Por Manoel Nascimento
(Preservei os nomes para não “fulanizar” o debate)
Uma companheira relata como recusou pegar Uber que tinha o vidro traseiro coberto por adesivo perfurado com propaganda do dito cujo. Nos comentários, outra pessoa diz como uma van escolar com adesivo do capiroto teve de retirar o adesivo para não perder clientes. Quanto a isso, digo coisa semelhante ao que falei há alguns dias acerca da cobrança de posicionamento de artistas. A figura vai lá, tira o perfurado, tira o adesivo e… segue com o mesmo voto. Pior: ainda mais enraivecido porque “não pode nem mesmo dizer em quem vota” (ouvi isso de motorista de Uber que se viu “forçado” a fazer a mesma coisa). E a eficácia estética do protesto não resulta em qualquer eficácia política. O problema é mais embaixo do que isso.
Outra companheira relata, incomodada, como a força política da campanha das mulheres contra o inimigo, em especial a campanha #elenão, tem gerado tensões em meio à esquerda. A própria semântica coloca o nome da campanha como a negação a um candidato, abrindo portanto a todo mundo que rejeite sua candidatura, independente de quem seja sua candidatura escolhida. Como trata-se de uma campanha de rejeição, não de uma campanha de transferência de votos de um para outro, dentro da “frente única feminista antifascista” gente que defende tais ou quais candidaturas critica a campanha pelo fato de “não ser propositiva” — ou seja, por não orientar voto em A, B ou C. Confundem frentes conjunturais com alianças programáticas — ou querem induzir a esta confusão, para capitalizar com ela.
Ainda outro companheiro relata, muito honesta e sinceramente, por que, sendo anarquista, resolveu votar num candidato. Não fez qualquer justificativa “ideológica”. (Nem precisaria, a meu ver.) Fez, entretanto, uma longuíssima (para padrões de Facebook) justificativa de voto em torno da sobrevivência da empresa pública onde trabalha, reforçada por relatos da miséria no “Brasil profundo” (não foi a expressão que usou, mas o sentido era parecido com o desta expressão deplorável).
Disto tiro algumas conclusões.
Primeira: há, ainda, enorme dificuldade em meio aos trabalhadores mais qualificados que defendem candidaturas de esquerda para retomar pontes de diálogo com os setores mais precarizados e de menor renda da própria classe trabalhadora. A visão dos mais qualificados acerca dos mais precarizados ainda é ou caritativa, ou pietista, ou elitista. Nisto, ainda vencem os capitalistas, pois a separação destes setores da classe trabalhadora por meio da renda (e portanto dos padrões de consumo) não foi suficientemente problematizada. Não foi suficientemente politizada. Não fundamenta movimentos de transformação.
Segunda: as grandes metrópoles são também atravessadas por desigualdades sociais profundas, mas a clivagem entre os mais desprivilegiados nas cidades e os misérrimos do campo, da floresta, da caatinga, do cerrado, do pantanal etc. ainda choca os trabalhadores mais qualificados. Está aí o potencial para politizar a clivagem. Para fazer do espanto algo mais que simples compaixão. Ativar potências. Criar lutas em solidariedade.
Terceira: por muitas razões, nenhuma das alternativas postas no campo eleitoral problematizará as questões que levantei. Ilude-se quem pensa o contrário. Sequer para fazer as pontes necessárias entre estes distintos setores da classe trabalhadora os partidos atualmente existentes servem mais, pois a quantidade de intermediários, burocratas, instâncias internas etc. é tão grande que pouco podem fazer a respeito. Ainda mais quando o que pauta o programa de literalmente todas as candidaturas é a saída do ciclo recessivo, é o impulsionamento da retomada econômica, é a retomada do crescimento econômico. (Não se iludam com a cortina de fumaça das pautas identitárias; o que está em pauta onde as coisas são realmente decididas é isso. O resto é para chamar voto.)
Em suma: vote em quem quiser, mas saiba que o desafio central é este, só este, e nenhum outro. “Esquerda” que não cria as pontes necessárias para fortalecer as relações entre setores distintos da classe trabalhadora, que não problematiza o que os “separa”, que não politiza a questão, faz o trabalho dos capitalistas, sejam eles “de esquerda” ou “de direita”.
o que há de deplorável na expressão “Brasil profundo”?
“Mais desprivilegiados” seria o mesmo que “menos privilegiados”? Quais seriam então os desprivilégios, ou os privilégios, a que se refere o autor? E “DISTINTOS” setores da “CLASSE” trabalhadora, o que significa?