Por João Bernardo
Em pleno século XXI uma potência nuclear iniciou uma guerra de conquista e anexação de territórios contra um país vizinho, sem falar na pilhagem de bens, colocando-nos perante algo que julgávamos definitivamente ultrapassado. Desde a época napoleónica que não havia na Europa guerras de conquista. Mesmo a permanente agitação militar em África tem consistido em guerras civis e, nos casos da Eritreia e do Sudão do Sul, em guerras de secessão, mas nunca de conquista. E as desastradas e desastrosas guerras prosseguidas pelos Estados Unidos contra o Iraque e o Afeganistão destinaram-se a alterar regimes políticos e não a conquistar territórios nem integrar populações.
Perante aquele facto extraordinário, que está a suscitar repercussões políticas e económicas mundiais, o que faz uma porção considerável da esquerda, ou do que dela resta e ainda usa esse nome? Absolve ou, mais hipocritamente, atenua a responsabilidade do regime russo, com o argumento de que, com esta guerra, ele se oporia a um conjunto de potências ainda mais forte e agressivo. A falácia não é ocasional nem ingénua. Vejamos-lhe o pedigree.
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Os argumentos que hoje se invocam para defender Putin foram formulados pela primeira vez na década inicial do século passado, simultaneamente em dois lados opostos do globo, num movimento que, em comum, haveria de gerar o fascismo. «Há nações que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras, tal como há classes que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras classes. A Itália é uma nação proletária», escreveu Enrico Corradini em Outubro de 1910. «A Itália é a proletária do mundo». Já num livro publicado quatro anos antes o japonês Kita Ikki defendera que a guerra do seu país contra a Rússia «não fora travada para satisfazer as ambições dos militares nem o desejo de lucro dos capitalistas, mas fora na verdade travada para o […] espírito do povo», concluindo, coerentemente, que seria necessário promover o imperialismo nipónico através de uma estratégia que estimulasse a agitação contra o colonialismo ocidental na Ásia. A nação proletária é o mito fundador do fascismo, que desde a sua origem o usa como justificação. Assim como o proletariado pretendia emancipar-se economicamente, também a nação proletária se iria emancipar, e depois da primeira guerra mundial este mito serviu ao fascismo de álibi para as aventuras bélicas.
As potências vencedoras em Novembro de 1918, especialmente o Reino Unido e a França, usaram o tratado de Versailles para impor à Alemanha uma considerável restrição de soberania e, ao mesmo tempo, onerá-la com o pagamento regular de colossais reparações de guerra. A grande maioria daqueles alemães que levaram Hitler ao poder pretendia acima de tudo ver-se livre do tratado de Versailles, e era este um dos principais temas da propaganda nacional-socialista. O tratado de Versailles e o tratado de Saint-Germain haviam servido igualmente para proibir a unificação das duas nações germânicas, a Alemanha e a Áustria. Ora, o apoio que os seguidores de Hitler encontraram na Áustria, e que finalmente permitiu o Anschluss, ou seja, a unificação dos dois países num só Reich, mostrou a força da oposição popular às exigências dos vencedores de 1918. Se a Alemanha e a Áustria haviam sido relegadas à condição de nações proletárias, o Führer prometia que elas deixariam de o ser.
Entretanto, no outro lado do mundo o Japão mobilizara-se na primeira guerra mundial ao lado da Entente com o objectivo de ampliar a sua influência nas ilhas do Pacífico e obter a hegemonia política e económica sobre a China republicana, mas estas esperanças ficaram frustradas. Dois anos depois de a conferência de Versailles ter satisfeito as pretensões territoriais nipónicas, a Grã-Bretanha cedeu às pressões norte-americanas e pôs termo à sua aliança com o Japão. Com efeito, o manifest destiny, o destino manifesto que levara os colonizadores anglo-saxónicos a expandir-se da costa atlântica dos Estados Unidos até à costa pacífica, dizimando os nativos ou confinando-os em reservas, levara-os depois a progredir pelo Oceano Pacífico, a forçar a abertura do Japão ao comércio, a colonizar as Filipinas, e em 1928 os Estados Unidos mantinham na China cerca de cinco mil e duzentos militares, mais de metade dos que o Japão estacionara na Manchúria. Era esta a base real evocada pela versão anti-imperialista do expansionismo nipónico. Contra a hegemónica nação plutocrática iria erguer-se uma nação proletária. E assim, quando o fascismo imperial japonês delineou a Grande Esfera da Co-Prosperidade, que levou ao confronto militar com os Estados Unidos e as potências coloniais europeias no Pacífico, ele contou com o apoio não só de uma parte substancial da população nipónica, mas ainda de uma parte significativa dos povos colonizados pelos europeus e pelos norte-americanos, para quem a invasão japonesa não seria uma invasão, mas uma libertação. Um colonialismo anticolonialista não é menos paradoxal do que uma nação proletária.
Se aplicarmos àquela época os critérios que levam hoje tanta gente de esquerda a encontrar justificações para a agressividade bélica manifestada por Putin, ou mesmo a aplaudi-la, então essa esquerda deveria igualmente festejar Hitler e o Anschluss, assim como deveria enaltecer a expansão imperial nipónica no Pacífico. Tanto o Führer no Reich como o fascismo militar no Japão ou, mais modestamente, o Duce no Mediterrâneo cobriam o seu imperialismo com um discurso anti-imperialista. A segunda guerra mundial era apresentada pelos fascismos como um combate das nações proletárias contra as nações plutocráticas, exactamente o que fazem hoje todos os que, de uma ou outra maneira, justificam a invasão russa da Ucrânia.
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Se, como tenho defendido, o fascismo resulta do cruzamento ou da convergência dos ecos sociais da esquerda no interior da direita e dos ecos nacionalistas da direita no interior da esquerda, então assistimos agora a um novo fôlego do fascismo, quando vemos uma esquerda a apoiar o regime de Putin e este regime a amparar-se também nessa esquerda. Mas a facilidade com que a convergência se operou indica que o terreno estava já formado pelos grandes temas do pós-modernismo — a ecologia e os identitarismos.
Aliás, a convergência entre direita e esquerda na renovação do fascismo atingira um novo patamar com as reivindicações populistas formuladas por ambas essas franjas políticas em movimentos sociais recentes e culminou nos anos da pandemia com a oposição às vacinas e às medidas sanitárias. Como tratei desta questão num dos capítulos do ensaio São Marx, rogai por nós, posso passar adiante.
Agora, no entanto, a degradação fascista dessa esquerda desceu mais baixo porque, ao apoiar Putin, ela abdicou do sentido imediato de equidade que inspirara e servia de justificação fundamental a toda a esquerda. Se os artifícios e jogos de palavras conferiram à dialéctica uma péssima reputação, ela piora quando o agressor é apresentado como um agredido e o invasor é transformado em vítima. A tragédia do nacionalismo consiste em provocar um círculo vicioso, e o nacionalismo do agressor estimula o nacionalismo do agredido, que por sua vez reforça o do agressor e assim sucessivamente. Mas a esquerda putinesca, quando denuncia o funesto recrudescimento do nacionalismo na Ucrânia, omite que ele é suscitado e incentivado pelo imperialismo russo.
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Nessa esquerda formaram-se dois grandes campos.
Há quem se oriente para reflexões de carácter geopolítico, assumindo como factos consumados as declarações e os discursos públicos de um dos lados, para legitimar os factos bélicos reais do outro lado. Parecem alegações de advogados em recursos para os tribunais superiores e são, tal como elas, fastidiosas e vazias. Espremidos ao essencial, esses argumentos resumem-se ao perigo que sofreria a Rússia se a NATO se aproximasse das suas fronteiras, quando precisamente a invasão da Ucrânia fez a Rússia precipitar-se para as fronteiras da NATO, e fê-lo duplamente, porque levou dois países tradicionalmente neutrais, a Suécia e a Finlândia, a pedirem o ingresso urgente na NATO. O pretexto de que a conquista da Ucrânia se destinaria a impedir a NATO de ampliar-se àquele país cai pela base quando verificamos que a guerra multiplicará muito a extensão da fronteira da NATO com a Rússia. Quem acredita numa justificação assim é capaz de acreditar em tudo. Quando escrevi Fascismo ou estupidez? não pensava que a estupidez chegasse a este ponto. Uma esquerda que deixou de olhar para os factos e esgrime com palavras resume-se à impotência. É uma esquerda em colapso.
Mas existe também uma esquerda moralista — aliás, sempre existiu — uma espécie de religião laica apegada a palavras de ordem surgidas noutros contextos. Fala-se de deserção, mas pôde haver uma deserção em massa na primeira guerra mundial porque ocorria em ambos os lados e foi propiciada pelas revoltas nas trincheiras e nas forças navais. Tratava-se então de um confronto entre imperialismos simétricos, e já as características da segunda guerra mundial foram muito diferentes, porque ao conflito entre potências sobrepunha-se o combate contra o fascismo e o racismo nacional-socialista. Por isso, em vez da deserção, desenvolveram-se movimentos de resistência em que o aspecto político e o militar se confundiram. Sem dúvida o nacionalismo inspirou originariamente esses movimentos, porque todo o nacionalismo de um lado suscita nacionalismo do outro. Mas em alguns países, como a França, foi a requisição de trabalho forçado para laborar nas fábricas do Reich que converteu a resistência num movimento de massas, juntando assim uma vertente de classe aos aspectos ideológicos e militares, e então os efeitos da resistência ultrapassaram os limites nacionalistas. Outro caso dessa tripla sobreposição ocorreu nas guerras coloniais portuguesas de 1961 até 1974. A deserção, cada ano mais numerosa, convergiu com a emigração clandestina massiva para trabalhar nos países europeus mais desenvolvidos, a ponto de ambos estes movimentos se confundirem, o que não impediu alguns desertores de irem oferecer os seus serviços aos exércitos de guerrilha anticolonialistas. É que não eram simétricos os campos em luta, como o haviam sido na primeira guerra mundial. Cada guerra, surgida em circunstâncias económicas e sociais específicas, suscitou diferentes reacções. Quando aparece agora uma esquerda a repetir palavras de ordem de há mais de cem anos, nada podia demonstrar melhor o seu carácter obsoleto.
Para cúmulo do sarcasmo, ambos estes campos, o da esquerda geopolítica e o da esquerda moralista, juntam-se quando agitam a bandeira da paz para reivindicar que os outros países deixem de apoiar a Ucrânia com armas e demais material bélico. Sem dúvida, no momento em que o atacado não tiver meios para se defender, a paz reinará. O czar Nicolau I proclamou o mesmo quando abafou em sangue a revolta dos polacos contra o domínio russo. «A paz reina em Varsóvia», disse ele, e a esquerda dessa época respondeu-lhe que se tratava de uma «paz dos cemitérios». Mas hoje é esta paz dos cemitérios que a esquerda putinesca reivindica.
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Fica assim marcado um antes e um depois. Da nossa parte, da parte daqueles para quem as palavras revolucionário e anticapitalista ainda têm algum sentido, não há nem haverá diálogo, não só agora, mas nunca, com os defensores desta agressão e desta invasão.
A guerra na Ucrânia provocou muitos mortos e há-de provocar muitíssimos mais. Nesta soma de catástrofes, a clivagem entre o antes e o depois é outra morte, a da esquerda que encontra justificações para Putin e assim se suicidou enquanto esquerda.
A fotografia em destaque é de Vasiliy Zhlobsky, a outra é de Oleg Petrasyuk.
Then we need to return to the question: What is the “left”? Today in Russia, the stalinists are much more rooted in the working class than the trotskyists, maoists, democratic socialists and others, who, as a rule, exist separately from the workers. A significant part of the politicized workers activists are stalinists. However, it is the stalinists who in the majority support the entry of the Russian army into Ukraine. At the same time, they are communists, anti-fascists and enemies of the Putin regime as such. How can we not have a dialogue with them?
Tradução do Passa Palavra
É necessário, então, regressar à questão: O que é a “esquerda”? Hoje na Rússia, os stalinistas estão muito mais enraizados na classe trabalhadora do que os trotskistas, maoístas, socialistas democráticos e outros, que, via de regra, estão separados dos trabalhadores. Uma parte significativa dos ativistas operários politizados é composta por stalinistas. E, no entanto, são os stalinistas quem, em sua maioria, apoia a entrada do exército russo na Ucrânia. Ao mesmo tempo, eles são comunistas, antifascistas e inimigos do regime de Putin enquanto tal. Como podemos não dialogar com eles?
Workers’ Politics,
O vosso argumento parece lógico, não é? E, no entanto…
No entanto, seguindo o mesmo critério, em Itália os socialistas de esquerda e os comunistas procuraram manter o diálogo com os sindicalistas revolucionários, apesar de eles serem uma das três correntes geradoras do fascismo. Os comunistas pensavam que poderiam usar os radicais de Fiume contra os moderados de Mussolini, e com esta esperança Gramsci deslocou-se a Gardone na Primavera de 1921 para tentar obter a colaboração de D’Annunzio. De tudo isto, nada resultou para a esquerda comunista, só o fascismo se fortaleceu. Entretanto, na Alemanha, Laufenberg e Wolffheim, que se haviam situado na ala esquerda do Partido Comunista e participaram na cisão que fundou o KAPD, frequentavam regularmente os oficiais do exército derrotado e os representantes políticos do nacionalismo racista, procurando convencê-los a seguirem a extrema-esquerda na luta contra o tratado de Versailles. Não foi um episódio marginal, porque em Junho de 1923 Karl Radek consagrou oficialmente essa orientação ao proferir, perante o comité executivo do Komintern, o discurso do «viajante do nada», em que incitou os corpos francos e as organizações fascistas a darem um sentido social positivo às aspirações nacionalistas, apoiando-se na classe operária em vez de se colocarem ao serviço dos grandes capitalistas e abandonando a hostilidade à União Soviética para enfrentarem exclusivamente o imperialismo ocidental. A tentativa de convocar o nacional ao serviço do social prosseguiu na primeira metade desse ano, quando destacados dirigentes do Partido Comunista Alemão, como Hermann Remmele e Ruth Fischer, foram discursar em comícios organizados pelo partido nazi, ao mesmo tempo que o Partido Comunista convidava oradores nazis para intervirem nas suas reuniões, até que em Agosto de 1923 a direcção do partido nazi pôs termo a esta confraternização. Moderou-a, mas não a impediu, porque as aspirações dos comunistas alemães permaneciam as mesmas. Ainda em 3 de Novembro de 1932 os comunistas iniciaram em Berlim, em oposição aos sindicatos social-democratas, uma greve dos transportes públicos que mobilizou mais de vinte mil trabalhadores e contou com a colaboração activa dos nacionais-socialistas, organizando os dois partidos piquetes comuns. Faltavam já menos de três meses para Hitler ser nomeado chanceler. A tentativa de reforçar o social com o nacional resultou, afinal, na consolidação do nacional-socialismo. E agora? Há pouco Primo Jonas publicou aqui o artigo O Fascismo no Partido Comunista da Federação Russa e já há mais de vinte anos Stephen D. Shenfield (Russian Fascism. Traditions, Tendencies, Movements, Armonk, Nova Iorque e Londres: M. E. Sharpe, 2001, págs. 51, 53 e 59) hesitara em considerar se esse partido seria fascista ou só se aproximaria do fascismo. Creio que entretanto a dúvida se esclareceu.
Mas, meus caros, se as lições da história nos ensinam alguma coisa, é que nunca ninguém aprendeu nada com elas.
É pra cortar relações? Parar de falar? Dar um gelo? Sair dos lugares onde essa galera tá? Cancelar? Se é isso, sou contra.
É pra não fazer nada de apoio a Rússia com essa galera? Pra mostrar que tão vacilando nisso aí, mas que rola diálogo em outras pautas ( fora Bolsonaro)? Se é isso, rola sim, e tá rolando.
O Passa Palavra recorda aos leitores que, tal como anunciamos, não são publicados comentários pessoalmente insultuosos.
Aline,
Tanto no artigo como nos exemplos que evoquei no meu comentário referi-me exclusivamente ao plano político, em que o diálogo resultou numa convergência táctica e até organizacional.
É certo que no campo político ocorrem com frequência circunstâncias em que, independentemente da vontade ou das decisões de cada um dos intervenientes, são criadas situações de convergência. Trata-se então de não conferir a essas situações episódicas um carácter duradouro, não as transformando em alianças formais e muito menos em relações entre organizações.
Nada disto diz respeito ao plano pessoal, pelo menos directamente.
João Bernardo,
The method of analogy is not the best method for analyzing historical situations. Using this method, it is possible to declare anyone a “fascist”, for example, Napoleon I and Napoleon III, Russian emperor Nicholas II, Stalin and even Khrushchev with Brezhnev. The concept of “fascism” loses its meaning. Specific analysis for specific situations is needed. Putin is the head of an authoritarian bourgeois regime, but he is not a fascist. For more than 20 years of Putin’s rule, not a single socialist or communist organization, not a single independent trade union has been banned in Russia (more precisely, once the one trade union was banned, but soon this ban was lifted). Communists (of all denominations) are not persecuted for their communist activities as such. Was this the case under Hitler, Mussolini or Pinochet? Moreover, the “Communist Party of the Russian Federation (KPRF)” cannot be called fascist. It is wrong to draw conclusions about the essence of the Communist Party only on the basis of Zyuganov’s 1996 article. Yes, many members of the Communist Party dream of the revival of the USSR as a “great power”, but this is a stalinist, not a fascist tradition. But stalinism and fascism are not the same thing. The Zyuganov bureaucracy is forced to adapt to the Putin regime in order to stay in “realpolitik”, but this does not mean that Zyuganov is a Putin supporter, much less a fascist. There are many convinced communists in the Communist Party of the Russian Federation who sincerely hate the regime of the oligarchs. In addition to the Communist Party of the Russian Federation, there are other smaller stalinist parties in Russia. They, unlike the Zyuganovites, do not compromise with the ruling regime, but have supported Putin’s policies in Ukraine to varying degrees. Why? Mainly because they consider the ruling regime in Ukraine to be fascist (repressions against the communists, etc.). Some of them (for example, the Workers’ Party of Russia) have their own organizations in the DNR and LNR. We can not simplify the situation by painting it only in white and black.
Workers’ Politics,
Não se trata de analogias, mas de história comparada, que é, na minha opinião, o único método historiográfico correcto. Empregar contra a história comparada o velho dictum de Lenin sobre as análises concretas é condenar-se a não entender nem a especificidade nem a situação geral.
Notem que os exemplos que mencionei não dizem respeito ao fascismo já constituído, mas ao processo da sua constituição, que em todos os casos, sem excepção, decorre de um cruzamento ou uma convergência entre a esquerda social e a direita nacional. Eu escrevi vários milhares de páginas sobre o fascismo, incluindo as questões a que aludem no vosso comentário, mas não creio que numa simples intervenção tenha possibilidade de expor o que penso sobre o assunto.
De qualquer modo, a questão imediata é a guerra na Ucrânia, e quando as contradições chegam a esse grau de acuidade, as respostas práticas ficam muito simples — um antes e um depois.
um problema de método: a worker’s politic afirma não ser legítimo proceder a “analogias” históricas para classificar o putinismo como fascismo – para no momento seguinte realizar uma analogia expiatória entre putin e o fascismo.
The most pressing issue still remains the class struggle between the bourgeoisie and the proletariat, which determines the fate of the world. Wars between capitalists end sooner or later, but the workers remain. And they continue to work for the capitalists, whether for those who won the war or those who were defeated in it. And always in new conditions. Therefore, there are no simple answers.
No caso da invasão do exército de Putin na Ucrânia, não existem resposta mais simples do ponto de vista da emancipação da classe trabalhadora.
Não há nada mais simples do que se opor à barbárie quando ela está diante dos olhos de todos.
Leo V,
What is obvious to you is not necessarily obvious to others. The working class of Russia is not directly involved in the war. For him, the war in Ukraine is still something very distant. And barbarism for him is the shelling of peaceful quarters of Donetsk by the Ukrainian army. What “simple” solution can you suggest to “emancipate” the Russian working class?
Para mim a classe trabalhadora não tem nacionalidade. A emancipação não é da classe trabalhador de um país.
Mas a questão colocada é: uma invasão que fomenta nacionalismo em meio a classe trabalhadora dos dois países, que mata milhares de trabalhadores, traumatiza outros milhares e destroi as vidas de milhões. Quando a isso, não é nada complexo se colocar efetivamente contra essa invasão. Pelo contrário, é algo básico e bastante simples tanto do ponto de vista estratégico quanto do ponto de vista de princípios para quem possui perspectiva socialista, abaixo e à esquerda.
João Bernardo,
por que você não considera a 2a guerra mundial como uma guerra de conquistas? Você poderia me explicar um pouco melhor ou dar mais referências sobre este conceito?
Lucas,
Não entendo o que o levou a formular essa pergunta. Em lugar nenhum eu disse que a segunda guerra mundial não foi, do lado fascista, uma guerra de conquista. Pelo contrário, chamei a atenção para os desejos de afirmação do Duce no Mediterrâneo, para a expansão iniciada pelo Führer com o Anschluss e para o objectivo táctico imediato do fascismo japonês, que era a Grande Esfera da Co-Prosperidade. O fulcro da minha argumentação é que, assim como muita gente considerada de esquerda aclama hoje como anti-imperialista a hostilidade do imperialismo de Putin contra o imperialismo norte-americano, também deveriam logicamente aplaudir, na segunda guerra mundial, o imperialismo das nações proletárias contra as nações plutocráticas.
João, tive a mesma impressão que o Lucas devido a está passagem: “Desde a época napoleónica que não havia na Europa guerras de conquista”. Isso dá a impressão que nenhuma guerra do século XX teria sido de conquista. Abc.
Irado,
«Desde a época napoleónica que não havia na Europa guerras de conquista». «Na Europa» é na Europa. As conquistas decididas por Hitler visavam exclusivamente o Leste, os sub-homens eslavos, considerados não-europeus, excluídos da Europa. A Ocidente e a Norte do Reich (a França, a Bélgica, os Países Baixos, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia) não se tratava de conquista mas de ocupação militar e colaboração política. Mussolini procurou expandir-se no sul do Mediterrâneo, ou seja, em África. E a Grande Esfera da Co-Prosperidade, que constituía o objectivo estratégico imediato do fascismo nipónico, situava-se no Oceano Pacífico.
Com a invasão da Ucrânia, Putin ressuscitou um tipo de guerra que considerávamos arcaica. Vale a pena pensar nisto, e parece-me que estamos ainda longe de entender todas as consequências.
Acho que a “paz de cemitérios” no caso de um confronto entre interesses capitalistas é uma excelente opção. Não vi nenhuma posição de classe neste texto. Nesta “paz de cemitérios” as únicas vítimas são as ilusões.
Por que seria paz de cemitérios? Vamos velar as ilusões perdidas? Se a classe trabalhadora nada ganha com esta guerra não há paz de cemitérios, apenas paz.