Por Aurora Apolito
1. O anarquismo e o problema da escala
O problema da escala é talvez o problema mais fundamental do anarquismo.
Todos sabemos por experiência própria que o anarquismo funciona bem numa escala local. A maioria daqueles que têm sido ativos no movimento anarquista tem também participado de pelo menos algumas iniciativas como Food Not Bombs, infoshops, editoras independentes, feiras de livros anarquistas, ações de apoio mútuo, Antifa, cooperativas de trabalhadores, street medics, hacker e maker spaces, etc. O movimento anarquista tem uma vasta experiência histórica acumulada sobre como organizar tais iniciativas comunitárias locais. Não há dúvida de que o anarquismo funciona bem naquilo que chamarei de “a pequena escala”.
Historicamente, uma das principais críticas direcionadas contra o anarquismo tem sido a de que ele não oferece uma teoria convincente sobre como uma forma de organização descentralizada, não hierárquica, pode ser maximizada para funcionar eficientemente em “larga escala”. Essa objeção tem sido expressa frequentemente por militantes socialistas e comunistas que defendem formas de planejamento centradas em torno de uma estrutura partidária e/ou de uma organização estatal. É famoso o comentário de Leon Trotsky, em sua autobiografia, sobre como seu entusiasmo inicial pelo anarquismo diminuiu quando seus camaradas anarquistas foram incapazes de apresentar um bom plano para a administração do sistema ferroviário. O texto de Trotsky é desonesto, mas a questão é legítima. Como o anarquismo lida com estruturas de larga escala? Existe uma boa estratégia de maximização para interpolar [*] do pequeno para o grande? Embora seja certamente possível pensar em várias boas respostas para o problema específico da ferrovia, o problema mais geral da escala não é nada trivial: é bem conhecido o fato de que muitos sistemas físicos não podem ser maximizados livremente e deixam de funcionar fora de uma escala habitual de aplicabilidade. Seria o anarquismo um tal sistema, destinado a funcionar apenas na escala das pequenas comunidades locais?
Uma parte do movimento anarquista tem se refugiado em tais posições “locais” e defendido o abandono do problema da escala por completo, focando apenas na ação e na organização ao nível de pequenas comunidades. Eu defendo que essa posição é incompatível com os ideais globais do anarquismo, cuja meta final é a libertação da humanidade (e de todas as entidades sencientes, biológicas ou mecânicas) da opressão e de estruturas hierárquicas de poder. Para atingir tais objetivos o anarquismo moderno tem de se comprometer com um mundo de alta complexidade e estruturas de larga escala dotadas de múltiplas camadas. Refugiar-se na zona de conforto de pequenas comunidades locais homogêneas vai na contracorrente da história de grandes aspirações e ideias revolucionárias visionárias do anarquismo. Existem outras tendências, bem diferentes, no interior do movimento anarquista, como o “Left Market Anarchism”, que não se esquiva de encarar o problema da escala, mas defende, em essência, que ele seja resolvido tomando emprestado o mecanismo de mercado do capitalismo e “libertando-o”, de certa maneira, para que sirva a objetivos socioeconômicos mais justos e a uma sociedade mais igualitária. Considero essa abordagem pouco sedutora. Não acredito que os mercados possam ser “libertados” do capitalismo, nem que eles possam, enfim, fazer algo de bom, não obstante seu status libertado. Isso porque, em essência, a meu ver, o mecanismo do mercado percorre uma rota descendente em direção a um mínimo de custo/energia, num esforço para maximizar os lucros, inevitavelmente selecionando as opções menos valiosas, ao mesmo tempo em que descarta tudo o que possa ter algum valor (mas não possa gerar lucros) ao longo do processo. Digamos que seja o meu preconceito comunista.
Para o propósito deste breve ensaio, pretendo analisar certos aspectos da questão da escala a partir de alguns pressupostos simplificadores que me inspiram confiança quando tento conceber a estrutura de uma sociedade anarquista (ou, pelo menos, de uma sociedade em que eu gostaria de viver). Então começarei supondo que o que acontece na “pequena escala” está estabelecido como uma rede de comunas, cooperativas e coletivos, geridos segundo formas anarcocomunistas de organização, e considerarei a questão de como introduzir estruturas de larga escala nessa rede.
O que quero dizer com “estruturas de larga escala” pode ser fundamentalmente descrito como “distribuição em larga escala de serviços”. Os serviços incluem todas as necessidades imediatas como transporte (a ferrovia anarquista!), saúde, produção e distribuição de conhecimento (conectividade, educação, circulação e acessibilidade da informação), a cadeia de distribuição de alimentos e insumos. Nada disso pode ser administrado estritamente ao nível de uma comunidade local, não importa quão bem planejada e eficiente possa ser a produção de alimentos ou o transporte público local. Serviços não são custo-efetivos, precisamente porque são serviços. A vantagem da sua existência é enorme, mas ela se manifesta de formas indiretas que não resultam em lucro na execução dos serviços em si. É por isso que é impossível esperar serviços de qualidade no capitalismo: o transporte baseado em automóveis é ineficiente e desastroso para o ambiente, o conhecimento é aprisionado por paywalls, a saúde é inacessível, a produção e a distribuição focam no consumo acelerado de produtos de baixa qualidade, e assim por diante. Por outro lado, um vasto e heterogêneo leque de posições políticas no interior do espectro socialista, desde as sociais-democracias até o autoritarismo stalinista, tem tradicionalmente investido o Estado da atribuição de assegurar a distribuição em larga escala de serviços. Essa convergência entre Estado e serviços tem o perigoso efeito de atrelar uma função útil (assegurar o acesso a serviços) aos mais desagradáveis e autoritários aspectos do Estado: uma grande fatia da produção é colocada a serviço dos militares, a obediência é assegurada pela ação violenta da polícia, são abundantes as ineficiências e a centralização costuma tornar o planejamento ineficaz. Analisarei brevemente algumas experiências, desenvolvidas historicamente no interior da perspectiva socialista/comunista, que visavam a descentralização e a dissociação entre serviços e poder estatal.
2. O comunismo e o problema da escala
Uma primeira observação que eu gostaria de fazer antes de continuar discutindo o problema da escala é que podemos facilmente virar a mesa no que diz respeito à “questão da escala”, que tem sido tratada historicamente como um problema do anarquismo, e elaborar a mesma questão como um problema do comunismo. Supondo que na escala local o sistema econômico comunista seja implementado eficientemente em termos de cooperativas de trabalhadores e comunas, como ele se maximiza para abarcar toda a cadeia de suprimentos e serviços de larga escala? Historicamente, o comunismo tem se valido de economias centralmente planificadas, resultando muitas vezes em ineficiências desastrosas, combinadas com um autoritarismo opressivo. Contudo, muitas lições úteis e interessantes podem ser extraídas das várias tentativas malsucedidas de descentralização do planejamento econômico comunista ao longo da história, e das dificuldades enfrentadas.
Nos tempos soviéticos, houve duas tentativas principais de utilizar métodos da computação para abordar o problema da escala na economia planificada. Uma foi a programação linear de Leonid Kantorovich [18], que, depois de uma fase inicial de forte obstrução pelas autoridades da época de Stalin, começou a ser admitida aproximadamente no fim dos anos 1950 [34]. As técnicas de programação linear foram depois adotadas pelo planejamento econômico soviético, começando pela cadeia produtiva das forças armadas nos anos 1960. Embora os métodos de otimização de Kantorovich tenham sido explicitamente projetados para uma alocação eficiente de recursos numa economia comunista, a oposição extrema que enfrentaram nos tempos stalinistas deveu-se principalmente a similaridades identificadas entre as “valorações” de Kantorovich e o sistema de definição de preços pelo mercado. Embora não seja este o principal assunto deste ensaio, gostaria de salientar que negar-se a tomar emprestados os mecanismos do capitalismo não implica (e não deveria implicar) uma rejeição cega à utilização de métodos de otimização matemática no contexto de uma economia comunista.
Mesmo num cenário de pós-escassez, com disponibilidade abundante de energia renovável, certos insumos continuariam escassos, simplesmente porque há uma distribuição desigual relativa de elementos químicos no universo. Evitar desperdícios e minimizar impactos ambientais continuariam a ser metas valiosas. Problemas de minimização podem ser, na verdade, bem resolvidos com o auxílio de técnicas como a programação linear, e não costumam suscitar divergências. São as metas de maximização que representam a parte mais difícil do nosso problema da escala.
A questão não é se métodos de otimização são úteis em si, mas antes o que está sendo otimizado. O problema principal, ao qual retornarei adiante, é que, quando se trata da distribuição de serviços em larga escala numa economia comunista, exige-se um nível muito superior de complexidade informacional para a projeção de um sistema válido de valorações e constrições, um que não reflita a noção capitalista simplista de lucro, mas que possa captar vantagens que se manifestam apenas numa escala espaço-temporal muito maior e em níveis de complexidade muito profundos. A abordagem de Kantorovich à programação linear também sofre, a princípio, com o problema da escala, já que as valorações não são independentes da escala, e a dependência relativamente à escala — da complexidade necessária para encontrar um bom sistema de valorações e constrições — é uma parte crucial do problema. A aposta dos mercados na otimização dos lucros desvia do problema, a ponto de inviabilizar a solução.
A outra tentativa histórica de introduzir métodos da computação para abordar o problema da escala numa economia comunista, geralmente menos conhecida, mas mais interessante para o objetivo da nossa discussão, foi o projeto cibernético de Victor Glushkov, de uma rede descentralizada de feedbacks e mecanismos computacionais, baseado numa forma rudimentar de inteligência artificial. Nesse plano, uma vasta rede de computadores inteiramente descentralizada teria eventualmente despojado o Estado das atribuições do planejamento econômico e da distribuição de serviços. Desnecessário dizer que o projeto foi veementemente combatido pelo governo soviético, depois de uma fase inicial de breve entusiasmo evaporar rapidamente. Um relato detalhado da história desse projeto está disponível em [28], enquanto uma contextualização mais geral do papel da cibernética na União Soviética é discutida com profundidade em [13].
2.1. A história do comunismo cibernético. Nos primórdios da Revolução Russa, um precursor significativo da cibernética foi proposto na “Tectologia” do líder bolchevique transumanista Aleksandr Bogdanov [14] [21]. Entretanto, quando Norbert Wiener introduziu a nova ciência da cibernética em 1948 [35], ele foi atacado e condenado pelo regime de Stalin, como em vários outros campos da ciência contemporânea, excetuando aquilo que se tornou imediatamente necessário para o desenvolvimento de armas nucleares [16] [29]. Apesar da proibição oficial, o interesse na cibernética começou a crescer entre os cientistas soviéticos, graças principalmente aos seminários particulares do matemático Aleksei Lyapunov [13]. A reabilitação oficial da cibernética começou apenas depois de 1953, o ano da morte de Stalin, com um famoso paper de Anatoly Kitov, Aleksei Lyapunov e Sergei Sobolev (todos pesos pesados do establishment científico soviético) [19]. Por volta de 1967, a cibernética na União Soviética contava com quinhentas instituições de pesquisa e dezenas de milhares de pesquisadores [13] [28].
As reformas econômicas tornaram-se uma necessidade premente na metade dos anos 50, depois de o regime de Stalin ter deixado o país em desordem, a cadeia de abastecimento e o setor agrícola à beira do colapso, e o sério risco de outra grande fome à espreita. Em meio à rápida expansão do setor técnico-científico, dos êxitos iniciais do programa espacial soviético aos primeiros grandes avanços nos sistemas de computação e automação, várias propostas concorrentes de reforma econômica promoviam a ideia de uma “solução computacional” para os graves problemas de gestão da economia planificada.
Foi nesse cenário que o matemático Victor Glushkov concebeu um grande plano para livrar a economia comunista do planejamento central do governo soviético, substituindo-o inteiramente por uma rede autônoma e descentralizada de computadores. Esse ambicioso projeto, o OGAS (Sistema Nacional Automatizado para a Computação e Processamento de Informação), foi apresentado diretamente a Khrushchev em 1962, tendo sua fase inicial sido autorizada em 1963. O projeto original desse sistema descentralizado de computação remota foi pensado para os trabalhadores, era antiburocrático e não hierárquico [28].
Nessa visão da cibernética, o conceito de heterarquia de McCulloch’s [26] possibilitava o desenvolvimento de sistemas complexos fora da lógica restritiva de uma dicotomia entre hierarquia e mercados estáveis, enfatizando, em vez disso, a auto-organização, ciclos de feedback e redes complexas [28].
O plano original, nessa abordagem cibernética, era o de implementar um sistema de computação descentralizado, capaz de processar feedbacks em tempo real e lidar com a simulação de dinâmicas complexas. Para fornecer um modelo computacional maximizável, eles focaram principalmente na programação linear de Kantorovich, que parecia a ferramenta matemática mais promissora da época. Como mencionamos, a escalabilidade das valorações de Kantorovich é sutil, e discutiremos uma abordagem mais moderna para a escalabilidade na próxima seção deste paper. No entanto, o aspecto mais importante da proposta era a noção de uma rede cibernética computacional e do seu papel na implementação de um mecanismo descentralizado e autônomo de computação para o sistema econômico comunista que não demandaria um planejamento centralizado.
Tornou-se rapidamente evidente que os custos previstos para a implementação desse projeto em todo o território soviético seriam enormes, mas ficou ainda mais claro que a meta de substituição do planejamento central e seu controle pelo governo soviético, por um sistema computacional descentralizado, autônomo e não hierárquico, era uma ameaça direta ao establishment. Por volta da época da transição entre os governos Khrushchev e Brezhnev (1964-1965), o governo soviético optou, em vez disso, pelas propostas muito menos ameaçadoras das reformas econômicas de Kosygin-Liberman. Estas baseavam-se no plano econômico de Evsei Liberman [22] [24], focado na introdução de medidas para a obtenção de lucros e de um mecanismo de mercado. Assim, a dinâmica menos custosa e ameaçadora de mercados voltados para o lucro pôs fim, efetivamente, ao plano muito mais interessante e potencialmente revolucionário de um grande sistema cibernético descentralizado e autônomo que não se baseava no mecanismo do lucro. A própria reforma Kosygin-Liberman foi eventualmente abandonada em 1970 [28].
O comunismo cibernético não foi retomado na União Soviética, ainda que a cibernética continuasse a desfrutar de uma popularidade generalizada na cultura soviética nos anos 70. Contudo, outra experiência de comunismo cibernético se desenvolveu de maneira independente no Chile de Allende. Ela estava quase finalizada no início dos anos 1970, mas permaneceu inacabada quando o governo Allende foi violentamente derrubado pelo golpe fascista de Pinochet [27].
Ao contrário do governo soviético, que puxou rapidamente o freio do projeto OGAS quando percebeu que ele representava uma ameaça à sua liderança autoritária, Allende estava genuinamente aberto à ideia de um comunismo descentralizado e não autoritário, abraçando entusiasticamente a ideia de uma solução cibernética. Em 1971, o governo Allende contatou o socialista britânico e cibernético Stafford Beer, pedido auxílio para a implementação de um sistema de suporte descentralizado, para a gestão da economia nacional, que respeitasse a autonomia dos trabalhadores e evitasse a imposição de uma cadeia de comando hierarquizada. Beer aceitou entusiasticamente a tarefa e tornou-se o principal arquiteto do Projeto Cybersyn, que consistia numa vasta rede de coleta de dados por máquinas telex, um software de modelos estatísticos, um software de simulação econômica e uma sala de operações onde observadores humanos poderiam supervisionar o fluxo de dados e os resultados dos modelos, e reagir a possíveis emergências. A principal meta de Beer era desenvolver fábricas autorreguladas e atribuir o poder de decisão inteiramente a estruturas controladas pelos trabalhadores, de uma tal maneira que se tornassem compatíveis (através do sistema computacional) com uma economia nacional de larga escala. Embora a Cybersyn tenha chegado muito mais perto de ser plenamente funcional do que sua equivalente soviética, o fim trágico e súbito de Allende e a queda do Chile nas trevas da ditadura fascista liquidaram completamente a possiblidade de vê-la em prática. Quando os militares tomaram o palácio presidencial, eles destruíram a sala de operações da Cybersyn e desmantelaram o sistema por completo [27].
[*] Nota da tradução: Interpolação remete aqui à operação matemática que consiste em construir um novo conjunto de dados a partir de um conjunto discreto de dados pontuais previamente conhecidos.
Traduzido pelo Passa Palavra.
As ilustrações são provenientes do site de OpArt grasshoppermind.
Este artigo será publicado em quatro partes, uma por semana. Leia aqui a 2ª, a 3ª e a 4ª parte.
Referências
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Num comentário à primeira das colunas de Raquel Azevedo sobre problemas de escala, afirmei que se tratava de um dos textos mais importantes que o Passa Palavra publicara, projectando neste século a problemática do anticapitalismo e tirando-a do século passado, onde a situam os amantes de comemorações e centenários. O Passa Palavra decidiu-se depois a traduzir um dos artigos que serviu de fundamento a Raquel Azevedo, e que começa aqui a ser publicado.
Vivemos numa época em que o anarquismo se descaracterizou e o marxismo se dissolveu, prosseguindo apenas uma existência larvar em departamentos universitários. A maioria destes marxistas rendeu-se abjectamente aos identitarismos e converteu o marxismo num adjectivo, a acrescentar a cada uma da ilimitada enfiada de letras que provisoriamente termina com o sinal +. A isto eu chamei marxismo esponja. Existe também o marxismo pré-galilaico, constituído por aqueles que se recusam a olhar as estatísticas e outros dados empíricos e procedem por dedução a partir de Aristóteles, perdão, a partir de Marx, deduzindo todos os dias de todos os anos que o capitalismo entrou no momento terminal da fase terminal. Este milenarismo coloca-os perto dos marxistas metafísicos, e se Marx prosseguiu do conceito de alienação para o modelo de mais-valia, estes retrogradem e reduzem o marxismo a exercícios conceptuais em que cada vez mais se afastam do mundo em que vivemos. Depois de Kant, a metafísica não tem sido senão um refúgio dos ignorantes, como bem mostrou Jean-François Revel.
A nostalgia resultante daquele medo da modernidade aproxima a grande maioria dos marxistas actuais dos ecologistas, quando não os confunde. Ora, como escreve Aurora Apolito na segunda parte deste artigo, «o socialismo e o comunismo são fenómenos intrinsecamente modernos, exigindo sociedades industriais e da informação (os primitivistas que se danem)». Atingimos aqui o âmago de uma questão muito grave, a mais grave do nosso tempo, porque, como definiu Peter Sloterdijk, o fascismo consistiu numa «revolta moderna contra a modernidade» ou, se seguirmos com Walter Laqueur o percurso inverso do raciocínio, «se o fascismo foi modernista, foi-o de um modo reaccionário».
Ao longo dos seus onze anos e meio de existência o Passa Palavra tem-se dedicado à análise crítica da actualidade e dos processos históricos que nos fizeram chegar onde estamos. Com as colunas de Raquel Azevedo sobre problemas de escala e com este artigo de Aurora Apolito o Passa Palavra abre uma nova perspectiva, a de reflectirmos sobre um comunismo na modernidade, e os primitivistas que se danem.
UM VALLEJO PARA JB
En el momento en que el tenista lanza magistralmente
su bala, le posee una inocencia totalmente animal;
en el momento
en que el filósofo sorprende una nueva verdad
es una bestia completa!
Anatole France afirmaba
que el sentimiento religioso
es la función de un órgano especial del cuerpo humano,
hasta ahora ignorado y se podría
decir tambien, entonces
que, en el momento exacto en que un tal órgano
funciona
plenamente,
tan puro de malicia está el creyente,
que se diria casi un vegetal.
Oh alma! Oh pensamiento! Oh Marx! Oh Feuerbach!
Literalmente o anarquismo diz que a primeira libertação é local para adentrar a criação de associações livres e internacional, literalmente, o ANARQUISMO ORGANIZADA DA BASE, os cara já acha que tem que se em escala nacional huehuehue
Não se preocupe, isso não é um problema, nunca foi.
André Tunes,
De que anarquismo você fala? O anarquismo do clube de amigos ou aquele que significa a emancipação da classe trabalhadora e da humanidade. Anarquismo que não visa a escala da humanidade é o que? Um clube?
O seu anarquismo não era certamente o de boa parte da classe trabalhadora espanhola em 1936.
Sugestão de leitura: https://ligarj.files.wordpress.com/2018/03/o-organismo-economico-da-revolucao-revolucao-e-auto-gestao-na-guerra-civil-espanhola.pdf
Leo V,
O Anarquismo é objetivo, acho que seu conhecimento é raso, a emancipação da humanidade é o objetivo anarquista, mas como Malatesta fala, não queremos por o anarquismo, ou seja, cabe a nós através do exemplo como Kropotkin deixa claro, criar a alternativa comunista (não marxista) para agregar a humanidade nessas novas relações antiautoritaria e anticapitalista, por isso o anarquismo é da base, e não algo imposto de cima, como o marxismo, criando assim a revolta popular como Krondast (acho que é assim que se escreve).
O Anarquismo da revolução espanhola trás problemas, Amoros e outros autores demonstram isso, relaxa, eu tenho conhecimento da doutrina libertaria, e digo com evidências que esse texto é uma visão burguesa do Anarquismo!
Tanta preocupaçao em diferenciar-se do marxismo para terminar com uma retorica sectaria bem parecida com o estalinismo… parabens!
O Passa Palavra acertou em cheio. Até 1989, nos meios proletários do Brasil, os debates sobre modelos viáveis da sociedade comunista eram solenemente desprezados/abortados como “utópicos” ou “abstratos”. Com a derrocada do Capitalismo de Estado na Europa (é sempre bom lembrar: ainda em vigor em Cuba, Vietnã, Coreia do Norte e China) qualquer proposta séria de substituição revolucionária do capitalismo, para ser minimamente credível estava obrigada a encarar esta questão. Outro obstáculo era a mitificação da Comuna de Paris de 1871 pelos adeptos de São Marx e São Bakunin, onde o que foi a primeira expressão concreta de autogoverno proletário no capitalismo é confundida com a forma institucional do comunismo, que Marx e Bakunin nunca viram. Foi somente a partir de 1904/05, com a efêmera experiência internacional dos Conselhos Proletários como sistema, que o problema da centralização/descentralização e, decorrente direto dele, da escala, pode encontrar uma perspectiva de solução prática. Surgiu então uma terceira forma institucional forjada CONTRA o centralismo de cima para baixo do bolchevismo e CONTRA o federalismo anarquista: a centralização de baixo para cima ou autocentralização. Este conjunto de experiências práticas de luta autônoma do proletariado em nível planetário permitiu, a marxistas e anarquistas ateus e a quem mais tivesse olhos para ver, duas coisas: que existe um antagonismo entre ambos os modelos – o bolchevique e o anarquista – e ambos reforçam, cada qual a seu modo, o que ambos, ideologicamente, dizem querer eliminar: a conexão classista entre produção e distribuição na economia.
não entendo muito de econômia para ser sincero. Não vou sugerir uma solução por ser leigo, apesar de ver que o que fizeram no modelo adotado na Espanha, durante a guerra cívil fosse muito interessante, como o que os zapatistas fazem hoje, mas ainda muitíssimo longe de ser numa escala global, muito menos de propor um “Left Market Anarchism”, por almejar um comunismo libertário de fato, apesar do que eu vou dizer agora possa parecer muito com um “Left Market Anarchism”… Mas vejo que tecnologias como blockchain, criptomoedas, possam ser talvez um passo para atingir uma escala global, longe de ser uma solução, ou algo ideal ainda, pode parecer meio absurdo o que eu disse num primeiro momento, mas existe uma cooperativa que começou na Espanha (de preceitos simpáticos ao socialismo libertário), FairCoop, que resolveu adotar essas tecnologias, e acabou vendo que era viável ofertar o que eles vinham fazendo em âmbito global, que qualquer um poderia se cadastrar e oferecer seus produtos e serviços em sua plataforma de mercado online, fairmarket, de qualquer lugar no mundo, usando a criptomoeda da cooperativa, baseada numa economia circular, numa economia descentralizada com uma moeda descentralizada, com valor fixo e estável que é discutido em assembleia abertas baseadas no consenso, bem diferente de demais criptomoedas que costumam ter variações de valor de mercado de forma volátil, sem aquela história de valorização e desvalorização exurbitantes de criptomoeda em segundos, fazendo dessa criptomoeda, faircoin, como aquele dinheiro que a gente troca em feiras modelo para poder comprar os legumes, frutas, etc do feirante… ou dinheiro de feira de economia solidária… mas em escala global. Talvez a criptomoeda não seja o mais interessante que eles têm a mostrar e ensinar, apesar de ela ser internacional e descentralizada com intuito de não-acumulação, mas o interessante tá na plataforma deles, e na tecnologia de blockchain, que funciona como um livro razão universal público descentralizado, uma espécie de um cartório de virtual, que autêntica transações, dados, informações, ou o que a gente bem entender, podendo consulta-lo… pode ser útil em bancos de horas, voltados para a geração de serviços e renda na perspectiva de reorganização das economias locais, e globais quem sabe, tendo por base os princípios da economia solidária. Com um objetivo de promover o desenvolvimento de territórios de baixa renda, através do fomento à criação de redes de produção, consumo, cooperativas, etc. Baseado no apoio às iniciativas da economia popular e solidária em seus diversos âmbitos… mas ainda sim gosto de outra ideia também, que daria para se aliar a essa também, a ideia dos bolo’bolo, que tem como meta a superação do sistema capitalista em prol do surgimento de redes de socialidade descentralizada difundidas e propagadas por comunidades autônomas libertárias interligadas globalmente com a ideia de cada bolo deve buscar ser o mais autossuficiente possível seja na sua produção ou na relações ou outros bolo… é um conceito sul-africano… meio novo ainda para mim…
Um pequeno fato para pensarmos a esquerda: quando fiz a graduação em uma conhecida universidade pública, havia alguns professores do departamento de filosofia que tinham suas pesquisas ligadas ao tema deste artigo, de modo que, tecnologia informacional, cibernética, inteligência artificial, Norbert Weiner, auto-organização e teoria dos sistemas eram estudados por estes pesquisadores. O interessante é que a maioria dos estudantes e professores da esquerda pertencente ao campus geralmente menosprezavam duramente estas pesquisas.
Zé? essa terceira opção seria o AUTONOMISMO?
E poderia dizer melhor sobre essa critica ao Federalismo?
No começo do texto achei que ia ser tratada a questão da escala politica de uma organização revolucionaria em escala global? como ela seria , quais suas limitações , o que foi tentando e o que pode ser feito …..
Mas depois ele se voltou para as questões de produção . O que podemos dividir de forma didática( produção distribuição ) mais estão todos entrelaçados, junto com a politica. Ai o que é mais importante discutir? a técnica, ou o modelo de gestão da produção e distribuição? tem como dividir uma posição politica de suas acções praticas? A forma de governo vai ditar a forma de organização da produção .
https://anarkobiblioteka3.files.wordpress.com/2016/08/economc3ada_libertaria_-_abraham_guillc3a9n.pdf
Gio,
Sim e não. Depende do que se entende por autonomismo. Se por autonomismo entendemos um processo de lutas autônomas dos vendedores de força de trabalho (proletariado), que atinge um certo nível de generalização (temporal e territorial) suficiente para criar uma situação de duplo poder com o Estado, sim.
Agora, se por autonomismo entendemos uma corrente política caracterizada por fortes traços anti-organizacionais e anti-intelectuais, não.
Quanto à crítica ao Federalismo, entre outros problemas, este modelo impede o acesso da totalidade da humanidade ao que de melhor for produzido no planeta. Tal barreira ocorre por inverter a relação entre materialidade e subjetividade, ao colocar o livre acordo entre as partes federadas acima das necessidades sociais (das estomacais às da imaginação). É o problema do localismo/falta de escala, para voltar ao texto.