Por Velhos militantes
Este artigo memorialístico foi concebido a várias mãos. Somos um grupo de militantes (e ex-militantes) que, na virada dos anos 1990 para os 2000, descobriu e tentou aplicar a metodologia da enquete operária em alguns lugares da Bahia. Ao estudar e aplicar este método, descobrimos seu enorme potencial, e também suas enormes limitações. Como, ao que tudo indica, este método está sendo redescoberto, um de nós penou para nos reunir — dizemos “penou” porque nossas vidas seguiram rumos muito diferentes, ainda existem muitas “pontas soltas” entre nós, e nem sempre foi fácil estarmos juntos no mesmo ambiente. Um de nós “penou” para nos reunir, dizíamos, mas parece que este companheiro conseguiu o que queria: ainda foi possível, mesmo a contragosto de alguns, aproveitar algo de nossa história — como descobrimos a enquete operária, como a estudamos, como a aplicamos, para que nos serviu — para contar às próximas gerações.
O artigo parecerá meio desconjuntado. Explica-se: ele é a sistematização de três reuniões onde rememoramos — abertamente e sem peias — sobre nossa experiência. Sua versão final passou por umas oito revisões, até que todos estivessem satisfeitos com o registro, que todos consideramos mais importante que a forma.
De onde viemos, como nos encontramos, como descobrimos a enquete operária e como a estudamos
Éramos todos estudantes universitários, inscritos em vários cursos, em diversos estágios de nossos respectivos cursos, e com origens sociais diversas. Alguns entre nós seguiram a trajetória de seus pais, que, estando já na classe média, deram a seus filhos boas escolas e as melhores condições para passar no vestibular nos cursos mais concorridos. Outros, muito antes das cotas e dos pré-vestibulares militantes, comeram o pão que o diabo amassou para sair de seus municípios de origem e estudar na capital. Trabalharam enquanto estudavam; um de nós morava de favor na casa da família de amigos, trabalhava de dia e usava quase todo seu salário para pagar um cursinho à noite; os outros estudaram na unha, sem qualquer apoio além da família distante. Ainda havia os que estudavam em escolas públicas estaduais, já bastante precárias nas décadas de 1980 e 1990, e precisavam gastar uma hora ou mais para sair de casa na periferia e chegar na escola no centro, e o mesmo tempo para o retorno.
Naquela altura, militávamos em campos diferentes. A maioria de nós estava próxima ao PT, e quatro entre nós filiaram-se ao partido. Um era — e é — anarquista. Unia-nos a percepção de que havia algo errado com a sociedade. Desta impressão inicial, fomos nos aproximando da crítica ao neoliberalismo, dos setores em oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso e dos movimentos de luta pela terra e pela reforma agrária, que então nos encantavam. Dois entre nós tornaram-se militantes graças aos zapatistas. Três entre nós tinham idade suficiente para ter estado nas ruas contra Collor em 1992. Fomos nos conhecendo nos raros eventos acadêmicos com alguma perspectiva progressista então existentes, e que procurávamos para encontrar almas afins.
Nosso amigo anarquista era leitor ávido de tudo quanto viesse de Socialisme ou Barbarie. Leu tudo de Castoriadis e Lefort que saíra pela Brasiliense, e divulgava este material aos quatro ventos como se fosse uma panaceia “contra a burocracia”. Revirava todas as bibliotecas da universidade atrás de material anarquista ou parecido. Na época, nenhum de nós sabia o que era “autonomismo”, tampouco conhecia a história desta corrente. Não custa lembrar que estávamos em 1999, a internet mal havia chegado ao Brasil, e a que existia era lentíssima, anterior à banda larga, acessada por meio de ligação telefônica. Não existiam smartphones, e serviços de busca como Altavista e Yahoo!, comparados a serviços como Google, DuckDuckGo e Searx, eram rudimentares, primitivos. Ou o conhecimento estava nas bibliotecas, nas bancas de jornal e nos arquivos pessoais e institucionais; ou estava na memória de militantes; ou não estava em lugar algum.
Este amigo encontrou um dia um livro chamado Crítica metodológica, investigação social e enquete operária, escrito por Michel Thiollent. O livro apresenta e elogia profusamente um grupo de marxistas italianos que, muito depois viemos a saber, eram os operaístas. O livro elogia muito, também, a escola sociológica “reflexiva” de Pierre Bourdieu — que alguns entre nós já haviam abraçado apaixonadamente.
Não foi possível, naquela época, conseguir qualquer outro material sobre enquete operária. Nosso amigo rato de bibliotecas descobriu que Michel Thiollent se especializou numa metodologia conhecida como pesquisa-ação, que tinha na enquete operária uma de suas inspirações. Descobriu, ainda, que a enquete operária dependeu, em grande medida, de técnicas de pesquisa sociológica muito comuns: questionários, entrevistas abertas e semiabertas, alguma inferência estatística. Descobriu, também, um livro muito interessante, mas também muito complexo para aquele nosso momento de iniciantes na teoria social, chamado Processo de trabalho e estratégias de classe, onde havia algumas coisas de Raniero Panzieri, Sergio Bologna e Mario Tronti. Não havia muito mais além disto.
Este nosso amigo propôs montarmos um pequeno grupo de estudos sobre a enquete operária. O programa tinha o livro de Thiollent, o outro com material de Panzieri e Tronti, alguma leitura de metodologia científica com base em Pedro Demo (era o que pensávamos ser mais avançado naquele momento) e muitos manuais com técnicas de pesquisa: entrevistas, questionários, estatística etc. A esta altura não temos mais como saber quanto tempo dedicamos a estas leituras e debates, mas não demoramos mais que um semestre nesta fase. Nossa ideia era aplicar as coisas o quanto antes, com aquele senso de urgência próprio da juventude.
Como entendemos, criticamente, a enquete operária
Foi fácil observar, logo de início, que a enquete operária era aplicada por pessoas “de fora” da classe trabalhadora. No contexto da Itália dos anos 1950 e 1960, a enquete nos pareceu ter sido concebida como forma de “estabelecer uma relação política nova entre os intelectuais e a classe operária”. Por maior que fosse a boa vontade destes intelectuais, se precisavam de uma pesquisa para descobrir o que queriam, como pensavam, como viviam e quais eram as rotinas da exploração dos trabalhadores, era porque viam a classe trabalhadora “de fora”, não “de dentro”. Não eram, por exemplo, trabalhadores de determinado ramo procurando se informar sobre as lutas em outro ramo; eram intelectuais tentando obter informações para formar uma nova síntese dos interesses da classe trabalhadora.
Alguns entre nós chamaram a atenção para outro aspecto. A enquete operária era a forma pela qual atualizava-se uma relação de exterioridade dos intelectuais diante da classe trabalhadora — pois, historicamente, houve outras. Um exemplo é o jornal operário, teorizado por figuras como Lenin, Gramsci e Rosa Luxemburg a partir de sua prática à frente destes veículos. Ao mesmo tempo em que jornais como Iskra, Pravda, Vorwarts!, Ordine Nuovo etc. serviam aos intelectuais do partido como veículo para suas intervenções públicas quanto a fatos da conjuntura, e tornavam-se assim jornais para trabalhadores, havia, escondida entre as polêmicas dos intelectuais e as notícias da vida partidária, algo como uma “coluna de leitores”, para onde os trabalhadores mandavam relatos de sua vida — só então estes jornais eram feitos com trabalhadores, não apenas para eles. Ali apareciam o cotidiano da exploração, a dureza das condições de moradia, as dúvidas quanto à educação dos filhos, as impressões da leitura dos folhetins, as notícias mais locais entre as mais locais — tudo, claro, depois de aprovação pelo corpo editorial destes mesmos jornais, composto ou dirigido pelos intelectuais que escreviam os artigos “mais importantes”.
Daí dizer que estes jornais eram feitos ou para os trabalhadores, ou com os trabalhadores — nunca pelos trabalhadores. Coube, sim, a trabalhadores toda a parte “braçal” da produção jornalística, que vai desde a composição tipográfica até a operação das impressoras; mas a parte diretiva, a definição dos conteúdos, a decisão sobre o que cabe e o que não cabe na primeira página etc., tudo isto cabia aos intelectuais editores. Nestes jornais dirigidos por intelectuais, entretanto, os integrantes deste corpo editorial ou bem estavam exilados; ou viviam na clandestinidade; ou, sendo funcionários do partido, gozavam de uma vida material menos preocupada com o pão do dia seguinte. Num jornal feito pelos trabalhadores, caberia aos trabalhadores também este papel diretivo — o que talvez lhe desse outro caráter, outra forma, outras preocupações.
No que a enquete atualiza esta relação? Ora, as redações filtravam as correspondências a publicar — mas recebiam-nas todas. Num momento histórico em que as técnicas de pesquisa sociológica não estavam plenamente desenvolvidas, era esta correspondência o meio de ligação entre os intelectuais e a classe trabalhadora. Era por aí, e pelos relatos daqueles militantes mais inseridos em trabalhos de agitação e propaganda, que entendiam como era a vida dos trabalhadores. As técnicas de pesquisa sociológica entraram nesta relação entre intelectuais e trabalhadores exatamente no momento em que os primeiros se encontravam ao mesmo tempo nas universidades (ou perto delas) e nos partidos operários (nosso amigo anarquista ressalva que estes partidos não tinham mais nada de “operário” já naquela altura, mas a maioria entre nós discorda desta avaliação); a diferença entre eles e aqueles intelectuais envolvidos nos jornais operários é que estes últimos assumiam tanto o papel de dirigentes intelectuais quanto o de organizadores práticos, afeitos ao dia a dia da vida partidária, coisa a que os intelectuais ligados à enquete operária parecem nunca ter sido muito afeitos.
A partir deste entendimento, aqueles entre nós que defendem firmemente uma distinção entre uma vanguarda da classe trabalhadora e os demais integrantes da classe entenderam a enquete operária como uma nova técnica de interligação entre esta vanguarda e o restante da classe, correspondente a um momento histórico em que as técnicas herdadas da sociologia permitem um refinamento muito maior no entendimento da composição da classe trabalhadora, suas necessidades materiais e suas aspirações políticas. Seria possível usar a enquete operária de modo sistemático para fazer, de forma muito mais empírica e concreta, alguma análise semelhante à que Márcio Pochmann anda divulgando em suas intervenções públicas mais recentes, indicando a grande mudança na sociedade brasileira desde a fundação do PT (ver aqui, aqui, aqui). Fosse o PT mais atento às suas correntes autonomistas originárias, portanto, talvez pudesse ter antecipado 2013 — mas agora é tarde.
Já aqueles entre nós que criticavam esta distinção entre uma vanguarda permanente e o restante da classe trabalhadora entenderam a enquete operária de outro modo. Defendiam, e seguem defendendo, que a enquete operária não pressupõe a distinção entre uma vanguarda e o restante da classe trabalhadora; os pesquisadores são apenas um grupo em meio à classe trabalhadora, sem pretensão de falar em nome dela, ou de agir em seu nome. Defendiam, e também seguem defendendo, que os resultados da enquete sejam devolvidos aos trabalhadores que dela participaram, para que sirvam como elemento de leitura crítica da realidade, de formação política. Era o que chamavam de “pesquisa como agitprop”: pesquisar detalhadamente o modo de vida dos trabalhadores e as formas de exploração de seu trabalho para, em seguida, construir táticas políticas de agitação e propaganda em torno dos problemas de destaque.
Havia entre nós os “radicais”. Para eles, não somente a enquete operária deveria cumprir todas as exigências da “pesquisa como agitprop”, como também a própria equipe de trabalhadores deveria ser formada por trabalhadores. Metodologicamente falando, a enquete operária não deveria ser aplicada como a ação de elementos exteriores à classe trabalhadora, mas como um momento de uma ação mais orgânica junto a determinado setor da classe. A enquete seria realizada quando já houvesse sido estabelecido um grupo relativamente regular de trabalhadores interessados em aprender as técnicas de pesquisa e construí-la junto com os “intelectuais”, que neste método deixavam de ser um elemento exterior à classe para tornarem-se facilitadores de um processo a ser assumido pelos próprios trabalhadores, como parte de sua formação política permanente. Mesmo as finalidades e usos posteriores da pesquisa deveriam ser definidos por um grupo mais amplo que o de seus construtores, e submetido à constante avaliação da categoria, do setor ou grupo de trabalhadores envolvidos.
Por último, houve entre nós aqueles que não entenderam nada disso tudo. Não viam sentido em tanta formalização científica para algo que precisava apenas da vontade de estar junto ao povo e de viver com ele suas alegrias e tristezas. Denunciaram tudo aquilo, na época, como intelectualismo, como sofisticação desnecessária para um processo que deveria se estabelecer de modo orgânico, suavemente, aos poucos.
Como aplicamos a enquete operária
Não aplicamos a enquete operária de forma sistemática. Não tínhamos coesão suficiente, como grupo, para planejar algo unificado. Não tínhamos entre nós o mínimo de acordos teóricos que nos permitisse construir uma metodologia unificada. Não tínhamos recursos e pessoal suficiente para fazer qualquer coisa de escopo mais amplo. Nem todos entre nós concordavam com a necessidade de realizar pesquisas baseadas na enquete operária. Como se vê, não fizemos nada unificado porque era impossível. Contra tudo e contra todos, entretanto, alguns entre nós fizeram enquetes entre 1999 e 2001, que alguns decerto considerarão “heterodoxas”.
Um entre nós concebeu e aplicou a enquete junto a pequenos produtores rurais de seu município de origem. Ficou evidente para ele que os nós, os problemas principais para estes pequenos produtores, eram tanto o crédito quanto o escoamento da produção. A terra não era mais um problema, pois a titulação assegurara-lhes a permanência na área; com as dívidas, ela havia se tornado uma fonte de preocupação, pois as hipotecas poderiam acabar com seu sonho. Pior ainda era o escoamento. A produção era voltada para as pequenas feiras de municípios circunvizinhos às propriedades, a logística era baseada ora no lombo de burros, ora em camionetes velhas; tudo isto num momento em que começavam a aparecer pequenos mercados com ligação direta às cadeias logísticas da agricultura extensiva, cujos preços eram muito mais baratos e permitiam uma concorrência quase desleal com os pequenos produtores. Sabemos, hoje, que alguns destes nós identificados há muitos anos foram resolvidos não por meio de investimento em logística e infraestrutura, mas sim por meio de programas estatais de compra como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); tais programas resolveram problemas antigos, mas trouxeram outros, de que não vamos tratar aqui.
Um problema levantado há quase vinte anos nesta “enquete camponesa” persiste: o conflito intergeracional nos arranjos produtivos familiares. Nas pequenas propriedades agrícolas pesquisadas vigia, cerca de vinte anos atrás, um arranjo produtivo em que todos trabalhavam e os ganhos iam para um caixa comum familiar — mas este caixa ficava sob a responsabilidade do chefe da família, via de regra o pai, que distribuía recursos entre a família segundo seus próprios interesses. Este controle da vida financeira colocava os mais jovens, desejosos de formação e de lazeres, em constante atrito com os chefes de família; pelo que este nosso companheiro relatou, alguns jovens que entrevistou diziam muito claramente que “se as coisas continuassem assim, iriam embora” para Salvador, Goiânia, Belo Horizonte ou São Paulo. Em suma: o êxodo rural naquele município tinha tanto a ver com a falta de oportunidades de trabalho e educação para os jovens, como diziam lideranças comunitárias mais velhas, quanto com o autoritarismo interno às famílias, cujos arranjos produtivos mesmo os movimentos mais “radicais” daquela época deixavam intactos e não questionados. Esta poderia ser uma interessante linha de atuação militante, mas nem o companheiro se dispôs a formar grupos de base para fazer algo, nem nós tínhamos condição de ajudá-lo à distância.
Dois entre nós, que trabalhavam em lojas de um shopping center, bolaram e aplicaram uma enquete junto a seus colegas, na hora do almoço. Confirmaram a impressão que tinham, de que o trabalho em shopping center só não era escravo porque havia pagamento de salários, mas descobriram detalhes de que nunca haviam desconfiado. Assédio moral e sexual; jornadas extras sem remuneração acumulando-se em bancos de horas — a prática, naquela época, começava a ser implementada; muita animosidade contra clientes que desprezavam os trabalhadores — não se pode esquecer que, nos anos 1990 e 2000, muito antes dos “rolezinhos”, os shoppings centers ainda eram o “paraíso do consumo” para as classes média e alta; e muito mais… Esta enquete nunca foi formalizada, pois nossos dois companheiros foram obrigados a abortá-la antes que a gerência das lojas onde os trabalhadores pesquisados eram explorados chegasse até eles. Não podiam arriscar o sustento. Chegaram a pensar em organizar tudo o que tinham e levar ao sindicato, mas, sabe-se lá por que a esta altura do campeonato, desistiram.
(Estes dois companheiros, na época, foram duramente criticados por um de nós por quererem levar o caso ao sindicato em vez de organizar os trabalhadores localmente para resistir. Este mesmo crítico descobriu, anos depois, que tanto Quaderni Rossi quanto Classe Operaia, fundadores do método da enquete operária, participaram ativamente da política sindical italiana; se estes fatos não invalidam sua crítica, que os dois companheiros ainda consideram equivocada diante da correlação de forças naquele tempo e lugar, demonstram, ao menos, que a alternativa de ação apresentada pelos dois companheiros naquele momento não foi tão despropositada quanto parecia.)
Pouco depois do fim do “grupo”, um entre nós teve a oportunidade de uma vida inteira para entender in loco os problemas que afetavam a juventude estudantil: lançou-se na cobertura jornalística da Revolta do Buzu e reuniu tanto material de campo quanto impressões de primeira mão. Este material lhe permitiu, cerca de um ano depois, escrever um relato que, ao que tudo indica e apesar dos defeitos flagrantes que o próprio autor aponta, ainda é o único a ter sido escrito de perto e de dentro da mobilização estudantil, perscrutando-lhe inclusive bastidores a que jornalistas profissionais, por não serem militantes em ação, não tiveram acesso. Pouco depois, este companheiro tentou, sem sucesso, montar um novo grupo para aplicar uma enquete entre estudantes de seu curso que, naquele momento, estagiavam; era flagrante que estes estagiários realizavam as tarefas “braçais” da profissão, ficando assim prejudicados nos aspectos mais propriamente técnicos de sua formação, e ademais cumpriam jornadas excessivas em troca de bolsas inferiores ao salário mínimo (quando tais bolsas existiam). Apesar de este novo grupo jamais ter ultrapassado as primeiras reuniões, a concretude de suas preocupações foi confirmada pela promulgação da Lei de Estágios, que estabeleceu alguns limites à exploração da mão de obra de estudantes e atacou principalmente os pontos que aquele grupo natimorto pretendia pesquisar.
Para que nos serviu a enquete operária, e no que nos tornamos
A experiência com pequenos agricultores talvez tenha sido a mais exitosa. Pudera: o companheiro que aplicou sozinho a enquete durante as férias vivia a situação de dentro, e precisava apenas de um meio para dizer, com argumentos científicos, o que já sentia na pele. Não lhe foi preciso muita literatura, apenas um tratamento científico para elucidar as questões que já percebia empiricamente. De igual modo, os entrevistados tinham total clareza quanto ao problema. Para todos os envolvidos, a experiência serviu-lhes para explicitar ainda mais a situação de exploração que viviam dentro de suas famílias. As consequências deste estudo só se fizeram sentir no médio e longo prazo, pois serviram como primeiro despertar de consciência a uma nova geração de militantes naquele município. Anos depois, eram eles à frente da associação local, e também da cooperativa; se muitos repetiram, resignados, os arranjos produtivos de que reclamavam quando jovens, alguns tomaram a iniciativa de reverter a situação em suas casas e nas organizações produtivas de que participavam, tornando-as mais transparentes.
No caso dos trabalhadores de shopping center, pouco foi possível avançar além de um reconhecimento de terreno. A única experiência que resultou em algo que ultrapassou os limites da ação local, durante a Revolta do Buzu, só pode ser considerada “enquete operária” se a observação participante — de perto e de dentro, à moda da antropologia urbana — puder ser enquadrada numa forma muito ampla de pesquisa, mesmo assim forçando muito a barra.
O grupo se desfez, a vida seguiu. Dois entre nós abandonaram completamente a militância, e não querem qualquer menção a detalhes de sua vida pessoal. Outros dois se casaram, e vivem como pequenos agricultores no interior da Bahia. Um de nós retornou à cidade natal, onde elegeu-se vereador duas vezes e hoje, depois de um acidente de trabalho, é aposentado por invalidez. Um de nós é servidor federal concursado. Um de nós é profissional liberal, e às vezes escreve. Três, hoje, estão entre os bicos e o Uber, e um deles talvez quem sabe um dia provavelmente possa ver a chance de tentar fazer com motoristas de aplicativo o mesmo que fez no trabalho no shopping center. Há homens e mulheres entre nós, mas essas últimas acharam ridícula a ideia de escrever o artigo em “linguagem inclusiva”.
Como criticamos, hoje, a enquete operária
Reunidos para avaliar a experiência, vimos como a enquete operária era tudo isso, e também um fetiche. Daí dizermos: feitiço e fetiche.
Feitiço, porque o material original em que nos baseamos para entender a enquete operária é elogioso ao extremo, encomiástico, laudatório. Um leitor menos atento, como éramos na virada dos anos 1990 para os anos 2000, poderia muito facilmente se deixar levar pela retórica dos defensores da enquete operária sem circunscrever a experiência em seus limites históricos. Não tínhamos como fazê-lo naquele momento. Não havia nenhuma avaliação disponível sobre os resultados das enquetes conduzidas pelos operaístas, nem uma história de sua atuação, tampouco sobre a relação entre as enquetes e as lutas sociais na Itália. Naquele momento ainda não tínhamos acesso, por exemplo, à introdução de Harry Cleaver a seu livro Leitura política d’O Capital, tampouco ao posfácio de Yann Moulier Boutang ao livro Operários e capital de Mario Tronti. Os livros já haviam sido editados há décadas, mas sequer sabíamos de sua existência. Sequer dispúnhamos da avaliação crítica de Antonio Negri sobre a experiência operaísta, pois a primeira edição de Império só chegou a alguns de nós quando não pretendíamos fazer mais nada juntos. Até hoje estão sem tradução tanto o Storming heaven de Steve Wright quanto o Subversion of politics de George Katsiaficas, e também o enorme arquivo de Harry Cleaver. Sem um aparato crítico para circunscrevê-la, a enquete operária aparecerá apenas em seus aspectos positivos, sem que as muitas décadas decorridas desde sua primeira aplicação sirvam como contrapeso ao tom quase mágico com que ela é apresentada. Alguns entre nós conhecem grupos — como Wildcat, Aufheben, Kolinko etc. — em cuja atuação a enquete operária tem certa centralidade; o que chama a atenção neles é que a enquete operária é entendida e praticada como parte de uma estratégia de atuação, não a estratégia inteira.
Fetiche, porque aqueles entre nós que seguiram na militância no campo extraparlamentar indicaram como, em seguida à “moda autonomista” dos anos 2000, precipitada no plano estritamente teórico pelos escritos da fase pós-moderna e pós-operaísta de Antonio Negri, a enquete operária foi retirada do arquivo das técnicas de pesquisa sociológica e transformada numa espécie de panaceia, de substitutivo para o trabalho organizativo propriamente dito. Bastaria aplicar a enquete operária umas tantas vezes e pimba!, eis aí tudo o que se precisa saber para entender a classe trabalhadora e conduzi-la ao paraíso. Sabemos hoje, em especial aqueles que seguiram na militância nos mais diversos campos, que não é assim que a banda toca. Ao que parece, e todos entre nós concordam com esta avaliação, há setores na militância para quem a necessidade de promover alguma “liga” entre aqueles que não desejam mais ser governados ou explorados, e entre eles e os demais trabalhadores, foi totalmente substituída pela aplicação de um instrumento mágico.
Deixamos aqui nosso alerta, com base na experiência pessoal: a enquete operária é um método de pesquisa sociológica. Um entre tantos. Só isso. Não é pacífica sua aplicação, não é pacífica sua concepção, não é pacífica sua destinação. Como qualquer pesquisa, a enquete operária está sujeita a disputas de método, de conteúdo, de sentido, de finalidade, de resultados e de efeitos esperados. Ou se tem isto em mente logo de partida, ou a frustração futura é mais que certa.
Ilustram o artigo fotos de esculturas produzidas por artistas da etnia Fon do Togo e de Benim.
Muito bom! Eis um texto sucinto e percuciente, cujo inegável potencial crítico-heurístico quiçá demandaria uma efetuação à base de extensões, aprofundamentos e -a fortiori- uma idônea concrescência de pormenores.
Duas coisas:
1. Durante a revolução portuguesa fui um dos animadores do jornal Combate. Para além dos Editoriais, praticamente o resto do jornal era ocupado por entrevistas aos trabalhadores de empresas em luta. O nosso papel de entrevistadores consistia, no fundamental, em fazer as pessoas falarem de aspectos pouco cómodos. Por exemplo, os trabalhadores, nomeadamente as comissões de trabalhadores, falavam da realização de assembleias e nós pressionávamo-los a dizer se elas eram muito ou pouco participadas, se a participação estava a diminuir, etc. Além disso, as entrevistas eram publicadas na íntegra, o que pode parecer enfadonho ao leitor de hoje, mas era essencial numa época em que os partidos e grupos políticos publicavam só as frases que convinham às orientações de cada um. Nunca nos passou pela cabeça, no Combate, fazer enquêtes nem considerávamos que as entrevistas o fossem.
2. Num dos seus livros, Niels Bohr colocou o problema de saber em que medida o princípio da incerteza, formulado por Heinsenberg, se aplicava ou não às ciências humanas e sociais. Convém saber que, desviando-se da interpretação irracionalista do princípio da incerteza, Niels Bohr concebeu-o como uma complementaridade, naquele caso, entre a definição do momentum e a definição da posição. Numa primeira abordagem, a presença do investigador, usando instrumentos de análise, faz com que a definição exacta do momentum impeça uma definição exacta da posição, e reciprocamente. Mas Heisenberg ia mais longe e considerava que a incerteza caracterizaria o comportamento da própria matéria no âmbito quântico, independentemente da interferência de um observador. Experiências laboratoriais posteriores deram razão a Heisenberg, mas a questão que me ocupa aqui é um pouco diferente. Niels Bohr estendeu aquela complementaridade a outros aspectos da física quântica, nomeadamente à concepção da partícula enquanto onda e enquanto corpúsculo. Ora, referindo-se às pesquisas de campo realizadas pelos sociólogos mediante inquéritos, Bohr afirmou que o inquérito nunca caracterizava a realidade do entrevistado, caracterizando sempre a interacção entre entrevistador e entrevistado. Ou seja, o inquérito de campo dos sociólogos serve apenas para definir a complementaridade entre o sociólogo e o objecto social do seu estudo.
Eu estou inteiramente de acordo com a forma como Niels Bohr colocou o problema e acrescento que, na minha actividade de professor, não só nunca estimulei os estudantes a realizarem essas entrevistas, como sempre disse que elas eram inúteis ou até nocivas para um entendimento da realidade. Considero que no campo sociológicos as análises devem sempre ser feitas a) pela observação à distância, como fazia Max Weber, e b) pelo estudo das estatísticas. Ambas estas modalidades não são interferentes no objecto de análise, e portanto excluem-se da complementaridade, tal como Bohr a formulou. É claro que existe a convivência pessoal no campo da actividade política, as relações inter-individuais, mas sem a e b essa convivência e essas relações inter-individuais só nos provocarão ilusões e ideias falsas. Uma grande parte das tolices políticas resulta daí. Portanto, a e b são fundamentais, ou seja, são o fundamento de tudo o resto.
Já agora, acrescento o seguinte. Em aulas e palestras eu dizia e repetia que todos os sociólogos, com a excepção de Max Weber, não passam de péssimos romancistas, enquanto que todos os bons romancistas são excelentes sociólogos. Portanto, concluía eu, os alunos deviam deixar de ler obras de sociologia e passar a ler romances. Digo o mesmo aqui aos leitores do Passa Palavra, mas sem grandes resultados.
João Bernardo,
Não conheço esse texto em que o Bohr fala de sociologia e entrevista, por isso fica difícil opinar sobre o que ele realmente fala. Mas me parece que não é muito ou nada diferente do que os pragmatistas apontam. Não existe realidade fora da descrição. Entrevista nenhuma vai revelar a Verdade sobre um objeto, ou a realidade, independente de quem olha. Toda descrição é sempre uma descrição interessada. O que vemos já é interessado, falando mesmo do sentido visão. O que vemos e deixamos de ver num cenário, e portanto a realidade que descrevemos, tem relação com o que nos importa ver e de que maneira, como animais mesmo.
Dito isso, entrevista apenas, pode ser algo bastante limitado para se tirar certas conclusões. Mas as estatísticas também podem mais confundir e enganar se nao se tem uma ideia do fenômeno e contexto.
Melhor para conhecer a tal subjetividade dos trabalhadores é estar entre eles, o que se diria em sociologia de observação-participante. Ou em antropologia uma etnografia. Entrevistas se fazem quando não se pode fazer isso, pelo menos para ter alguma possível informação que indique algo, ou para complementar.
Um bom livro de sociologia que é quase um romance (ou vice-versa), pois é um relato de experiência direta numa fábrica, é o Greve na Fábrica, do sociólogo (não me recordo se ele era apenas estudante de sociologia na época que trabalhou na fábrica) Robert Linhart. Uma aula de sociologia do trabalho, psicologia do trabalho e ergonomia se encontra naquele livro.
Aliás, sobre ergonomia, a ergonomia francesa – comumente chamada de ergonomia da atividade – se baseia em metodologias em que a palavra do trabalhador é central; em algumas delas o pesquisador fica fazendo perguntas para o trabalhador explicar o que está fazendo, isto é, por que fez tal coisa daquele jeito e não de outro etc etc. E os resultados podem ser consideráveis em conhecimento para melhoria da organização do trabalho com fins preventivos de acidentes por exemplo. Nisso é preciso estar perto do trabalhador. Nessas metodologias se descobre também os conflitos na atividades de trabalho, os conflitos entre o desejo do trabalhador e a organização do trabalho imposta, o próprio conflito entre capital e trabalho no ponto da produção. Não são enquetes, mas também não são nem estatísticas e nem olhar distante.
João Bernardo, tem algum escrito teu que explique melhor esse método descrito no 3° parágrafo? E tem o escrito de Bohr que ele comenta sobre os sociólogos?
A inesgotável questão das relações entre sujeito e objeto qua produção do(s) saber(es), abordada como intromistura de processos (subjetivação objetivação) e seu correlato functor dinâmico de factícios epistemológicos.
A conferir:
“O IMPROVÁVEL
Um dos melhores filmes sobre a luta de classes é uma sarcástica e incisiva tomada de dez minutos, feita em 10 de junho de 1968, fora do portão da Wonder Factory – uma fábrica de baterias – nos subúrbios de Paris. A maioria dos trabalhadores era formada por mulheres, mão de obra não especializada, mal paga, menosprezada e que manuseava dejetos químicos. Eles iniciaram a luta em 13 de maio e ainda estavam em greve, quando foram filmados. As concessões que arrancaram do patrão foram muitas, em termos de melhores condições de trabalho, e poucas, considerada a energia posta na luta. No meio do grupo que discutia está uma mulher, com seus vinte anos, que, meio gritando, meio chorando, diz: ‘Não, não estou retornando. Eu nunca mais porei meus pés ali de novo! Vá lá e veja você mesmo o chiqueiro que é… aquela sujeira onde trabalhamos…’
Em 1996, um documentário entrevistou pessoas envolvidas naquela luta: homens e mulheres trabalhadores, capatazes, um datilógrafo trotskista, representantes de vendas, ativistas sindicais, o chefe do partido comunista local que tentou convencer a jovem mulher a retornar ao trabalho. Ela, porém, não deixou rastros. Poucos se lembravam bem dela. Ela deixou a fábrica logo depois dos eventos e ninguém sabe o que aconteceu com ela e nem seu nome inteiro, só o seu primeiro nome: Jocelyne.” Jean Barrot e François Martin – ANTEMUNDO SEM FUTURO
“Uma análise estruturalista genética progride com a delimitação de grupos de dados empíricos, que representam estruturas, ‘totalidades relativas’, e sua posterior inserção, como elementos, em outras estruturas – mais vastas, mas da mesma natureza – e assim por diante. Esse método, se comparado aos demais, oferece a dupla vantagem de conceber, de início, o conjunto dos fatos humanos de modo unitário. e, também, de ser ao mesmo tempo ‘compreensivo’ e ‘explicativo’, visto que o enfoque de uma ‘estrutura significativa’ representa um processo de ‘compreensão’, enquanto que sua inserção numa estrutura mais vasta é, em relação àquela, um processo de ‘explicação’. Por exemplo: focalizar a estrutura trágica dos Pensamentos de Pascal e do teatro raciniano é um processo de ‘compreensão’; inseri-los no jansenismo extremista, depreendendo a estrutura do mesmo, é procedimento de compreensão em relação ao jansenismo e de explicação em relação aos escritos de Pascal e de Racine; inserir o jansenismo extremista na história local do jansenismo é explicar o primeiro e compreender o segundo. Inserir o jansenismo, como movimento de expressão ideológica, na história da nobreza de toga do século XVII, é explicar o jansenismo e compreender essa nobreza. Inserir a história da nobreza de toga na história global da sociedade francesa é explicá-la, compreendendo esta última, e assim por diante.” LUCIEN GOLDMANN – Sociologia do Romance
“Como seres humanos, captamos apenas os conjuntos que têm um sentido para nós… Existe uma infinidade de outros conjuntos dos quais jamais saberemos coisa alguma. É óbvio que, para nós, é impossível experimentar todos os elementos que existem em toda situação e todas as suas possíveis relações… Por isso, somos obrigados a apelar, de situação em situação, como fator formante da percepção, para a experiência adquirida… Em outras palavras, o que vemos é certamente função de uma média calibrada de nossas experiências passadas. Parece, assim, que relacionamos um dado pattern de estímulos com experiências passadas, através de uma complexa integração de tipo probabilista… Daí por que as percepções resultantes de tais operações não constituem, de maneira alguma, revelações absolutas ‘do que está fora’, mas representam predições e probabilidades baseadas em experiências adquiridas.”
J. L. KILPATRIK – The Nature of Perception (in Explorations in Transactional Psichology) apud ECO, U. – A Estrutura Ausente, p. 377
Zé António,
A obra de Niels Bohr que referi intitula-se em francês Physique atomique et connaissance humaine. Na edição que possuo (Genève: Gonthier, 1964) a passagem que me inspirou encontra-se nas págs. 46-54, mas Bohr referia-se aos etnólogos. Eu transpus a questão para a sociologia, onde o problema é idêntico. Note-se que na mesma passagem Bohr recorreu a uma perspectiva similar a propósito da psicologia.
Quanto à sua outra pergunta, tenho procurado mais aplicar a metodologia do que escrever sobre ela, por isso foi um assunto que tratei sobretudo em aulas. No entanto, deixou traços em alguns livros e inspirou um livro inteiro
No Economia dos Conflitos Sociais, que se encontra facilmente na internet, não citei bibliografia nas notas de rodapé nem fiz listas de referências. Expliquei o motivo numa «Nota Sobre a Ausência de uma Bibliografia», em que termino incentivando o leitor a «andar na rua».
Fui mais explícito no Labirintos do Fascismo, que também se encontra com facilidade na internet, mas ainda aqui dediquei-me menos à exposição da metodologia do que à sua aplicação prática. No entanto, deixei uma pista na n. 129 da pág. 609 da 3ª versão, de 2018, em que citei uma passagem de uma obra de George Dangerfield (The Strange Death of Liberal England, Nova Iorque: Capricorn, 1961, pág. 393), onde ele afirmou que para quem se dedica à história social «os factos não constituem o único elemento, nem o mais importante. A história social, tal como a própria história, combina o gosto, a imaginação, a ciência e a erudição. Ela reconcilia o que é incompatível, equilibra probabilidades, para atingir finalmente a realidade da ficção, que é a forma mais elevada de realidade». E em seguida eu comentei que Balzac teria dito o mesmo.
Com efeito, escrevi um longo estudo sobre La Comédie humaine, de Balzac, intitulado A Sociedade Burguesa de Um e Outro Lado do Espelho (editado pela UEMG, que disponibiliza o pdf), com o objectivo de mostrar como a grande ficção antecipa a história e substitui a sociologia.
Só posso terminar repetindo o que já disse: deitem fora os vossos livros de sociologia, exceptuando os de Max Weber — aliás, não os deitem fora, porque os tempos estão difíceis, mas vendam-nos, pois haverá sempre quem se interesse por essas coisas — e leiam romances, muitos romances, todos os romances.
João Bernardo,
Mis à part Balzac et Ellroy, qui sont les auteurs que vous nous conseillerez de lire ?
C’est très intéressant ce que vous affirmez: “les meilleurs romanciers sont des sociologues, mais les sociologues sont de piètre romancier”. Ce qui est marrant c’est que je me faisais la réflexion que les meilleurs historiens sont parfois des romanciers, Umberto Eco et Herman Melville en sont de parfait exemple. D’ailleurs Balzac se définissait lui même comme un historien.
Plus jeune les romans me permettaient de m’extraire de ma vie et de m’évader le temps d’une histoire, en grandissant j’ai compris qu’ils pouvaient servir à mieux comprendre le monde, ou plutôt, à comprendre le monde que l’on se refuse de voir.
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Tradução do Passa Palavra:
João Bernardo,
Além de Balzac e de Ellroy, quem são os autores que nos aconselharia a ler? É muito interessante o que afirma: «os melhores romancistas são sociólogos, mas os sociólogos são péssimos romancistas». O engraçado é que eu estava a pensar que os melhores historiadores são por vezes romancistas. Umberto Eco e Herman Melville são exemplos perfeitos. Aliás, Balzac definia-se a si mesmo como um historiador.
Quando era mais novo, os romances permitiam-me fugir da minha vida e evadir-me durante o tempo de uma história; ao crescer, compreendi que podiam servir para compreender melhor o mundo, ou antes, para compreender o mundo que nos recusamos a ver.
Adendando JB:
A obra do Bohr, em tugazuka, pode ser baixada em:
http://gen.lib.rus.ec/search.php?&req=Niels+Bohr&phrase=1&view=simple&column=author&sort=language&sortmode=DESC
Élie,
Que livros ler? Todos.
Parafraseando a célebre expressão da Cruzada contra os Albigenses, quando um dos guerreiros perguntou ao bispo como havia de distinguir entre os católicos e os herejes, e o bispo teria respondido que os matasse todos, porque Deus reconheceria os que lhe eram fiéis, Georges Brassens disse à libertina: «De Pierre à Paul, / en passant par Jules et Félicien / embrasse-les tous, / embrasse-les tous / Dieu reconnaîtra le sien». De Pedro a Paulo, passando por Júlio e Feliciano, ama-os todos, Deus reconhecerá o que lhe pertence.
Eu, que não sou bispo e muito menos sou Brassens, digo-lhe o mesmo. Romances? Leia todos, todos os que lhe caírem à mão. Depois o tempo fará uma selecção. Mas, é claro, podemos também beneficiar do tempo dos outros, dos que já morreram, e os romances que resistiram à História nunca são maus, embora alguns bons tivessem ficado pelo caminho, à espera de serem ressuscitados. E assim voltamos ao mesmo, porque para encontrar os que foram injustamente postos de lado é necessário lê-los todos. Dieu reconnaîtra les siens, e aqui, modestamente, Deus somos nós, reconhecendo, entre a mortandade dos romances maus, uns poucos bons romances.
João Bernardo,
Merci de ta réponse intéressante. Perdu à la bibliothèque, j’ai longtemps erré à rechercher les bons livres, souvent déçu, mais au fond tu n’as peut-être pas tort il faut avoir lu les mauvais pour reconnaître les bons.
“Caedute eos, novit enim Dominus qui sunt eios” :)
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Tradução do Passa Palavra
João Bernardo,
Obrigado pela tua interessante resposta. Perdido na biblioteca, vagueei muito tempo em busca de bons livros e fiquei frequentemente decepcionado, mas no fundo pode ser que tenhas razão, é necessário ler os maus para reconhecer os bons. [A frase final é a versão original, em latim, da frase pronunciada na Cruzada contra os Albigenses e que o Brassens parafraseou na célebre canção.]
Para decifrar a realidade social lendo romances, é necessário o olhar clínico de crítico literário, atento à forma – um sociólogo que lê romances simplesmente como “documento” buscando a matéria histórica de modo imediato não irá muito longe. Efetivamente, Roberto Schwarz interpretando Machado de Assis compreendeu muito mais da realidade brasileira e seu funcionamento ideológico que toda a sociologia da época. Mas não é qualquer romancista que consegue dar forma à verdade histórica (e também não é qualquer crítico que consegue “ver o destino nas formas”, como dizia Lukács).
Outro problema diz respeito à própria história da literatura: uma coisa é fazer uma “investigação sociológica” lendo o grande realismo do século XIX, lendo Flaubert, Balzac, Zola – outra coisa é interpretar (sociologicamente) a literatura contemporânea, depois da crise do romance dos anos 1920. São necessárias muitas mediações para ver a matéria social lendo um Beckett, por exemplo (embora ela esteja lá). E para compreender a realidade contemporânea contemporânea mesmo (agora), digamos que a produção literária de hoje não contribui muito…
Mas sobre a “enquete operária”: talvez seria o caso de inverter a proposição de João Bernardo. Em vez de ler as obras literárias como sociólogo, ler a realidade social como um crítico literário. Quem sabe seria possível ler tais enquetes como obras literárias, estando atendo à linguagem e aos detalhes da expressão – e quem sabe descobrir algo aí, a partir do particular da experiência, sem projetar de antemão todos os esquemas conceituais da cabeça do teórico.
Ler um romance com olhos de sociólogo é destruir o romance, reduzi-lo àquilo que ele não é. Afinal, nos comentários anteriores exprimi-me muito moderadamente. Não basta deitar fora as obras de sociologia, é necessário deitar fora os próprios sociólogos. Não me refiro às pessoas. Coitados, apesar de tudo também têm o direito de viver. Não estou a propor aqui nenhuma carnificina. É o olhar sociológico que é necessário deitar fora.
No que me diz respeito, um exemplo prático de leitura de romances é o meu livro sobre La Comédie humaine, e num dos comentários anteriores forneci o link para o pdf que a editora da UEMG disponibilizou. Outro exemplo são os dois artigos que escrevi sobre romance policial, publicados neste site.
Um mau romancista inventa uma história e depois situa nela os personagens. O bom romancista faz o inverso, inventa personagens e deixa-os à solta. E são os personagens quem, agindo e interferindo, cruzando-se ou fugindo, constroem a história. O mau romancista, aquele que começa por inventar a história, já na primeira linha sabe qual será a última. O bom romancista ignora até ao fim qual será o desfecho, ele limita-se a registar os passos dos personagens que criou.
Cada um de nós está condenado a ficar preso dentro da sua cabeça. O romance é a única possibilidade de penetrar em cabeças alheias, que são as cabeças dos personagens. Penetramos neles, pensamos como eles, enfim vemos o outro não como outro. Em quase sessenta anos de actividade política militante entendi e confirmei que os dogmáticos, os sectários, são gente que nunca lê romances. Quem alguma vez entrou no outro, pensou como ele, deu os passos dele, pode ser combativo, mas nunca mais pode ser sectário.
Parabéns ao Passa Palavra por colocar a Enquete Operária em discussão. Se não me engano, esta é a segunda contribuição. Antes traduziram um material publicado em 9 partes. Parabéns aos autores por compartilharem a experiência e pelo trabalho coletivo.
Parto da Enquete redigida por Marx, em 1880. Começo concordando para depois discordar e, por fim, comentar. Concordo: “não é pacífica sua aplicação, não é pacífica sua concepção, não é pacífica sua destinação.” Discordo: a enquete operária não é um método de pesquisa sociológica.
Não se trata, simplesmente, de produzir conhecimento sobre as condições de vida, trabalho e saúde; trata-se de revolucionar as relações de trabalho, de vida e de saúde. A Enquete pode incorporar técnicas de pesquisa sociológica, mas é, essencialmente, um instrumento de formação e politização da classe trabalhadora. Aponta para a superação do capitalismo. Ultrapassa as pesquisas socilógicas.
As enquetes operárias podem ser empregadas pela classe trabalhadora, mas não são suas únicas armas, nem substituem a teoria. Muito pelo contrário. Basta dizer que, por trás das 100 questões da Enquete de 1880, está todo o instrumental teórico desenvolvido em O Capital. Marx pergunta respondendo. Se informa esclarecendo. É por essas e outras que não dá para pensar a Enquete Operária como um método de pesquisa sociológica.
Marx elaborou as questões para serem usada na França, no final do século XIX. Não é panacéia universal. Mas serviu e serve como base para outras enquetes. Além disso, a introdução do questionário traz um trecho que é impossível não citar: “confiamos contar com a ajuda de todos os operários da cidade e do campo, conscientes de que apenas eles podem descrever, com todo conhecimento de causa, os males que suportam, e de que só eles, e não os salvadores providenciais, podem energicamente remediar as misérias sociais que sofrem.” Em poucas palavras, Marx reafirma que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios e, além disso, antecipa todos que disseram, posteriormente, que há um saber próprio dos trabalhadores. Saber que é estratégico na luta de classes. Por exemplo, o que é o taylorismo senão uma expropriação do saber operário para utilizá-lo a favor do capital e, consequentemente, contra o trabalho?
A experiência com enquetes operárias foi mais longe na Itália dos anos 1960. No Brasil, houve apenas iniciativas isoladas, como as descritas no texto. Interessante indagar por quê? Mais. Por que a própria Enquete de Marx é pouco conhecida no Brasil? Creio que a explicação está na predominância, por aqui, de um “marxismo” que acredita que a teoria revolucionária vem de fora da classe. Se a teoria nasce no cérebro de “iluminados”, enquetes operárias são desnecessárias. Estaria tudo na cabeça dos teóricos, e não práxis da classe trabalhadora. “Marxismo” foi entre aspas porque, provavelmente, Marx diria aos “marxistas” brasileiros o que disse aos “marxistas” franceses: “Tudo o que eu sei é que não sou marxista.” Vale destacar que a frase é da época da Enquete Operária.
Para transformar o mundo é preciso conhecê-lo. Em texto de 1866 (Instruções para os Delegados do Conselho Geral Provisório. As diferentes questões), Marx sugere que a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) incentivasse a realização de enquetes operárias. Segundo o barbudo, se conseguissem dar conta de tamanha tarefa, os trabalhadores provariam estar em condições de comandar seus próprios destinos.
Passados 154 anos, o proletariado ainda não deu conta totalmente de tamanha tarefa (organizar enquetes) e não domina seu próprio destino (revolução). Em alguma medida, uma coisa tem a ver com a outra.
j só esqueceu de duas coisas:
(1) A primeira e talvez mais importante contribuição deste site sobre a enquete operária apareceu faz algum tempo e pode ser lida aqui: https://passapalavra.info/2015/08/105627/ e
(2) Nenhum trabalhador respondeu ao imenso questionário do velho barbudo, apesar de todas as questões que o gesto antecipa ou coloca, bem pontuadas no comentário acima.
No mais, suas ponderações são um adendo essencial ao artigo, que termina por esterilizar o rico relato das idas e vindas de militantes há mais de duas décadas e por condenar, com ele, uma proposta provocadora forjada nos anos 1960 por uma parte da esquerda italiana. (Proposta que alguns sociólogos tratariam de desfigurar ao tentar transplantá-la para a academia.)
Como nosso JB não cansa de repetir, estamos precisando nos livrar da sociologia, e não adotar mais um método de pesquisa sociológica. Mas o abandono das certezas confortáveis sobre os trabalhadores e a atitude investigativa (para muito além dos questionários e das estatísticas) que estavam no cerne daquela inusitada retomada da enquete de Marx, isso sim tem feito muita falta, inclusive por aqui.
Pode ser que de fato só se encontre algo do tipo nos romances que acabam de ser escritos, e olhe lá. Um deles (cuja publicação na realidade já tem uma década) é Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo, que pode ser baixado aqui: https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2015/11/figueiredo-passageiro-do-fim-do-dia.pdf
Se alguém for jogar fora o livro A Sociedade do Consumo – obra prima da sociologia – , do Jean Baudrillard, peço para que me envie. Tenho ele só xerocado, e com o tempo a tinta do xerox desaparece.
Inúmeros dossiês – todos valiosos, enquete e autonomia operária inclusos – podem ser baixados aqui:
http://www.oocities.org/autonomiabvr/
Há que se compreender, como está no texto, que os militantes autores partem da concepção de Enquete Operária forjada pelos operaístas. E sim, ela começou e se desenvolveu com um debate sobre a sociologia e seus métodos:
“Os Quaderni Rossi começaram com um debate sobre a sociologia, cujo uso pelos patrões tinha produzido novas formas de gestão do trabalho e disciplina, mas também tinha gerado informações incalculáveis sobre o processo de trabalho. Enquanto uma apropriação marxista crítica da sociologia estava na agenda, sua relação com a enquete operária de Montaldi não era inteiramente clara. Alguns nos Quaderni Rossi — a facção ‘sociologista’ em torno de Vittorio Rieser — acreditavam que essa nova ciência, apesar de associada com a acadêmicos burgueses, poderia ser usado como uma base para a renovação das instituições do movimento operário. Outros, incluindo Alquati, achavam que a sociologia apenas poderia ser, na melhor das hipóteses, um passo inicial para uma colaboração militante entre pesquisadores e trabalhadores, uma nova forma de conhecimento que seria caracterizada como ‘copesquisa'”
Fonte: https://passapalavra.info/2020/03/130322/
k, foram distribuídas 25.000 cópias do questionário elaborado por Marx, 100 retornaram preenchidos. O dado é do operaísta Dario Lanzardo.
z, as Enquetes Operárias não podem ser pensadas como um método de pesquisa sociológica porque elas não se limitam à produção de conhecimento. As enquetes operárias são mecanismos de formação e politização da classe trabalhadora. A questão não era conhecer a classe em si, era forjar a classe para si. Isso valia para Marx e para os operaístas italianos. No caso destes, tratava-se de usar as enquetes operárias para entender e superar o reformismo do PCI e do PSI. Em geral, os operaístas eram ex-militantes do PCI e do PSI, usaram as enquetes como uma das vias de retorno a Marx e de construção revolucionária.
Na disputa das narrativas, teremos aqui um alfabeto inteiro.
j, a “genealogia” recentemente publicada pelo Passa Palavra afirma que “Marx morreu alguns anos após essa primeira tentativa de enquete, sem receber uma única resposta”, mas de fato nada impede que algumas tenham chegado à revista.
Seja como for, num número subsequente da Revue Socialiste (publicado em julho de 1880), encontramos o seguinte apelo:
“Um certo número dos nossos amigos já enviou uma resposta ao questionário para a Enquete Operária; lhes agradecemos por isso e incentivamos nossos amigos e leitores que ainda não responderam a se apressarem. Só queremos começar nosso trabalho quando tivermos o maior número possível de respostas, para que ele seja mais completo. Pedimos aos nossos amigos proletários que considerem que a elaboração desses ‘Cadernos de Trabalho’ é da maior importância e que, contribuindo para o difícil trabalho que empreendemos, eles trabalham diretamente para sua emancipação.” (https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k58174319/f32.item.r=Revue+Socialiste+1880)
Mesmo no seu fracasso – e qual enquete dessas chega hoje a uma centena de respostas? –, aquela primeira enquete é certamente uma herança a ser disputada.
j,
A enquete operária pode ser e é pensada como um método de pesquisa sociológica, não raramente utilizado na academia. No início da série “Enquete Operária: Uma Genealogia”, Asad Haider e Salar Mohandesi comentam a primeira tentativa de Marx e analisam o caráter da enquete operária: “Somente a classe trabalhadora poderia prover informação significativa sobre sua própria existência, assim como somente a própria classe trabalhadora poderia construir o novo mundo. Mas por trás desse simples chamado está uma série de motivações complexas, objetivos e intenções, fazendo a enquete operária — esse aparente desejo modesto de aprender a partir dos próprios trabalhadores — um projeto altamente ambíguo, multifacetado e indeterminado desde o princípio”. Esse comentário parece corroborar o que os autores militantes deste artigo concluem sobre a enquete: “a enquete operária é um método de pesquisa sociológica. Um entre tantos. Só isso. Não é pacífica sua aplicação, não é pacífica sua concepção, não é pacífica sua destinação. Como qualquer pesquisa, a enquete operária está sujeita a disputas de método, de conteúdo, de sentido, de finalidade, de resultados e de efeitos esperados”.
No artigo que me referi da série que discorre sobre a história da enquete operária, há a constatação de que os debates sobre a sociologia e métodos de pesquisa sociológica tiveram grande importância na formação dos Quaderni Rossi, dividindo alas no interior do grupo. Alquati era um sociólogo, Negri se tornou um e Panzieri defendeu um estudo aprofundado da sociologia antes de tomar uma posição política frente à revolta contra os sindicatos na Piazza Statutto, levando o grupo a uma ruptura. Vejo que você está englobando o trabalho de organização política na prática de investigação da enquete, o que me parece ser uma extrapolação indevida, pois então a enquete operária corresponderia à atividade militante por completo e perderia o sentido explicativo de pesquisa empírica em forma de questionário, relato ou entrevista. Isso, e o que comentei no parágrafo acima, me fazem refletir sobre o que os tais velhos militantes dizem sobre a enquete enquanto “panaceia”. Uma definição muito ampla de enquete, sem contextualização histórica, pode servir mesmo para explicar e sustentar qualquer coisa.
José,
Não se trata de “disputa das narrativas”, mas de reflexões e debate político e histórico, algo que o artigo trouxe e que os comentários prosseguiram. E este é um dos objetivos do Passa Palavra, já alertando quem porventura incomodar-se.
z, nossa divergência passa pela palavra “operária”. Uma enquete organizada pela classe trabalhadora pode fazer uso das técnicas mais avançadas da sociologia, das ciências sociais e da estatística. Uma enquete organizada na academia não pode encampar a reivindicação mais avançada dos trabalhadores, a superação do capital. Não dá para confundir academia com classe social.
Por trás da enquete operária não está o “desejo modesto de aprender a partir dos próprios trabalhadores”, como você citou. É aqui que a enquete acadêmica se separa da enquete operária. A primeira para neste ponto, a segunda avança. Não se trata de interpretar o mundo, a questão é transformá-lo – diria Marx. Por trás da enquete operária está a necessidade revolucionar o modo de produção. Era assim para Marx e para os operaístas italianos.
Como coloquei desde o começo, a enquete operária não é panaceia universal; mas, por outro lado, transformá-la em método de pesquisa sociológica empregado na academia é esterilizar suas possibilidades.
Esses dias vi um debate com Marcia Castro, graduada em Estatística, mas chamada de demógrafa por ter feito pós-graduação em Demografia. Ela é professora de Demografia e Chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.
Pesquisa doenças no Brasil pelo que entendi da sua fala. Mas o mais destacável é que ela frisou que vai a campo, tem necessidade disso para entender as pessoas, a vida delas… enfim, na prática, faz o papel do sociólogo qualitativo ou do antropólogo. Ela, que é estatística, percebe a insuficiência do olhar distante e dos números para entender certos fenômenos com os quais trabalho na transdisciplinaridade entre demografia e saúde.
O vídeo é este: https://www.youtube.com/watch?v=NkR1Qcvd6CA