Por Luísa
No começo de 2018 o Passa Palavra questionou: existem lutas sociais nas pequenas e médias cidades brasileiras? Este relato, que recebemos de uma companheira que acompanhou a ocupação em Cachoeiras do Macacu (RJ), adiciona mais um elemento para ajudar a responder a questão.
No dia 20 de dezembro, os educadores da rede municipal de Cachoeiras de Macacu (RJ) decidiram ocupar a Secretaria Municipal de Educação após um longo período de reivindicação dos salários atrasados e por conta do não-pagamento do décimo terceiro. Alguns deles, inclusive, foram até a instituição bancária credora na esperança de terem recebido o tão esperado pagamento, mas a resposta era a prevista: se não havia salário, era porque não havia sido pago, realmente. Há meses os professores vêm reivindicando não só os salários atrasados, mas melhorias nas condições impostas aos profissionais da área; o descaso é uma notícia velha sobre a má gestão do poder executivo da cidade. Numa reviravolta, o atual prefeito teve seu mandato cassado em setembro deste ano.
A situação de precariedade e abandono da cidade perdura há bastante tempo. Apesar da propaganda de Macacu como uma cidade com potencial turístico, não há espaço de lazer inclusivo, não há acesso fácil às cachoeiras com transporte público e as estradas estão em péssimo estado. Ou seja, o direito à mobilidade também é muito precário. As vans, que seriam um “transporte alternativo”, rodam em períodos e horários escassos e assumem uma função principal na cidade, pois são, para muitos moradores, a única possibilidade de locomoção. Na verdade, o município está com sérios problemas no serviço público como um todo: educação, saúde, transporte e moradia – ou seja, nem o mínimo existencial está garantido, pois os postos de saúde não atendem eficazmente e a população não tem conseguido agendamento de consultas. Neste contexto, é claro que a educação pública e universal não estaria garantida. Os professores da rede municipal partiram desta realidade para manter a mobilização, a greve e muita luta, apesar deste quadro caótico. Pela falta de recursos para o desmonte da educação, os alunos das escolas municipais estão sem aulas desde junho.
A prefeitura fez um acordo para o pagamento dos salários atrasados e este deveria ser efetivado até 20 de dezembro, último dia antes do recesso. Como a prefeitura não pagou, os profissionais da educação decidiram, a partir de uma reunião em praça pública, por uma ocupação da Secretaria Municipal de Educação com a finalidade de cobrar este acordo. Desta forma, formaram comissões na ocupação para a negociação destes direitos sociais. Desde 9:00 da manhã até aproximadamente 17:00 aguardavam por um representante da prefeitura para tratar disso. No entanto, tiveram a notícia de que em breve, caso não desocupassem, seriam retirados pela guarda municipal. Tal notícia alastrou-se pela cidade de uma tal forma que foi formada uma rede de solidariedade. Não só foram doadas frutas, mas toda a alimentação necessária para os ocupantes.
A população local também esteve presente não só apoiando, mas oferecendo inclusive redes para caso fossem passar a noite na ocupação. Este é um elemento central da repressão, pois nos anos de chumbo da ditatura muitos camponeses da cidade foram assassinados porque simplesmente decidiram resistir, Macacu tem uma memória de luta que pode ser repassada inclusive através da oralidade dos moradores. Foi interessante a formação de um espaço social no local que também tinha crianças, mães com suas crias que reivindicavam outros direitos coletivos, pois, ao que parece, não há vagas suficientes também para as professoras. Outra categoria ali presente era a dos aposentados: alguns deles também estão com o benefício em atraso. A guarda municipal foi pontual, mas como a ocupação conseguiu apoio da população e da mídia alternativa, não foi atacada, os professores continuaram resistindo até o final da negociação.
Um momento belo do ato foi quando cantaram “o povo unido é um povo forte” e manifestaram repúdio contra o secretário de fazenda que foi lá apenas para desmobilizar e ainda desrespeitou uma professora publicamente. Outro aspecto da intimidação foi que as luzes foram mantidas apagadas boa parte do tempo. Já era noite e após muito desgaste anunciaram no espaço um acordo verbal de cumprimento do pagamento dos salários. Depois disso, os profissionais da educação retornaram à praça para debater os avanços da pauta e em qual situação retomariam esta reivindicação. A ocupação reuniu diversas categorias que sofrem com os mandos e desmandos da prefeitura de Cachoeiras de Macacu. Ainda não temos notícias se os salários dos servidores caíram em suas contas, mas já estamos quase virando o ano, e com isso vem o recesso que perdura até a primeira semana de janeiro.
As imagens que ilustram este artigo são de autoria de Filipe Gonçalves
Há muito tempo os governos trabalham contra os serviços prestados pelo Estado. O dinheiro está com os banco. Não seria melhor ocupar os Bancos?