Por Passa Palavra

Para as classes dominantes, falar de política é discutir as rivalidades e os jogos de forças. Para os anticapitalistas, falar de política é integrar o particular no geral, o individual no social. (Pontos de Partida do Passa Palavra, item 4)

A esta altura até as pedras sabem que a quantidade de escolas técnicas e universidades inauguradas Brasil afora dos últimos vinte anos para cá resultou numa pequena revolução na esfera educacional do país. Isto se deu em vários níveis. Chamamos a atenção dos leitores para apenas um deles — porque disto depende a sanidade mental, a integridade física e mesmo a vida de muitos camaradas.

Essas novas instituições de ensino foram implementadas majoritariamente em cidades de pequeno e médio porte. Com isso, estas cidades, que comemoraram a chegada de uma instituição que poderia movimentar a economia local, receberam também uma sacudidela em sua vida social. As instituições criaram consigo, lá onde antes não havia (ou talvez houvesse, mas em menor escala), traços do que podemos chamar de “vida acadêmica”: repúblicas estudantis, zonas boêmias, certo cosmopolitismo cultural, escândalos etc. Chegaram também com essas instituições pessoas cuja vida não havia sido anteriormente perscrutada pelas redes locais de controle social, que vai desde a percepção da participação reiterada dos indivíduos em eventos e lugares públicos (igreja, futebol, botecos etc.) até a pura fofoca, boatos e maledicência. Para piorar, número considerável desses “estrangeiros” fica na cidade apenas pelo tempo necessário para completar seus estudos ou enquanto não consegue transferência para outra instituição congênere em cidade maior de seu interesse, criando a impressão de um “desenraizamento”, de que essas pessoas “não querem nada com nossa terra” e “vieram aqui só para causar confusão”.

Ora, esses são os ingredientes certos para o conflito. Nem é necessário ser “de esquerda” para que alguém ligado a estas instituições sofra assédio e perseguição: basta que “saiam da linha”. Para quem é “de esquerda”, então, a situação é muito pior: cada vez mais nos têm chegado por meios informais relatos de que a situação se intensificou nos últimos tempos, ao ponto de as vítimas se sentirem aterrorizadas, submetendo-se a qualquer arbitrariedade na tentativa de aplacar os ânimos. As acusações movidas contra estes companheiros são absolutamente estapafúrdias, ilógicas e sem sentido; servem apenas como justificativa para calúnias, difamação e injúrias em grupos de WhatsApp, para abertura de processos administrativos disciplinares e, o pior de tudo, para destruir psicologicamente cada um deles até que peçam exoneração e fujam com o rabo entre as pernas se não conseguirem transferência.

As campanhas de assédio são agravadas quando não existe na cidade qualquer histórico de atuação de organizações “de esquerda”, ou quando o sectarismo, infelizmente comum na esquerda, impede perceber a necessidade de unir forças em prol da liberdade de ação daqueles que com ela se identificam. Por “liberdade de ação” entenda-se desde a liberdade de cátedra — ou seja, a liberdade de pesquisar desde evolução biológica até a história fundiária do município — até as mais simples liberdades pessoais e o respeito à vida privada, à dignidade, à imagem e à honra pessoais (e nisto estamos apenas pensando nos limites estritamente jurídicos à liberdade). E é na defesa desta liberdade de ação que devem somar-se todas as forças possíveis — porque “território do bolsonarismo” só existe quando não há contraposição, quando não há contraditório, quando não há disputa política.

As capacidades de ação do Passa Palavra a este respeito são muito limitadas, porque restritas praticamente à denúncia e à publicização de casos. Pretendemos, entretanto, chamar a atenção para um fato um tanto óbvio, mas que não custa ressaltar sempre que necessário: a perseguição e o assédio sofridos por cada um não são fatos isolados, e mesmo quando não é possível descobrir uma “teia” ligando um caso a outro pode-se dizer que partilham um “espírito” comum a estes tempos de ascensão fascista, que é a perseguição a tudo que vá na contramão dos poderes constituídos e da “moral” conservadora.

Independentemente das capacidades e possibilidades do Passa Palavra, aquilo para o que gostaríamos de chamar a atenção dos leitores é que companheiros isolados precisam de apoio, de muito apoio. Há alguns que já se encontram às beiras do suicídio. Seja por meio de campanhas específicas para cada caso, seja por apoio material (para custear advogados, por exemplo), seja por qualquer outro meio, o apoio faz-se cada vez mais necessário. Se a perseguição e o assédio não são fatos isolados, é coletivamente que devem ser enfrentados, é retirando-os da esfera local que se poderá ganhar a força necessária para vencer. É necessário antes de tudo, portanto, quebrar o silêncio.

Este artigo está ilustrado com obras de Ai Weiwei.

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