Por José de Sousa Miguel Lopes
Introdução
Só podemos falar de educação se a tarefa educativa for pensada em termos de formação humana. Pensar a educação não significa apresentar “verdades” sobre problemas educacionais. De teorias, metodologias e didática que se proclamam como salvadoras e verdadeiras, a educação atual está repleta. As escolas e as universidades têm um conjunto de tarefas importantíssimas, complexas e desafiadoras, como a formação ética, a cidadania, os valores da justiça, do respeito mútuo, do pluralismo, da democracia e da paz.
A educação, neste terceiro milênio, necessita estimular a reflexão e a imaginação dos estudantes a respeito de que mundo eles gostariam de viver, que sociedade desejariam construir e sobre que tipo de pessoas gostariam de ser.
Como viverá o ser humano neste novo milênio? E nesse “como viver” é que as instituições educacionais devem concentrar os esforços sobre o seu papel na educação e sua contribuição na formação do ser humano e na construção de uma sociedade mais justa.
Emerge a necessidade de se construir um projeto educacional que transcenda os limites disciplinares e conceituais do conhecimento, a fim de que a escola contribua na formação de pessoas reflexivas e críticas, capazes de conviver com a incerteza e seus mistérios, uma educação capaz de ajudar as pessoas a dar um sentido ao caos e à complexidade do mundo contemporâneo.
Se o trabalho escolar não estiver pautado num projeto transformador das relações sociais, nas virtudes e na ética, a ação educativa se reduzirá a uma simples instrução, não podendo ser jamais uma educação formadora. Nas reflexões que se seguem, pretendemos fazer uma abordagem sobre o modo como se configura a educação no sistema capitalista, apresentando a seguir, a multidimensionalidade do ser humano e a aquisição de valores na educação formal e não formal, finalizando com indicações da educação para o bem-viver.
A educação no sistema capitalista alicerçada no pensamento ocidental hegemónico
Ao ser absorvida pelo sistema capitalista, a educação passou a ser concebida como instrumento de desenvolvimento econômico, e não como um processo formativo. A educação perdeu o vínculo com os valores e com as dimensões mais profundas da existência.
As instituições educativas, na maioria dos casos, respondem apenas pela função de preparar os alunos para o mercado de trabalho, para passar nos concursos, comprometendo, assim, qualquer pretensão formadora, perpetuando uma ordem social alicerçada no cálculo e no rendimento. Limitada aos propósitos econômicos, a educação contribui para a regressão humana, pois alunos são reduzidos a números, a dados estatísticos. Com isso, o processo educativo atinge o supremo estágio de mercantilização, levando à perda da própria ideia de ser humano.
A escola não pode se constituir numa instituição legitimadora da ordem social dominante, reduzindo-se a uma agência formadora de mão-de-obra alienada e barata para o capital. Dessa forma, a instituição escolar não contribui para a formação de pessoas, para a formação de cidadãos. Ao contrário, o ser humano fica preso a uma visão mercantil desumanizadora. O Outro passa a ser o inimigo a ser destruído pela competição econômica. O próximo não é o companheiro com quem se luta para transformar a realidade, mas passa a ser visto como um inimigo que deve ser eliminado.
Grande parte de nossos problemas sociais tem origem na ausência de uma educação formadora. As guerras, a violência, o racismo e as injustiças não resultam de um acidente de percurso, mas decorrem do desenvolvimento da razão moderna, vinculada ao projeto da sociedade industrial agressiva. Essa sociedade gera um estilo de vida baseado na aquisição de bens materiais, na propriedade, na administração dos negócios, etc., que são fontes de preocupações, ansiedades, angústias e, mais grave ainda, de esquecimento do verdadeiro sentido da vida.
A educação formadora encontra nos produtos da cultura um de seus aspectos mais importantes. A música, o teatro, o cinema, a pintura, a filosofia, a poesia, a literatura, as obras clássicas se constituem numa experiência simbólica que trabalha nosso mundo interior, não podendo ser reduzidas a mero entretenimento. A fruição das obras de arte e a leitura trabalham nosso mundo subjetivo, produzindo reflexão e discernimento. A cultura eleva nosso espírito, o entretenimento, quase sempre, hipnotiza. Por isso, são empobrecedoras as didáticas que se reduzem a simples técnicas de entretenimento, gerando pessoas incapazes de refletir e de criar. A única finalidade dessas técnicas de imbecilização é agradar e divertir o aluno, mesmo que este não aprenda nada.
O século XXI iniciou mostrando a todos nós que o mundo ainda convive cotidianamente com as guerras mais absurdas e com a violência mais cruel. Essa realidade, de difícil solução, coloca a cada um de nós o desafio de enfrentar questões como a dominação, a intolerância e a injustiça. Numa sociedade em que os valores da justiça, da solidariedade e da convivência pacífica foram deixados de lado, somente o resgate desses valores pela educação poderá contribuir com a construção de um mundo mais justo e de paz. A indiferença da educação frente a essa realidade, além de ser uma miopia política, constitui-se numa falta de responsabilidade e de sensibilidade para com as atuais e futuras gerações.
Faz-se necessário desconstruir a hegemonia do pensamento ocidental. Esse gesto de integrar vozes até então invisíveis é justamente decolonial. Ao fazê-lo, é fundamental relembrar a história dessa noção nascida da pena de pesquisadores latino-americanos nos anos 90 convivendo com universidades norte-americanas. Pretendiam descolonizar o conhecimento através da “desobediência epistêmica” (Mignolo, 2008), ou seja, a recusa de recorrer sistematicamente a conceitos ocidentais para estudar as realidades do Sul nas ciências humanas ou sociais, a necessidade de introduzir nessas ciências outra visão do mundo, para romper com a abordagem ocidentalista que tem precedência sobre o conhecimento. A abordagem induz, por exemplo, a considerar o ano de 1492 não apenas como ”a descoberta da América” para os europeus, mas também como o ponto de partida de sua “ocultação do Outro”, que não envolve a mesma leitura da História. Ao fazê-lo, ao contrário do universalismo, os pesquisadores decoloniais defendem o pluriversalismo “aberto ao diálogo intercultural”.
Quando há falta de liberdade econômica e material, também se limita, em parte, o desenvolvimento da formação da pessoa. A maioria dos seres humanos ainda carece de liberdade econômica hoje. As classes dominantes ainda relegam muitos homens a um estado servil. Ao invés de agirem livremente para submeter o mundo aos fins humanos, dedicam-se a administrar outros homens para fins não humanos.
O sistema educativo formulado e conhecido na maior parte da periferia do sistema capitalista baseia-se fielmente nos modelos colonialistas e totalitários europeus, que assumem a promoção e o cultivo predominante da dimensão cognitiva do ser humano como verdade suprema e forma possível de desenvolvimento.
A multidimensionalidade do ser humano
É fundamental refletir sobre os elementos simbólicos, afetivos, culturais, emocionais que mobilizam e potencializam as capacidades do ser multidimensional, entendendo que o ser humano desde o momento da concepção vive em fluxos e tensões, sua existência é interpelada pela natureza, pelo contexto, pela história, pela experiência, etc.; portanto, é preciso que o desenvolvimento humano seja pensado a partir da multidimensionalidade do ser: o corpo, os processos cognitivos, a linguagem, a afetividade, a sexualidade, a criatividade, a espiritualidade, as relações que estabelece com o meio e com a sociedade, bem como o caráter filosófico da vida.
É por isso que as perspectivas teóricas do desenvolvimento humano não são construídas a partir de uma disciplina; pelo contrário, as ciências (psicologia, filosofia, economia, antropologia, sociologia, medicina, etc., contribuem para a interpretação da complexidade do ser humano. Com efeito, falar de desenvolvimento humano implica múltiplas dimensões e âmbitos a partir dos quais se pode refletir sobre a condição humana e seu quadro vital, e assim estabelecer neste conceito um dispositivo de produção da realidade, ou seja, uma rede de elementos heterogéneos, geridos em funções estratégicas inscritas nas relações de poder e saber, que produzem subjetividades em uma ordem de verdade, práticas discursivas e não discursivas. A posição assumida a partir da transdisciplinaridade, entendida como forma de transversalidade, visa superar o parcelamento e a fragmentação do conhecimento, esta última refletida nas disciplinas particulares, já que cada uma é uma perspectiva única incapaz de compreender na ausência da outra. as realidades complexas do mundo atual, que se distinguem precisamente pela multiplicidade de vínculos, relações e interconexões que as constituem. Esta abordagem permite analisar o desenvolvimento humano a partir de uma postura orientada para um sentido transformador, integral, sistêmico e ecológico do ser humano, para que se renove a compreensão do ser, e assim refletir, enfrentar, mudar, reconstruir e enriquecer sua essência.
Exige-se o desenvolvimento de práticas pedagógicas que permitam ao indivíduo (aluno e professor) olhar para si, reconhecer-se, sentir e pensar, aberto ao conhecimento de suas competências, habilidades, fortalezas, fragilidades e possibilidades do meio em que está inserido. A existência humana implica ser e estar em, com, de, por e para a vida em plenitude. Neste sentido, faz-se necessário reconhecer a singularidade de cada pessoa e ter como propósito educar para o desenvolvimento humano e social integral e sustentável, tendo uma clara abertura à diversidade de entendimentos sobre o desenvolvimento humano.
A ideia de desenvolvimento (independentemente de seu adjetivo: integral, sustentável, local, endógeno, alternativo etc.), implica perceber as condições de reconfiguração do território e da normalização do conceito. Este é um problema político de natureza linguística, que frequentemente se torna um eterno retorno. Assim, a partir dos aspectos pedagógicos, epistemológicos, investigativos e práticos, faz-se necessário assumir cada momento como um encontro em um processo contínuo de estudo, crítica e reflexão, que provoca entendimentos problematizadores e mobiliza o diálogo, as experiências de aprendizagem, o reconhecimento de fronteiras. As perspectivas teórico-pedagógicas da formação humana ao longo da vida projetam as formas de alienação, as realidades, os saberes que resistem à naturalização normalizadora das verdades e das relações de poder, de modo que se promovam processos transformadores, participativos e significativos sobre vida que traçam cartografias mutáveis de agenciamentos, tecidos, práticas, subjetividades, corpos e ações.
O ser humano é uma realidade única e original em si mesma, fascinante e inacabada. Ela compreende várias dimensões, possibilidades e faculdades que estão continuamente em desenvolvimento, construção e crescimento. Ser verdadeiramente humano é desenvolver as diferentes potencialidades e dimensões de forma harmoniosa, equilibrada e numa perspectiva de autoaperfeiçoamento e abertura.
Educação formal e não formal e a aquisição de valores
Toda a educação é educação formal no sentido de ser intencional, mas o cenário pode ser distinto em diferentes contextos. Uma concepção ampla de educação integra diferentes espaços sociais de formação humana. O espaço escolar é marcado pela formalidade, regularidade, sequencialidade, mas quando a descontinuidade, a informalidade e a alternativa caracterizam uma ação educativa, realizada fora do sistema institucional dominante, assistimos a uma reconfiguração da forma. Assim, qualquer atividade educacional organizada fora do sistema de educação formal estabelecido, realizada separadamente ou como um elemento importante de uma atividade maior, é designada como educação não formal.
Os espaços ocupados pela educação não formal são múltiplos. Destinam-se a ser complementares aos espaços escolares, adicionais ou substitutivos, quer no seio de organizações da sociedade civil, organizações não governamentais, quer façam parte de iniciativas cidadãs ou comunitárias, associações de bairro, meios de comunicação, etc. A sociedade civil, ONGs e organizações comunitárias investem espaços de formação social quando estes são desocupados pelas instituições de ensino, como mediadores, facilitadores da comunicação, divulgação, sensibilização e construção do conhecimento, em processos de aprendizagem informais ou não formais. As noções de espaço e tempo, por exemplo, são indissociáveis e respondem a mais flexibilidade, ocasionalidade, espontaneidade, adaptabilidade, criatividade para atividades de instrução não estruturadas ou mesmo informais, respeitando o Outro na sua complexidade, riqueza, pluralidade, nas suas potencialidades. Faz-se necessário fazer emergir uma esperança crítica na capacidade do ser humano, orientando transformar a situação em que se encontra para possibilitar e construir transformações sociais emancipatórias.
O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação tem possibilitado a criação de novos espaços de conhecimento apreendidos em diferentes lugares, hibridizados, rompendo com as temporalidades tradicionais do ensino e aprendizagem presencial (articulando tempos síncronos e assíncronos, por vezes nômades).
Esses espaços de formação humana e técnica reconfiguram as formas de educação em múltiplas oportunidades de aprendizagem com o desafio de caminhar para a efetivação do direito à educação de qualidade para todos. Eles nos convidam a reorientar o debate sobre os vínculos entre as multifacetadas concepções de educação e o projeto social perseguido.
Trata-se, assim, de aumentar simbolicamente a importância dos saberes, das práticas e dos atores com vista à identificação das tendências do futuro, sobre as quais é possível aumentar a possibilidade de esperança contra a probabilidade de frustração.
Todo o processo educativo culmina na construção da nossa personalidade, que se relaciona com as outras pessoas, num contexto social que, embora nos condicione, não nos determina suprimindo a liberdade. Ser pessoa implica um modo de ser relacional: supõe relações físicas, intelectuais e morais com outras pessoas. Mas deve-se lembrar que os atos da vontade são movidos pelo que é um bem ou um valor. Nesse sentido, podemos dizer que não há pessoa até que um sujeito humano tenha criado uma hierarquia de valores, que se tornam normas para as ações, na interação com os outros. A cooperação é, então, um fator de personalidade se entendermos por personalidade não o eu inconsciente do egocentrismo infantil, nem o eu anárquico do egoísmo em geral, mas o eu que se coloca e se submete, para ser respeitado, às regras da sociedade, à reciprocidade e à discussão objetiva. As regras não são mais externas. Tornam-se fatores e produtos da personalidade: assim a autonomia sucede à heteronomia. O ser humano é, radicalmente, um ser afetivo (afetado por seu meio); mas a conquista de uma personalidade com autodeterminação moral será a forma aperfeiçoada de auto-organização, o ápice do processo de “possuir-se na maior responsabilidade” em um contexto social. O principal objetivo da educação é moldar a afetividade, auxiliada pela razão intelectual e pelo livre arbítrio. Como os adultos não podem ser moldados à força e de fora, sem gerar um procedimento imoral, o problema está em encontrar os meios e métodos mais convenientes para ajudar as pessoas, desde crianças, a construí-lo. A educação acaba sendo, portanto, uma autoformação: o processo de dar a si e por si um modo de ser, estar, agir, etc. Na fase atual a Educação e Formação Humana implica a aquisição de conhecimentos e técnicas e no desenvolvimento intelectual, que só têm valor se isso conduzir a uma forma pessoal equilibrada de ser, como dono de si próprio, em um mundo caótico e em rápida mudança, onde se perdem os limites do certo e do errado onde, segundo os slogans adolescentes “tudo é bom”; e onde “nada acontece”, enquanto avança a insegurança social e a alienação.
A vontade e a liberdade, por exemplo, não podem ser movidas por algo físico. Requerem conhecimento prévio, vontade ou desejo. Neste contexto, todo o processo educativo deve ter a participação ativa do educando: a educação é autoeducação, embora requeira – sobretudo na infância – uma ajuda externa (na qual consistem a docência e a heteroeducação). A educação acaba sendo, portanto, um modo de ser (do qual decorre um modo de agir, de ser, etc.) com o qual cada sujeito humano se constrói e é o principal responsável pelo que se torna. Cada um é o criador de si mesmo.
A ideia de formação é rica se a considerarmos como um processo pelo qual a pessoa, a partir de dentro, gera uma capacidade de exercer a liberdade que não depende de fora, embora interaja criticamente com as circunstâncias de seu contexto social. A educação, considerada como a conquista de um modo pessoal de ser, dá relevância a valores tipicamente humanos como a busca da verdade na liberdade e na interação social, para a realização de projetos que expressam, e exigem, uma hierarquia de valores. E uma pessoa, que exerce um forte controle sobre si mesma, pode subordinar livremente alguns valores a outros que considera superiores. A personalidade se encontra justamente no desenvolvimento da capacidade intelectual e moral pela qual vive um sujeito capaz de se submeter a normas recíprocas. A afetividade, que é a raiz de nossas vidas, não é regulada senão pelo conhecimento e pela capacidade de uma escolha responsável. A experimentação individual e a reflexão comum, a ação e a teoria, a reciprocidade e a autodeterminação parecem ser elementos fundamentais na emergência de sentimentos morais e na organização da vontade que conduzem a uma melhor integração de si e a uma regulação da vida afetiva mais efetiva.
Quando o dever é momentaneamente mais fraco do que um desejo preciso, a liberdade é capaz de restaurar os valores de acordo com sua hierarquia anterior, ao mesmo tempo em que postula sua conservação posterior, e assim fazer dominar a tendência de menos força, reforçando-a. Uma personalidade forte não escolhe mecanicamente o que exige menos esforço e dá mais prazer momentâneo. Pelo contrário, é capaz de adiar certos prazeres e escolher livremente, reforçando a necessidade de um esforço maior que lhe permita alcançar, no futuro, um modo de vida mais pleno e harmonioso. Embora a educação tenha sido por vezes entendida como a aquisição de um modo de ser (formação), nos nossos tempos (de ainda explosivo crescimento demográfico, notáveis mudanças culturais, exercício de liberdades e direitos com atenuação ou opacidade dos deveres sociais, de predominância da insegurança social), exige lembrar, capacitar e reforçar a organização de pessoas íntegras, donas de si mesmas, por meio de uma clara hierarquia de valores superiores às respostas instintivas e ao hedonismo imediato. Esses valores superiores à diversão, fugazes e fátuos, são os que possibilitam, a longo prazo, a consecução dos propósitos mais benéficos e humanos.
Neste quadro, a ética precisa ser compreendida a partir de uma perspectiva ecológica e de sobrevivência, que transcenda a hegemonia da ciência em relação a outras formas de conhecimento que separam o sujeito do objeto do conhecimento, que só validam o que não tem interferência do sujeito e estabelecem claramente que a finalidade da produção do conhecimento é alcançar o domínio do homem sobre a natureza, para proporcionar bem-estar à humanidade; isso desumaniza as relações e interpretações do mundo externo e interno do ser humano.
Uma educação para o bem-viver
A integração dos saberes científicos e ancestrais constitui um diálogo que alia saberes e competências transdisciplinares para a articulação de uma educação para o bem-viver que emancipa, sensibiliza e consciência da cidadania global do século 21. Caminhar para o bem-viver implica transformar a raiz da matriz produtiva de um sistema capitalista que coisifica a natureza para produzir insumos monetários sem valor intrínseco. O paradigma da pós-modernidade é uma metamorfose civilizatória onde o homem reinventa sua relação com a natureza, também conhecida como sagrada nas cosmovisões ancestrais dos povos indígenas. Significa ter que parar de explorar a natureza e aprender com ela como se fosse um modelo, uma medida e um mentor que nos permite integrar harmoniosamente a tecnosfera e a sociosfera com o continuum da biosfera.
Avançar em direção ao objetivo de culturas, que podemos designar como regenerativas, requer mudanças fundamentais nas atitudes e comportamentos humanos. Mas formar educadores transdisciplinares no campo teórico das Ciências da Educação para o bem-viver significa (re)desenhar culturas regenerativas, de forma a transformar as nossas atuais relações com a natureza e resolver os problemas ligados às alterações climáticas. O conceito de desenvolvimento regenerativo não é direto e não há um roteiro mostrando como proceder. No entanto, o tempo está se esgotando e uma ação urgente é necessária. Devemos avançar agora, num espírito de exploração e experimentação e com o maior número de parceiros possível, para ajudar, através da educação, a corrigir as tendências que ameaçam o nosso futuro comum na atual fase histórica.
O paradigma da pós-modernidade surge sob os postulados da cooperação internacional, da solidariedade intergeracional e da coevolução harmoniosa dos sistemas culturais humanos com os ecossistemas da natureza. A experiência educativa transdisciplinar para o desenvolvimento sustentável inclui a dimensão espiritual como núcleo da criação em nossas sociedades, local e globalmente. Isso significa que o sucesso educacional não pode ser reduzido a uma simples quantificação realizada por meio de testes padronizados de compreensão de leitura, ciências ou matemática, como acontece com os testes PISA da OCDE. O verdadeiro sucesso educacional se estabelece no fato de os alunos terem experiências espirituais, emocionais e psicossomáticas entre corpo e espírito com o intuito de desenvolver conexões profundas com outras pessoas, com a vida, com a natureza e com o cosmos. Portanto, os professores precisam assumir que a natureza tem direito ao respeito total por sua existência e devemos restaurar todos os seus ecossistemas por meio de uma cultura regenerativa nas escolas.
A pessoa humana se constrói na interação, o que ora facilita, ora dificulta, a aquisição de um modo de ser de acordo com os projetos das pessoas e das comunidades. A educação não é uma questão de conteúdo imposto pela cultura; ao contrário, a educação implica uma forma de adquirir aquela cultura que desenvolve, organiza e reorganiza (molda) as possibilidades de ser, em particular, as possibilidades de sentir, conviver, conhecer e decidir. Toda a educação forma o caráter, mental e moral; mas a formação consiste na seleção e coordenação das atividades congênitas para que possam utilizar a matéria do meio social. Além disso, a formação não é apenas uma formação de atividades congênitas, mas ocorre por meio delas. É um processo de reconstrução, de organização. A educação não consiste, pois, em algo meramente teórico ou meramente prático; não afeta apenas as faculdades ou possibilidades, mas até a própria raiz da pessoa que jaz em sua liberdade.
A proposta de práticas de cuidado produz uma dupla articulação, em que provedor e receptor se beneficiam de uma correlação mútua, em que o benefício articulado fortalece o vínculo a partir de sentimentos de utilidade, autoestima e felicidade. No aspecto político, não é uma moral de cuidado universal, pois ocorre na micropolítica, mas incide e responde a uma responsabilidade global, na medida em que as fronteiras do privado e do público são dissolvidos e seu interesse por grupos desprotegidos se acentua. Nesse sentido, o cuidado situa-se no circunstancial e particular das condições de vulnerabilidade ou carência real de sujeitos específicos, não generalizados. Nesse ponto, é interessante como a abordagem da ética do cuidado resiste às formas de educação de massa, nas quais a atenção e o cuidado não são possíveis.
Considerações finais
Neste terceiro milênio, precisamos desenvolver um pensamento autorreflexivo que tenha força de emancipação. Uma educação capaz de auxiliar os educandos na construção de um estado de espírito voltado para a prática do Bem. Uma educação que não seja expressão da alienação, da indiferença e esvaziada da dimensão humana.
Isso requer pensar o processo educativo como algo inserido criticamente na história humana, social e econômica. Educar-se requer, sem dúvida, esforço e não nos deixarmos levar pelo prazer imediato, passando o tempo. Sem um projeto de vida e uma escala de valores não é possível construir uma personalidade, capaz de escolher alguns valores e rejeitando outros.
É fundamental que na formação educativa se abra espaço para uma reflexão crítica na qual também se articulem as práticas do cuidado. É urgente que as áreas transversais se assumam como lugares instituintes de produção de conhecimento. Isso a partir de uma compreensão da experiência do corpo, apontando que, na escola, assim como na universidade, agregam-se linguagens diversas que se combinam em um processo profundo e inacabado de desenvolvimento e constituição da subjetividade, aceitando o ser humano como realidade fascinante, complexa, inacabada em si mesma e evidenciando que nessa complexidade se tecem várias dimensões, possibilidades e faculdades que estão continuamente em desenvolvimento, construção e crescimento.
É fundamental que os responsáveis pelas políticas públicas e desenhos curriculares, os acadêmicos e gestores das instituições de ensino superior apostem no investimento econômico e na gestão de recursos, espaços e estratégias de pesquisa e desenvolvimento pedagógico rumo à formação humanista dos jovens que ingressam no ensino superior. Implantar uma educação que contribua para forjar uma sociedade mais humana e com desenvolvimentos que apostem desde suas profissões até as transformações vitais que as sociedades atuais e futuras exigem.
Vislumbra-se a necessidade crítica de reflexão e transformação dos espaços educativos, desconstruindo o seu significado profundo, ligando a possibilidade de criar-se desde a porta de entrada ao mundo interior, onde se valoriza a vida, se promove o despertar pessoal, a aceitação compassiva de si e do outro. Talvez a questão seja recriar a educação não a partir do controle e da competição, mas da oportunidade de percorrer a vida por diversos caminhos que unam a coragem de desenvolver o potencial de cada ser, com a oportunidade de dar sentido à própria existência, e se descubra assim o estilo pessoal para ser feliz.
Encontramo-nos numa encruzilhada histórica que exige a concepção de resiliência como um processo complexo e trans dimensional que está dentro e fora do ser humano ao mesmo tempo. A fase em que a Humanidade se encontra representa também uma oportunidade histórica de reformulação dos nossos valores, uma oportunidade de criar novos modelos de formação que contemplem as competências do bem- viver. Evitar o anunciado desastre ecológico e civilizatório requer repensar os desafios presentes e futuros através de uma visão holística, sistemática e transversal, sem esquecer as visões epistêmicas e as tradições culturais locais. Por fim, a Educação e Formação Humana deve ser configurada a partir de uma epistemologia aberta a múltiplas dimensões formativas. Os professores do século 21 precisarão torná-los ótimos para transformar sua realidade socioecológica. Os professores são as sementes do futuro. Vamos todos juntos regenerar o planeta!
Referências
MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 287-324, 2008.
As obras que reproduzidas no artigo são de Kazimir Malevich (1879-1935)
Este texto foi escrito (especialmente seu início e desfecho) por um bom cristão que confunde o reino do céu com projeto político.
O autor trabalha com certos conceitos de forma leviana: ética e moral, paz e guerra, liberdade, felicidade. O autor pressupõe que somos ESSENCIALMENTE livres, isto é, que as condições materiais (e sociais) não suprimem a nossa liberdade embora nos condicionem, o que conceitualmente já é um contexto de não-liberdade. Se há algo que condiciona na nossa existente, como pode ser possível a liberdade? E mais: o que é felicidade? Que seria um “estilo pessoal para ser FELIZ”? Me parece um conceito tão inadequado para as pretensões do texto. Me soa tão burguês… Nunca se pregou tanto a felicidade… Inventaram essa meta inalcançável para que as pessoas persigam como quem persegue o sentido da vida. A pequena burguesia em especial adora o conceito e confunde o desfrute de seus privilégios com um estado merecido de felicidade. Na realidade penso que a dimensão realizavel desse palavra tão frágil é o prazer. O que existe no mundo, o que organiza a ação humana mais primitiva (e a humanidade não está muito longe disso, a despeito do atual desenvolvimento tecnológico) é dor e prazer. O que existe não é felicidade, é a satisfação dos prazeres existe, ocasionalmente. E o que pode vir a existir para os intelectos mais refinados é um sentimento superior ao da satisfação sensorial, mas eu não diria jamais que esse sentimento é nomeadamente o sentimento de felicidade.
De qualquer forma, o que mais me incomodou é a ingenuidade com que o autor tratou da questão da violência (na verdade só fez referência a um mundo sem violência, algo assim). Me parece que o texto prega um projeto político de formação do homem para um tal bem-viver mas desconhece aquilo que constitui o homem. Muito me estranham textos que falam da formação do homem e que negam que a violência nos é constitutiva. E útil! Sempre haverá violência. Este mundo encantado de felicidade plena do bom cristão movido por um fraco essencialismo humanista, jamais existirá para além do campo da imaginação.
Inclusive… já que o tema aqui é educação… ESTUDAR É UM ATO DE GRANDE VIOLÊNCIA! No caso de adultos não infantis é um ato de violência de um espírito resignado (vocês não sentem a estrutura do cérebro de vocês rompendo e formando novas sinapses, novos caminhos lógicos a cada leitura? É preciso destruir para construir, é preciso violar e demolir o antigo para erguer novos conceitos). É um ato voluntário de sofrimento, um esforço individual tremendamente difícil (mesmo que extremamente compensatório pelo resultado, pelo sentimento de poder e dominação sobre si mesmo que este ato traz consigo). E no caso de crianças é um ato da mais profunda violência contra os instintos primitivos próprios do estágio infantil do homem que, em função do reduzido desenvolvimento intelectual (e cerebral) vive uma desenfreada busca pelo prazer sensorial (inaugurado pela mãe) e simultânea fuga de tudo aquilo que gera dor (adultos irrefletidos seguem obstinados essa busca/fuga e, crescidas crianças frutradas que são, culpam a quem? Uma sociedade irrefletia repleta de crianças adultas é de fato um prato cheio para os psicanalistas) (isso tudo parece Freud, mas pode ser antes Aristóteles, não?).
É necessário colocar esses termos na mesa para se falar de um projeto de formação disruptivo. Para se ter, no mínimo, plena ciência das dificuldades.
Enfim… Me parece que o texto publicado não nos levará muito longe. Mais do mesmo…
Fiquei na dúvida se Liv se estava a referir ao meu texto, ou a um outro, de autor diferente, que Liv tinha acabado de ler quando iniciou a leitura do meu texto, Para Liv este escrito é de um ingênuo e burguês, que acredita no conceito de felicidade. Para Liv este conceito não existe.
O texto é romântico e impregnado de bom cristianismo!!!! Aqui tive que rir bastante, pois o ateu que sou, se viu, de repente, empurrado para o colo tranquilizador da religião!!! Valha-nos Santa Ingrácia! Ah! Ah!
Realmente, falar em valores num mundo devastado pela barbárie soa a ingenuidade. Se tivesse temperado o texto com algumas doses de violência, o tornaria mais palatável para Liv. Por que não erradicar de vez o sonho, a solidariedade, a formação ética, a cidadania, os valores da justiça, do respeito mútuo, do pluralismo, da democracia e da paz?
Ao logo do artigo analiso a questão da violência. Alguns exemplos: “Se o trabalho escolar não estiver pautado num projeto transformador das relações sociais….”.(…).Limitada aos propósitos econômicos, a educação contribui para a regressão humana, pois alunos são reduzidos a números, a dados estatísticos.” (…) A escola não pode se constituir numa instituição legitimadora da ordem social dominante, reduzindo-se a uma agência formadora de mão-de-obra alienada e barata para o capital. (…) A única finalidade dessas técnicas de imbecilização é agradar e divertir o aluno, mesmo que este não aprenda nada.(…) As classes dominantes ainda relegam muitos homens a um estado servil. Ao invés de agirem livremente para submeter o mundo aos fins humanos, dedicam-se a administrar outros homens p ara fins não humanos.(…) Educar-se requer, sem dúvida, esforço e não nos deixarmos levar pelo prazer imediato, passando o tempo. Sem um projeto de vida e uma escala de valores não é possível construir uma personalidade, capaz de escolher alguns valores e rejeitando outros”.
Se nestes breves extrratos do meu texto o Liv considera que estou abordando a violência de forma ingênua, fazer o quê? Talvez temperar o texto com mais tiros, pancadaria e bombas. O ideal seria que, ao final do texto, não sobrasse ninguém.
E termino com algo que, certamente, desagrada a Liv. Resgato os versos finais do longo poema “Pedra filosofal” do cientista e poeta Ántónio Gedeão: “Eles não sabem nem sonham/Que o sonho comanda a vida/E que sempre que um homem sonha/O mundo pula e avança/Como bola colorida/Entre as mãos duma criança”. Mas, enfim, o cientista e poeta era um ingênuo e burguês de carteirinha…Perseguiu, de modo infrutífero, a felicidade. Resultado: morreu!!!
Prezado, eu havia enviado um comentário ao Passa Palavra solicitando que apagasse o comentário feito pois o texto foi lido no transporte público sem a devida atenção e o comentário foi escrito no mesmo contexto. E só me dei conta disso horas depois. Certamente teci uma crítica injustificada.
Camarada José com seus muitos sobrenomes, ontem fiz uma leitura apressada do texto o que gerou um comentário também apressado. Mas o tema me interessa muito, por isso decidi reler com mais atenção:
[INTRODUÇÃO]
1) é tarefa da escola (que escola? A escola do Estado burguês?): “a formação ética, a cidadania, os valores de justiça, do respeito mútuo, do pluralismo, da democracia e da paz”
Aqui eu já encontro alguns problemas: o autor diz que a é tarefa da escola é ensinar os valores de justiça, de democracia, de paz. Mas qual justiça? Qual democracia? Paz para quem? Porque a burguesia e seus capangas (e incluiremos aqui partidos da esquerda pró-capital como PT e PSOL) possui uma idade a respeito completamente distinta do que seria uma ideia de justiça, democracia e paz que surja em benefício dos explorados. Então é tarefa da escola ensinar os valores hegemônicos (burgueses) ou anti-hegemonicos? Mas poderia a escola organizada juridicamente e pedagogicamente por agentes do capital tratar de um ensino anti-hegemonico? Ou estamos falando de uma escola de um Estado revolucionário dominado pelo proletariado? Ou de uma escola de ensino informal que exista a revelia dos interesses hegemônicos? Financiada por quem? Autogerida? Veremos…
2) A educação “necessita estimular a reflexão e a imaginação dos estudantes a respeito de que mundo eles gostariam de viver, que sociedade desejariam construir e sobre que tipos de pessoas gostariam de ser”
Será que concordamos que essa tarefa não é e jamais será da escola burguesa? Talvez não pois no parágrafo seguinte se fala em “instituições educacionais”, sendo assim devo crer o autor realmente atribui as tarefas citadas também (ou apenas) às escolas de ensino formal. O que é um problema. Uma ingenuidade, talvez?
Poderiam as instituições educacionais que temos, incluindo as escolas públicas, serem as portadoras da tarefa de construir uma sociedade mais justa? O que me remete ao questionamento feito no ponto (1): que conceito de justiça, democracia e paz o autor está aqui defendendo?
Seria o autor um petista (ou psolista, não há mais diferenças entre estes partidos) que acredita que o Estado burguês é capaz de resolver as injustiça do modo de produção capitalista?
3) “Emerge a necessidade de se construir um projeto político educacional que transcenda os limites e conceituais do conheço, a fim de que a escola contribua na formação de pessoas reflexivas e críticas”
A dúvida aqui é a seguinte: Emerge de onde? Não encontrei nexo com que foi dito até então, mas isso é questão menos importante.
O mais importante do parágrafo é o seguinte: a escola (burguesa) vai transcendar limites disciplinares impostos pelo BNCC? Ou a ideia é reformular a legislação vigente? Para formar pessoas reflexivas e críticas? A escola burguesa que existe para formar para o trabalho alienado vai formar pessoas reflexivas e críticas? O Estado burguês vai organizar uma escola burguesa capaz de formar pessoas que questionem a hegemonia burguesa? Esquisito isso, em…
4) “Se o trabalho escolar não estiver pautado num projeto transformador das relações sociais, nas virtudes e na ética…”
Aqui eu já até comecei a ficar agoniada com o texto. O trabalhado escolar da escola burguesa pautado num projeto transformador das relações sociais burguesas? Que de raios de escola estamos falando? É a escola de um Estado pós revolução? E que virtudes? Que ética? A ética de quem explora ou de quem é explorado? Teria sido mais apaziguador se o autor tivesse conceituado melhor a noção de ética, justiça, democracia e paz que seu texto defende.
[A EDUCAÇÃO NO SISTEMA CAPITALISTA ALICERÇADA NO PENSAMENTO OCIDENTAL HEGEMÔNICO]
5) “A educação PERDEU o vínculo com os valores e com as dimensões mais profundas de sua existência”
Perdeu? Mas qual era essa educação anterior que tinha realmente vínculo com valores? A escola anterior é a de que período histórico? Anterior ao capitalismo, pelo que diz o texto. Seria a escola de uma classe aristocrática? Essa escola (ou algo semelhante) ainda existe. Lá a filha do rei da Espanha estuda os clássicos, tem aulas de filosofia desde a mais tenra idade e é proibida de acessar telas.
Se bem que no passado a academia já foi refúgio da crítica… Não é mais. Estamos falando então apenas das universidades?
6) “As instituições educativas, na maioria dos casos, respondem apenas pela função de preparar os alunos para o mercado de trabalho”
Puxa, nem aqui eu vou concordar por inteiro. A não ser que o autor concorde comigo que as únicas excessões são as escolas dos filhos de reis (incluindo os reis das Big Techs). Porque de resto, são todas preparadas para formar para o mercado de trabalho, inclusive aquelas que formam os futuros trabalhadores da (menos) explorada classe média. Desculpa, ou estamos aqui incluindo as escolas curandeiras? Outro dia eu escutei uma mãe montessoriana acusando uma mãe Waldorf de analfabetismo. Em resposta a mãe Waldorfiana acusou a mãe montessoriana de ser fascista de esquerda. Peço desculpas pela quase despropósitada digressão.
[No meu próximo intervalo enviarei comentários sobre o restante do texto, desta vez lido de forma mais detida.]
[CONTINUAÇÃO]
7) “A escola não pode se construir numa instituição legitimados da ordem social dominante, reduzindo-se a uma agência formadora de mao-de-obra alienada e barata para o capital.”
É o mesmo que falar que o judiciário, aquele que aplica o ordenamento jurídico BURGUES, não tem existe para legitimar a ordem social dominante (que é a burguesa). A escola do Estado burguês foi inventada para formar trabalhadores para o modo de produção capitalista. A escola pública forma os trabalhadores mais explorados, e para isso (e eu tive a experiência de ser mãe de alunos matrículados em duas escolas públicas em cidades de elevado IDH) ensinam a prática de serem dominados e o hábito de negligenciar os estudos (para além da repulsa de classe que os funcionários pertencentes a uma classe média baixa dedicam aos pais, sintoma da nossa tão conhecida síndrome do pequeno poder). A escola pública não passa de um depósito onde se aprende a ser oprimido e onde se estimula o que é existe de pior (por exemplo incluindo na prática pedagógica, por um lado, a cultura da filantropia e por outro o fetiche das redes sociais). E as escolas particulares, em uma régua econômica traçada pelo valor da mensalidade, formam os filhos das classes médias para desenvolvendo neles, por um lado, habilidades digitais e menosprezo pelas classes subalternas (criando um ambiente explícito de prestação de serviços em que eles são os consumidores, e a pedagógica positiva cai como uma luva na formação dessa classe que será ao mesmo tempo digital e consumidora de itens supérfluos) e, por outro lado, não desenvolvendo neles qualquer estímulo ao estudo como prática de criação de novas ideias (o ensino das disciplinas de filosofia, história e sociologia de reduziu ao ensino de esquemas superficiais na exata medida do que os vestibulares exigem). Enfim… Nenhuma escola que integre a totalidade institucional do Estado burguês possui qualquer possibilidade de se desprender “de uma visão mercantilista desumanizadora”.
8) “As guerras, a violência, o racismo e as injustiças não resultam de um acidente de percurso, mas decorrem do desenvolvimento da razão moderna vinculada ao projeto de sociedade industrial agressiva.”
Aqui eu preciso reintegrar o que eu já havia dito sobre a questão da violência:
o que mais me incomodou é a ingenuidade (eu nem diria mais que se trata de uma ingenuidade, é mesmo um equivo grave de reflexão) com que o autor tratou da questão da violência.
O autor coloca de forma explícita que a ausência de um estado de paz na terra (ao som dos sinos felizes de Belém, e sim, é possível ser ateu e seguir agindo como um bom cristão) e presença da violência é CULPA do capitalismo. Decorre disso que, para o autor, bastaria acabar com o modo de produção capitalista para se acabar com a violência. Que erro grave!!!
Reforço o que eu já havia dito: a violência nos é constitutiva!!!! É necessário colocar a violência no bailo da formulação de um pedagogias revolucionária, disruptiva, para que ela se torne ferramenta útil de transformação social!!! Negar a violência não é o caminho!!! Tudo o que as classes dominantes mais desejam é, inclusive, que a violência seja um ato repudiando por nós. É isso que nos domina. Sem violência não haverá mudanças.
[Continua…]
[CONTINUAÇÃO]
9) A sociedade burguesa é é fonte “de preocupações, ansiedades, angústias e, mais grave ainda, de esquecimento do verdadeiro sentido da vida”.
O problema aqui é que estes são sentimentos humanos, não exclusivos da sociedade capitalista.
Já parte do “verdadeiro sentido da vida” me remeteu ao Mufasa… Qual é o sentido da vida? Neste texto não consigo deixar de associar o sentido da vida defendido pelo autor, o tal bem-viver associado a um estado de FELICIDADE (rs), com um jardim bem cristão, fraterno, com borboletas. Eu prefiro pensar que o sentido da vida se encontra em uma biblioteca, e não em jardim de felicidade.
10) “A fruição das obras de arte e a leitura trabalham nosso mundo subjetivo, produzi do reflexão e discernimento. A cultura eleva nosso espírito, o entretenimento, quase sempre, hipnotiza.”
Aqui eu reintero o que eu disse sobre violência do ponto de vista da educação. Para começar, mais correto do que felicidade seria tratar em termos de prazer. Ou melhor: dor e prazer.
Eu havia questionado o que seria essa felicidade porque me parece um conceito tão subjetivo, tão individual. Prazer me parece um conceito universal. Por isso, para a análise daquilo que diz respeito ao homem, daquilo que pode ser generalizavel, defendo que é mais correto o uso do conceito de prazer. Posso até conceder , mas mesmo só a título de concessão, que a dimensão realizavel da felicidade (termo tão frágil) é o prazer. L
O que existe no mundo, o que organiza (a princípio) a ação humana é dor e prazer. O que existe é então a satisfação ou a frustração do prazer almejado.
{E o que pode vir a existir para os mais intelectos mais refinados é um sentimento superior (porque não sensorial) a essa satisfação que mencionei, mas eu não diria que esse sentimento é nomeadamente o sentimento de felicidade.}
A conexão que eu faço dessa reflexão com a questão da violência é a seguinte (vou repetir): ESTUDAR É UM ATO DA GRANDE VIOLÊNCIA! Quando adultos não infantis é um ato de violência de um espírito resignado. É um ato voluntário de sofrimento, um esforço individual tremendamente difícil (mesmo que extremamente compensatório pelo resultado, pelo sentimento de poder e dominação sobre si mesmo que este ato traz consigo). E quando crianças é um ato da mais profunda violência contra os instintos primitivos próprios do estágio infância do homem que, em função do reduzido desenvolvimento intelectual (e cerebral) vive uma busca desenfreada pelo prazer sensorial.
Adultos que permanecem crianças apesar de idade geralmente não são capazes de estudar, porque estudar demanda negação dos nossos impulsos mais primitivos (negar o bar, por exemplo, negar uma vida sem disciplinada e etc.).
[CONTINUA…]
[CONTINUAÇÃO]
Para complementar o item (10): é preciso tratar de forma consequentemente a frase “A cultura eleva nosso espírito, o entretenimento, quase sempre, hipnotiza”. Não é que eu discorde dela necessariamente (apesar de que eu colocaria em debate o conceito de cultura). Eu só não diria que o entretenimento “hipnotiza”. Acho uma simplificação, uma resposta fácil para um problema difícil, portanto uma resposta insuficiente. Eu diria que ele é o caminho mais fácil, é o caminho do prazer. A arte/música/filosofia, frutos da reflexão, é o caminho da dor, da violência no sentido que eu coloquei (relacionada ao estudar e ao superar os instintos primitivos de busca pelo prazer e fuga da dor).
11) “O século XXI iniciou mostrando a todos nós que o mundo ainda convive com as guerras mais absurdas e a violência mais cruel. Essa realidade, de difícil solução, coloca a cada um de nós o desafia de enfrentar questões como a dominação, a intolerância e a injustiça.”
Camarada, primeiro, nossa geração é não inventou a guerra e a violência. E nem sei se hoje a violência é a mais cruel de todos os tempos. Nem sei se podemos medir isso. Segundo e mais importante (para além do que já foi dito sobre a questão da violência): rosas não vencem canhões.
12) “Numa sociedade em que os valores de justiça, de solidariedade e de convivência pacífico foram deixados de lado, somente o resgate pela educação [promovida pela escola burguesa?] Poderá contribuir com a construção de um mundo mais justo e de paz.”
É por isso que eu acusei o autor de bom cristão. Porque, como um bom cristão, ele parte de um conceito único de justiça e de paz. Acabou o capitalismo e agora seremos todos muito santos.
O autor, como um bom cristão, considera que o homem é espirito e não carne. E por isso nega que a violência nos é constitutiva e que imagina, em sua mente colonizada pelo cristianismo ocidental (será que o autor é da geração das CEBs?), este mundo de paz na terra semelhante a uma paz celestial, de uma felicidade solar e individual pode vir a existir.
E ainda fala em miopia no final deste parágrafo… Miopia política, ele diz. Mas quem acredita que o Estado burguês é capaz de fomentar uma escola crítica é ele…
E mais: o autor ainda fala algumas linhas depois em “desconstruir a hegemonia do pensamento ocidental”, mas ele mesmo a carrega por aí sem nem perceber. Gramsci tem muito a dizer sobre essa bizarrice.
[A MULTIDIMENSIONALIDADE DO SEE HUMANO]
13) Esse trecho é só verborragia.
Achei fofo e quase que exotérico: “O ser humano é uma realidade única e original em si mesma, fascinante e inacabada.” O homem é luz, é raio, estrela e luar, manhã de sol…
[EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL E AQUISIÇÃO DE VALORES]
14) Esta parte é a mais ok. Mas ainda assim equivocada. Até concordaria que seria possível construir algo anti-hegemonico nesses espaços não formais de educação. Acho até que SÓ é possível nesses espaços. A escola formal nunca será espaço para a crítica e a academia está morta.
Mas fica impossível concordar com o autor pois ele é claro ao colocar estes espaços não como espaços autônomos mas “complementares aos espaços escolares” formais.
No item (1) eu questionei de que escola o autor estaria falando. Se seria uma escola de ensino informal que existisse a revelia dos interesses hegemônicos. E questionei tambem por quem esses espaços seriam financiados. O autor agora explica que os espaços não formais aos quais ele se referem seriam geridos e financiados por “organizações da sociedade civil, organizações não governamentais (…)”… ONGs… Partidos…. Sociedade civil (empresariado?)… ONGs, repito. ONGs…… O autor ainda diz das potencialidades desses espaços (ONGs….) que fazem emergir “uma esperança crítica na capacidade do ser humano, orientando transformar a situação em que se encontra para possibilitar e construir transformações sociais emancipatorias”. Quanto custa ou é por quilo? Lembram desse filme? ONGs…. Tem um texto bem ruim da Evelina Dagnino que dá conta de responder por mim.
De qualquer forma, achei curioso que o autor fala em associação de bairros (que vá lá, até da pra se infiltrar e fazer algo um pouco mais reflexivo por lá) mas não fala em movimentos sociais.
Bom, confesso que cansei. O autor tem lá um conceito esquisito de liberdade que está seria bom destrinchar. Mas não irei.
17) vamos para as [CONSIDERAÇÕES FINAIS].
O autor escreve este longo texto para concluir o seguinte:
“É fundamental que na formação educativa [aquelas que ocorrem nos espaços não formais e formais de ensino, i.e. ongs e escolas burguesas] se abra para uma reflexão crítica”.
“É fundamental que os responsáveis pelas políticas públicas e desenhos curriculares, (…) os gestores (…)”.
Parece conclusão de redação do Enem escrita por um estudante do ensino médio… Mas não é. É um professor universitário (acertei?) que chora aos setores hegemônicos por um projeto de educação anti-hegemonico. A academia está mesmo muito empobrecida de ideais…
“Todos juntos vamos lá!”, cantou Xuxa Meneghel.
Segundo Liv, o meu texto é estranho, ingênuo, bizarro e inúmeros outros adjetivos nada abonatórios.
Quando seus comentários se tornam maiores do que o próprio texto que comenta, “algo está podre no reino da Dinamarca”! Levei várias semanas a escrever meu texto, mas você, em poucas horas, consegui produzir um volume de texto “notável”!!!!!
Não vou responder aos seus comentários. Eles são portadores de tantas incongruências e manifestções de arrogância, que seria lamentável de minha parte estar a desperdiçar meu precioso tempo.
Seu primeiro comentário e a resposta que dei encerram, a meu ver, o “diálogo” entre nós.
Aconselho você a organizar os seus comentários e a produzir um texto sobre educação e formação humana, que abrirá, finalmente, caminhos para a construção de um mundo melhor. A humanidade inteira ficará eternamente grata a você por essa contribuição. Quem sabe seu texto, ou talvez livro, não irá ser apreciado pela Academia Sueca atribuindo-lhe o mais que merecido Nobel? Boa sorte!
Camarada José com muitos sobrenomes, eu compreendo… Professor universitário só está mesmo acostumado bajuladores que lhe fazem a corte. Por isso repito: a academia está morta. Morreu por falta de crítica.
Eu li e comentei porque o tema me interessa grandemente. E tentei, mesmo, encontrar no teu texto algo anti-hegemonico. Não encontrei.
Quanto ao teu conselho, é intempestivo pois já até foi dado um passinho singelo de reflexão. Segue aqui um texto meu sobre educação caso te interesse (não fique aí tão ferido e magoado, tão ressentido… leia, pode te trazer ideias novas):
https://passapalavra.info/2025/03/156085/
[vale registrar que este é um site anticapitalista e não há nada de anticapitalista no texto publicado]
Obrigado pelos comentários detalhados e pertinentes, Liv. O José deve ser uma pessoa muito bem intencionada e inteligente, mas receio que, do ponto de vista da crítica anticapitalista, o texto seja uma retumbante nulidade. O autor certamente encontrará leitores mais receptivos entre universitários progressistas ou políticos tradicionais estilo PSOL e que tais. Afinal de contas, chavão abre porta grande.
As práticas pedagógicas que dão sentido à educação integral têm como fundamento uma concepção humana do indivíduo. Esse entendimento se contrapõe à forma invertida de desenvolvimento que a sociedade capitalista promove, aniquilando as potencialidades criadoras de quem está imerso em suas formas de socialização, atravessadas pelos desdobramentos da produção de mercadorias. As instituições tradicionais de ensino, sejam públicas ou privadas, não são imunes às manifestações ideológicas do capital no interior de si mesmas; tampouco são inatingíveis pela divisão social do trabalho, que determina um sistema educional dicotômico, cuja função é adequar, manual e tecnicamente, a classe trabalhadora, em face de uma educação específica, ainda que também incompleta, voldada à perpetuação da burguesia e de seus prepostos nas funções de comando e gestão desta sociedade. A superação dessa educação instrumental, que vitima os trabalhadores e seus filhos, bem como a reparação das incompletudes de uma vida socialmente organizada sob a égide do capital, exige dos Institutos Federais de Educação Científica e Tecnológica condições adequadas para uma práxis revolucionária, assentada no trabalho não alienado enquanto princípio da edificação de uma escola unitária, germe de uma sociedade emancipada, capaz de inaugurar a verdadeira história da humanidade. Esse projeto educacional politécnico, omnilateral (em vez de unilateral), transformador das relações sociais, deve transcender os limites impostos pela “disciplinarização” fragmentadora do ser, privilegiando um currículo íntegro, transdisciplinar, instrumento para a construção dialógica e multidimensional de novos sujeitos, bem desenvolvidos nos aspectos científicos, culturais, artísticos, emocionais e físico-desportivos.