Por Thiago Canettieri

Para uma parcela não insignificante da esquerda brasileira, o mês que seguiu junho de 2013 foi outubro de 2018. Para uns Junho foi a chocadeira do ovo da serpente do bolsonarismo. Para outros, a questão de 2013 mais saliente foi a incapacidade do governo de turno à época de acolher as demandas das ruas nos meios institucionais, levando à construção de “alternativas” pelas vias eleitorais, disputando as eleições de outubro. Depois de junho vem outubro? Nesse calendário ritmado pelo compasso eleitoral, aparentemente sim.

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Uma certa interpretação de junho de 2013, tomada por aquilo que Marcos Nobre recentemente definiu de anti-junhismo, a doença infantil do petismo, orienta sua leitura histórica de 2013 como um autômato jogador de xadrez que Walter Benjamin menciona: o deslocamento de peças em 2013 culminou na resposta com uma jogada em 2016 (o impeachment de Dilma) e outras duas em 2018 (a prisão de Lula e a eleição de Jair Messias Bolsonaro). Essa interpretação “tão rasa quanto dominante”, escreve Nobre, aparece em todo lugar: na produção jornalística, em trabalhos acadêmicos, em discussões partidárias, em posts nas redes. Para essa corrente, os protestos foram responsáveis por todos os desastres que se seguiram no período: dali se chocaram os ovos da serpente bolsonarista.

Junho de 2013, na verdade, só foi um raio em céu azul para quem não acompanhava a deterioração da vida urbana nas grandes metrópoles brasileiras. A promessa de “reforma urbana” incluída nas pautas do governo federal petista não logrou resultados. Pelo contrário, agravou ainda mais desigualdades históricas. Um descontentamento enorme com a vida urbana se fermentou. O estopim do incêndio das ruas em 2013, o aumento de vinte centavos da tarifa do transporte público de São Paulo, já tinha o pavio aceso desde muito antes, como as Revoltas do Buzu na cidade de Salvador, em 2003, e a Revolta da Catraca, em Florianópolis, no ano de 2004.

Se junho de 2013 começou no dia 06 com enorme ato em São Paulo puxado pelo Movimento Passe Livre, uma série de elementos podem ser elencados para entender como as manifestações se disseminaram por todo o país. A severa repressão da Polícia Militar de São Paulo nos primeiros protestos não intimidou os manifestantes, mas acirrou ainda mais os ânimos numa escalada de ação direta por parte dos manifestantes de um lado e uma intensificação da violência policial de outro. As redes sociais ampliaram a conectividade das ações, numa enorme rede de solidariedade e compartilhamento de táticas e práticas, fortalecendo as ações localmente. Além disso, estava em curso no país a Copa das Confederações, evento preparatório para a Copa do Mundo da FIFA que o Brasil iria sediar no ano seguinte. Uma ampla massa crítica aos chamados grandes eventos já se acumulava, em especial em torno dos Comitês Populares dos Atingidos pela Copa (COPAC). Ou seja, já existia uma mobilização da esquerda que deu força para os atos em todo o país.

O que significa compreender 2013? Tarefa não trivial a que muitos já se dedicaram. Ao longo dos dez anos que nos separam hoje dos acontecimentos em questão, muita tinta foi gasta para compreender esse fenômeno. Contudo, arrisco dizer, 2013 é, ainda, uma esfinge. Este texto é uma contribuição para mapear o campo da esquerda, suas ações e seus efeitos. Faço isso a partir de um breve (tanto quanto o tempo e o espaço disponível assim permitam) olhar para as lutas urbanas que se desdobraram de 2013 em Belo Horizonte.

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Em Belo Horizonte[1], o primeiro ato de junho foi no dia 15. Seria uma reunião aberta para articular um ato, mas apareceram cerca de 8 mil pessoas e qualquer reunião foi inviabilizada. Milhares de pessoas tomaram as ruas da Savassi, região nobre da cidade. Dois dias depois, uma nova convocação. Partindo da Praça Sete, no centro da cidade, cerca de 30 mil pessoas marcharam até o estádio Mineirão, na Pampulha, mas foram barrados pela tropa de choque da Polícia Militar. No dia seguinte, dia 18, ocorre a primeira Sessão da Assembleia Popular Horizontal (APH), convocada como um espaço para articulação das lutas e construção dos atos de forma aberta, horizontal e apartidária. A APH, apesar das enormes dificuldades organizativas para viabilizar o espaço, foi um espaço de confluência das lutas, uma tentativa de organização para canalizar a energia das ruas e efetivar conquistas para o campo popular. No dia 19 de junho, um ato reuniu cerca de 20 mil pessoas na região central de Belo Horizonte.

No dia 22, uma manifestação, com 125 mil pessoas, se dirigiu novamente ao Mineirão. O perímetro da FIFA foi protegido pela Polícia Militar num dos momentos de maior repressão. A polícia envelopou os manifestantes e descarregou centenas de bombas de gás e de efeito moral. Manifestantes incendiaram concessionárias de veículos, carros e equipamentos de construção na Avenida Antônio Carlos. Um jovem, ao buscar se proteger da violência policial, caiu do viaduto e faleceu. 23 de junho, na segunda sessão da APH se encaminhou a criação de grupos de trabalhos temáticos para avançar em pautas pertinentes (havia o GT de mobilidade urbana, de reforma urbana, de educação, de meio ambiente, reforma política, mega-eventos, desmilitarização, direitos humanos, cultura, entre outros). No dia 26 de junho, nova manifestação é convocada e parte da Praça Sete, novamente em direção ao Mineirão, reunindo cerca de 90 mil pessoas. A polícia mais uma vez reprimiu violentamente o ato e após dispersá-lo perseguiu e prendeu manifestantes pelas ruas do centro da cidade. Se me recordo bem, foi uma das primeiras vezes que escutei a expressão pessoa de bem. Um carro de som da polícia circulava enquanto um oficial falava ao microfone: “Pedimos agora, voltem para suas casas. Pedimos a vocês, pessoas de bem, não se misturem aos bandalheiros. Voltem para suas casas. Retornem à sua casa. Estamos devolvendo a cidade para vocês”.

Nesse mesmo período final de junho, diversos atos de tamanhos e pautas variados ocorriam. Ocorreram também protestos auto-convocados, com fechamento de BR’s e do Anel Rodoviário, por populações periféricas da Região Metropolitana.

No dia 27 de junho acontece nova sessão da APH e é convocado um ato para a Câmara Municipal de Belo Horizonte, onde seria votado em segundo turno um projeto de lei (PL 417/2013) que isentava totalmente as empresas de ônibus do ISSQ [Imposto sobre serviços de qualquer natureza]. Alguns vereadores da esquerda institucional propuseram apresentar emendas reivindicando a redução da passagem e a abertura das planilhas das empresas de transporte público. A votação seria realizada no dia 29 de junho, sábado, numa sessão extraordinária. Cerca de 200 manifestantes compareceram. O PL foi aprovado no formato original, isto é, sem incorporar as emendas. A indignação dos manifestantes presentes levou a uma ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte que iria durar oito dias[2].

Mas como já disse, um ciclo renovado (e radicalizado) de lutas urbanas de Belo Horizonte não começou em junho de 2013[3]. Por exemplo, em 2010 iniciou a Praia da Estação, uma ação puxada pelo coletivo [conjunto vazio] que reverberou por toda a cidade, insurgindo contra o decreto nº13.798 que proibia a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação. A partir daí se levou a um ciclo de ocupações culturais importantes na cidade, como a organização de blocos de carnaval autônomos, além de construir uma importante articulação de resistência contra o prefeito Márcio Lacerda com o “Fora Lacerda”.

Antes disso, já se acompanhava um crescimento forte dos movimentos de moradia, que, desde 2006/2007, iniciaram um novo ciclo de ocupações que culmina na ocupação Dandara, em 2009, com mais de mil famílias pouco dias após iniciada. Vale notar a confluência de datas: o programa Minha Casa, Minha Vida foi lançado em março de 2009; a ocupação Dandara começou no dia 09 de abril. Esse horizonte da autoconstrução organizada não só da casa, mas da comunidade conformou a luta urbana em Belo Horizonte, que viu surgir diversas outras ocupações ao longo dos anos, chegando a produzir mais casas do que a política habitacional oficial.

Na efervescência das ruas de 2013, movimentos de moradia também passaram a integrar suas demandas. A própria ocupação Dandara, que à época sofria com ameaça de despejo, marchou diversas vezes, nos atos convocados pela APH, e também convocou marchas próprias. O movimento dos sem-casa ocupou a prefeitura de Belo Horizonte em 2013 duas vezes. Em junho também se iniciou o que viria a ser o maior conflito fundiário da América Latina, a ocupação Izidora. A pauta da moradia confluía com a construção da APH. Se viu, nesse contexto, uma forte incidência na política urbana. Da APH, em conjunto com movimentos de moradia, grupos de pesquisa da universidade e vários atores sociais, se construiu ações coletivas que levaram à derrubada de uma grande operação urbana consorciada que aprofundaria o empresariamento urbano na capital mineira[4]. Nessa conjuntura nasceu, também, o Espaço Comum Luiz Estrela, uma ocupação destinada às artes e à cultura e foi ocupada a Kasa Invisível.

As lutas continuaram em 2014: o ano da Copa do Mundo foi também com muita mobilização. No dia do primeiro jogo da Copa, algumas horas antes, uma grande manifestação caminhou em direção ao “relógio da Copa” que marcaria o começo da competição. Nesse dia, forças policiais do choque e do grupo de ação de táticas especiais reprimiram os manifestantes, levando vários detidos. Outras grandes manifestações ocorreram, em geral, com maior repressão policial, com táticas de envelopamento e perseguição. Mas não foram só atos contra a Copa. Aproveitando o contexto de ampla mobilização, ocorreram diversas greves em Belo Horizonte: motoristas de ônibus e trocadores entraram em greve em fevereiro. Em março, iniciou-se a greve dos trabalhadores do metrô. Garis, servidores da prefeitura e professores do estado entraram em greve em maio. A categoria dos bancários entrou em greve em outubro. A luta por moradia também estava mobilizada: no final de setembro de 2014, moradores de 12 ocupações da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em uma ação articulada, fecharam ao menos 6 pontos estratégicos da circulação na cidade e ocuparam vários prédios públicos. Tal ação obrigou o prefeito Márcio Lacerda, que se recusava a receber os movimentos para discutir suas demandas, a chamar uma reunião com os movimentos.

Em 2015 muitas manifestações ainda ocorriam, com grandes marchas das ocupações, por exemplo. Os movimentos sociais de Belo Horizonte possuíam uma relativa presença na discussão pública, com uma influência forte, o que constituiu uma ampla rede de apoio[5]. Muitos movimentos cresceram em número de militantes, em ações, tanto em quantidade como em radicalidade. O que foi acompanhado, claro, de um aumento da repressão[6].

Há uma linha que conecta a energia insurrecional que continuava a queimar nas ruas de Belo Horizonte até 2015. Todavia, os desdobramentos da política institucional começaram a influenciar e determinar como se lê junho de 2013. Trata-se, vale ressaltar, de uma leitura fetichizada, sem lastro factual, mas, mesmo assim, se tornou a narrativa predominante sobre junho. O governo Dilma, re-eleito com extrema dificuldade já em 2014, começa a desidratar rapidamente e é instalado o processo de impedimento. Parte desse processo foi inflado pelas manifestações verde-amarelo e os panelaços, puxados por grupos como Revoltados Online e Movimento Brasil Livre (MBL), entre outros. Com a queda de Dilma, Temer, ao assumir o governo, implementa o projeto da Ponte para o Futuro, iniciando uma ampla demolição de direitos para boa parte da população. Simultaneamente, esse processo significou o desrecalque do novíssimo radicalismo de extrema-direita no país, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Dessa forma, como que órfãos do Estado Democrático de Direito, para uma parcela não insignificante da esquerda brasileira o mês que seguiu junho de 2013 foi outubro de 2018. Junho, para essa interpretação, foi a chocadeira do ovo da serpente do bolsonarismo.

Uma outra leitura se consolidou no campo da esquerda. Os desdobramentos de junho de 2013 seriam decorrentes da incapacidade de as instituições acolherem as demandas das lutas[7]. Sendo assim, esse campo – que esteve engajado diretamente nas manifestações de 2013 e, portanto, não compra a primeira explicação conspiracionista – se dispôs a uma construção de uma solução institucional. Ora, se o problema era a incapacidade das instituições, então seria possível ocupar as ruas e as instituições[8] para que as últimas pudessem ser mais responsivas às demandas das primeiras. Assim, a solução passaria a ser, portanto, a construção de “alternativas” pelas vias eleitorais.

Em Belo Horizonte isso foi flagrante: uma plataforma eleitoral foi constituída, acolhida pelo PSOL, a MUIT*S pela cidade que queremos. Era mais uma iniciativa de candidatura coletiva que surgiu em cidades de todo o país, como em São Paulo; Rio de Janeiro; Porto Velho; Salvador; Curitiba, infladas pelos ventos otimistas de um novo municipalismo inspirado por Barcelona[9]. A campanha das Muitas, em Belo Horizonte, teve um sucesso eleitoral e em sua primeira campanha elegeu duas mulheres, formando a gabinetona.

Boa parte dos movimentos engajados na luta das ocupações em Belo Horizonte, por exemplo, passaram a se dedicar também à construção institucional de alternativas eleitorais. Para quem se envolveu nessa iniciativa, tratava-se de aproveitar as fissuras e brechas das instituições para fazer avançar a luta popular de baixo para cima.

Se por um lado as instituições serviam de “porto-seguro” para as arbitrariedades de um cenário político novo, com a presença da extrema-direita, por outro lado, fato é que boa parte da energia insurrecional se dissipou nesse caminho da construção de opções eleitorais. Alguns poderiam dizer que se tratou de um “amadurecimento” das lutas, encontrando os caminhos institucionais para que fossem acolhidas pelo Estado. Contudo, outros poderiam dizer que se trata de uma conformação da luta pela forma institucional, subtraindo das ações sua radicalidade crítica e dando a elas a forma necessária para serem acolhidas pelas instituições[10].

Como notou o grupo de militantes na neblina, desde 2013, “a esquerda fugiu da revolta”[11]. Historicamente a esquerda era identificada com a revolta. Era ela quem detinha o monopólio da energia disruptiva e o problema era, exatamente, o déficit dessa energia na sociedade. Agora, fugindo da revolta, essa esquerda parece se acostumar muito rapidamente à ordem, mesmo quando isso soava uma contradição em termos: embora as organizações de esquerda identificassem em seus documentos e análises de conjuntura a destruição da chamada Nova República, o ideário dessa construção política pós-redemocratização dava régua e compasso à prática política dessas organizações.

A transformação do “conteúdo concreto e contestatório dos protestos” em plataforma eleitoral, mesmo que encantando um ou outro, apagou as críticas aos canais de participação institucionais e democráticos e a luta pela transformação das condições materiais de vida na metrópole[12]. Nessa transmutação alquímica, tudo se resolveria na forma-Estado[13], o que, na verdade, é extremamente coerente com a esquerda petista que governou o país de 2003 até o impeachment de 2016 e que ora reedita sua presença no poder: política é como um síndico de um prédio, costuma dizer Lula. Afinal, trata-se de gestão.

Claro que a forma-Estado, ao enformar a prática social, traduz as demandas para sua própria língua. Para adentrar essa forma é preciso vencer as eleições, custe o que custar[14]. E assim, se produz a disputa de nichos eleitorais. Talvez seja por aí que possamos entender os repetidos clamores pelo retorno para o trabalho de base e, ao mesmo tempo, pelas políticas públicas descontinuadas: são boas formas de manter uma base eleitoral ativa[15].

O que quero ressaltar aqui é que um calendário em que após junho vem outubro só pode resultar na manutenção do atual estado de coisas, por mais decrépito que esteja. Tanto uma interpretação (a ligação de junho de 2013 à eleição de Bolsonaro) como outra (a ligação de junho de 2013 com a nova cara dos partidos de esquerda) reproduzem o consenso administrador dos conflitos sociais pelo Estado e, dessa maneira, acabam perdendo a possibilidade de contestação da situação atual.

Considerando o espírito do tempo de expectativas declinantes[16], não é surpresa alguma que a participação na gestão estatal da esquerda seja celebrada. Por exemplo, Marcelo Badaró Mattos[17], ao fazer um balanço da jornada de junho e discordar da tese anti-junhista, parece achar que um dos impulsionadores de lutas políticas mais gerais é a disposição de concorrer às eleições — e o “relativo” sucesso da esquerda que estava nas ruas em 2013 nas eleições de 2018 e 2022 seria um atestado disso (atenção para o relativo, haja vista a imensidão de votos direcionados aos candidatos do bolsonarismo).

A energia disruptiva, como sabemos, trocou de sinal. Se historicamente era a esquerda a parteira de um novo mundo, a vida política brasileira mostrou que a esquerda estava muito bem adaptada ao papel de tentar conservar a ordem. Seja por desespero de ver dissolver as instituições republicanas[18], ou por enxergar nas instituições uma oportunidade de trabalho, renda e carreira, fato é que se assumiu a posição de conservadores.

O horizonte declinante das expectativas de esquerda, em rebaixamento junto com o colapso da modernização, conduziu à estranha condição de uma esquerda normalizadora, isto é, que deseja retornar para “era estável de progresso normal”[19]. Trata-se, na leitura de Felipe Catalani, de um “apego melancólico àquilo que parece sólido”, uma espécie de ilusão retrospectiva produzida pelo acelerado ritmo do desmoronamento que vivemos. Seja como for, essa postura limitou as possibilidades de ação da esquerda.

Como dito, a energia disruptiva de junho, ao não encontrar acolhimento nas instituições (e nem poderia fazê-lo) e não encontrar respaldo na esquerda administradora do colapso, acabou caindo no colo da extrema-direita. “Na outra ponta de uma brecha libertária que se abria, a cara medonha de um poder delinquente”, escreve Paulo Arantes no esforço de pensar “de Junho a outubro”[20].

Mesmo não aceitando a linearidade causal que a esquerda conspiracionista atribui a junho de 2013 como a chocadeira do bolsonarismo, “gostemos ou não, de um jeito ou de outro, interpondo mil e uma mediações, o fato é que aquilo deu nisso”. Há um fio que conecta 2013 a 2016, a 2018, a 2022. Esse fio, talvez, pode ser melhor puxado se lermos os efeitos de 2013 como os efeitos da escolha de uma esquerda de fazer parte da ordem. A esquerda ofereceu uma “velha nova república”; a direita ofereceu uma Nova Era, entendendo sua ação como uma revolução. Dessa maneira, nas mãos da esquerda a energia insurreta foi usada para colocar as engrenagens da gestão novamente, ampliando os sócios minoritários desse consórcio de administração do colapso brasileiro.

Notas

[1] Um detalhamento muito maior foi dado no texto O Junho (rastejante) em Belo Horizonte, publicado na página Facção Fictícia.

[2] Todas as datas foram extraídas a partir da dissertação O ônibus, a cidade e a luta: a trajetória capitalista do transporte urbano e as mobilizações populares na produção do espaço, de André Veloso (dissertação de mestrado em Geografia / UFMG).

[3] Para uma lista mais completa, confira o texto Belo Horizonte (e algumas de) suas movimentações subterrâneas.

[4] No livro Não são só quatro paredes e um teto: uma década de luta nas ocupações urbanas da Região Metropolitana de Belo Horizonte, organizado por Thiago Canettieri; Marina Sanders Paolinelli; Clarissa Campos e Rita Velloso, oferece um balanço crítico dessa luta.

[5] As lutas das ocupações da Izidora deram o tom do ano de 2015. Boa parte dessas ações de luta e mobilização estão narradas no trabalho de Luciana Maciel Bizzotto: #resisteizidora: controvérsias do movimento de resistência das Ocupações da Izidora e apontamentos para a justiça urbana (dissertação de mestrado em arquitetura e urbanismo / UFMG).

[6] Para se ter uma dimensão dessa repressão, sugiro conferir o curta-documental Na missão com Kadu, com cenas gravadas pelo morador da Izidora e militante Kadu Freitas. Kadu gravou um plano sequência na manifestação de junho de 2015, que teve uma violenta repressão policial, registrada em sua câmera de celular.

[7] Esse é um dos argumentos apresentados por Roberto Andrés no podcast O Assunto do dia 06 de junho no episódio Junho de 2013: as manifestações que abalaram o país.

[8] Me aproprio do título do trabalho de Helena Fonseca: Ocupar as ruas e as instituições: a participação popular, a ocupação dos espaços institucionais e o direito à cidade (tese de doutorado em Arquitetura e Urbanismo / UFMG).

[9] No último mês, Ada Colau perdeu as eleições municipais de Barcelona para o candidato de direita independentista.

[10] Esse foi um caminho muito parecido com o que ocorreu com a Espanha no arco compreendido do 15M ao Podemos.

[11]  Conferir o texto Olha como a coisa virou, editado no livro Incêndio: trabalho e política no fim de linha brasileiro (Contrabando Editorial, 2022) e publicado anteriormente no site Passa Palavra.

[12] Mantenho-me apoiado no texto Olha como a coisa virou.

[13] Não foram só as lutas de 2013 que se converteram em plataformas eleitorais. As ocupações por moradia e até as ocupações efêmeras como da Praia da Estação também produziram seus candidatos.

[14] Algum dos custos estão no texto de Áurea Carolina publicado na revista Piauí: Acabou o mandato e comemorei como o Galvão Bueno na copa de 94. Áurea foi a vereadora de Belo Horizonte mais votada em 2016 a partir da campanha das Muitas.

[15] Deve-se ter em mente o que escreveu um grupo de militantes na neblina: “Desse ponto de vista, o clamor da esquerda pela organização nas quebradas no pós-junho tinha ares de uma tentativa farsesca de reencenar a história, como se fosse possível recuperar uma suposta pureza perdida daquela organização comunitária de fundo de igreja das décadas de 1970 e 80. Por outro lado, servia como um jeito de fugir do problema colocado pelas ruas de 2013: anônima e explosiva, aquela revolta era expressão de um proletariado urbano cuja força de trabalho se formou enquadrada pelas mais diversas políticas públicas, conectado às tecnologias da informação, empregado em regimes precários e altamente móvel”.

[16] Sobre isso, conferir o ensaio O novo tempo do mundo, de Paulo Arantes, publicado em livro homônimo (Boitempo, 2014).

[17] Refiro-me ao capítulo Junho e a luta de classes no Brasil da última década, presente na coletânea recém-publicada pela Usina Editorial  Junho e os dez anos que abalaram o Brasil (2013-2023), organizada por Carolina Freitas, Douglas Barros e Felipe Demier.

[18] Que, vale lembrar, funcionam como diques de contenção da barbárie que já se desenrola no subsolo. Sobre isso, conferir o excelente ensaio Acabou!, de Silvia Viana, publicado em 2019 na Revista Argumentum.

[19] Como notou Felipe Catalani em A decisão fascista e o mito da regressão: o Brasil à luz do mundo e vice-versa, a normalidade que se referem (e tomam como ideal) possui três dimensões: “1) Normalidade política, que garantia a capacidade do Estado de governar (com aumento da população carcerária, militarização da ordem urbana etc., mas isso é detalhe), que entra em crise após traições palacianas e a novela jurídica que todos conhecemos. 2) Normalidade econômica, em que se imagina uma espécie de crescimento rumo ao infinito no sonho – esse sim um verdadeiro transe – do Brasil potência, com o Cristo Redentor decolando na capa da The Economist etc. Note-se que de alguma forma a esquerda se tornou a última defensora da “força civilizatória” do capitalismo (que nunca entra em crise, pois ela será sempre uma marolinha ou mera ideologia das políticas de austeridade), enquanto a nova direita (militares inclusive) reconheceu a face bárbara de seu fim de linha – e está vencendo mundo afora ao se apresentarem como os Cavaleiros do Apocalipse. 3) Normalidade social, em que a explosividade dos conflitos sociais (que nunca desapareceram) é neutralizada com dinheiro e por meio da financeirização da pobreza”.

[20] Trata-se de texto publicado sob o título Antes que seja tarde demais: de Junho a outubro, na revista Margem Esquerda (n.39, 2022).

1 COMENTÁRIO

  1. Tenho convicção de que o fio que liga o tal “junho de 2013” ao bolsonarismo é muito menos “a escolha de uma esquerda de fazer parte da ordem” do que o que apontei em artigo de cinco anos atrás: https://passapalavra.info/2018/07/121756/

    Enquanto uma esquerda fica colocando a culpa na outra e vice-versa, todos fazem questão de não querer entender o que aconteceu. É mais confortável cada um se fixar nas suas posições e consolidar suas razões do que entender uma realidade que não é preto ou branco. Ou melhor, entender. como escreveu o João Bernardo estudando os fascismos históricos, que o movimento operário e o fascismo não são coisas separadas. Se a esquerda autônoma erra ao não querer enxergar isso, a esquerda petista erra ao fazer questão de não compreender como a degeneração e os limites de movimentos sociais de esquerda anticapitalistas geram (ou podem gerar) o fascismo.

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