Por Arthur Moura
O fenômeno Jones está atrelado à lógica da mercadoria e da forma-influenciador. Trata-se de um padrão de comunicação comum entre as mais variadas vertentes políticas. O influenciador se apresenta como professor popular, mas no mesmo gesto se converte em celebridade digital, dependente de likes, engajamento, monetização e patrocínios indiretos. A didática que poderia ser força de esclarecimento reproduz uma performance controlada pelo algoritmo, obediente às normas da plataforma. Sua figura pública opera, portanto, como um dispositivo de gestão ideológica: ao mesmo tempo em que denuncia o fascismo, reforça a legitimidade da democracia burguesa; ao mesmo tempo em que invoca Marx, recusa a radicalidade da luta de classes em nome de um horizonte eleitoral. A sua presença midiática é, assim, mais importante para conter do que para radicalizar. Jones, portanto, ocupa o papel didático de convencer novas multidões a apostar no velho e carcomido modelo democrático representativo, centrado na figura da liderança, daquele que condensa o anseio geral, transformando a política em chancela para o modelo burocrático-institucional.
A própria forma do discurso de Jones evidencia essa contradição. Ele transforma a teoria revolucionária em produto comunicacional, esvaziando seu caráter ontológico e estratégico. Trata-se, em última instância, de um processo de vulgarização do marxismo, travestido de popularização. A vulgarização é o processo pelo qual uma teoria crítica, densa e inseparável da prática revolucionária é reduzida a fórmulas simples, slogans ou fragmentos de fácil assimilação, de modo a torná-la consumível dentro da lógica dominante. No caso do marxismo, isso ocorre quando categorias como luta de classes, exploração, mais-valia ou revolução deixam de ser conceitos que desvelam a totalidade da sociabilidade capitalista para se converter em palavras de ordem, analogias escolares ou “pílulas de conteúdo” ajustadas ao tempo de atenção das redes. Isso não é feito simplesmente para “tornar acessível” — o que pode ser tarefa legítima —, mas transformar uma teoria da emancipação em objeto de circulação mercantil, infantilizando o debate ao passo que se consuma como possível saída à política burguesa.
O marxismo, que nasceu para orientar a destruição do capitalismo, é desarmado e embalado como produto de ensino, como espetáculo pedagógico, como marca de identidade cultural. Isso é vulgarização: retirar a profundidade ontológica e o caráter estratégico da teoria para convertê-la em mercadoria simbólica. Adorno já denunciava que a indústria cultural reduz a obra de arte à sua função de distração; aqui, a forma-influenciador faz o mesmo com o marxismo, reduzindo-o a ferramenta de engajamento e lucro. A vulgarização é, portanto, a domesticação da crítica. Ela não é inocente: cumpre a função de neutralizar a radicalidade revolucionária, fazendo com que o marxismo pareça estar vivo, quando na verdade já foi convertido em conteúdo digerível, seguro e integrado à ordem capitalista.

O lugar político que ele ocupa se revela sobretudo na relação com o progressismo. Jones, apesar de falar mal, funciona como legitimador cultural e acadêmico daquilo que o PT e a esquerda institucional representam: a administração da ordem. Vale dizer que o ataque à extrema-direita é cínico. É a crítica que nunca transborda, que nunca aponta para a ruptura efetiva. O que ele oferece ao público é a sensação de radicalidade, mas sempre contida dentro do quadro do possível burguês. Isso explica por que ele é convidado para grandes veículos, entrevistas na grande imprensa, participações em programas de alcance nacional: sua presença é a do “marxista domesticado”, controlado pelo aparato de mídia que o impulsiona. A forma-influenciador agrava essa contradição. Ao se projetar como figura pública, Jones depende estruturalmente das mesmas engrenagens que critica: a monetização das plataformas, a lógica do espetáculo, a cultura de engajamento e aos acordos com fascistas. Ele encarna a contradição denunciada por Adorno e Debord: o crítico que, ao entrar no espetáculo, passa a ser peça dele. O sujeito que fala em revolução de dentro do palco do capital digital acaba inevitavelmente neutralizado. O capital absorve sua crítica e a converte em mercadoria simbólica, gerando seguidores, views, financiamento e capital simbólico, além de prestígio que se converte em poder financeiro (geralmente concentrado).
Essa função é ainda mais clara quando olhamos para o público que o segue. Muitos enxergam em Jones a porta de entrada para o marxismo. Mas o que encontram não é o marxismo enquanto teoria da revolução, mas o marxismo convertido em linguagem de curso online, palestra de YouTube e roteiro de comunicação. Isso produz uma base de jovens militantes formados não na práxis revolucionária, mas na lógica do consumo cultural. A consequência é a repetição de chavões, a dependência da figura de autoridade e a reprodução de uma militância sem organização real. Em lugar de partido revolucionário ou de conselhos proletários, forma-se uma comunidade de espectadores. Marx, Rosa Luxemburgo e Lukács não escreviam para entreter, mas para organizar e transformar. A pedagogia de Jones, por mais que pareça acessível, é pedagogia sem prática revolucionária, pedagogia que educa para a cidadania burguesa e para o horizonte eleitoral. É o marxismo desarmado, seguro, domesticado que funciona como mais uma porta para a dominação. E isso explica sua penetração em setores médios, universitários, professores e estudantes: ele oferece a estes uma forma de aderir ao marxismo sem precisar romper com o mundo em que vivem. A crítica marxista a essa figura não deve se limitar ao moralismo individual. Não se trata de apontar o dedo para Jones como indivíduo, mas de compreender o lugar social que ele ocupa: o lugar de gestor da crítica, mediador entre a radicalidade histórica do marxismo e a necessidade do capital de neutralizar essa radicalidade convertendo a crítica em instrumento de contenção.
Jones Manoel é, assim, menos um desvio pessoal e mais uma expressão de época. Ele encarna a necessidade do progressismo de renovar sua base simbólica, de falar a linguagem da juventude, de parecer radical sem jamais ultrapassar os limites da ordem. Ele é a versão digitalizada da social-democracia: um intelectual orgânico do reformismo, embalado em estética jovem e radical. A tarefa, então, é dupla: desmontar a forma-influenciador como limite estrutural da crítica e, ao mesmo tempo, recolocar o marxismo em seu terreno original — o da luta de classes, da organização proletária, da revolução.

A publicação deste artigo foi dividida em 7 partes, com publicação semanal:
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As artes que ilustram o texto são da autoria de Aleksandr Deyneka (1899-1969).






Los hombres de los sin nombre
https://m.youtube.com/watch?v=OWHrUzFihTM
☆ A genuína radicalidade do cinema a serviço da Revolução. Se não tem cinema, não pode ser a nossa Revolução.
Clemente! Presente!
Artigo de 7 partes sobre o cara, não deixa de ser uma homenagem pesada pro Jones no PP.
Jones tem uma audiência imensa no youtube.
interessante a proposta do autor de desconstituí-lo e colocá-lo sob lupa.
Se não no PP, onde?