A comemoração do cinquentenário da inauguração do Cristo-Rei, estátua gigante edificada na margem sul do Tejo, constituiu um massacre do princípio constitucional da separação entre a Igreja e o Estado.

cerejeira_2Fez agora cinquenta anos que o Cristo-Rei, estátua gigante edificada na margem sul do Tejo em frente à cidade de Lisboa, foi inaugurado pelo cardeal Cerejeira, colega em Coimbra e pilar religioso do ditador Salazar – em “agradecimento pela não-participação de Portugal na Segunda Guerra Mundial”. Desenhado à imagem do Cristo do Corcovado, do Rio de Janeiro, ali tem estado este tempo todo, assistindo à construção e depois de vigia à primeira ponte sobre o rio que se chamava Ponte Salazar e em 1974 passou a chamar-se Ponte 25 de Abril. Na intimidade, a vox populi chama ao monumento “o saca-rolhas”.

O cinquentenário agora comemorado constituiu, nas televisões portuguesas, um massacre do princípio constitucional da separação entre a Igreja e o Estado. Com grande destaque para Presidente da República, ministros do Governo, contingentes das Forças Armadas (sobretudo da Marinha de Guerra) e das forças policiais, o Estado supostamente republicano e laico foi – depois dos cardeais, dos bispos, dos padres, das missas e da beatice reinante – o grande protagonista da romagem. Tudo, como de costume, “em nome dos sentimentos religiosos do povo português”.

Para dar mais repercussão ao espectáculo, foi – coisa rara – trazida a grande vedeta da religiosidade pagã nacional, que é também o maior negócio que em Portugal não paga impostos: a imagem de Nossa Senhora de Fátima, a verdadeira, a que está normalmente na Cova da Iria, com 1,10m, feita de cedro do Brasil e que na coroa tem 2670 pedras preciosas, oferecidas pelas mulheres portuguesas em 1942. Foi acondicionada numa caixa almofadada e colocada no banco de trás de um carro particular. Viajou até Lisboa escoltada por militares da GNR [Guarda Nacional Republicana].

A procissão arrastou cerca de cem mil pessoas. Em paralelo às celebrações religiosas, os presidentes das câmaras [prefeitos] de Lisboa e de Almada assinaram um acordo com o reitor do Santuário do Cristo-Rei, Sezinando Alberto, para a compra da iluminação para o santuário, orçada em 150 mil euros [cerca de R$ 420 mil] a dividir pelas três entidades.

Oitenta e seis pessoas tinham sido assistidas, até ao início da noite, algumas por má alimentação.

Foram dezenas e dezenas de horas de “informação” televisiva, com uns rapazes e umas raparigas [moças] que se apresentam como jornalistas a entrevistarem velhinhas de vela na mão, a comentarem grandes planos de rostos fervorosos, a darem a voz a peregrinos: “A vida está muito mal, estou desempregado, este é o recurso que nos resta, o Cristo-Rei e Nossa Senhora vão-nos ajudar”. “Foi graças a ter-me agarrado com toda a força a uma fotografia de Nossa Senhora e ter-me ajoelhado perante Deus que um terrorista não me matou em Angola, em 1975”. “Nossa Senhora cura as feridas da nossa vida!” .

Um amigo chegado, quando via cenas destas, costumava dizer: “O Salazar ainda não morreu”.

Irresistível é a frase que aparece no blogue Irmão Lúcia: “Prova de fé era levarem o Cristo-Rei ao Santuário de Fátima”. Passa Palavra

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