalhadores comuns até hoje. No entanto, Xiaowang deixou de ser um trabalhador comum e se tornou supervisor e hoje em dia sua maior preocupação é que a rotatividade dos trabalhadores é muito alta. Ele pediu que o departamento de recursos humanos obedeça aos seguintes critérios ao contratar funcionários: nenhum homem nascido depois de 1990, porque eles não aguentam dificuldades; nenhuma mulher idosa, porque seus membros não são flexíveis o suficiente. Mas enquanto a fábrica é exigente ao escolher trabalhadores, os trabalhadores também são exigentes ao escolher as fábricas. Basicamente, todos os novos trabalhadores no departamento de Xiaowang largam o trabalho depois de apenas uma semana.

No começo deste ano, quando a mídia falava da “falta de mão de obra”, ela sempre exagerava o problema do “trabalho de curto prazo”. O termo “trabalho de curto prazo” apareceu primeiro em vários sites e em um relatório de pesquisa do Departamento de Sociologia de Universidade de Qinghua [em Beijing]. Eles apontam que “’trabalho de curto prazo’ é o fenômeno de ciclos curtos de trabalho e frequente mudança de emprego dos trabalhadores migrantes — especialmente a nova geração — nos últimos anos”. Como resultado, cada grande meio de comunicação estava louco para comentar sobre o “trabalho de curto prazo”. Alguns afirmaram que “(trabalhadores) impediam o seu próprio desenvolvimento por causa de uma visão limitada”, e alguns — preocupados com o país e seu povo — disseram que isso “mina o direito dos trabalhadores migrantes a um emprego seguro e estável, prejudica seu desenvolvimento individual, é nocivo para o progresso e desenvolvimento da produção industrial e põe a estabilidade social em risco.” Neste sentido, trabalho de curto prazo aparece como um novo “brinquedo” (plaything), mas qual é o impacto que ele tem na divisão entre trabalhadores e empresas?

De fato, nos anos após o desenvolvimento econômico e expansão industrial, tem sido cada vez mais fácil para os trabalhadores arrumar emprego. Eles acham insuportável permanecer em empresas com salários baixos e com condições de trabalho ruins, e eles não querem trabalhar na mesma fábrica por muito tempo. Por que é assim?

Todo mundo que tem um pouco de experiência como um trabalhador migrante sabe que os trabalhadores mudam de emprego apenas por algumas razões: alguns fazem isso porque o salário é muito baixo, e eles pulam para um novo emprego esperando mudar esta situação; para alguns é o próprio trabalho que é tedioso, e eles querem mudar de ambiente; uma pequena parte também enxerga uma melhor oportunidade e por isso muda de emprego.

Trabalhadores jovens normalmente agem mais “impulsivamente” do que trabalhadores relativamente mais velhos — também porque eles têm menos obrigações e podem aceitar maiores desafios — então eles mudam de emprego mais frequentemente. No entanto, eles não são como a mídia os descreve: arruaceiros, que aparecem como vagabundos indo de uma fábrica a outra (factory drifters). Mudar de fábrica não reflete nada além de formas do descontentamento e da expectativa — expectativa de ser promovido, ter um salário maior e um ambiente de trabalho melhor. Todo trabalhador jovem que começou a migrar tem algumas ilusões. Eles esperam que trabalhando duro vão conseguir uma posição melhor e um aumento de salário. Na realidade, mudar de fábrica não necessariamente tem um efeito benéfico na situação do trabalhador — no fim, a maioria dos trabalhadores tem menos e menos oportunidades para progredir. Por outro lado, trabalhar na linha de montagem é sem graça, sem vida e contra a natureza humana. A [direção da] fábrica quer aumentar a produtividade e, portanto, quer que os trabalhadores se adaptem perfeitamente à produção industrial. Este processo não necessita da “individualidade”, “natureza humana” ou “criatividade” dos trabalhadores. Na melhor das hipóteses, eles se tornam parte das máquinas ao mesmo tempo em que usam sua flexibilidade “humana” e iniciativa pessoal para aumentar a produtividade. Para os trabalhadores jovens este tipo de trabalho é especialmente difícil de suportar.

Já que a força de trabalho é um dos “fatores de produção”, a empresa tenta controlá-la o máximo possível. Mas os empregados não são massa de modelar, que pode ser moldada do jeito que você quer. Depois de várias pessoas com posições importantes no departamento de Xiaowang terem se demitido por causa dos baixos salários, seus trabalhos tiveram que ser feitos por uma pessoa. Quando, depois de algum tempo, ninguém aceitável podia ser contratado, não havia outro jeito a não ser procurar por “sucessores” entre os trabalhadores comuns. Mas, se um trabalhador comum tem que aprender a trabalhar em outra posição e ao mesmo tempo ainda tem que fazer bem o seu trabalho, então esta pessoa é dilacerada pelo esforço.

Quando os trabalhadores frequentemente mudam de emprego os “custos trabalhistas” da empresa certamente aumentam. Ainda que hoje em dia as fábricas dividam o trabalho em pequenos pedaços, o trabalho [em si mesmo] é pouco qualificado. Para alcançar a velocidade e a qualidade de trabalhadores experientes, os [trabalhadores] recém recrutados precisam de tempo para treinamento e adaptação. Entretanto, dito isso, as empresas estão dispostas a oferecerem “empregos estáveis”? Definitivamente não! Quando funcionários que entraram [em uma empresa] não estão dispostos a sair, então muitas empresas começam a ter dores de cabeça. Durante os períodos de baixa produção ou quando os negócios vão mal, reduzir o número de trabalhadores é a primeira coisa em que as empresas pensam. Durante os períodos de pico na produção, ao contrário, é difícil para os trabalhadores largar o emprego, e os gerentes sempre se recusam a aceitar ou atrasam as demissões. Em resumo, para os chefes e os gerentes é importante manter a mobilidade dos trabalhadores e a estabilidade [do emprego] sob seu controle e de acordo com os seus próprios interesses. Para eles, os trabalhadores ideais vêm quando são necessários e vão embora quando não o são.

Por fim, o assim chamado “trabalho de curto prazo” é uma falsa ideia. O desejo dos trabalhadores por maiores salários e melhores condições de trabalho, e o desejo dos chefes em economizar em custos trabalhistas, mostram claramente uma contradição inconciliável.

Traduzido para o Passa Palavra por Marco Túlio Vieira.

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