Por Fagner Enrique

Se existem pessoas que pensam conforme o título acima, estas são Lula e a cúpula lulista do PT — mas existirá uma outra?

Sejamos francos. A única vitória possível para Lula e o PT hoje — e a única que eles, com a colaboração entusiástica ou amedrontada da quase totalidade das esquerdas, conseguiram lograr — é a de manter sua hegemonia quase completa sobre elas (o quase completo já basta). Nesse ponto, estão de parabéns: o sucesso é evidente.

A única preocupação de Lula é manter o controle do PT, mesmo que preso, e ao mesmo tempo garantir que o PT mantenha o controle sobre as esquerdas. Todo o presente processo eleitoral girou em torno exatamente disso.

Praticamente todos os que — num longo processo remontando ao início do primeiro governo Lula ou mesmo antes — buscaram construir uma alternativa eleitoral ou mesmo apartidária a Lula e ao PT, pressionados agora pela ascensão do fascismo e pela cada vez mais clara vitória de Bolsonaro, acabaram sendo puxados de volta para o campo do lulismo ou do apoio ao lulismo (ainda que “crítico”, segundo a lógica do “mal menor”), colocando-se diretamente na mira, diga-se de passagem, do antilulismo impulsionado pela candidatura de Bolsonaro, o que, por sua vez, dificulta sobremaneira a formação de uma nova e viável esquerda autônoma e anticapitalista.

Resta agora saber se as esquerdas serão capazes de resistir ao terrorismo de Estado e/ou ao terror da turba fascista em cólera, que a vitória de Bolsonaro já foi capaz de desencadear — num mero vislumbre do que está por vir — no pós-primeiro turno.

Comecemos relembrando o caso do PSOL, a mais robusta ameaça eleitoral — à extrema-esquerda — a Lula e ao PT antes das eleições: com a intervenção de Tarso Genro, Freixo e Ivan Valente, o PSOL lançou a candidatura mais lulista que podia lançar, a de Guilherme Boulos, o que contribuiu para dois processos simultâneos: rachar o partido e enfraquecer seus militantes mais críticos aos lulismo, de um lado, e reposicionar o partido no campo do lulismo, trazendo ainda consigo o PCB pós-“reconstrução revolucionária”, de outro. Antes duas alternativas ao PT e a Lula, o PSOL e o PCB são agora apenas mais dois elos em sua corrente.

Se esse reposicionamento já estava claro antes do primeiro turno, no caso do PSOL e do PCB, o PSTU parece ter, por outro lado, julgado necessário demonstrar primeiro ter ao menos tentado. Pouco importa, porque, conforme o próprio partido, “contra Bolsonaro votamos 13”.

A outra ameaça — ainda mais robusta, pois de centro-esquerda — à hegemonia lulista no PT e à hegemonia petista no campo das esquerdas — estamos falando de Ciro Gomes — deu mais trabalho para ser neutralizada: Lula teve que sabotar as conversações entre Ciro e Jacques Wagner (este último, diga-se de passagem, ainda pensa que o PT devia ter apoiado Ciro); teve que minar uma aproximação entre Ciro e o PCdoB, oferecendo a Manuela D’Ávila o posto de vice do seu vice, em caso de um (99% certo) impedimento de sua candidatura à presidência (segundo Ciro, além da oferta da vice-presidência, o PT teria feito uma chantagem com o PCdoB); e então foi a vez do PSB: para isso, foi necessário sacrificar a candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco em prol do não apoio do PSB a Ciro, a ponto de deixá-la sem saber como explicar o ocorrido a seus eleitores e, ao mesmo tempo, mantendo-a fielmente atrelada à estrutura partidária, sem a qual o indivíduo não é nada (do que a própria trajetória de Ciro, desprovido de uma estrutura partidária de peso e derrotado em três eleições presidenciais, é uma prova).

Depois do tapa foi a vez de estender a mão, para um — esperava-se — domesticado Ciro, mas o PT agora percebe que Ciro e seu partido não são tão dóceis quanto Boulos e seus companheiros. Não poderia ser de outra forma: se Ciro e o PDT querem se firmar como alternativa de centro-esquerda ao PT e a Bolsonaro, não podem agora tornar-se novo elo de sua corrente; não é outra a explicação para a negativa de FHC e do quase defunto PSDB (descontando pequena ala do partido) à formação de uma frente democrática com o PT contra Bolsonaro, na medida em que FHC e PSDB lutam para se firmar, numa posição semelhante à de Ciro, como alternativa aos “extremos”, só que pela centro-direita.

Ainda assim, FHC continua sendo pressionado, de várias direções, para fazer campanha para Haddad. Mas há um obstáculo — ao que tudo indica, absoluto — à formação de uma frente com o PT (que agora, para vencer as eleições, precisa desesperadamente de qualquer apoio, venha de onde vier): sua incapacidade de fazer qualquer autocrítica e de ouvir qualquer tipo de crítica. Prova disso é o recente episódio envolvendo Cid Gomes, num evento da campanha de Haddad. Seria a hora, se houvesse real interesse de vencer as eleições, de engolir qualquer crítica e acolher qualquer tipo de ajuda. Quem quer ser o próximo a subir num palanque para ser vaiado?

No fim, diante da certeza de derrota de Haddad para Bolsonaro, chegaram a propor a Lula a retirada de Haddad, para que Ciro, o terceiro colocado no primeiro turno, assumisse sua tão cobiçada vaga no segundo turno, o que foi obviamente negado. Uma “maluquice”, segundo Lula: o PT chegaria a este ponto, tentando manter a todo custo o controle das esquerdas, e Lula chegaria a este ponto, tentando manter a todo custo o controle do PT, para, em seguida, dar a Ciro a oportunidade de rivalizar com o PT e o próprio Lula, como o novo padrinho de uma esquerda impotente e apavorada diante do fascismo?

Sejamos ainda mais francos. A lógica (ou a chantagem) do “mal menor” sempre foi o maior reforço das estruturas de poder do PT sobre as esquerdas e do poder pessoal de Lula sobre o PT, desde que o PT passou da oposição à situação. Será que Lula e seus companheiros querem sinceramente a derrota de Bolsonaro? Ou encaram sua vitória como uma oportunidade para recuperar plenamente sua hegemonia sobre as esquerdas? Hegemonia esta ameaçada apenas em 2013 (curiosamente, o mesmo momento da emergência do novo fascismo agora cooptado por Bolsonaro), com a ascensão, ao primeiro plano, de uma esquerda autônoma que se projetava contra o bipartidarismo não oficial PT-PSDB, que passou a ser a razão de ser do PT na política brasileira, quando ficou claro que qualquer transformação social mais à esquerda seria frustrada com o partido no poder?

O PT precisava do PSDB como seu oposto e, com os golpes que lhe foram desferidos recentemente pelo Poder Judiciário, que atingiram sua personalidade chave e muitos de seus maiores quadros, o PT agora precisa, mais do que nunca, de Bolsonaro… no poder.

Bolsonaro e aquela turba incontrolável de fascistas — incontrolável ao menos até agora, pois resta definir ainda se Bolsonaro ganhará as eleições apenas como presidente de extrema-direita ou como presidente fascista; estas notícias (aqui e aqui) parecem apontar neste último sentido, com o início de um flerte de Bolsonaro com o que poderíamos chamar de um programa social —, ambos prestarão ainda um serviço urgente a Lula e seu staff: dizimarão a extrema-esquerda que ousou desafiar a liderança lulista no âmbito das esquerdas, empurrando os sobreviventes recalcitrantes ou para a reincorporação ao campo lulista ou para a dispersão no vazio; e será conservado, no mesmo processo, o domínio lulista sobre os movimentos populares e sindicais tradicionalmente ligados ao PT, que necessitarão da estrutura partidária petista para sobreviverem.

Será que o PT, por exemplo, apostava seriamente numa intervenção da ONU em defesa de Lula, para obter sua liberdade, ou o recurso à ONU foi uma demonstração de força às direitas e, ao mesmo tempo, uma forma de mostrar às esquerdas quem é que terá acesso aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos no curso de um governo como o de Bolsonaro?

Para Lula, é disso que se trata, pois a política, nas suas próprias palavras, não se resolve numa única eleição e o “tsunami vai e volta”, o que é bom, principalmente quando se está protegido do tsunami que vai varrer do mapa opositores à esquerda que, mesmo na oposição, te garantem uma posição privilegiada de poder. No fim, o partido que “golpeia-se” é também um que não se cansa de desferir “golpes” — entre aspas mesmo — contra as esquerdas e os trabalhadores.

Quando Lula afirma que mais importante que ganhar é “qualificar a derrota”, apontando a “tragédia que virá”, fica claro que acionar o TSE para retirar Bolsonaro da corrida eleitoral, na sequência do escândalo da semana, é preocupação secundária. Mais importante que ganhar é reerguer o partido… sobre as esquerdas e os trabalhadores, contra Bolsonaro e seus seguidores.

Perder nessas condições será, inclusive, mais vantajoso: o PT já alardeia ter sofrido um “golpe” com o impeachment de Dilma; poderá alardear agora ter sofrido um novo “golpe”, com a vitória de Bolsonaro mediante fraude eleitoral e financiamento ilegal de campanha, diante de um TSE que se mantém, segundo Haddad, em “silêncio absoluto”.

Mas não podemos deixar de reconhecer nossas próprias fraquezas e nossos próprios fracassos: o próprio fato de termos apenas o estrito jogo eleitoral para analisar no momento indica que inexiste hoje qualquer alternativa efetiva, radical, que fuja às regras do jogo e ataque a raiz dos nossos problemas.

12 COMENTÁRIOS

  1. Camarada Fagner,

    Muito interessante (revoltante) seu texto, meu amigo, só acrescentaria que eles apelam à justiça (caixa dois do bolsnro) pois, eles realmente acreditam na neutralidade de um Estado burguês (em momento de golpe), Marx, diria “uma revolta nos limites da razão pura”, reificação filosófica do pensamento pelego.
    A canalhice dos pelegos parece nunca ter fim, estão levando o país ao buraco só para conseguir manter uns pedaços de poder e influência para seu partido, um fisiologismo de tipo sadomasoquista. Daqui a pouco aparece alguém para nos acusar de esquerdistas e de fazer coro com a direita por não apoiar o Lulinha paz amor, por minimamente nos mantermos sensatos – que fase. Faz um tempo que estamos vendo isso acontecer, posto aqui o último parágrafo do texto que publicamos aqui no PP quando da prisão do lula:

    “1848 levou à farsa histórica que era Luís Bonaparte. Enquanto isto, vemos o que já foi um partido operário combater com palavras coisas que deveriam ser enfrentadas, supostamente, por todos os meios. 2013 levou ao falso combate ao Golpe. Mas, como na história de Pedro e o Lobo, o que ocorrerá quando os lobos saírem de fato das casernas, será que o povo não estará cansado de ouvir falar sobre o Golpe? De qualquer modo, o PT precisava ter se levado a sério, historicamente, para ter conseguido enfrentar, de modo sério, a reação da burguesia aos avanços dos subalternos. http://passapalavra.info/2018/04/119284#comment-337288

    E os lobos saíram da caserna e a massa operária deu de ombros para esse papinho de golpe, pois não há coerência nenhuma, ou melhor, há uma coerência perversa e fisiológica, que, de algum modo, foi percebida e repudiada pelos trabalhadores, com um claro e grande auxílio dos capitalistas e dos pastores-capitalistas etc.
    Uma coisa, pelo menos, me parece positiva, o Passa Palavra está resistindo ao ralo do petismo e ao ralo do identitarismo, dando um lugar privilegiado, pelo menos na luta das idéias, para o cenário que se avizinha.

    abraços e vamos à luta.

  2. O último parágrafo deste ensaio de Fagner Enrique é o essencial: nós (me incluo, se permitem) temos muito pouco (ou nada).

    É real a possibilidade de que, mesmo com a derrota do PT e a liderança de Bolsonaro no Executivo, a extrema-esquerda permaneça às sombras dos escombros do petismo.

    E aí, o que será de nós?

  3. Li todo o texto, eu ate 2014 era um esquerdista antipetista. Hoje estou mais para um esquerdista, menospiorista. Fato, não eh Lula ou o PT quem subjuga maldosamente as esquerdas, mas as próprias esquerdas que se submetem livremente ao petismo, pois são ridículas cheias de pós-modernismos, ou estão encapsulas nas faculdades ou espaçadas em poucos movimentos sindicais anacrônicos. PCB e PSTU são dois dos partidos mais fracassados no que tange em conquistar as massas. O PT faz oque todo partido decente tem que fazer, ou seja, lutar pelo poder e manter posição, custe oque custar. A ideia de que um candidato precisa que seu adversário desista pra ele ganhar eh patética, falo do Ciro. Veja o Psol, suavizou muito seus discurso, mas aumentou sua bancada, pois contou justamente com o voto de muitos petistas/lulistas. O PDT não se mantem critico ao petismo por achar que pt falha como esquerda, mas porque o PDT eh mais de direita que o PT, vide candidatos ao governo pelo PDT apoiando publicamente o Bolsonaro, pesquise o candidato ao governo de ms Juiz Odilon do PDT que faz juras de amor ao bolsonaro. Outra coisa o tal antipestismo que cola nas esquerdas eh justo, pois de fato os antipestistas odeiam os resquícios de esquerda que sobram no PT, ou seja, a oposição midiática dos últimos 20 anos ao partido eh motivado por tracos esquerdistas que o partido apresenta e não por outras coisas (a corrupção eh só usada, por conveniência, mas antes diziam que o lula colocaria mendigos nas casa das pessoas, isso eh um traco esquerdista). Gostei da observação sobre o Ciro, mas o Ciro eh um saltador de partido, se ele tivesse feito como o Lula e trabalhado na construção de um partido forte com capilaridade, teria se saído melhor. Ele tem tudo para reforçar o PDT, fortalecer suas bases guiar a garotada cirista da internet para o mundo real e em 04 anos enfrentar um Bolsjegue ou um Haddad, mas aposto meu mindinho que ele vai sumir, vai voltar a seu personalismo isolacionista e deixar o partido nas mãos do Lupi e em 04 anos sera candidato de novo com boas ideias, mas sem base social.

  4. Boa tarde John, duas coisas sobre seu desabafo:
    1° vc se diz um esquerdista menospiorista e por isso abraçou o petismo. Vc não entendeu, camarada, que o pt está apostando no caos, ou seja, no quanto pior melhor? O jogo de cena da candidatura Haddad é só a antessala da escatologismo que está por vir.
    2° o pt não faz tudo o que pode pelo poder, ele só faz o que pode pelo acórdão e pelo carguinho.

    Abraços.

  5. Texto interessante. Mas assim como outros aqui no Passa Palavra, atentam-se muito mais para o aspecto político e esquecem-se de uma dinâmica fundamental de todos, absolutamente todos, os partidos políticos, que é a sua dinâmica empresarial capitalista, muito semelhante ao que o João Bernardo chama de capitalismo sindical, só que ao invés de sindicatos, teríamos partidos, mas que ao invés de operar com o dinheiro oriundo do “mundo” sindical, operaria com o dinheiro do “mundo” político.

    Resumidamente falando, partidos políticos, de direita ou esquerda (assim como no mundo sindical há sindicato de trabalhadores, também há sindicatos de patrões, portanto, penso eu, que o capitalismo sindical ocorre em ambas as classes, em ambos casos através das mãos de gestores…), na dita democracia burguesa, se estruturam e funcionam como verdadeiras empresas capitalistas, desde os quadros políticos – presidência, secretaria, tesouraria ou quadros que lhes valham – aos quadros da administração interna, todos visando capitalizar, acima de tudo recursos financeiros diretos ou recurso financeiros indiretos, que se realizam justamente a partir do poder político de cada partido, sendo que a competição sobra a repartição destes recursos se dá de modo muito semelhante ao que ocorre dentre de uma empresa. Por isso quando o dinheiro vem sempre é bem-vindo, seja ele oriundo de doações de empresas, de contribuições dos filiados, ou mesmo do fundo partidário do governo, que até mesmo o PSTU recebe e, até onde sei, nunca devolveu…

    Aliás, assim como no meio sindical, o menor dos sindicatos pode trazer algum lucro para a burocracia, nem que seja um afastamento do trabalho para exercício de cargo sindical, vê-se que um partido, por mais nanico que seja, sempre pode render um extra a algum burocrata ou demagogo… (ver “Emancipação ao contrário: relatos de dois ex-trotskistas” – http://passapalavra.info/2013/06/78276). O pior é encontrar partidos de esquerda (ou organizações ditas libertárias, anarquistas, etc) tal qual blocos carnavalescos a vender abadás, fantasias e acessórios (afinal, livros, jornais, revistas quantas vezes não são mais que acessórios a complementar a fantasia de revolucionário…)… Enfim, “Pequenas Empresas Grandes Negócios”…

    Por isso, minha maior dúvida não é saber o que temos, mas sim quem somos… O PT será que de fato é de esquerda? Os petistas são anticapitalistas? Daquilo que se chama esquerda, PT, PSOL, PSB, PDT, PC do B, o que há neles, de fato, ou pelo menos em teoria, de anticapitalista?
    Se tirarmos os abadás políticos (ou sindicais…), quantos serão os anticapitalistas de verdade?

  6. 1) Parece-me útil a pista de análise proposta por Thomas LuKo, considerando que os próprios partidos políticos possuem uma dinâmica empresarial capitalista. Pode lançar-se assim uma nova luz sobre a evolução dos sistemas de governo, sobretudo precipitada, na Europa e nos Estados Unidos, pelo esforço económico exigido pela primeira guerra mundial. A noção de capitalismo de Estado adquire outro relevo nesta perspectiva.

    Ainda sem sair deste quadro convém observar a circulação de gestores entre os altos cargos políticos e os cargos directivos nas grandes empresas. Esta teia social reforça a dinâmica empresarial capitalista do aparelho de Estado, e em função dela podemos tecer uma outra crítica à dicotomia correntemente estabelecida entre nacionalizações e privatizações. Por um lado, a nacionalidade dos patrões deve ser indiferente aos trabalhadores, já que o processo de extorsão da mais-valia não se altera. É este o aspecto principal. Além disso, e por outro lado, o facto de os gestores circularem regularmente entre as empresas e as instituições políticas dilui as fronteiras que separariam as empresas estatais e as empresas privadas.

    2) Outro comentador, Johnnie, chamou a atenção para o último parágrafo do artigo de Fagner Enrique, e concordo com ele. Mas, reflectindo melhor, será que não existem hoje no Brasil conflitos sociais significativos ou será que permanecem invisíveis? E não será essa invisibilidade uma condição para se protegerem dos ataques dos patrões e da vigilância dos órgãos repressivos? No ano passado recebi algumas mensagens que transcrevo aqui parcialmente:

    «[…] estou trabalhando cerca de 1 mês e dez dias lá [na Uber] (é a alternativa que arrumei além de uns bicos) […] A cada viagem que fazemos 25% fica com a Uber, se fizermos uma viagem de 100 reais eles ficam com 25 reais, além disso gastamos uns 30% em média de gasolina, sobra uns 45% pra nós, é claro que tem outros gastos na manutenção do carro (alinhamento / balanceamento de pneus, troca de óleo, lâmpadas de farol, pacotes de internet, limpeza do carro, pastilhas de freio, enfim várias coisas que podem surgir), eles fornecem passageiros através do aplicativo, nós entramos com o carro e a gasolina, e a relação é essa. Vejo diversas características, me parece que somos uma mistura de pequenos proprietários com trabalhador produtivo […] para ganhar algo que compense é bom trabalhar pelo menos umas 10 horas, com sorte se o dia for bom uns encerram mais cedo, mas muita gente faz o dia todo 24 horas, enfim várias jornadas, mas acho que deu pra dar uma idéia […] Neste pouco tempo ainda de trabalho na Uber, vejo que os motoristas tem várias visões, uns vêem claramente como uma exploração, outros dão graças a Deus por existir a Uber (são pessoas que saíram de empregos com baixíssimos salários ou eram desempregados), eu me incluo nessas duas visões também, claro que não dou graças a Deus, mas já estava muito tempo desempregado e os juros das contas não esperam, o foda é que nesse desemprego aceita-se muita coisa, reclama-se mas é num tom baixinho. Nós nos comunicamos muito por grupos de whatts zap, são uns 250 motoristas quase por grupo, e reunimos em um estacionamento na … ( que chamamos de “sindicato” hahaha), esses grupos são importantes tanto pra sabermos os melhores pontos, quanto para pedidos de ajuda, vejo como algo mutualista, a galera inclusive chama de “ajuda mútua”, se o seu carro quebrar, ou se roubarem seu carro seu celular ou sua grana, o pessoal te socorre, tem até aplicativo pra monitorar alguns motoristas que vão fazer uma corrida em algum lugar mais perigoso aqui, enfim tem muita solidariedade também, mas não chega ao nível de reivindicação sindical mais diretamente […].»

    É esta a tal Velha Toupeira, que vai escavando as suas galerias subterrâneas, longe da gritaria. Mas será que por isso não existe?

  7. SÓ RINDO DE TODA ESSA MERDA…
    Agradeço ao bom e velho Irado, pela gargalhada com que nos presenteou.

  8. Enquanto debatemos aqui os impasses e armadilhas do lulismo, parte da esquerda o elege como o verdadeiro foco da “resistência ao processo de fascistização no Brasil” e o associa a um Estado “firmado na complementaridade entre as democracias representativa e participativa; modo de produção menos assente na propriedade estatal dos meios de produção do que na associação de produtores; regime misto de propriedade onde coexistem a propriedade privada, estatal e coletiva (cooperativa) […] que saiba competir com o capitalismo na geração de riqueza e lhe seja superior no respeito pela natureza e na justiça distributiva; nova forma de Estado experimental, mais descentralizada e transparente, de modo a facilitar o controle público do Estado e a criação de espaços públicos não estatais; reconhecimento da interculturalidade e da plurinacionalidade (onde for caso disso); luta permanente contra a corrupção e os privilégios decorrentes da burocracia ou da lealdade partidária; promoção da educação, dos conhecimentos (científicos e outros) e do fim das discriminações sexuais, raciais e religiosas como prioridades governativas”.

    Além disso, a região nordeste é vista como o “cinturão progressista” do Brasil, de tal modo que as manifestações de Junho de 2013 ter-se-iam centrado na luta contra o aumento da tarifa no nordeste, num contraponto à pauta do “Fora Todos” nas demais regiões. A polarização, ao invés de social e política, seria geográfica (étnica?). Será que a pessoa que escreveu tais asneiras não percebe que os próprios apoiadores de Bolsonaro estão difundindo preconceitos e palavras de ódio nas redes sociais contra os nordestinos, devido ao resultado do primeiro turno das eleições no nordeste? Será que essa pessoa julga que é realmente prudente reforçar, só que pela via da esquerda, o mesmo tipo de discurso? Desse jeito não espanta a situação em que estamos agora.

    Para quem quiser conferir: https://www.brasildefato.com.br/2018/10/11/o-cinturao-progressista-no-nordeste-e-o-lulismo-como-oposicao-ao-fascismo/

  9. O argumento central do Fagner Enrique me parece bastante relevante. Há tempos eu considerava que o PT tinha total interesse no crescimento de uma figura como Jair Bolsonaro visando reconquistar o poder por meio da sua velha e desgastada tática de polarização eleitoral. Nessa eleição, especificamente, isso se fazia ainda mais urgente, pois o antipetismo atingiu níveis inéditos e a velha polarização com o PSDB não seria capaz de reconduzir o partido ao poder. Daí apostar na polarização entre civilização e barbárie, mas ao que tudo indica, nem mesmo o risco da barbárie foi suficiente para possibilitar a vitória eleitoral dos petistas. Assim, considero que o Fagner captou outro aspecto de grande relevância: mesmo derrotado na disputa presidencial, o PT poderá manter sua hegemonia dentro das esquerdas. O discurso dos militantes petistas sobre o golpe e sobre a eleição sem Lula ser uma fraude será reforçado; bem como, a vitimização do partido que tanto teria feito pelos mais pobres.
    Nesse mesmo sentido, concordo que as maiores vítimas da truculência bolsonarista será a extrema esquerda, em especial a apartidária. Vislumbro várias formas de perseguições políticas (como, por exemplo, processos administrativos contra professores de esquerda), prisões e eliminação física dos verdadeiros vermelhos. MST e MTST, ainda que possamos discutir o quanto foram aparelhados e se burocratizaram, já são publicamente ameaçados de serem enquadrados como terroristas. Por outro lado, tenho sérias dúvidas de que os parlamentares ditos de esquerda (para mim, o PT é um partido de centro, no máximo centro esquerda) sofrerão a mesma sorte.
    Concordo com o João Bernardo a respeito do potencial que a utilização do conceito de capitalismo sindical traz para se analisar a estrutura dos partidos políticos e o papel que desempenham no sistema capitalista, tal como propõe Thomas Luko. Assim como os sindicalistas, os políticos profissionais deixam de viver do próprio trabalho e passam a viver da divisão da mais-valia. Não por acaso, uma trajetória comum de vários personagens foi o afastamento do trabalho para o exercício do cargo sindical, seguido do lançamento da candidatura a algum cargo político (vereador, prefeito, deputado etc.) e a conseqüente transformação da política em profissão. Voltar a ser operário? Apenas para aqueles que nunca conseguiram ascender hierarquicamente nos sindicatos e/ou partidos. Mesmo quando perdem uma eleição, esses profissionais da política têm algum cargo assegurado ou alguma assessoria para lhes garantir a sobrevivência. Aqueles que ocuparam os postos de comando mais elevados no executivo tornaram-se inclusive consultores de grandes empresas com vultosas remunerações após serem alijados do poder. Além disso, tal como os sindicalistas, esses políticos têm como principal função conter a luta de classes dentro dos limites institucionais. Luta anticapitalista via partidos políticos? Só no campo discursivo.
    A respeito da atuação da extrema esquerda nessa conjuntura de hegemonia petista no campo progressista focado na política formal e de crescimento do fascismo, o relato do trabalhador do Uber reproduzido pelo João Bernardo demonstra um elemento central da luta de classes: a formação dos laços de solidariedade a partir da vivência em comum das mesmas condições de exploração e opressão e as formas de organização informais e horizontais que podem resultar desses laços. Nesse mesmo sentido, já ouvi relatos desses trabalhadores a respeito de diversas formas de resistência como a preferência por passageiros que pagam em dinheiro, já que assim conseguem contornar durante algum tempo o repasse da porcentagem da empresa; motoristas que fazem corridas por fora do aplicativo com o mesmo intuito etc.
    As variadas formas de resistência passiva ou ativa, individual ou coletiva e o potencial que carregam para a construção de formas de organização autônomas são intrínsecos às relações capitalistas de produção. Mesmo que o pior cenário por nós imaginado venha a se concretizar sob um governo do Bolsonaro e da “velha turma”, com um aparelho de Estado altamente repressivo, com a criminalização dos movimentos sociais, com a atuação de milícias fascistas e a conseqüente eliminação física de militantes de extrema esquerda, as múltiplas formas de resistência e luta anticapitalista continuarão a existir nos subterrâneos. Disso eu não tenho a menor dúvida, mas creio que o questionamento a respeito da nossa atuação e da nossa inserção em tais lutas continua a nos inquietar. Em outras palavras, o fascismo não será capaz de eliminar completamente essas variadas ações que escavam o subterrâneo, mas como os militantes de extrema esquerda, os jovens bem intencionados das universidades e todos aqueles que não se curvarão ao autoritarismo e à repressão se organizarão para lutar? Como o João Bernardo bem sabe, essa é uma velha questão que sempre me inquietou (junto com aquela outra: como ultrapassar os limites/ir além das resistências cotidianas nos processos de trabalho?). A única certeza que tenho no momento é que a resposta certamente não se encontra na nossa incorporação ao PT ou a qualquer outro partido político dito de esquerda ou de extrema esquerda.

    PS: não resisti à tentação de escrever que a autora do último texto citado por Fagner Enrique votou contra a deflagração da greve dos professores das universidades federais em 2015 e que atuou com imensa dedicação pelo fim do movimento durante os cinco meses pelos quais se estendeu. Nada mais natural, não é mesmo? Greve de professores num governo da “companheira Dilma”?

  10. “O direito civil é um ramo do direito, que trata de um conjunto de normas que regulam os direitos e obrigações no âmbito privado”. Por sua vez, “Código civil é o diploma legal que agrupa de forma sistemática as normas concernentes às relações jurídicas de ordem privada”. Os partidos políticos estão disciplinados no Código Civil:

    Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (…) Inciso V – os partidos políticos.

    Diante desta brevíssima exposição, temos que, usando as palavras de João Bernardo, “a circulação de gestores entre os altos cargos políticos e os cargos directivos nas grandes empresas” está mesmo inscrita na genética da política no modo de produção capitalista.

    No Brasil, a maior parte dos recursos dos partidos vem do fundo especial de assistência financeira aos partidos políticos, oriundo de multas e penalidades eleitorais, recursos financeiros destinados por lei, doações de pessoas físicas ou jurídicas, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do fundo partidário, e dotações orçamentárias do governo federal. É aqui que o partido “trabalha” como verdadeira empresa. As doações de pessoas físicas ou jurídicas muito se assemelham às aplicações em bolsas de valores realizadas por investidores. Investidores em bolsa podem investir tanto em ações do Bradesco como do Itaú, ou em ambas, o que lhes importa e que suas ações se valorizem. Ora, os doadores, especialmente os grandes doadores, esperam o quê de suas doações?

    Entra então, literalmente, a concorrência entre os partidos, mas em um aspecto muito mais amplo que a simples busca por recursos partidários. A concorrência é sobre o um poder de controle muito maior, que são os recursos destinados às “condições gerais de produção”. Por isso o termo “partido”, seja disso ou daquilo, de esquerda, de direita, é impróprio… Na verdade, seja qual for o partido, a gestão sobre os recursos destinados às “condições gerais de produção” pouco ou nada se distanciarão dos rumos exigidos pelos capitalistas no desenvolvimento das forças produtivas. Mesmo quando em crise, ou seja, mesmo quando a tendência à maior produção por extração da mais valia absoluta, as exigências que estarão em primeiro plano serão a dos capitalistas.

    Todavia, como nos diz João Bernardo, se os “fascismos foram a revolta no interior da ordem, não contra a ordem”, e que surge “o fascismo como via para superar uma economia bloqueada”, não só o “fenômeno” Bolsonaro deve ser considerado, mas também o “fenômeno” Lula (e conseguintes), sem os quais não entenderemos, enquanto classe – classe trabalhadora e ponto! – quais foram e quais serão os caminhos daqui para frente. O cenário político é muito importante, desde que consideradas as condições gerais de produção e o desenvolvimento das forças produtivas…

  11. Me deu uma preguiça ver um texto de disputa de espaço na “esquerda” (aspas só para frisar evitar a redundância de dizer “esquerda do capital”). Comunistas/anarquistas não são de “esquerda”.
    Não sou de esquerda, sou comunista, mas voto na esquerda, e vou votar em Haddad, que vai fazer o jogo do capital da forma que é melhor para mim no momento.

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