Por Malvina Pretória Samuelson e Galileu Galalau
As impressoras
Em um campus do interior, um trabalhador técnico-administrativo em TI disse aos trabalhadores da mobilização que é muito favorável à causa e à paralisação, porém ele não poderia aderir porque no dia seriam instaladas impressoras novas na escola. Os trabalhadores da mobilização argumentaram que isso não faz sentido, e que ele não deveria nem comparecer ao local de trabalho, afinal a decisão pela paralisação foi decidida em assembleia. Ele se desculpou, tentou se mostrar favorável ao movimento, mas disse que não era mesmo possível ele falhar com o compromisso firmado com o diretor: instalar impressoras no dia da paralisação nacional.
Gestor de luta
No dia do piquete na reitoria, entramos em uma sala que estava vazia e escura. No fundo, uma outra saleta com alguém lá dentro. Fomos chamar o companheiro a paralisar o trabalho e aderir ao ato. Ele, muito efusivo e indignado, disse:
— Estão vendo!? O pessoal aqui todo parou hoje e ninguém veio para o ato! Estão em casa! Eu não, eu sou docente e gestor, mas estou a favor da luta de vocês!
— Vamos parar então e ir ao ato, companheiro?
— Pera aí que eu preciso só finalizar umas demandas aqui. Já, já estou indo.
Evitar conflitos
No início do piquete, nós trabalhadores mobilizados já abordamos os trabalhadores terceirizados e informamos que eles não trabalhariam, pois era dia de paralisação. Eles gostaram da ideia, mas pediram para conversarmos primeiramente com a encarregada. A encarregada ficou em desespero, e pediu para conversarmos com o gerente administrativo. Fomos até o gabinete do gerente e lá estava ele atrás de dois monitores de computador, e informamos:
— Estamos aqui para informar que hoje é dia de paralisação e que os trabalhadores terceirizados, que também são técnico-administrativos, não irão trabalhar.
— OK, entendo, e estou com vocês! Mas eles são de outro sindicato e não sei se será possível…
— Meu irmão, é o seguinte: hoje é paralisação e a reitoria está sob nosso controle. Estamos apenas informando que vamos tomar as ferramentas dos terceirizados e que o trabalho deles será interrompido. Não precisamos de sua permissão, só queremos evitar um conflito com você, mas a decisão já está tomada. Exigimos que não haja corte de ponto, perseguição ou qualquer tipo de constrangimento aos terceirizados. Vamos evitar o conflito?
Socialização das paçocas
Durante o piquete entramos em uma pró-reitoria que estava vazia. É interessante notar que na reitoria várias salas contam com quitandas, guloseimas e máquinas de café expresso. Enquanto isso, em nosso campus a gestão passou a comprar um café de pior qualidade e manda a copeira terceirizada lidar com isso. Lá no fundinho da pró-reitoria, o gabinete escondido da pró-reitora. Saímos colocando adesivos da campanha contra assédio moral em todas as mesas e descobrimos que na sala da chefe havia um pote cheio de paçoquinhas de amendoim. Ficaram sob posse dos trabalhadores mobilizados e foram distribuídas aos demais que estavam presentes no ato.
Não tem dinheiro
A gestão sempre enfatiza que os cortes no MEC são graves e que é preciso economizarmos nas contas do instituto. Para cada demanda de estudantes ou trabalhadores, a resposta já vem pronta: não tem dinheiro.
Quando nós trabalhadores precisamos almoçar, é preciso levar marmita de casa, ou pedir um delivery, ou pegar o carro particular e ir a algum restaurante na região. Não há restaurantes muito próximos à escola, e ir de carro já queima um pouco mais do combustível que está caro e tomando boa parte de nossos salários. O diretor não, com ele é diferente. Ele pode usar carro institucional, gasolina institucional e o motorista terceirizado para o levar para almoçar.
Battaglia del grano
Durante os dois anos de ensino remoto emergencial, em que a pandemia estava em seus piores momentos e sem vacinas, os trabalhadores terceirizados continuaram no trabalho braçal dia após dia, sendo colocados em risco, além de estarem sem energia e água no local de trabalho. O diretor e o gerente também estavam sempre presentes, afinal era preciso comandar e vigiar todo o trabalho. São justamente os gestores que merecem todo o reconhecimento de boa parte do corpo docente e técnico-administrativo por terem trabalhado durante a pandemia, como se fossem verdadeiros heróis.
Em um dia de trabalho intenso, os jardineiros roçaram grande área de grama do campus, e como o diretor é um cara muito simpático e populista, ele assumiu um rastelo e ajudou os trabalhadores a ajuntarem as gramas aparadas em sacos pretos. Diretor lado a lado com trabalhadores terceirizados colocando a mão na massa enquanto a maior parte dos trabalhadores estavam em trabalho remoto, o que rendeu admiração entre os próprios terceirizados e entre docentes, que elogiaram o diretor pelo dia em que foi jardineiro. Mas era ali o diretor um trabalhador?
O engenheiro sênior
Durante a passagem da mobilização na reitoria, um dos servidores técnico-administrativos quis fazer suas críticas ao sindicato, ao instituto e ao serviço público no qual trabalha. Disse que era um absurdo trabalhar na instituição acadêmica e ter que fazer especialização, mestrado ou doutorado para conseguir um incentivo à qualificação (gratificação por titulação); que na iniciativa privada tudo é diferente e que ele tem vários certificados que não são aceitos no serviço público: “Não sou mestre, não sou doutor, mas sou engenheiro sênior!”.
Sindicato em defesa dos trabalhadores
Em um domingo, fomos ao clube do sindicato para tomar umas cervejas e pegar uma piscina em dia de sol quente. Na fila do caixa percebi que alguns trabalhadores do sindicato pegavam pratos de comida diretamente na cozinha, enquanto outros estavam na fila do caixa. Perguntei a um desses:
— Por que você tá na fila?
— É pra comprar minha marmita.
— Mas o sindicato não fornece para vocês?
— Pra quem é carteira assinada, eles oferecem. Pra nóis que é terceirizado, nóis que paga a própria marmita.
Pedagogia da autonomia?
Em tempos de volta ao ensino presencial, os trabalhadores técnico-administrativos do setor pedagógico decidiram que é época de não trancar estudantes nas salas lotadas, quentes e sem ventilação adequada. É também preciso colocar a molecada, que ficou dois anos em ensino remoto, para tomar sol e brincar ao ar livre. Porém a gestão não pensa do mesmo modo. Quando esses trabalhadores começaram a disponibilizar bolas para os estudantes, a gestão logo trancou a sala de recursos esportivos. Ninguém poderia ter acesso sem a autorização do diretor, gerente ou chefe de gabinete do diretor. Para eles, as bolas são patrimônio do instituto e devem ficar trancadas, juntando poeira ou mofo. Ora, não são patrimônio, são materiais de consumo e são feitos justamente para os moleques meterem os pés e as mãos! Os trabalhadores então requisitaram algumas bolas para fazer o empréstimo aos estudantes, e receberam. Receberam junto um caderno de protocolo, com as seguintes orientações do chefe de gabinete: anotar o nome do estudante com horário de empréstimo e devolução. Eles ainda não perceberam que para esses estudantes as bolas são as coisas mais importantes da escola, e que por isso mesmo vão tratá-las super bem, melhor mesmo que a própria gestão?
Paralisação
Quando entramos na reitoria pedindo aos camaradas terceirizados que parassem de trabalhar, a vigilante muito sarcasticamente disse: “Já estou parada”. E estava mesmo. Parada, em pé, imóvel — em posição de sentido. Ao lado dela, o gerente que escolheu não entrar em conflito.