Por João Valente Aguiar
1. Para comemorar o Dia do Pai, o Partido Comunista Português (PCP) decidiu oferecer mais uma prenda ao nacionalismo seu progenitor. Verdade seja dita que o PCP tem sido um filho como poucos se podem orgulhar e a dedicação ao seu pai político está fora de qualquer questionamento. Assim, a festividade de 19 de Março foi comemorada com a organização de um debate subordinado ao tema “O euro e a dívida – défices estruturais”. Num debate com algumas das principais figuras do PCP, com o caucionamento dos economistas Octávio Teixeira e João Ferreira do Amaral, o secretário-geral deste partido, Jerónimo de Sousa, assumiria, pela primeira vez e publicamente, a defesa de um abandono português do euro.
Sobre a longa intervenção de Jerónimo de Sousa, vale a pena contestar alguns dos pontos enunciados. Em primeiro lugar e desde logo, há a salientar na sua intervenção a ausência de referências à dinâmica económica fundamental de qualquer economia capitalista: a produção de mais-valia e as correlativas relações de trabalho. Ou seja, toda a avaliação que Jerónimo de Sousa e o PCP empreendem da actual crise económica define-se fora das relações de produção. Assim sendo, não deixa de ser sintomática a ausência de referências à baixíssima produtividade da economia portuguesa e o centramento das causas da actual crise económica e da sua expressão em Portugal em torno de dois factores:
– «a adesão ao Euro e a crescente perda de competitividade da nossa economia, em consequência da política do Euro forte;
– as privatizações, com a perda de importantes empresas e sectores, e o crescente domínio do capital estrangeiro (encerramento de empresas, deslocalização de centros de actividade e produção para outros países e aniquilação prática de sectores produtivos que quase desapareceram do país, como a metalomecânica pesada)» (ver aqui).
Não querendo aprofundar este último factor, repare-se muito brevemente como o problema das privatizações está, para o PCP, no facto dessas empresas serem transferidas da alçada jurídica do Estado para a alçada jurídica privada. O facto de se basearem no monopólio das tarefas de gestão e de direcção do processo de trabalho pelos capitalistas pouco interessa ao PCP. Desde que o funcionamento interno capitalista se mantenha nos seus fundamentos, a crítica fica endereçada ao rótulo jurídico.
Mas aborde-se em maior detalhe o primeiro factor apontado na intervenção de Jerónimo de Sousa: a adesão ao euro como principal factor explicativo para a perda de competitividade da economia portuguesa. É certo que a arquitectura vigente da zona euro aprofundou a formação de uma Europa a duas velocidades (ver aqui). Contudo, o PCP vê a perda de competitividade da economia portuguesa meramente a partir do factor monetário, ficando por explicar outros aspectos bem mais importantes.
Com efeito, Jerónimo de Sousa e o PCP raciocinam exactamente da mesma forma que o monetarismo corriqueiro de certa imprensa económica de quinta categoria. Por outras palavras, a perda de competitividade da economia portuguesa advém muito mais da baixíssima produtividade do seu aparelho produtivo do que directamente da valorização cambial. Claro que uma moeda valorizada como o euro dificulta a sustentabilidade de um tecido produtivo tão débil como o português. Mas o problema não está, neste caso, na valorização monetária. Basta reparar que, nas mesmas condições monetárias, a produtividade irlandesa passou de uma produção horária de 36,6 euros em 1999 (exactamente a mesma que a alemã para o mesmo ano), para uma produção horária média em torno dos 51,7 euros, em 2011 (ver aqui). A evolução da produtividade alemã, apesar de também muito positiva, estava em 2011 nos 42,3 euros. Ora, em Portugal a produtividade aumentou cerca de 11% no mesmo período e, pior ainda, manteve índices muito reduzidos: em 2011 era, em média, de 16,5 euros por hora. Portanto, a produtividade média da economia portuguesa ronda os 30% da irlandesa e os 40% da alemã. Isto significa que a produtividade na Alemanha – tida pelos nacionalistas como a única economia a ganhar com o euro e como a nação opressora por excelência da zona euro – aumentou 16,5%, ao passo que a produtividade irlandesa passou a ser mais elevada do ponto de vista absoluto. Ao mesmo tempo, a produtividade irlandesa no quadro do euro aumentou cerca de 41%. A inversão da causalidade por parte dos analistas do PCP está aqui ao serviço dos seus objectivos estritamente ideológicos.
Deixando de lado a questão da banca irlandesa que esteve na base quase exclusiva do acordo do Estado irlandês com a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), a verdade é que o euro forte não impede as economias de se desenvolverem. A questão está, como quase sempre no capitalismo, na produtividade do trabalho e na orientação dos empresários para modernizarem ou não a economia e os processos de trabalho. A valorização cambial actua sobre uma condição económica pré-existente, não a determina unidireccionalmente.
O PCP, ao negligenciar em absoluto a análise da produtividade, não está apenas a deixar de lado casos em que a dinâmica de várias das economias europeias continuou a expandir-se com o euro. Para além da análise económica, o PCP transfere a crítica aos capitalistas, inclusive aos capitalistas portugueses, para uma luta entre nações. Os próprios instrumentos financeiros deixam de ser vistos como elementos derivados da economia capitalista para se tornarem em armas políticas nacionalistas. Se Marx fez a crítica da economia política, o PCP inverte os termos e a economia perde toda a sua espessura própria e torna-se unicamente um combate político-territorial.
2. A intervenção de Jerónimo de Sousa prossegue no que considera ser um diagnóstico do aumento da dívida pública portuguesa. Aqui vale a pena notar que a discussão destas matérias nunca se deve colocar num plano límpido de um absolutamente correcto ou absolutamente errado. De facto, não se trata, como Jerónimo de Sousa pretende, de «erradas respostas à crise», mas de situar as respostas que os capitalistas e as suas organizações dão às crises económicas. Isto quer dizer que a principal via de abordagem dos capitalistas às crises económicas é sempre a destruição de valor. Para já, deixo por aqui a menção à destruição de valor, assunto que retomo mais abaixo no ponto 3.
Regresse-se, portanto, à intervenção de Jerónimo de Sousa, que coloca a tónica de uma das causas da escalada da dívida pública no «auxílio directo e indirecto à banca, com dinheiros públicos, e toda a orientação europeia de exclusivo auxílio à banca e à custa do Orçamento e da política do BCE [Banco Central Europeu] – emprestar à banca a 1% e a 0,75% contra a entrega de títulos por parte desta – a maior parte de dívida pública, recusando financiar directamente os Estados».
Nem vou comentar em detalhe os lamentos lacrimosos de Jerónimo de Sousa relativamente às taxas de juro que o BCE utiliza de forma diferencial entre a banca e os Estados. Se Jerónimo de Sousa acha que o BCE deveria financiar directamente os Estados, é bom lembrar-lhe que tal só é possível se o BCE se tornar realmente num credor de última instância da zona euro e se houver uma emissão unificada e federal de títulos do Tesouro. Ou seja, a solução que Jerónimo de Sousa preconiza ao nível do empréstimo do BCE directamente aos Estados faz todo o sentido. Mas, para que se concretize, é o processo de integração federal da Europa que tem de avançar, com a correlativa integração bancária, orçamental e de emissão de dívida, e não o nacionalismo económico que o PCP advoga. Deixando de parte o contra-senso lógico do PCP, cujo nacionalismo o deixa próximo da linha mais germanófila do governo alemão e do Bundesbank, passemos ao debate do carácter do auxílio do BCE e dos Estados à banca.
É hoje claro que os processos desenvolvidos para evitar a falência de vários bancos um pouco por todo o mundo fizeram explodir os valores da dívida pública de vários Estados. Se os paralelismos com a conjuntura económica da crise dos anos 1920 e 1930 têm alguns aspectos estruturais semelhantes, a bem da verdade, na questão específica da desalavancagem da banca não se pode dizer o mesmo. Do ponto de vista processual e factual, nos anos 1930 os liberais deixaram os bancos ir à falência e não se preocuparam em os resgatar, com os trágicos resultados políticos e económicos que conhecemos.
Na actual crise económica, a abordagem da classe dos gestores aos bancos ocorreu de um modo inverso. Claro que os efeitos fazem-se notar imediatamente na vida dos trabalhadores, mas para os capitalistas a segunda solução tem corrido melhor do que na década de 1930. Se os capitalistas tivessem hoje feito o mesmo que fizeram então, a crise que sofremos seria muito mais profunda e difundida a todo o mundo. Se a resposta tivesse sido a mesma, os EUA não teriam recuperado (apesar de muito periclitantemente) a sua economia e a China, a Índia e o Brasil estariam completamente de rastos como Portugal ou Grécia… E dado o peso económico destes países, podemos imaginar o impacto colossal que isso teria sobre a economia mundial. E ao contrário do que os geniais líderes políticos da esquerda nacionalista pensam, quando a classe trabalhadora não está nas ruas e nos locais de trabalho em condições de disputar os processos de tomada de decisões, é a própria classe trabalhadora que sofre na pele os custos e os prejuízos das crises económicas. Enganam-se os que pensam que uma crise económica é obrigatoriamente uma antecâmara de um processo revolucionário. Na esmagadora maioria dos casos, as lutas sociais dos trabalhadores que vão ocorrendo em alturas de crise económica são muito mais uma tentativa de dar resposta aos ataques dos capitalistas às suas condições de vida, do que propriamente uma ofensiva dos trabalhadores. Nada nas dinâmicas das lutas sociais é eterno. Mas confundir sistematicamente todas as tentativas de resposta da classe trabalhadora com uma revolução ao virar de cada esquina só pode advir de quem quer subordinar as lutas no actual estado defensivo da classe trabalhadora aos desejos cegos de liderança de um processo político. E da consequente participação numa solução de poder estatista.
Em boa verdade, a actual crise económica, apesar de devastadora, não corresponde a uma crise global como a dos anos 30 do século passado, na medida em que uma boa parte do planeta continua a crescer economicamente e, mesmo dentro da zona euro, é a sua periferia que está a braços com os resultados perniciosos do facto de não existir uma única dívida federal para uma única moeda, como muito bem tem lembrado Rui Tavares [1] (Tavares 2012) e como João Bernardo chamou a atenção neste site.
Por outro lado, os gestores sabem que o processo de desalavancagem da banca e, por conseguinte, de restauração de condições favoráveis à concessão de crédito à economia é moroso mas, apesar de tudo, menos volátil e menos incerto do que o colapso do sistema financeiro. O prazo actualmente em vigor, com término programado para 2019, para o cumprimento das directivas Basileia III de reposição de rácios de capitais na banca, é uma demonstração inequívoca da complexidade dessa operação. Sem compreendermos os processos que os capitalistas mobilizam enquanto classe, a esquerda persistirá em fazer análises morais da economia.
Politicamente há que continuar a bater na tecla de que tudo o que sofremos com a austeridade não só nos prejudica violenta e inumanamente, mas está a beneficiar os capitalistas. Porém, se se discute no mesmo plano dos capitalistas – no caso, relativamente ao aumento da dívida pública – seria bom que o PCP, os seus dirigentes e os seus economistas fossem capazes de dizer aos trabalhadores quais as reais consequências se os bancos tivessem sido deixados à sua própria mercê. Repito, qualquer uma das soluções apontadas de reposição dos rácios de capital dos bancos tem sempre consequências nefastas para os trabalhadores, ou não vivêssemos nós numa sociedade capitalista. Contudo, as consequências de ambas as soluções não são despiciendas e um aumento da dívida pública por via do resgate e da recapitalização dos bancos tem um custo inferior ao puro e simples colapso dos mecanismos de financiamento da economia.
O colapso bancário, que se avizinharia no caso de uma saída do euro, não é solução para o colapso que a austeridade tem protagonizado na vida de milhões de trabalhadores. Pelo contrário, o primeiro exponenciaria o segundo.
3. Aproveito para retomar a temática da desvalorização do capital. Ao contrário de certas concepções que exponenciam a rivalidade e a flagelação mútua entre sectores das classes dominantes, importa referir que para as grandes transnacionais e para os maiores bancos não parece que todos eles tenham muitas queixas sobre a austeridade. Nas crises económicas sempre ocorre destruição de valor (falência de empresas, desemprego, etc.) e essa sempre foi a solução imediata a que os capitalistas têm recorrido. O crescimento económico só surge depois… Esta forma de proceder pode parecer estranha, pois ela implica custos e sofrimentos terríveis para os trabalhadores, mas aqui é extremamente importante que o leitor raciocine como se fosse um capitalista. Essa é a única maneira de se compreender as respostas a que tanto os capitalistas como os aspirantes a capitalistas de Estado têm apresentado. Por manterem intocados os mecanismos fundamentais da exploração económica [2], as políticas que os capitalistas actuais têm aplicado, e as propostas que os aspirantes a capitalistas de Estado das organizações da esquerda apresentam, só podem situar-se dentro do mesmo paradigma.
Todavia, existem diferenças de racionalidade económica e de consequências sociais e políticas que a esquerda anticapitalista não pode minimizar. Se pensarmos como um capitalista, como é que se iria relançar um novo ciclo económico sem antes os rácios de capital estarem repostos na maioria das entidades financiadoras e sem antes se “limparem” as empresas que pior resistiram (ou não resistiram sequer) à crise? Creio que não devemos ler o comportamento dos capitalistas pelo que seria benéfico para os trabalhadores, mas pelo que realmente fazem e propõem fazer. De outra forma, caímos na historinha da popularidade ou das «medidas erradas» de que nos fala Jerónimo de Sousa na sua intervenção. Os capitalistas que em frente às câmaras de televisão por vezes anunciam hipocritamente que a austeridade é má para a economia são os mesmos que quando se reúnem na European Round Table of Industrialists (Mesa-Redonda dos Industriais europeus), no Banco de Pagamentos Internacionais, no Fundo Monetário Internacional ou nas instituições europeias decidem taxativamente que a austeridade (a destruição de valor) é uma condição imprescindível (para eles, obviamente) de relançamento de um novo ciclo de acumulação.
Por isso, o que o PCP e Jerónimo de Sousa chamam de «políticas de travagem da economia» mais não são do que a resposta clássica de destruição de valor que, em maior ou menor grau, os capitalistas dão em todas as crises económicas. Isto significa que não é «a financeirização da nossa economia, com o crescente recuo na actividade produtiva, indústria, agricultura, pescas, e consequente substituição da produção nacional pela estrangeira» que está na base da actual crise económica. De facto, existe uma relação íntima entre os problemas da dívida pública portuguesa e a estrutura produtiva da economia e não é a financeirização que obstaculiza a segunda. Sem uma resolução dos problemas de liquidez da banca e sem um rearranjo institucional da zona euro que tenda para a sua federalização, nenhum relançamento económico no quadro da mais-valia relativa será possível.
Repito, se se quer raciocinar no plano das soluções dentro do capitalismo para as compreender, ao menos que se raciocine em torno de critérios sólidos e em torno das vias que politicamente menos obstaculizem uma futura mobilização autónoma dos trabalhadores. Dizer que «a degradação do aparelho produtivo e a financeirização da economia são os pontos nodais desta situação» é querer defender um capitalismo sem crédito e um capitalismo assente na mais-valia absoluta. Portanto, um capitalismo ainda mais arcaico, subfinanciado, isolacionista e sem qualquer preocupação com os mecanismos modernos de financiamento das operações de elevação da produtividade do trabalho.
A absolutamente necessária crítica da austeridade deve estender-se a todas as formas que não só a reproduzirão, como a iriam agravar.
4. E aqui chega-se à solução capitalista que o PCP e o discurso de Jerónimo de Sousa assumem de forma muito taxativa: a saída do euro. Utilizando-se do desespero que a actual situação de agravamento económico motiva nos trabalhadores, o PCP procura capitalizar a justa e legítima revolta para o seu projecto nacionalista de uma Europa de nações em conflito. Mais propriamente, o PCP coloca os interesses da entidade “Portugal” acima dos interesses transversais de todos os trabalhadores europeus, independentemente da sua origem nacional. Em vez de se desenvolver uma crítica à natureza capitalista das políticas de austeridade que penalizam os empregos, os salários e as condições de vida dos trabalhadores, o PCP prefere discutir uma via que em nada rompe com o capitalismo, por muito que se assuma, aqui e ali, como tal. Na realidade, quando o PCP chama de «condição necessária» uma saída portuguesa do euro, o que o PCP (e alguns sectores nacionalistas minoritários no Bloco de Esquerda – vd. por exemplo) tem em mente é a velha ladainha da instauração de um projecto económico arcaico e miserável, que imagina que bastaria desvalorizar a moeda para exportar mais.
Se tudo corresse como num laboratório, até poderia acontecer que as exportações aumentassem. Mas de que tipo de exportações e de que modelo económico estamos aqui a falar? Por um lado, quando os economistas e dirigentes políticos nacionalistas de esquerda apenas abordam a questão da saída do euro em termos estritamente monetários, estão a fazer depender todo e qualquer desenvolvimento económico da desvalorização da moeda. Ora, como se demonstrou acima com os casos irlandês e alemão (e como em todos os casos de crescimento económico durável e sustentável no capitalismo), as economias podem perfeitamente crescer com uma moeda valorizada desde que, na sua base, tenham índices de produtividade elevada e que a evolução da massa monetária acompanhe aquela.
Por outro lado, é interessante verificar o grau de unilateralidade racional com que toda a tribo nacionalista trata os pontos de partida da economia portuguesa. Se alguns aspectos estruturais da economia portuguesa (nomeadamente, os seus défices acumulados) não sofrem contestação no diagnóstico de parte a parte, o mesmo não se pode dizer da operação de subsequente cegueira com que esses mesmos aspectos são tratados. Então todos esses défices já poderiam ser contrabalançados fora do euro e com a emissão maciça de moeda? Como já por diversas vezes foi demonstrado no Passa Palavra, com uma baixíssima produtividade e com uma estrutura de exportações assentes em produtos com baixa e média componente tecnológica e de importações assentes em produtos de média-alta e alta componente tecnológica, qualquer esforço de reindustrialização em Portugal fora do euro é impossível. E é-o porque, dito de maneira muito simples, as necessidades de financiamento da economia portuguesa nessa situação seriam ainda maiores, o que iria elevar ainda mais a massa monetária em circulação. Com a produtividade a crescer abaixo da emissão dessa massa monetária, a inflação dispararia. E como qualquer pessoa racional e informada sabe, quem pagaria esse aumento da inflação seriam os trabalhadores.
E isto tomando como pressuposto puramente hipotético que a produtividade cresceria pouco que fosse. Face ao corte abrupto dos mecanismos de liquidez e dos investimentos externos que permitem a transferência e a difusão tecnológica, seria quase impossível pensar numa evolução positiva da produtividade da economia portuguesa. Pelo contrário, como tenho vindo a defender, uma saída do euro só poderia restaurar a economia na base de uma imposição estatizada dos mecanismos da mais-valia absoluta. Do ponto de vista económico, a via preconizada resultaria numa desvalorização ainda maior dos salários dos trabalhadores, no encravar do desenvolvimento dos mecanismos da mais-valia relativa e no colapso do sistema bancário. Colapso este que só poderia ser eventualmente minorado pela intervenção do Estado e com a injecção massiva do dinheiro dos impostos dos trabalhadores na banca falida. Em vez de os trabalhadores pagarem os prejuízos de um Banco Português de Negócios, teriam um sistema bancário dez ou quinze vezes superior para arcar.
É esta a via que a esquerda nacionalista tem para nos oferecer. Sob a capa da contestação à troika, é da exponenciação da austeridade que realmente se trata.
5. Do ponto de vista político, encontra-se no discurso do PCP uma dupla ausência de crítica. Por um lado, não existe uma crítica aos capitalistas no seu conjunto, representada na reprodução das piores ambiguidades da esquerda das últimas décadas: a confusão entre capitalismo e especulação; a omissão da exploração económica e a sua substituição pela extorsão bancária; os problemas sociais supostamente derivados do dinheiro e não das relações sociais. Por outro lado, a inusitada ausência de crítica profunda aos capitalistas portugueses por nunca terem sido capazes de incrementar os níveis de produtividade e de modernização económica. Neste plano a crítica que a esquerda nacionalista tem feito resume-se a meras tiradas moralistas contra a cupidez e contra a ganância dos capitalistas portugueses mais mediáticos. E assim se transforma uma classe social exploradora e as suas expressões socioeconómicas numa elite moralmente condenável.
Sejamos claros. A esquerda anticapitalista não tem de escolher entre capitalistas. Mas quando sectores que se dizem anticapitalistas fazem uma crítica dirigida fundamentalmente para as organizações capitalistas estrangeiras e deixam os capitalistas nacionais praticamente intocados, então a esquerda anticapitalista e antinacionalista deve ser muito rigorosa na crítica das ambiguidades imanentes das organizações de esquerda. A ladainha da unidade política a qualquer preço com a esquerda nacionalista resulta no reforço da capacidade de sobrevivência da austeridade capitalista. Em vez de termos de lutar contra uma via capitalista, ficamos com duas vias capitalistas pela frente. Com a desvantagem de uma delas apresentar-se como pretensamente alternativa e com uma coloração discursiva e política aparentemente anticapitalista.
Temos assim um capitalismo europeu organizado pelos actuais capitalistas. E temos, dentro de vários dos movimentos sociais e políticos de luta, uma esquerda nacionalista que fomenta um sentimento de agregação ideológica entre sectores das classes dominantes e a classe trabalhadora, em nome de uma economia nacional produtiva e antifinanceira. Para essa esquerda, a situação de empobrecimento que os trabalhadores têm sofrido resultaria da acção malévola de uma elite corrupta (o caso BPN), incompetente (“o ministro das finanças não sabe fazer contas”) e ao serviço do IV Reich alemão. A solução da esquerda mais fanaticamente nacionalista seria, nesse sentido, a saída do euro e a eleição de um governo de esquerda defensor do interesse nacional.
De modo totalmente antagónico a esta posição, considero que lutar contra a destruição de valor e contra os seus efeitos concretos ao nível do desemprego, dos salários, da precariedade laboral e da defesa de serviços públicos de educação e de saúde é o único terreno que coloca frente-a-frente interesses de classe antagónicos. E que pode permitir evitar o descarrilamento das lutas sociais para o campo nacionalista e para uma subsequente apropriação para a promoção de iniciativas autoritárias.
Entre estes pólos internacionalista e nacionalista tem surgido uma outra posição relativamente intermediária: a solução para acabar com a austeridade passaria pela eleição de um governo de esquerda. Esta tem sido a posição da esquerda fora da órbita do PCP ou do leninismo, representada fundamentalmente pela corrente maioritária do Bloco de Esquerda. Mesmo não tendo como propósito a saída do euro, o que a diferencia claramente da via nacionalista mais extremista do PCP, esta via pró-governativa não deixa de representar uma insuficiência política gritante e que espelha o grau de recuo político e organizativo em que a classe trabalhadora europeia se encontra nas últimas décadas. Nesse sentido, lançar os slogans do crescimento económico e da ruptura com a austeridade centrados unicamente a partir das políticas que um governo mais ou menos de esquerda conseguiria implementar é profundamente ilusório por dois grandes motivos. Em primeiro, é ilusório porque a austeridade é decidida e monitorizada pelas instituições transnacionais de coordenação da acção dos gestores, como as que tenho vindo a referir neste artigo. Nesse âmbito, por muito boa vontade que qualquer governo de esquerda possa ter, um governo circunscrito a um território nacional, pouco mais poderá fazer do que atenuar muito timidamente os efeitos da austeridade. Isto partindo do pressuposto teórico e ingénuo de que seria possível em Portugal um governo de esquerda sem a presença de elementos favoráveis a qualquer tipo de austeridade. Em segundo lugar, é ilusório centrar a luta actual contra a austeridade na aspiração a um governo de esquerda porque isso significa colocar as reivindicações da classe trabalhadora contra a austeridade num plano politicamente impossível de atender num curto-médio prazo. Ou seja, tendo em mente que o papel de um governo nacional é amplamente limitado, inclusive de um governo anti-troika, desviar a luta dos trabalhadores para um objectivo primordial e quase exclusivo de constituição de um governo mais não é do que retirar qualquer veleidade de autonomização das lutas sociais no plano político. Se a classe trabalhadora que se tem manifestado nas ruas portuguesas se concentrar na ideia de que seria um governo de esquerda que decidiria da alteração de rumo do actual estado de coisas, então todo o gume política e organizacionalmente embrionário de espontaneidade que se tem desenvolvido nas manifestações de rua dos últimos dois anos seria esbatido. E muito mais dificilmente poderia ser desenvolvido a prazo.
Por conseguinte, esperar de um governo nacional vagas políticas de crescimento económico é insuficiente e praticamente inócuo para alterar a direcção da conjuntura europeia. Enquanto forem os capitalistas a deter a iniciativa política no plano europeu, a destruição de valor continuará de vento em popa durante mais alguns anos. Só num caso de passagem da iniciativa política para o lado dos trabalhadores e só com uma actuação decisiva nos locais de trabalho numa escala realmente internacional e numa base democrática de decisão e de actuação política, só então poderá a destruição de valor (a austeridade) ser revertida. De outra forma, suspirar por um governo de esquerda só resultará no esbatimento dos laivos rudimentares de espontaneidade que as lutas dos trabalhadores têm tido nos últimos dois anos.
6. Para terminar. Tomando em consideração a austeridade que tem sido aplicada e tomando em consideração a via de saída do euro defendida pelo PCP, importa referir que não se trata simplesmente de escolher entre dois modelos capitalistas, apesar de ser inegável qual o mais nefasto para os trabalhadores. Trata-se, também e acima de tudo, de perspectivar politicamente qual é o que permite melhores condições para que os trabalhadores se libertem dos espartilhos do nacionalismo e da fragmentação das lutas. Assim sendo, a via nacionalista preconizada pela esquerda, de um rompimento com o euro, não representa nenhum tipo de avanço das lutas sociais contra o capitalismo e muito menos qualquer tipo de articulação internacional das reivindicações dos trabalhadores.
A federalização da União Europeia não está isenta de equívocos e de problemas para os trabalhadores. Mas ela é, no quadro actualmente existente, a única via que, pressionada pelas lutas dos trabalhadores, pode desarmar o nacionalismo. A derrota da austeridade não ocorrerá pela saída do euro. Pelo contrário, só as lutas dos trabalhadores poderão dar outro rumo à federalização europeia. Tal federalização, mesmo nas condições de austeridade, tem consequências económicas menos negativas para os trabalhadores (apesar de, por si só, já serem devastadoras o suficiente) do que teria uma saída do euro (vd. aqui). E politicamente, num plano temporal mais vasto, abre possibilidades para colocar mais facilmente em cima da mesa os ataques transversais que os trabalhadores europeus têm sofrido. Portanto, dando um escopo internacional às reivindicações dos trabalhadores em todo o continente e, ao mesmo tempo, diluindo os sentimentos nacionais e nacionalistas que têm percorrido a Europa.
A esquerda nacionalista tem colocado as contradições sociais no plano ideológico da luta das nações e, portanto, mobilizando os trabalhadores contra a invasão dos “países ricos” e contra a Alemanha. Pelo contrário, a esquerda anticapitalista deverá colocar no centro da luta política a transversalidade dos ataques a que todos os trabalhadores europeus têm sido sujeitos. Portanto, colocando de modo muito nítido em cima da mesa o antagonismo dos trabalhadores relativamente às classes exploradoras de toda a Europa. A primeira perspectiva coloca a tónica numa luta entre nações ricas e nações pobres (ponto de contacto entre todos os nacionalismos) e transforma a dialéctica antagónica da constituição de um eventual «modo de produção comunista» (Bernardo 1975) contra o capitalismo, numa luta da nação portuguesa contra a supranacionalidade europeia. Assim, para a esquerda nacionalista o capitalismo seria sinónimo de uma condição apátrida e internacional, ao passo que o socialismo seria uma realidade política de matriz nacional. Inversamente, a segunda perspectiva coloca a solidariedade internacional dos trabalhadores em primeiro plano e como objectivo político crucial. Que a esmagadora maioria da esquerda tenha derivado para a primeira perspectiva, isso só demonstra o sucesso que as classes dominantes têm tido. Enquanto os capitalistas aumentam o seu poder e a sua capacidade de actuação se expande em todas as escalas, a maioria da esquerda quer acantonar os trabalhadores na nação.
No caso de uma saída portuguesa do euro, acantonando os trabalhadores numa nação em condições de vida miseráveis e desarticulando os interesses globais de todos os trabalhadores europeus em nome da defesa do interesse nacional. Tomem o nome que tomarem, não é daqui que surgem os fascismos?
Notas
[1] Rui Tavares é um deputado europeu eleito pelo Bloco de Esquerda, que se afastou deste partido em Junho de 2011, tornando-se deputado independente.
[2] Em suma, o monopólio das funções de gestão e de direcção do processo de trabalho por parte dos capitalistas, o que permite a apropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores.
Bibliografia
BERNARDO, João (1975) – Para uma teoria do modo de produção comunista. Porto: Afrontamento.
TAVARES, Rui (2012) – A ironia do projecto europeu. Lisboa: Tinta da China.
Hellôôô! Hellôôô! NEWSFLASH: Portugal NÃO saiu do euro!
O Passa-Palavra GANHOU!!!! Viva! Viva!
Grande vitória da classe trabalhadora! Nem foi precisa nenhuma luta autónoma, dois Joões armados de suas penas foi o que bastou.
Agora que já está definitivamente afastado o perigo do fascismo vindo pela esquerda, podemos concentrar-nos noutras ameaças iminentes, como o bonapartismo vindo pela direita ou o feudalismo vindo pelo centro.
Ou então, talvez, começar a falar da realidade e do que acontece em Portugal, das lutas verdadeiras e não dos discursos do Jerónimo de Sousa. Mas isso deve ser pedir demais.
Sem dívida não há capitalismo. Sem a diferença entre mão-de-obra e capital não há capitalismo. Portugal, na UE, é mão-de-obra não é capital e portanto não vai ter outra função na UE do que tentar arranjar emprego pelo investimento dos países-capital e usar o seu salário para comprar amenidades a esses mesmos países e assim devolver-lhes o que eles poderão ter gasto em salários connosco.
Portugal, na UE, não é um país capitalista, está abaixo do nível onde se decidem as políticas económicas e financeiras. Portugal, na prática, embora não o admitamos ainda claramente, é como o trabalhador à jornada que simplesmente espera a vinda de qualquer coisa do lado do capital sem ter qulquer relevância decisória.
Hoje em dia está na hora de, na UE, marcar a diferença não só entre trabalhadores e capital em geral, considerados trans-nacionalmente, mas também entre países proletarizados (Portugal, Grécia, Chipre…) e países capitalistas (Alemanha, Inglaterra, França…). Os trabalhadores alemães não estão preocupados com os trabalhadores portugueses, não estão a fazer marchas de solidariedade, não estão a fazer pressão junto dos seus políticos, eles estão interessandos no país deles.
Isto não significa que devamos colocar-nos numa posição hostíl em relação aos trabalhadores alemães significa simplesmente que terão de ser os portugueses o mais possível a cuidar de si uma vez que os outros cuidam deles. É nesta base, entre independentes, entre soberanos, que se fazem os melhores acordos de cooperação internacional, inclusive entre organizações de trabalhadores.
E já agora, curiosamente, você fala da luta internacional dos trabalhadores contra o capitalismo mas parece que você deixa a produção, a economia, ao capitalismo porque não li até agora uma linha sobre o que será a organização económica numa federação europeia dominada pelos trabalhadores sem fronteiras. Os trabalhadores serão os proprietários do capital? Como é que vai chegar comida e bebida nos pratos portugueses, gasolina nos carros, roupa no corpo, entretenimento, livros, enfim, como é que as economias se vão reproduzir a nível local – porque tem que ser a nível local – sem empresas locais, sem empreendimentos locais, sem produção local? E se não há coordenação nacional desta produção local como é que se circulam e destribuem os produtos que por exemplo pertencem a uma mesma língua – a portuguesa, porque não, ou será que é melhor começar a aprender esperanto para não ser nacionalista.
O PCP quando fala da preservação de empresas estatais não o faz em nome do nacionalismo mas em nome da preservação de alguma capacidade política dos povos sobre empresas infraestruturais. Isto quer dizer que os governos podem ser responsabilizados directamente pela actividade dessas empresas, podem ser pressionados pelo povo a adoptarem determinadas políticas para essas empreas. Uma vez que elas se tornem privadas o que passa a haver é uma grande capacidade dessas empresas chantagearem os governos, ou seja, se um governo quiser baixar os preços da electricidade terá agora que oferecer contrapartidas aos donos da EDP, quer dizer, terá de lhe dar dinheiro, alguma forma de valor, ou seja, terá de ir ao bolso do povo.
É por isso que essas empresas são um maná para os privados, especialmente com governos liberais (onde se inclui o PS) que respeitam mais os donos das empresas do que os trabalhadores.
Duas observações a propósito do primeiro dos comentários assinado «João».
1) A primeira é uma questão da facto. Na Alemanha houve manifestações de protesto contra a política seguida relativamente à crise na periferia meridional da zona euro, das quais resultaram numerosas prisões. Este facto foi, aliás, mencionado num dos artigos publicados no Passa Palavra.
2) A segunda observação diz respeito à análise teórica e desdobra-se em dois aspectos: a) O autor do comentário escreve que «Portugal, na UE, é mão-de-obra não é capital», o que corresponde a escamotear a existência de capitalistas portugueses explorando trabalhadores portugueses. Ou seja, esse comentário dá involuntariamente razão aos artigos publicados no Passa Palavra, mostrando que a esquerda nacionalista constitui um apoio social do patronato. b) Ao afirmar que «Portugal, na UE, é mão-de-obra», o autor do comentário dá involuntariamente razão aos numerosos artigos publicados no Passa Palavra, inclusivamente da minha autoria, em que se mostra que actualmente as redes de exploração da mais-valia são transnacionais, o que condena as fronteiras à ineficácia. E se as fronteiras são ineficazes para se opor aos movimentos de capitais, são também ineficazes enquanto quadro de luta dos trabalhadores.
João Bernardo,
Quanto ao seu primeiro ponto você deve estar a gozar com o pagode. Não há nenhuma acção consistente dos alemães contra as dificuldades porque passam os trabalhadores portugueses. Quem mostrou solidariedade da parte da alemanha foram sindicatos alemães mas isso é já o que se vê também na CGTP que nunca deixou da manifestar o seu apoio a trabalhadores de outros países em dificuldades, nomeadamente os gregos.
Depois, em Portugal, o PCP, com o BE, foi um partido que nunca andou a criticar a Grécia e os gregos como fizeram e fazem o PSD, o PS e o CDS. Portanto o PCP não toma lições de internacionalismo de malta federalista só porque estes se dizem federalistas. O PS é também federalista e nunca hesitou em servir-se da conversa do “não somos a Grécia”.
Desafio-o a citar alguma coisa do PCP que venha nesse sentido de critica ao carácter dos trabalhadores gregos.
Quanto ao segundo ponto você não está a ver bem a coisa. Não se trata se escamotear a existência de capitalistas portugueses trata-se de salientar que o capitalismo português está completamente submetido a capitalismos mais fortes sendo que, o que você não é capaz de dar a mínima indicação, é sobre o modo de superação da exploração capitalista segundo o seu ideário federalista.
João,
Não se tratou de manifestações sindicais, porque nesse caso não teria havido prisões. Como disse, a referência pode encontrar-se num dos artigos que o Passa Palavra publicou sobre a crise na zona euro.
O facto de o capitalismo em Portugal ser uma componente subalterna do capitalismo global só comprova o absurdo de procurar desenvolver isoladamente a economia portuguesa.
Quanto à posição do Partido Comunista relativamente aos trabalhadores gregos, não entendo por que foi aqui evocada, já que eu não referi nada sobre o assunto.
Eu estou a falar disto:
http://www.passeiaki.com/noticias/sindicatos-alemaes-austeridade-preco
Não encontro muito mais sobre grandes manifestações na Alemanha contra a austeridade no sul da europa.
Quando ao seu segundo ponto você leva as posições a um extremo que serve apenas para dar um suporte artificial ao seu federalismo. Não se trata de isolar a economia portuguesa; a defesa de maior soberania económica não é a mesma coisa do que o orgulhosamente sós, é o contrário disso, porque só se está orgulhosamente só quando se está na merda, passo a expressão – quando se está bem está-se em relação com os outros.
Então, defendo sim o desenvolvimento da economia nacional não segundo os padrões actuais de hegemonia do grande capital mas segundo uma diversificação dos modelos de propriedade que, portanto, junte à função produtiva a função social e política. Ou seja, há concerteza necessidade de propriedade privada do capital mas há também necessidade de propriedade Estatal, propriedade local ou regional e propriedade social ou cooperativa. Esta diversificação de modelos de propriedade do capital a meu ver permite disseminar a capacidade política dos trabalhadores.
Porém, é minha convicção que a disseminação de modelos de propriedade do capital só é possível se realmente tiver início em algum local, enfim, num país e para isso é preciso que seja percebida uma necessidade que seja também local – ninguém faz uma revolução a pensar apenas na humanidade como um todo, uma revolução mesmo de carácter internacionalista, começa também por responder e agir sobre condições locais; isto quer dizer também que uma revolução só se torna internacional de dois modos, ou cada país a gera em seu seio ou um país a exporta com os seus exércitos. Portugal se estiver à espera do mundo inteiro para gerar alguma coisa de novo não vai por isso conseguir inibir-se de ter de agir nacionalmente a não ser que a revolução ou a novidade chegue de uma invasão estrangeira o que, mesmo assim, no caso, também obriga a uma qualquer resposta nacional.
Falei do PCP e da Grécia mais a propósito do post. É que a ironia é que enquanto o post acusa o PCP de nacionalismo por não ser federalista a realidade mostra que o PCP sempre apoiou inequivocamente os gregos contra a acção da troika – nunca andou atarefado a sugerir, como o fizeram outros, inclusive federalistas, que o caso grego era diferente porque os gregos eram piores que nós.
Curioso como a correção teórica – que o PCP não tem – leva o JVA a achar inevitável este processo de “recapitalização” da banca!
João,
Já várias vezes mencionou o meu «federalismo». O que se passa é que entre duas posições, ambas capitalistas — a de estimular um capitalismo de Estado fora do euro ou a de defender um desenvolvimento do federalismo europeu dentro da zona euro — eu eu outros companheiros que têm escrito no Passa Palavra pensamos que o federalismo capitalista europeu oferecerá um melhor quadro para a autonomia de classe dos trabalhadores do que um capitalismo de Estado. O que nos ocupa não é o federalismo como meta, mas como terreno de luta dos trabalhadores, por razões que têm sido explicadas em artigos neste site. Mesmo admitindo a diversidade de tipos de propriedade — que se me afigura possível sem sequer admitir a propriedade privada, só com propriedade colectiva e cooperativa — não entendo por que razão seja obrigatório o confinamento a fronteiras nacionais. É claro que se começa sempre em alguns lugares, mas esses lugares podem ser uma empresa, uma rede económica, uma cadeia de produção, o que é muito diferente de um país. Eu não falo contra os países só por raiva, mas porque a transnacionalização retirou a razão de ser aos países enquanto entidades económicas. Para os argumentos, remeto para aqui:
http://passapalavra.info/?p=39343
Hoje já não é possível exportar uma revolução nas mochilas de um exército, por mais vermelho que seja. Na época actual, em que nas grandes empresas uma cadeia de produção tem cada uma das suas fases localizada num país diferente e, mais do que isso, graças à terceirização pode mudar facilmente de países, o internacionalismo tornou-se muito diferente de uma soma de nacionalismos.
João Bernardo,
Você parece estar a supor que a defesa de uma política de esquerda a nivel nacional é impeditiva de uma política de esquerda a nível internacional. A minha defesa da prioridade do plano nacional não impede em nada que as políticas de esquerda se possam internacionalizar; é você que sugere que qualquer política de esquerda no plano nacional depende inteiramente de começar por ser internacional. É a sua posição e não a minha que é exclusivista. Eu não exclúo nenhum país, você começa por excluir todos. O seu “todos os países ou nenhum” deve ser lido, na prática, com o nenhum a explicar o todos; todos ou nenhum, em que nenhum quer dizer o mesmo que todos, como quem diz, dez ou uma dezena, assim é o seu todos ou nenhum.
Você pensa que a criação de estruturas federais servirão melhor a comunidade da luta de todos os trabalhadores contra o capital – pois bem, quem ou o quê é que lhe garante que todos os trabalhadores vão querer lutar contra o capital? Quem é que lhe garante que não poderá haver uma maioria de trabalhadores na europa que seja a favor da expansão do domínio do capital, nomeademente do capital que fala a mesma língua que os trablahadores? O que é que lhe garante que os trabalhadores do norte da europa não preferirão chegar a acordo com o capital para impor modelos de seu interesse a toda a federação?
João,
Para me exprimir sinteticamente, uma linha de raciocínio que tem sido defendida no Passa Palavra, tanto em artigos individuais como em artigos assinados pelo colectivo, é a seguinte:
1) Abandono do euro e adopção de uma moeda depreciada → aumento dos preços dos bens importados →
a) aumento dos preços dos meios de produção importados → agravamento da deterioração da produtividade
b) aumento dos preços dos bens de consumo importados → agravamento da deterioração dos salários reais
a + b → agravamento da mais-valia absoluta → aumento da acção repressiva do Estado.
2) Abandono do euro e adopção de uma moeda depreciada → aumento da intervenção económica do Estado.
1 + 2 → capitalismo de Estado.
Ora, as experiências históricas, até agora, têm mostrado que as condições de luta dos trabalhadores são especialmente difíceis em regimes de capitalismo de Estado. Por outro lado, a crise actual mostra que a manutenção do euro é impossível se não se progredir no sentido do federalismo europeu. A oppção é entre o capitalismo de Estado — obrigatoriamente nacional porque é esse o âmbito do Estado — e o federalismo europeu.
José Ferreira,
não se trata de defender a recapitalização da banca. Trata-se de chamar a atenção que o argumento do género “os bancos que se safem a si mesmos” na actual conjuntura é precisamente a mesma atitude que os liberais tomaram em 1929 com os extraordinários resultados que se conhecem… Por conseguinte, entre o colapso do sistema bancário e a recapitalização dos bancos a segunda fica mais barata. Você pode dizer, e com razão, que isso tem custos para os trabalhadores. Pois tem. Se nós vivemos em capitalismo, estava à espera do quê? Esperar um comportamento diferente do Estado e dos capitalistas nesta situação é como esperar que um governo “mude de política”, “pense na justiça social”, entre outros slogans que caracterizam a esquerda parlamentar e que gosta de passar a ideia que com eles no governo as coisas seriam radicalmente diferentes…
Pergunta João:
«Você pensa que a criação de estruturas federais servirão melhor a comunidade da luta de todos os trabalhadores contra o capital – pois bem, quem ou o quê é que lhe garante que todos os trabalhadores vão querer lutar contra o capital? Quem é que lhe garante que não poderá haver uma maioria de trabalhadores na europa que seja a favor da expansão do domínio do capital, nomeademente do capital que fala a mesma língua que os trablahadores? O que é que lhe garante que os trabalhadores do norte da europa não preferirão chegar a acordo com o capital para impor modelos de seu interesse a toda a federação?»
Mas isso é o que acontece no actual quadro nacional… Importa também ressalvar que o comentador João toma a federação como se fosse uma máscara para disfarçar o domínio teutónico… Ora, se os capitalistas alemães continuarão a ter um plano central na definição da UE, importa perceber que antes de alemães eles são capitalistas e é ver o que, por exemplo, gestores italianos como Monti ou Draghi conseguiram fazer nos últimos dois anos: agregaram em torno de um programa que finalmente avance com a federalização os grandes capitalistas de toda a Europa, arrastando mesmo consigo membros do relutante Bundesbank. Portanto, seria bom que a esquerda começasse a perceber que os interesses dos capitalistas secundarizam a nação e se concentram na expansão dos negócios…
Por outro lado, a federação não é vista como se de uma mera estrutura política se tratasse. De facto, agregado intimamente à federação virá necessariamente e a prazo uma melhoria da situação económica. Ora, eu prefiro sempre uma via que deteriore o menos possível as condições de vida dos trabalhadores. A reorganização institucional da UE rumo a uma federalização ou maior integração não apenas estabilizará o euro, como irá relançar a economia. Ora, e é em situações fora de crises económicas que as lutas sociais têm maiores probabilidades de êxito. É só comparar as lutas europeias entre 1917-27 (das barricadas em França e na Rússia, até à Comuna de Xangai) com as lutas em 1929-33, ou destas últimas com a onda revolucionária seguinte de 1948-56 (Berlim, Budapeste, etc.).
É um economicismo recorrente o que a esquerda tem tido e desenvolvido nos últimos tempos a propósito da crise. Mas alguém pensa que a crise durará indefinidamente? Claro que para os trabalhadores um ano que seja representa em muitos casos, dificuldades tremendas. Mas em termos macroeconómicos a crise não é uma condição eterna… Aliás, o que a esquerda se esquece é que se a UE já fosse a unidade política federal que deveria ser para albergar uma união monetária, a crise das dívidas soberanas não teria tido metade dos efeitos que teve? Se o BCE já fosse o credor em última instância, se já houvesse emissão federal de dívida (os EUA, o Brasil, etc. não têm essa coisa pateta de ter uma dívida por cada estado integrante…), etc. a crise financeira teria sido atacada logo desde início. Foi o nacionalismo remanescente que impediu a unificação política que, por sua vez, teria respondido muito mais atempadamente à crise das dívidas soberanas.
Sobre a questão da mais-valia absoluta que tem sido levantada em vários comentários, reproduzo parte de um comentário meu que lançou uma celeuma enorme na blogosfera da esquerda nacionalista. O que é elucidativo nas respostas insultuosas que fui alvo noutro local é que as análises internacionalistas nalguma coisa estarão a acertar. Mas vamos ao comentário que é o que realmente interessa:
«O que, até hoje, nenhum dos nacionalistas se dignou a responder é o seguinte: se a competitividade iria aumentar 30 ou 40%, de acordo com as matrizes de input-output que têm utilizado, e se, ao mesmo tempo, ocorrerá uma desvalorização de 30 a 50% da moeda, logo a importação de combustíveis, de matérias-primas, de medicamentos, de maquinaria, etc. aumentaria, pelo menos inicialmente, na mesma proporção. Logo, se os custos com importações dificilmente substituíveis como várias das matérias-primas, combustíveis, maquinaria, medicamentos, etc. iriam aumentar, e se, mesmo assim, os economistas nacionalistas ainda conseguem afirmar que Portugal ganharia competitividade então só vejo uma resposta possível. Para conseguirem tal competitividade isso só poderá ser feito à custa da maior exploração dos trabalhadores, da expansão da mais-valia absoluta e da correspondente edificação de um aparelho de Estado ainda mais repressor para conter as revoltas geradas… Aliás, um dos economistas nacionalistas chegou ontem a dizer no jornal “i” que seria necessária «uma liderança forte para que não houvesse turbulência»… Mais palavras para quê? Se a política que a esquerda nacionalista preconiza é assim tão benéfica para os trabalhadores para que precisariam de uma «liderança forte»?»
Esta é uma das questões centrais que a esquerda nacionalista defensora da saída do euro não responde. E que demonstra onde o seu programa económico se estruturaria: na compressão económica e política da classe trabalhadora num grau ainda superior. Na melhor das hipóteses, será a reprodução da austeridade que temos vivido e com o prejuízo político de colocar trabalhadores contra trabalhadores de modo muito mais acentuado do que hoje.
Uma última nota neste comentário sobre o suposto apoio que a CGTP daria a iniciativas internacionais.
1- a chamada greve europeia de novembro passado foi sobretudo uma acção concertada e convocada entre estruturas de uma linha política relativamente próxima. Nem todas, mas na sua maioria.
2- a chamada greve europeia colocou como bandeira principal o direito de cada povo-nação decidir sobre si mesmo. Ora, esse é o “internacionalismo” da soma de nações. Por isso escolheram bandeiras de países para se manifestarem e por isso escolheram as bandeiras de Portugal, Grécia, Espanha, as pobres “nações proletárias” ou terceiro-mundistas que estariam a saque das “nações plutocráticas” e gananciosas do norte. Portanto, seriam supostamente todos os nacionais do sul da europa (capitalistas e trabalhadores) a serem extorquidos por todos os nacionais do norte da Europa (capitalistas e trabalhadores). Escuso de lembrar quem defendia estas teorias.
3- se a CGTP deu tanta importância à greve europeia porque a resolução apresentada no final do dia em jeito de balanço da referida iniciativa não dirige uma palavra que seja sobre essa greve europeia? http://www.cgtp.pt/greve-geral/5815-greve-geral-resolucao
JVA,
É curioso que você fale dos EUA. É que a sua federação não evitou uma guerra civil entre norte e sul.
Você diz, se fosse uma federação não teríamos tido esta crise. Pois bem, o que interessa portanto é perceber porque razão não somos uma federação – e olhe que não é por falta de vontade do PS e do PSD?
A Alemanha e o norte da europa já se pronunciaram contra a mutualização das dívidas e duvido muito que os seus povos venham a aceitar essa mutualização, duvidomuito que alguém lá ganhe eleições propondo a partilha da dívida dos outros – isto é bom para os que estão no buraco, para os que não estão não é muito interessante. E sabe porquê? Porque perdem autonomia, independência.
Portanto você está a apontar a um alvo que não está ao seu alcance, não depende nada de Portugal a instituição do federalismo que que quer dizer, ao mesmo tempo, que a sua proposta para o país é a de uma completa paralização de toda a iniciativa o que quer dizer uma perfeita submissão ao que vem da Europa, enfim, eu até pensei que você fosse um adepto do PS mas, na prática, você é como o Vitor Gaspar e o Passos Coelho – abdicar de iniciativa, obedecer à UE (Alemanha) é o que resulta das suas posições quer você o queira quer não.
“Por outro lado, a crise actual mostra que a manutenção do euro é impossível se não se progredir no sentido do federalismo europeu. A oppção é entre o capitalismo de Estado — obrigatoriamente nacional porque é esse o âmbito do Estado — e o federalismo europeu.”
– João Bernardo, isto pode simplesmente querer dizer que o euro é inviável ou que alguns países vão ser empurrados para fora do euro. Nos EUA também existe muita miséria, existem Estados onde prevalece a pobreza. Não há razão nenhuma para pensarmos que Portugal mesmo sendo aceite numa federação venha com isso a ser próspero.
João,
mutualização das dívidas não é a mesma coisa que uma dívida federal… A mutualização é a repartição dos riscos e, nesse caso, o Estado alemão não quer esse pagamento. Inversamente, uma dívida federal, é uma emissão de dívida pública a partir de um Tesouro Federal (que não existe, ainda).
Sobre a independência, soberania e afins. Mas os trabalhadores são mais livres por terem patrões portugueses ou alemães ou chineses? Quem controla os processos de produção, seja em que local do mundo for? Por isso a tese do povo português tomar conta do seu destino enquanto povo é falaciosa. E é-o porque o povo português são todos os nacionais de um país, sejam patrões ou trabalhadores. Sob a capa da pretensa luta pelo socialismo, o que existe é a constituição de um capitalismo nacional, fechado, e com novos capitalistas (colocados sobretudo no Estado). Os trabalhadores continuarão sob a alçada do capital. E, pior, porque num capitalismo mais atrasado, menos produtivo e com piores condições de vida para os trabalhadores.
Sobre o capital português. Essa é uma pergunta pertinente, pois salvo a sede de algumas empresas estarem em Portugal, as mais importantes empresas portuguesas actuam cada vez mais no exterior: Jerónimo Martins (Colômbia e Polónia), EDP (EUA, Espanha, Brasil), PT (Brasil, Espanha), etc. A própria Sonae também começou agora a operar na China… Quando a esquerda critica o facto de a Jerónimo Martins ter ido para a Holanda por causa dos impostos é pena que ela não tenha tirado todas as consequências dessa operação. Não se trata acima de tudo de uma questão fiscal. Afinal ou se criticam os capitalistas de pagar poucos impostos em Portugal – e que pagam pouco – ou então pode ser que haja algo mais importante por detrás. Na realidade, as 19 das 20 empresas cotadas no PSI20 foram constituir sedes fiscais na Holanda precisamente porque as empresas precisam de crédito. E com a situação portuguesa de crise e com a impossibilidade na altura de a banca portuguesa contrair empréstimos no estrangeiro (entretanto, com a recapitalização já conseguem fazer isso), o que eles decidiram? Foram para locais que lhes permitisse aceder a crédito para os seus investimentos no estrangeiro… Seria interessante os econometristas avalizarem qual seria o impacto de esses grupos económicos terem ficado fechados em Portugal. Nesse caso talvez se dessem conta de uma miniatura do que seria o fechamento de Portugal fora da zona euro.
Para terminar este meu comentário, ninguém vai empurrar ninguém para fora do euro. Se fosse do interesse dos capitalistas e se não comportasse riscos para a estabilidade da zona euro, isso já teria acontecido há bastante tempo. Essa tese é muito mais um desejo da esquerda do que uma realidade. Vd. ponto 2 do meu artigo aqui: http://passapalavra.info/?p=68664
JVA,
Você é um metafísico. Vê as coisas por substâncias sem incluir os processos por mor do qual esas substâncias se vêem a constituir. Você fala do tesouro federal mas é preciso incluir no tesouro federal as pressuposições para tal assim como ao menos algum cálculo de acidentes. As pressuposições para o federalismo não são difíceis de sacar: é preciso a conjunção da vontade dos Estados membros; conjunção essa que é ainda organizada pelos procedimentos da realpolitik, quer tem mais poder serve-se do processo as para o manter e multiplicar, ou seja, não há federalismo sem uma ditadura dos mais poderosos sobre os mais frágeis – sendo que o esforço vai ser para disfarçar o mais possível o carácter dictatorial para o que irão contribuir os próprios governos dos países mais frágeis, ou seja, falarão grosso cá dentro e fininho lá fora: tal como já acontece, veja-se o PS e a moção de censura em que cá dentro fala grosso contra o governo mas lá para fora promete submissão.
Quanto ao que eu chamei acidentes eu saliento a minha profunda convicção que dentro do federalismo vão agravar-se os nacionalismos, as desconfianças mútuas, os ódios, e ainda embora pareça remoto parece-me que uma guerra europeia tem maior possibilidade de acontecer no federalismo do que numa união económica (sendo ou não também monetária).
Estar próximo demais pode ser pior para a paz do que manter alguma distância.
Você não tem nenhuma capacidade de garantir que o federalismo trará maior prosperidade para Portugal; já diziam o mesmo do euro e o que se vê é a prosperidade que poderá ter sido gerada a ser devorada. Não esqueçamos que estamos com a maior taxa de desemprego pelo menos desde o 25 de Abril e talvez até do Estado novo. Sem garantia de que traga prosperidade garante, no entanto, sem dúvida, que Portugal verá reduzidos mais ainda os seus mecanismos de soberania e decisão de acordo com a vontade popular.
E vale ainda dizer que não me parece intelectualmente honesto remeter a ideia de maior soberania económica e política nacional com o orgulhosamente sós ou com o estar voltado de costas para a europa. Que eu saiba há muitos países que não são do euro e continuam a fazer negócios com a europa do euro e com o mundo, não são de todo países fechados.
O caso Islandês é exemplar. O povo decidiu o que fazer em relação à crise que tiveram, decidiram de acordo com o que julgaram melhor e contra os interesses de alguns países poderosos incluindo o directório da UE. Para você isto será nacionalismo, para mim é uma simples demonstração do que é o exercício da vontade popular em relação à sua vida colectiva no interior de seu país e em favor do próprio país.
No federalismo isto acabou.
E entenda que o seu uso do termo nacionalista para se referir ao PCP e a todo e qualquer que fale da prioridade do interesse nacional é, objectivamente, um favor que faz a toda a extrema-direita e a abertura do campo para partidos fascistas e até nazis, como é o caso da Grécia. A indiferenciação em que você lança o conceito de nacionalismo presta-se a isso mesmo.
1- federalismo. Os estados nacionais não existem no vácuo e não têm poder em si mesmos. Quem tem o poder são os capitalistas. E são eles que estão a decidir essa maior unificação… E aí a concordância entre os documentos existentes e disponíveis da Comissão Europeia e do BCE é total. Você acha que a federalização não vai avançar por causa dos seus desejos e pelo que ouve dos políticos. Eu, pelo contrário, tendo ir lendo e vendo o que realmente dizem os capitalistas. Como o João Bernardo disse acima e assino por baixo, a federalização não é o nosso objectivo político. É simplesmente o meio menos mau entre a saída do euro e o aprofundamento da integração europeia.
2 – Metafísica é achar que não haverá guerras com uma implosão da zona euro… Repare, uma saída da zona euro não se cinge apenas a Portugal. Iria ter impactos fortíssimos na economia de todos os países e teríamos os trabalhadores alemães a dizer que perderam poder de compra e os seus empregos por culpa dos madraços dos portugueses e dos gregos e, do outro lado, teríamos os trabalhadores portugueses, etc. a dizer que a culpa seria dos alemães, etc.
3 – Sobre a Islândia. Como é possível comparar um país fora de uma zona monetária com um país como Portugal que está na zona euro e que se saísse teria de arcar com uma moeda altamente depreciada, com uma estrutura produtiva débil e uma produtividade baixíssima? Portanto, tudo condições totalmente distintas do que se verifica em Portugal… Por outro lado, é estranho que os membros do PCP sempre lestos a ver a CIA por todo o lado, não vejam, neste caso, o peso das estruturas de poder norte-americanas no financiamento da economia islandesa em troca de uma importante base militar naquele país… A não ser que se Portugal saísse do euro adoptassem uma medida parecida…
Sobre o nacionalismo. Claro que o nacionalismo à esquerda é distinto do nacionalismo à direita. Mas o existe um campo comum e é esse campo comum que acaba sempre por puxar a esquerda para a direita. E isso vai dos casos em que a aliança entre marxismo e nacionalismo em situações de libertação nacional acabaram por se tornaram estritamente nacionalistas, seja por via da eliminação física dos comunistas (ex. Indonésia), seja por via da diluição completa do vector socialista no quadro nacional novo (ex. Angola, etc.).
Sendo assim, a nação é imaginada como soberana na medida em que o primado da entidade nacional é considerado como espaço de soberania política. Trocado por miúdos, para as diferentes correntes políticas que partilham visões nacionalistas, os processos de tomada de posição decisivos de uma sociedade deveriam ser desencadeados dentro dos órgãos estatais de um determinado Estado-nação. E aqui se encontra outro ponto de convergência entre as linhas políticas nacionalistas de esquerda e de direita: a crítica ao capitalismo é realizada na presunção de que este é “apátrida”, desprezando completamente os seus mecanismos económicos. Ou como digo neste último texto «para a esquerda nacionalista o capitalismo seria sinónimo de uma condição apátrida e internacional, ao passo que o socialismo seria uma realidade política de matriz nacional. Inversamente, a segunda perspectiva coloca a solidariedade internacional dos trabalhadores em primeiro plano e como objectivo político crucial».
Ou como já escrevi noutro momento sobre o conceito de nacionalismo: «De facto, o nacionalismo expressa-se no modo de pensar a realidade, tomando os países como realidades económicas unas, transcendendo e secundarizando os antagonismos de classe. Ou, noutro sentido, equivalendo a burguesia e os gestores ao conjunto dos países ricos do norte da Europa e equivalendo o conjunto dos trabalhadores às nações periféricas. É isto o nacionalismo: a elisão dos antagonismos de classe na sociedade e a aposta num trabalho ideológico e político de harmonização da classe trabalhadora com sectores das classes dominantes».
«De facto, o nacionalismo expressa-se no modo de pensar a realidade, tomando os países como realidades económicas unas, transcendendo e secundarizando os antagonismos de classe. Ou, noutro sentido, equivalendo a burguesia e os gestores ao conjunto dos países ricos do norte da Europa e equivalendo o conjunto dos trabalhadores às nações periféricas. É isto o nacionalismo: a elisão dos antagonismos de classe na sociedade e a aposta num trabalho ideológico e político de harmonização da classe trabalhadora com sectores das classes dominantes».
A meu ver é uma definição pouco feliz. Um país é uma substância ética que se reproduz pela reprodução dos seus momentos, quer dizer, da actividade dos seus membros. Portanto, neste caso, um país não suprime a luta de classes mas localiza-a e concretiza-a, dá-lhe corpo. É isto que me parece que você não quer entender.
Porque isto quer dizer também que na mesma medida em que um país dá corpo a antagonismos de classe ele também dá o corpo para a lide com esses antagonismos. As lutas não ocorrem nas núvens ou se ocorrem nas núvens ou chegam a descer ao terreno ou é mero entretenimento – como é o nosso aqui na blogosfera.
A) Você diz que quem tem o poder são os capitalistas. Aqui estamos de acordo, em tenho vindo a dizer o mesmo nos meus comentários. Mas você não diz o resto. Onde exercem os capitalistas o poder político? Nas instituições demicráticas actuais através da colonização dos partidos ditos do arco da governação. São estes partidos que irão construir o federalismo, ou seja, vai ser uma negociação entre capitalistas.
B) Não há motivo para que a saida de países do euro conduza à guerra; isto quer dizer que afinal a mera saída da moeda única já só pode ocorrer presumindo o derramamento de sangue o que, indica, por sua vez, o caracter mais perigoso ainda do federalismo. Se sair do euro para você já oferece riscos de guerra quanto mais não oferece uma saída da federação. E depois se a saída da crise actual é o federalismo qual será a saída quando uma crise desta dimensão cair sobre a própria federação? É por aqui que eu digo que uma federação pode aumentar o risco de uma guerra europeia.
C) A decisão da Islândia passou por um referendo popular. Os Islandeses decidiram votar entre eles sobre se apoiavam os bancos em dificuldades ou não. Eu não me recordo de ler alguma coisa sobre promessas, na campanha para o referendo, de dinheiros norte-americanos de modo que não me parece que esse factor tenha pesado na decisão dos Islandeses. Mas talvez você me possa mostrar onde é que adeptos da posição contrária ao resgate dos bancos islandeses, a posição que venceu, prometeram que os EUA iam injectar dinheiro na Islândia.
«Um país é uma substância ética que se reproduz pela reprodução dos seus momentos, quer dizer, da actividade dos seus membros. Portanto, neste caso, um país não suprime a luta de classes mas localiza-a e concretiza-a, dá-lhe corpo. É isto que me parece que você não quer entender».
Um país é uma substância ética? Seria interessante que as pessoas começassem a comparar os conceitos que defendem com a sua real proveniência. Assim talvez compreendessem melhor a sua real localização política. Mas que se há-de fazer se a confusão das categorias, dos termos e dos conceitos é, desde logo, metade da história das ideologias…
Sim, um país é uma substância ética. Hegel viu isso muito bem desde logo na polis grega. O conceito de idiota surge precisamente na Grécia antiga para caracterizar os que não se envolviam na vida da polis e ficavam se centravam apenas em seus negócios particulares.
A sua proposta não é acabar com os países é criar um outro e para tanto você precisa de mecanismos de identificação entre os momentos da nova substância ética (a federação) e essa nova substância ética. O seu argumentário vai nesse sentido, você tenta lançar razões, motivos, porque nos devemos apegar a esse novo país cuja formação você defende. Só por aqui se percebe porque razão é uma substância ética, ou seja, porque só vale enquanto há um compromisso das consciências com a sua reprodução. Sem este compromisso das consciências, seja voluntário ou à força, ou por um jogo entre ambos, voluntariedade e obrigação, a substância desaparece.
João,
você conseguiu discutir sei lá quantos comentários aqui e no Vias de Facto sem qualquer conexão com os fenómenos sociais e económicos… Assim, toda a discussão gira apenas em torno de concepções apriorísticas e do que o A acha de X e o B acha de Y. Ora, o que o marxismo tem de positivo e de valioso é a sua sustentação nos processos sociais e não estritamente no plano das ideias. Por isso é que eu e o João Bernardo, entre outros, vemos o federalismo não como um fim em si mas como o meio que neste momento menos prejudica o desenvolvimento das lutas sociais. O ponto de partida é sempre o da análise das condições socioeconómicas e da crítica aos processos que impedem a organização da classe trabalhadora. É daqui que todas as análises que têm surgido no Passa Palavra sobre este assunto derivam. Ora, você procede precisamente ao contrário o que acaba por prolongar a discussão para desvios semânticos, discussões sobre a nação substância ética e outras coisas que não servem nem conta para grande coisa.
Por exemplo penso que vale a pena discutir a Islândia a partir da sua estrutura económica e não porque “aquele povo” quis ser soberano. Se, por exemplo, se tiver uma concepção mínima das exportações desse país verificará imediatamente que não só eles não saíram de uma zona monetária supranacional, como a sua estrutura de exportações abarcam 37% produtos do mar de todo o tipo, os 31% de alumínio em bruto, e, por último produtos de componente tecnológica relevante como aparelhos de aeronáutica (4,5%), e medicamentos (2,2%). Ora, 60% das exportações portuguesas são de produtos com baixa e média-baixa componente tecnológica o que significa que uma saída do euro tornaria inviável uma requalificação do seu aparelho produtivo. Se hoje Portugal importa 50% de bens com alta componente tecnológica, isso ficaria muito mais caro com uma moeda depreciada…
A partir daqui (e de outros elementos) pode-se discutir todas estas discussões. Sem isto em mente, chapéu…
JVA, a economia não começou agora, os seres humanos já vivem em situações económicas complexas há muitos séculos. Se você for perguntar a um islandês se o que o identifica com o seu território são essas variações entre exportações e importações duvido que você receba uma resposta que lhe agrade.
E já agora, porque razão é que uma organização federal seria melhor para a condição económica portuguesa? O euro torna a tecnologia mais barata do que tornaria o escudo mas o problema é que não há euros, o país está pobre.
Você não tem nada de sólido para defender o federalismo. É uma fezada que você tem, você e muitos outros, talvez até a grande maioria mas isso é porque douram a pílula, recusam laborar sob a dinâmica que criará a federação se ela vier a ser – realpolitik (e não a tal solidariedade de que vocês falam).
«Um país é uma substância ética que se reproduz pela reprodução dos seus momentos, quer dizer, da actividade dos seus membros» merece no mínimo o prémio Vasco Graça Moura para patetice de esquerda do ano. Como é que se pode discutir algo minimamente sério com argumentos deste calibre?
Quando você ler a secção da Fenomenologia do Espírito de Hegel, um dos mestres de Marx, que labora sobre este tema nós poderemos falar sobre ele, até lá você pode guardar o seu prémio Vasco Graça Moura para o momento em que possa justificar a sua atribuição com algo mais do que a sua ignorância militante de conceitos básicos da filosofia hegeliana. Sem Hegel não haveria Marxismo. Não se esqueça disso.
E ainda o que eu digo é auto-evidente. Um país não é delimitado nas estrelas nem é reproduzido no olimpo; um país não é sem a actividade de um povo enquanto nessa cabe e visa a reprodução daquele, do país, a partir do que se reproduz o próprio povo – e então como povo desse país e país desse povo. Não sei porque razão você acha isto tão difícil de entender – a não ser que você conheça algum outro modo, talvez alguma coisa na água…não sei.
Alguém poderia me indicar algum estudo acerca da intensificação da mais-valia absoluta em regimes fascistas? Desde já agradeço.
Marcus,
Na perspectiva específica que você pede, que requer uma abordagem marxista, só me estou lembrando de uma obra: Charles BETTELHEIM, L’Économie Allemande sous le Nazisme. Un Aspect de la Décadence du Capitalisme, 2 vols., Paris: François Maspero, 1971. Mas note que não existiu um sistema económico similar em todos os fascismos e que, além disso, ao longo do tempo cada fascismo variou bastante de regime económico. Acerca deste aspecto poderá ler, por exmplo: S. J. WOOLF, «Did a Fascist Economic System Exist?», em S. J. Woolf (org.) The Nature of Fascism. Proceedings of a Conference Held by the Reading University Graduate School of Contemporary European Studies , Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1968. Eu analisei o caso em que o nacional-socialismo germânico passou muito além da mais-valis absoluta e instaurou um escravismo de Estado em que a própria noção de mais-valia for destruída, no capítulo «O Nacional-Socialismo como Metacapitalismo», nas págs. 259-301 do meu livro Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta, Porto, Afrontamento, 2003. Como cito em rodapé numerosa bibliografia, talvez lhe possa ser útil.
Marcus,
também há outra obra que vale muito a pena sobretudo no que diz respeito ao nazismo: NEUMANN, Franz (2009 [1944])”Behemoth: the structure and practice of national socialism”, Oxford University Press. A parte II desta obra (p.221-364 nesta versão) é uma minuciosa análise dos processos de mais-valia absoluta (ou pior como muito bem analisou o João Bernardo no capítulo que ele menciona no comentário anterior) no nacional-socialismo.