Por João Valente Aguiar

Leia aqui a 1ª parte, a 2ª parte e a 4ª parte deste artigo.

III. Um colapso grego resultará num colapso económico europeu [1]

Possivelmente a eurozona até esteja bem mais integrada economicamente do que se pensou inicialmente dados os riscos macroeconómicos que este modelo apresenta, onde parece bastar uma sua componente com apenas 2% do PIB para fazer tremer toda a eurozona. Ao contrário do que defendem os sectores nacionalistas das forças políticas alemãs (e de outros países nórdicos) onde a extrema-direita apresenta uma grande força eleitoral, a generalidade da burguesia tem usado o fantasma da saída (forçada ou pelo seu pé) da Grécia do euro como chantagem política para que aquele país continue a levar a cabo as políticas de austeridade e de elevação da exploração dos trabalhadores. Em termos objectivos, todos os elementos conhecidos apontam para o risco enorme que uma saída da Grécia teria para o conjunto da economia europeia (e não só). Se tal vier a acontecer, isso será consequência de 1) condicionantes económicas (ou políticas) que ultrapassem o grau de controlo económico e político do grande capital europeu e não porque seja um seu desejo; ou 2) no próprio caso de que as tendências políticas nacionalistas de extrema-direita tomem o poder no centro da eurozona e cumpram o seu projecto político de uma Europa nórdica, branca, higienizada e fascizante. Mas, para já, enquanto não se conhecem novos desenlaces decorrentes do processo eleitoral grego de 17 de Junho, nada aponta que a burguesia transnacional tenha qualquer objectivo de obrigar (ou deixar) a Grécia a abandonar o euro. Evidentemente, não por qualquer motivo de ajuda benemérita, mas porque a integração orgânica do euro implica que os efeitos numa das suas partes repercutam violentamente no conjunto do organismo.

Nesse sentido, George Soros, num artigo de Agosto de 2011, chama a atenção precisamente para o perigo inerente a uma excisão grega da zona euro. «Deve ser reconhecido que uma falência desordenada ou uma saída da eurozona, mesmo por um país pequeno como a Grécia, precipitaria uma crise bancária comparável àquela que causou a Grande Depressão de 1929» (Soros, 2011). Assim, para um dos mais poderosos capitalistas a nível mundial, a Alemanha não terá outra escolha que não seja assumir as rédeas da zona euro numa perspectiva mais integradora, pois «um colapso do euro pode precipitar uma crise bancária que poderá ir para além da capacidade de controlo das autoridades financeiras globais» [2] (idem).

No mesmo sentido se tem pronunciado a generalidade da imprensa económica da burguesia. Como lembra um comentador, «uma saída da Grécia irá criar enormes incertezas nomeadamente na denominação dos recursos e dos títulos, […] e que essa incerteza se arrisca a desencadear uma corrida aos depósitos bancários dos países periféricos. Isto é em si mesmo um assunto muito sensível à luz das recentes preocupações com os bancos espanhóis e ontem [14 de Maio de 2012] 26 bancos italianos viram a sua classificação ser reduzida pela Moodys» (Staines, 2012). Adicionalmente, a Bloomberg parte da mesma avaliação: «uma saída da Grécia do euro pode desencadear uma onda indutora de incumprimentos nos títulos de obrigações, e em que a fuga de capitais pode disseminar-se para outros estados endividados, resultando numa série de corridas aos bancos» para levantar os depósitos. Como recorda este grupo económico-mediático, «apesar de a Grécia corresponder a cerca de 2% do produto económico da zona euro, a sua saída fragmentaria um sistema de união monetária desenhada» e criada «para ser irreversível, o que levaria a que os investidores levantasse a ameaça de saída de outros estados» (Bloomberg, 2012). O argumento aqui evidenciado pela Bloomberg parece poder vir a ter correspondência empírica na medida em que, como igualmente recorda a Comissão Europeia, «os problemas num pequeno sector dos mercados financeiros dos EUA (as hipotecas dosubprime resumia apenas 3% dos portefólios financeiros norte-americanos) podem infectar todo o sistema bancário global e detonar uma espiral explosiva de queda de preços dos títulos e perdas nos bancos» (Comissão Europeia, 2009, p.13).

Um banco…

Esta consciência aguda do quase inevitável efeito dominó de uma saída da Grécia sobre o conjunto da eurozona deriva da estrutura supranacional europeia. Isto é, o contágio de uma derrocada económica e social da Grécia não se opera, como alguns intelectuais de esquerda europeus têm defendido, pela posse de títulos da dívida pública grega por parte da banca alemã, francesa ou até portuguesa – algo que a reestruturação da dívida de Março salvaguardou com a transferência da posição dos credores para o Banco Central Europeu (BCE) – mas pelo que regula normativamente os mercados financeiros [3]. Aliás, a tese de que o contágio de uma saída da Grécia da zona euro não teria consequências sobre a zona euro decorre da consideração da zona euro como se de um somatório de economias nacionais se tratasse. Ora, não só a estrutura produtiva de cada país está configurada de acordo com a orientação global da UE, tal como descrito acima, mas também o euro funciona como a plataforma articuladora entre as várias componentes da zona euro. Por conseguinte, a conexão entre as diferentes componentes expressa-se não no nível nacional (seja, a Grécia, a Irlanda, a Itália ou Portugal) mas no plano mais vasto da evolução do euro. Assim, as dívidas públicas nacionais (e as subidas de juro associadas) remetem sempre para a evolução do euro enquanto unidade monetária fiduciária de toda a mais-valia produzida e centralizada pelo capital financeiro. Daí que muito mais do que as dívidas públicas, é o euro que está em jogo na medida em que este decorre dos próprios níveis de desenvolvimento da extracção da mais-valia no plano da produção. Isto demonstra igualmente que as teses que tendem a cindir os mercados financeiros do que denominam de “economia real” enviesam o entendimento global e integrado do sistema capitalista europeu. Atrevo-me a considerar que, se não fosse a integração supranacional grega na eurozona, bem que esse país já teria sido expulso da união monetária europeia. A fracção hegemónica das classes dominantes europeias (especialmente, a banca alemã) não actua de acordo com princípios de solidariedade ou de misericórdia para com a Grécia e, se fosse caso disso, não teria pejo em rasgar disposições legais dos tratados europeus para expulsar aquele país se isso lhe fosse mais conveniente do ponto de vista económico. Os próprios sentimentos nacionalistas presentes em sectores da classe dominante alemã (mas não só) poderiam já ter resultado numa expulsão da Grécia, mas o carácter transnacional do modelo actualmente existente na zona euro não apenas beneficiou fortemente essa burguesia como, em simultâneo, seria colocado em sério risco em caso de um default grego.

Mas nem tudo é racional e previsível na economia capitalista e por isso a indefinição na situação política grega recente (com a marcação de um segundo acto eleitoral para 17 de Junho) relançou o debate da saída da Grécia da eurozona. Segundo a publicação The Economist, «o debate sobre se a Grécia deve ou não sair tem-se tornado controverso. Tem-se tornado cada vez mais difícil defender que a Grécia se deva manter» na zona euro. Acrescenta ainda a mesma publicação que «o ajustamento macroeconómico sem uma desvalorização da moeda surge como crescentemente difícil» mas a tendência dominante na sua avaliação continua a ser de que uma saída da Grécia seria muito mais custosa do que a sua manutenção do euro. «Existem dois argumentos muito fortes contra a saída. Uma é a ameaça de contágio. Não temos nenhuma confiança no facto de que a liderança do centro da zona euro esteja preparada para tomar as medidas apropriadas que convençam os mercados de que mais nenhuma outra economia estaria autorizada a ir pelo mesmo caminho. Na ausência de tal preparação agressiva, o BCE seria a única salvaguarda potencialmente credível contra um contágio mais vasto e contra uma derrocada». Porém, estaria o BCE disposto a «providenciar garantias ilimitadas às economias periféricas quando o pior acontecesse? Assim, um verdadeiro e muito sério perigo é o de que a saída da Grécia levaria directamente a uma derrocada extremamente custosa e disruptiva da eurozona». O segundo argumento resume-se no facto de que uma saída da Grécia levaria a um falhanço do Estado grego. Com efeito, em tal situação «o cumprimento das obrigações governativas requereria a impressão de dinheiro. Isto iria levar a uma hiperinflação que só iria exacerbar a dinâmica política» (The Economist, 2012b). Dinâmica política que nos casos de crise económica profunda tende a reproduzir dinâmicas fascistas e autoritárias.

Num outro artigo da mesma publicação, a avaliação da situação grega e europeia é efectuada num nível comparativo. Assim, para a The Economist, se é verdade que «os governos irlandês e português se têm distanciado da Grécia», também não é menos verdade que «ambas as economias se mantêm frágeis», onde apesar de as taxas de juro dos títulos da dívida pública serem mais baixas do que a grega (na ordem dos 23,5%), elas continuam a ser, muito elevadas (7% no caso irlandês e 11,4% no caso português) (dados de 8 de Maio deste ano retirados de The Economist, 2012c). É certo que estas elevadas taxas de juro são inflacionadas pela actuação dos investidores financeiros capitalistas nos mercados secundários – o que eleva sempre os juros iniciais aquando dos leilões de dívida pública no mercado primário. Apesar de tudo, o valor elevado das taxas de juro demonstra que o efeito de contágio de uma saída grega do euro muito dificilmente seria contido, na exacta medida em que Portugal e Irlanda não estão em condições de dar garantias ao capital financeiro que tem investido nas dívidas soberanas da zona euro. E, ainda mais impactante do que os efeitos sobre estes dois países, seria o impacto sobre Espanha e Itália, que a 16 de Maio estavam a negociar as emissões de dívida pública com juros a 6%. A somar a isto, a 17 de Maio foi anunciado que a economia espanhola entrou em recessão. Portanto, uma série de factores que compaginam o grau de altíssima probabilidade de contágio a toda a zona euro, no caso de uma saída grega do euro: a Grexit. Portanto, se isso acontecer na Grécia, Portugal e a Irlanda não estão «em nenhum estado que possam afastar uma Grexit» (idem) das suas economias.

Em suma, esta necessidade de conhecimento das linhas com que cose a burguesia não se expressa apenas no plano dos discursos, apesar de este ser inegavelmente importante. Mas este plano é sobretudo sintomático. Por isso serão apresentados e analisados dados provenientes de estudos da Bertelsmann Stiftung, da UBS, do ING Group e da Autoridade Bancária Europeia. Todos estes estudos exploram cenários expectáveis no caso de uma Grexit e seus reais impactos na economia europeia. Apesar das suas discrepâncias quantitativas na avaliação dos custos económicos de uma desintegração do euro a curto prazo, o resultado substantivo dessa avaliação é inequívoco.

…uma central sindical…

O relatório da Bertelsmann Stiftung, de Novembro do ano passado, apontava para o facto de que uma Grexit não apenas resultaria «numa desvalorização do euro em larga escala» como também acarretaria quatro problemas fundamentais. «Em primeiro lugar, os fluxos de capitais transfronteiriços iriam declinar significativamente, se os recursos económicos e as obrigações tivessem de ser instantaneamente recalculadas a seguir ao restabelecimento de moedas nacionais. Em segundo lugar, os controlos de capitais seriam muito certamente um elemento da mecânica» da economia do pós-euro, de modo a «dar alguma protecção às precoces e fracas moedas da periferia». Controlo de capitais que funcionaria como um garrote para qualquer tipo de tentativa de reconstrução económica. «Em terceiro lugar, perdas enormes de confiança no seio do sistema financeiro», factor incontornável, na medida em que essa “perda de confiança” não é mais do que um encolhimento brutal do crédito, com todo o cortejo resultante de retracção de investimentos. E, em quarto lugar, «existiria uma série de obstáculos técnicos e legais pelo país que tivesse saído do euro» (Belke, 2011, p.5), ou seja, para um país da zona euro que estava intimamente conectado do ponto de vista económico a esse espaço, se quisesse voltar a desenvolver trocas comerciais, o processo tornar-se-ia moroso e enredado em proteccionismos comerciais.

Do ponto de vista da classe dominante, as referências ao degradar violento das condições económicas de uma Grécia colocada fora do euro referem-se sempre aos efeitos globais que esse sismo económico desencadearia. Segundo o mesmo relatório, «quase imediatamente a seguir haverá especulação em torno das perspectivas de abandono de outras economias mais débeis» (idem). Por outras palavras, a interrogação que ocupará a mente dos investidores financeiros será “que países seguirão?”. Ou seja, uma saída grega do euro colocaria imediatamente em cheque países como Portugal, Irlanda, Itália e Espanha, tal como ficou expresso acima. Este relatório da Bertelsmann Stiftung nega igualmente as teses de que a saída do euro seria um factor de incremento da competitividade para esse país. Assim, um país como a Grécia, direccionado desde há duas-três décadas para o consumo interno «teria poucas possibilidades de exportação a curto prazo», bem como «esse país poderia não ser capaz de mudar a sua força de trabalho para o sector das exportações de um modo suficientemente rápido». Daí que o relatório considere que se, por exemplo, o país cessante da eurozona «desvalorizar em 60% a sua moeda relativamente ao euro, torna-se altamente plausível que a eurozona imponha uma tarifa de 60% (ou mesmo superior) a importações desse país» (idem). Estas medidas teriam como corolário uma quebra estimada de 50% das trocas comerciais do país que saísse do euro. Contraria-se assim, a tese de que a saída do euro desvalorizaria a moeda de tal forma que permitiria um boom de exportações. Como veremos na secção final deste artigo, talvez valesse a pena alguns economistas começarem a trabalhar com dados económicos e menos com as suas expectativas pessoais de raciocínios formalmente correctos mas desligados da realidade concreta das relações económicas.

Entrando mais a fundo nos dados existentes, abordarei agora dois relatórios. Em primeiro lugar, o da Union Bank of Switzerland (UBS). Esta instituição financeira era em 2010 o 9º maior banco de investimento do mundo com uma facturação nesse ano de 62,38 milhares de milhões [bilhões] de euros e com um lucro de mais de 10.5 milhares de milhões de euros. A sua carteira de investimentos e de capitais era de 1,837 biliões [trilhões] de euros. Recorro a estes dados para ilustrar o que deveria ser óbvio: nem tudo é controlável no capitalismo pelas empresas (entre outras coisas, as crises são isso mesmo), mas seria ilusório considerar que empresas transnacionais desta envergadura realizariam estudos económicos na base da pura especulação ou da criação de cenários fictícios. Pelo contrário, toda a actividade dos gestores das grandes empresas implica tanto uma capacidade social de administração da força de trabalho como de planificação atempada dos planos de negócio para previsíveis conjunturas económicas. Nesse sentido, o relatório da UBS descreve um cenário devastador no caso da saída de um país do euro e no caso de, subsequentemente, esse episódio resultar na implosão da zona euro. Assim, de acordo com os cálculos da UBS, a saída do que denominam de um «weak country» (em português, um país fraco) teria o custo económico inicial de «9.500 a 11.500 euros por pessoa», ou seja, «40 a 50% do PIB», salientando que «nos anos subsequentes os custos projectados rondariam os 3.000 a 4.000 euros por pessoa» (UBS, 2011). No caso de uma saída de um país do centro da eurozona, os custos andariam em volta dos «6.000 a 8.000 euros por pessoa, caindo para os 3.500 e 4.500 euros depois do primeiro ano e após a recapitalização do sistema bancários». Estes números corresponderiam, portanto, a algo entre os 20 e os 25% do PIB nesse primeiro ano. A título comparativo, a UBS afirma que os custos hipotéticos para evitar um incumprimento simultâneo da Grécia, da Irlanda e de Portugal, em simultâneo com uma reestruturação da dívida em 50%, atingiriam uma verba de pouco mais do que 1.000 euros a cada alemão [4]. Creio que os cenários em causa não precisam de grandes comparações…

… e uma cerveja

O relatório de Dezembro de 2011 do ING Group [5] é mais conservador. Mesmo assim, os dados são muito claros. De acordo com a estimativa deste grupo financeiro, «no cenário de uma completa implosão do sistema monetário europeu, a perda cumulativa de Produto Interno Bruto da eurozona nos primeiros dois anos seria de 12%» (ING, 2011, p.1). Assim, só no primeiro ano o PIB da zona euro cairia na ordem dos 9% e «estas perdas de curto prazo causariam um prejuízo duradouro ao potencial de crescimento económico nos anos subsequentes. Mesmo em 2016, o produto da eurozona estariam ainda 10% abaixo do esperado» no caso de se manterem as actuais perspectivas económicas da zona euro. Mesmo no cenário menos desastroso mas mais improvável – onde apenas sairia a Grécia do euro – a generalidade dos países do euro registaria quedas do PIB na casa dos 5%. A avaliação do ING Group estende-se aos impactos fora da zona euro. As estimativas apresentadas prevêem uma queda de 5% no PIB britânico no ano seguinte a uma possível implosão do euro, fenómeno extensível à generalidade das economias europeias situadas fora da eurozona. Os Estados Unidos sofreriam menos os efeitos, pelo menos no imediato, «dada a valorização do dólar» desencadeada pela busca de segurar valores de capitais na moeda de reserva mundial. Por sua vez, «a China experimentaria uma quebra no crescimento do seu PIB, muito provavelmente abaixo dos 7%» (idem, p.12-14) o que seria o seu crescimento mais baixo da última década e meia.

De registar que as discrepâncias quantitativas entre os dois relatórios não modificam a essência do argumento e, por outro lado, elas devem-se ao papel que cada instituição atribui às políticas monetárias que os Estados e as instituições internacionais accionariam em tal cenário. Por isso, para a UBS as políticas monetárias e económicas que fossem accionadas demorariam muito mais a ter efeito, ao passo que para o ING Group a resposta das instituições políticas e financeiras seria mais célere e conseguiria estancar mais efectivamente o impacto de uma implosão do euro.

Com efeito, as consequências de uma implosão da zona euro não se repercutiriam somente ao nível do PIB mas também no sistema bancário. Segundo a Autoridade Bancária Europeia, «a contracção económica seria fortemente sentida nos países com a maior exposição» (PWC, 2011, p.7) aos mecanismos de securitização da dívida. Assim, para esta entidade, e assumindo a hipótese de incumprimentos nas dívidas públicas portuguesa, irlandesa, italiana e grega, as perdas andariam em volta dos «32 mil milhões de euros para a Itália, 27 mil milhões para a banca grega, 19 mil milhões para a francesa, 15 mil milhões para a alemã, 9 mil milhões para a portuguesa, 8,5 mil milhões para a grega, 8 mil milhões para a banca britânica, 7,8 mil milhões para a irlandesa, 5 mil milhões para a espanhola, 4,2 mil milhões para a holandesa e 5 mil milhões de euros adicionais para a restante zona euro.

Quem à esquerda tem defendido a saída do euro talvez devesse começar por confrontar as suas teses delirantes com os dados e as alternativas concretas em cima da mesa. Muito mais importante do que verborreias em torno do teor de revolucionarismo por metro cúbico, talvez valesse a pena reflectir seriamente sobre os contornos do momento actual. Sob pena de, mais uma vez, certas correntes da esquerda terem contribuído para avanços nacionalistas que nem a essa esquerda poupará.

Notas

[1] Mas deverá a esquerda preocupar-se com os assuntos que, na sua aparência, apenas diriam respeito à burguesia? Não… e sim. Não, no sentido político mais óbvio, na medida em que não se trata de salvar o capitalismo mas de se avaliar as tendências de desenvolvimento do capitalismo e as encruzilhadas reais e concretas em que a luta da classe trabalhadora pode prosseguir. Sim, porque sem conhecermos contra quem lutamos, não há luta consequente possível. E conhecer contra quem lutamos implica recusar a miséria de argumentos dos nacionalistas de esquerda. O desconhecimento das reais dinâmicas do capitalismo leva a que facilmente se confundam os processos de ruptura unilateral do euro por parte de um país periférico com a revolução socialista. Ao mesmo tempo, este desconhecimento resulta numa sobreposição entre uma crise económica e uma crise de dominação da burguesia ou uma crise do capitalismo. Ao desconhecimento soma-se um elevado grau de voluntarismo e de fé em boa parte da esquerda, mas essa é outra história… Como defenderei na conclusão deste artigo, uma crise económica no capitalismo não se relaciona em nada com uma crise de dominação da burguesia, o que implica opostas direccionalidades na luta entre o capital e o trabalho.

[2] Ao contrário de declarações circunstanciais e endereçadas a agradar os sectores mais nacionalistas da coligação CDU/CSU do seu país, Angela Merkel, em entrevista à BBC em 26 de Março, afirmou muito claramente que, no caso de uma saída grega do euro, a «zona euro seria incrivelmente enfraquecida». Nessa mesma entrevista, Merkel colocaria a encruzilhada actual da zona euro de um modo muito claro (e com o qual a burguesia se tem defrontado): «os líderes europeus têm de manter Atenas dentro da eurozona ou arriscam um efeito dominó que pode levar a mais países a abandonar» o euro (Kyiv Post 2012).

[3] Evidentemente, o que regula e monitoriza os mercados financeiros não é a “confiança dos investidores”, mas seria insuficiente e parcial omitir essa dimensão que, variadas vezes, acelera ou desata o emaranhado de contradições materiais prévias. A este propósito vale a pena recordar que «a actual crise das dívidas soberanas da zona euro foi desencadeada em 2009 quando o governo grego anunciou que o seu défice orçamental iria ser de 12,5% do PIB, substancialmente superior aos 3,7% previstos no início do ano» (PWC, 2011, p.4). O falhanço de determinadas metas – no caso, o défice orçamental – pode criar sentimentos de pânico nos mercados financeiros, aspecto crucial na medida em que, estando outras condições macroeconómicas reunidas, os receios dos agentes económicos (empresas, investidores ou particulares) relativamente às expectativas não cumpridas podem resultar numa “alavancagem de pânico” absolutamente incontrolável pelas instituições financeiras e políticas nacionais e transnacionais.

[4] Mesmo que confrontados com dados desta magnitude, ainda haverá quem vá defender que a saída do euro será uma libertação. Repare-se nesta notícia de jornal e de como alguém que se afirma comunista consegue fazer uma avaliação da crise do euro totalmente dentro de categorias soberanistas e sem nunca tocar na dinâmica de classes subjacente à construção da zona euro. «Sérgio Ribeiro, ex-eurodeputado do PCP, que votou contra a criação do euro, considerou que o projeto da moeda única se destinou a beneficiar certos países e os seus interesses, forçando alguns países periféricos, como Portugal e Grécia, a adaptar as “suas economias fracas a uma moeda forte”. “Neste momento, a situação é muitíssimo mais complicada porque se concretizou tudo o que tínhamos previsto e a situação é de autêntico desnorte”, sublinhou. Para o antigo parlamentar, “o que está em causa não é sair, é como é que se sai, como é que toda esta Zona Euro, que não tem sentido nenhum, consegue recuperar depois dos interesses que serviu estarem servidos”. O autor do livro Não à moeda única salientou que o problema que se coloca atualmente é o da indemnização “aos países e aos povos que foram tão prejudicados” por este projecto» (Diário de Notícias, 2012). Achar que as condições de uma saída do euro em 2012 são as mesmas de quando da sua adesão dez anos antes, e conseguir analisar as transferências de excedente económico tomando como unidades de análise as nações são um sintoma de como o nacionalismo pode penetrar a esquerda e a levar ao delírio ideológico. Vendo bem, as coisas já estão inscritas no DNA da esquerda comunista portuguesa desde, pelo menos, há vinte anos: «O Mercado Comum (nomeadamente a circulação livre de mercadorias e capitais) já continha para Portugal, dado o seu atraso relativo, elementos desfavoráveis ao desenvolvimento e novas limitações à independência. A evolução num sentido federalista da integração europeia nos planos económico, político e militar, ameaça transformar Portugal num Estado subalternizado e periférico, cuja política poderá passar a ser crescentemente decidida, mesmo que contra os interesses portugueses, por instâncias supranacionais dirigidas no fundamental pelos Estados mais fortes e mais ricos e pelas empresas transnacionais. Trata-se de uma gravíssima ameaça à independência e soberania nacionais, susceptível de comportar consequências históricas dificilmente reparáveis» (PCP) [itálicos meus]. Pelos vistos, o belíssimo refrão “Bem unidos façamos/ nesta luta final/ uma terra sem amos/ a Internacional” só serve para cantar nos comícios partidários…

[5] Este grupo detém uma carteira de investimentos e de capitais avaliados em 1,25 biliões [trilhões] de euros, contando ainda com uma facturação de 54,43 milhares de milhões [bilhões] de euros e 3,2 milhares de milhões de euros de lucro. Em 2010 era o 12ª maior banco do mundo.

Bibliografia

BELKE, Ansgar (2011) – Doomsday for the euro area: causes, variants and consequences of breakup. Bertelsmann Stiftung.
BLOOMBERG (2012) – Euro Officials Begin to Weigh Greek Exit as Euro Weakens. Bloomberg. 14 de Maio de 2012.
COMISSÃO EUROPEIA (2009) – Economic Crisis in Europe: Causes, Consequences and Responses
DIÁRIO DE NOTÍCIAS (2012) – O euro não é moeda de futuro. DN online.
ING (2011) – EMU Break-up. Pay Now, Pay Later. ING Financial Markets Research.
KYIV POST (2012) – Merkel: Greek euro exit would be ‘catastrophic’. Kyiv Post.
PCP – Programa do PCP
PWC (2011) – What next for the Eurozone? Possible scenarios for 2012. PriceWaterhouseCoopers.
SOROS, George (2011) – Europe’s Last Hope – Will Germany Step Up?. Economy Watch. 18 de Agosto de 2011.
STAINES, Neil (2012) – The incalculable consequences of a Greek exit from the euro. Trading Floor.
THE ECONOMIST (2012b) – The euro crisis. Going, going, gone?. The Economist. 16 de Maio de 2012.
THE ECONOMIST (2012c) – The threat of a Greek exit. The escalating Greek crisis leaves Ireland and Portugal, in particular, ever more vulnerable. The Economist. Edição de 12 de Maio de 2012.
UBS (2011) – Euro break-up – the consequences. UBS Investment Research: Global Economic Perspectives.

Leia aqui a 1ª parte, a 2ª parte e a 4ª parte deste artigo.

7 COMENTÁRIOS

  1. Eu gostaria de crer que não se trata de desonestidade intelectual, mas fica difícil.

    Argumentar sobre os riscos de contágio, qualquer que seja a sua forma, com base nalgumas poucas notícias de imprensa (quando há tantas outras de sentido simétrico) e sobretudo com estudos e relatórios, aliás muito deficientemente fundamentados, do ano passado, anteriores à experiência do default e reestruturação grega do início deste ano, seria quase risível, se fosse apenas falta de compreensão e precipitação.

    No entanto, o que choca mais é a deturpação pelo autor do post dos relatórios em que se baseia. Darei apenas, por falta de tempo e pachorra, dois exemplos, mas o leitor curioso que se dê ao trabalho de examinar as fontes, encontrará outros.

    1º Exemplo. O autor afirma que “O relatório da Bertelsmann Stiftung, de Novembro do ano passado, apontava para o facto de que uma Grexit não apenas resultaria «numa desvalorização do euro em larga escala» como também acarretaria quatro problemas fundamentais”, mas o dito relatório não fala em nenhuma «desvalorização do euro em larga escala», tal como pretensamente citado pelo autor, e sim na desvalorização em larga escala da moeda do país que abandonasse o euro [«… it is reasonable to assume that the external value of the currency of a weak country seceding from the euro zone might fall by up to 60 percent vis-à-vis the “rump euro” bloc. However, large-scale devaluation and the reintroduction of monetary sovereignty will also have negative economic and political (side) effects.», BELKE, Ansgar (2011), p.5].

    De igual modo, os “quatro problemas fundamentais” que seguem não se referem aos “impactos na economia europeia”, mas na economia do país em causa, que abandonasse o euro.

    2º Exemplo. O autor afirma, referindo-se a outro relatório, que “as consequências de uma implosão da zona euro não se repercutiriam somente ao nível do PIB mas também no sistema bancário. Segundo a Autoridade Bancária Europeia, «a contracção económica seria fortemente sentida nos países com a maior exposição» (PWC, 2011, p.7) aos mecanismos de securitização da dívida”. Mas o dito relatório não se refere neste caso a nenhuma “implosão da zona euro” e sim a uma reestruturação ordeira da dívida dos Estados-membros mais endividados. (“Scenario 2: Orderly defaults”, «The resulting economic contraction would be hardest felt in countries with banks with the greatest exposure to the restructured bonds: Italy, Greece, and Portugal as illustrated in Figure 8.», PWC, 2011, p.7).

    A propósito, a estimativa das perdas é da PWC, não da Autoridade Bancária Europeia (que é somente a fonte dos dados). E não se fala de “países com a maior exposição aos mecanismos de securitização da dívida”, mas sim dos países com bancos com maior exposição à dívida reestruturada (neste cenário), o que não é, para quem perceba minimamente o que é a “securitização da dívida”, metida aqui a martelo pelo autor, propriamente a mesma coisa.

    Em resumo, se não é desonestidade intelectual, então é forçoso concluir que o autor não percebe patavina do que fala. O leitor, benevolentemente, que decida. Eu cá hesito.

  2. O comentador anterior tem a vantagem de expor todos os seus não-argumentos a partir do que ele gostaria de ver no meu texto.

  3. 1) o autor do comentário afirma que os quatro pontos do relatório da Bertelsmann Stiftung são só para um país e que eu teria dito que era para toda a zona euro. Então vejamos o que eu realmente disse e não o que o comentador acima disse: «para um país da zona euro que estava intimamente conectado do ponto de vista económico a esse espaço, se quisesse voltar a desenvolver trocas comerciais, o processo tornar-se-ia moroso e enredado em proteccionismos comerciais». Não sei porquê mas “um país” é, de facto, “um”. Ou o comentador está a incorrer na desonestidade intelectual que me atribui ou precisa urgentemente de rever o seu conceito de número…

    2) os dados são da Autoridade Bancária Europeia, conforme vêm expressos no relatório da PWC… Os dados não são da PWC. E a avaliação da PWC acerca dos dados da primeira relacionam-se precisamente com o cenário de uma derrocada na zona euro e quais os efeitos na banca europeia. As coisas são muito claras.

  4. As coisas estão de facto muito claras. A alternativa de que falei não tem sentido. O autor do post não percebe patavina do que fala E [conjunção] é desonesto intelectualmente.

    1. Ainda bem que concordamos que “os quatro pontos do relatório da Bertelsmann Stiftung são só para um país”, porque:

    – para quem leia o final do parágrafo imediatamente anterior – “Todos estes estudos exploram cenários expectáveis no caso de uma Grexit e seus REAIS IMPACTOS NA ECONOMIA EUROPEIA [realce meu]. Apesar das suas discrepâncias quantitativas na avaliação dos custos económicos de uma desintegração do euro a curto prazo, o resultado substantivo dessa avaliação é inequívoco.”;

    – para quem leia a introdução do próprio parágrafo – “O relatório da Bertelsmann Stiftung, de Novembro do ano passado, apontava para o facto de que uma Grexit não apenas resultaria «numa desvalorização do euro em larga escala» como também acarretaria quatro problemas fundamentais.” –, com a manipulação de citar entre aspas, supostamente textualmente, uma referência à desvalorização da moeda única europeia, e por conseguinte reportando-se à situação de toda a zona euro, quando na verdade se trata da desvalorização apenas da moeda no país em causa;

    – e sobretudo para quem não se distraia de que isto era suposto ser um elemento da justificação da tese geral do contágio à zona euro e dos efeitos globais da suposta ruptura de um país ou de alguns países;

    pode com toda a legitimidade concluir que o enunciado, imediatamente seguinte, dos pontos se reportava em geral à situação europeia, particularizando o último, obviamente, até pela transcrição do seu enunciado [«huge technical and legal hurdles would have to be taken into account by the seceding country when abandoning the euro»], dificuldades, técnicas e legais, específicas do país que saísse, aliás mal explicadas pelo autor do post [“ou seja”], porque não se trata aqui de problemas de natureza económica decorrentes da eventual introdução de medidas proteccionistas (mas não quero entrar nos pormenores das más traduções).

    Por isso bem pode o autor, desviando a atenção das suas comprovadas falsificações, cuja nova ocultação desde já o classifica, tentar virar o bico ao prego, agarrando-se ao facto de que estava, não apenas no último ponto (como era evidente, não podia deixar de ser e ninguém nega), mas sempre, neste parágrafo, a falar de “um só país”. Aliás, deve ser por isso que no parágrafo seguinte segue a linha de raciocínio – «Do ponto de vista da classe dominante, as referências ao degradar violento das condições económicas de uma Grécia colocada fora do euro referem-se sempre aos efeitos globais que esse sismo económico desencadearia. (…)».

    2. O autor do post é melhor respirar fundo antes de insistir nos disparates. Veja-se o caso dos supostos dados da Autoridade Bancária Europeia. Ninguém contesta que a fonte dos dados é a ABE (no meu comentário digo-o explicitamente), aliás já bastante desactualizados. Mas as perdas dos sistemas bancários nacionais com o incumprimento ordeiro de certos Estados-membros (e não com a “implosão do euro”), as percentagens que o autor refere no post para as perdas, não são da ABE. São estimativas dos autores do relatório, como não podia deixar de ser, tanto mais que são estes que definem as condições para essas estimativas (por exemplo, um incumprimento de 50% na dívida pública portuguesa e de 25% na italiana). Mas para quem não percebeu nada, talvez uma segunda tentativa ajude:
    «We ESTIMATE [realce meu] that the debt restructuring could have a total impact of over €800bn in lost wealth in the private sector, which may result in over €100bn lost by banks1 / Nota de rodapé: «1 Source: EBA data and PwC ANALYSIS» [realce meu]».

    3. Não tenho de facto tempo, nem predisposição, para apresentar todo o tipo de falsificações que o autor do post faz dos relatórios em que se baseia. Mas quero reiterar que há vários outros e graves exemplos, em todos os relatórios citados, que mais uma vez deixo ao cuidado do leitor interessado que tiver a santa paciência de os compulsar.

    Como brinde à sua reiterada desonestidade, deixo apenas mais um exemplo.

    O autor, reportando-se a outro relatório, ING (2011), afirma «Mesmo no cenário menos desastroso mas mais improvável – onde apenas sairia a Grécia do euro – a generalidade dos países do euro registaria quedas do PIB na casa dos 5%.».

    Desde já esclareça-se que a consideração de que o cenário de uma saída unilateral da Grécia é mais improvável que o “cenário de uma completa implosão do sistema monetário europeu”, referido nas frases anteriores, é uma consideração meramente subjectiva do autor (em meu entender tremendamente errada), sem qualquer suporte neste relatório. Mas até aqui está apenas a incompreensão.

    A desonestidade intelectual vem quando afirma que, segundo o relatório, no cenário de saída singular da Grécia, “a generalidade dos países do euro registaria quedas do PIB na casa dos 5%”, quando o que se afirma é que outros países do euro sofreriam perdas no máximo de 5% («Other Eurozone countries suffer falls in output of up to 5% (see Figure 10).», ING, 2011, p.12). Aliás, como se percebe olhando para a figura em causa e melhor ainda para as tabelas do final do relatório, apenas se estimam, para Portugal e Itália, em 2012 e 2012, contracções absolutas, respectivamente de -4,8% e -0,9% para o primeiro país e de -2,6% e -0,7% para o segundo. Todos os demais países considerados têm quedas inferiores a -2,1% em 2012 e crescimentos em 2013.

    4. Só vale a pena discutir quando há um mínimo de seriedade. Neste texto, as fundamentações são pouco mais do que actos de fé (com a aceitação acrítica de notícias e documentos mal digeridos) e, pior ainda, de alinhavados de deliberadas aldrabices.

    Repito. O leitor que se dê ao trabalho encontrará infelizmente abundantes provas do que afirmo.

  5. Não vou responder aos insultos do comentador porque só mostram as intenções e a (falta de) seriedade do mesmo. E só servem para baralhar o leitor. Foco-me por isso nas deturpações que tece ao que aqui escrevi.

    1- Vejamos o que escrevi. «Do ponto de vista da classe dominante, as referências ao degradar violento das condições económicas de uma Grécia colocada fora do euro referem-se sempre aos efeitos globais que esse sismo económico desencadearia. Segundo o mesmo relatório, «quase imediatamente a seguir haverá especulação em torno das perspectivas de abandono de outras economias mais débeis» (idem). Por outras palavras, a interrogação que ocupará a mente dos investidores financeiros será “que países seguirão?”.»

    Este meu parágrafo continua a análise prévia dos tais quatro pontos do relatório da Bertelsmann. A citação do respectivo relatorio é bastante elucidativa: «quase imediatamente a seguir haverá especulação em torno das perspectivas de abandono de outras economias mais débeis» (idem). Portanto, eu não deturpei coisa nenhuma ao extrapolar para a generalidade da zona euro. O comentador só pode estar delirando porque a própria citação do relatório aponta para o contágio da Grécia a outras economias.

    2- O comentador fala novamente nos dados da ABE e do relatorio da PWC. Ora, os dados que o comentador utiliza desta vez (os 800 biliões) referem-se naturalmente às estimativas da PWC. Mas a) esses dados dos 800 biliões não são citados por mim) e; b) o que eu cito no artigo são dados da ABE relativos às perdas dos bancos conforme o gráfico 8… Portanto, dados da ABE e não dados da PWC. Não percebo onde está a dificuldade em entender. A não ser que o desejo de projecção de desonestidade intelectual que o comentador me atribui se refira, afinal, ao próprio.

    3- O comentador diz ainda o seguinte:

    «Aliás, como se percebe olhando para a figura em causa e melhor ainda para as tabelas do final do relatório, apenas se estimam, para Portugal e Itália, em 2012 e 2012, contracções absolutas, respectivamente de -4,8% e -0,9% para o primeiro país e de -2,6% e -0,7% para o segundo. Todos os demais países considerados têm quedas inferiores a -2,1% em 2012 e crescimentos em 2013.»

    De facto, é surreal o procedimento deturpador do meu comentador quando ele passa da página 12 do relatório (que eu cito) para as tabelas do final que tratam de aspectos diferentes. De facto, os dados que eu subsequentemente forneço daquele relatório vêm no gráfico 12 da página 13. E esses são dados apontados pela ING como dados cumulativos de um cenário de saída do euro entre 2012 e 2016. Por isso, todos os valores que eu menciono no texto se referem a esse cenário e a esses dados coligidos. Se o comentador fosse honesto poderia fazer o reparo de que eu não mencionei inadvertidamente o período entre 2012 e 2016. Mas isto é apenas um pormenor quando comparado com o linguajar brejeiro do comentador e com a deturpação completa por ele protagonizada. Mas voltando ao que interessa, os dados que forneço neste ponto do texto referem-se, portanto, ao cenário de uma implosão da zona euro conforme vêm ilustrados no ponto do relatório da ING que começa na página 10 com o título “Scenario II: a complete break up of the Eurozone”. Ora, os dados que o comentador cita dizem respeito apenas ao caso de a Grécia sair do euro, mantendo-se a zona euro intacta. O que eu abordo nesta parte do texto é precisamente o cenário mais devastador (a implosão do euro). Nota-se, assim, como o comentador quer manipular o leitor tentando incluir dados de um cenário que eu não estava a avaliar.

    Deixo para o fim uma consideração mais de ordem política. Diz o comentador «Desde já esclareça-se que a consideração de que o cenário de uma saída unilateral da Grécia é mais improvável que o “cenário de uma completa implosão do sistema monetário europeu”, referido nas frases anteriores, é uma consideração meramente subjectiva do autor ». Eu não digo em ponto nenhum do texto que a implosão da zona euro é mais provável do que a saída da Grécia do euro. Aliás, o mais provável é a manutenção da Grécia na zona euro. Ora, todo o texto se refere apenas e tão-só a desmascarar o argumento nacionalista de que no caso de uma saída da Grécia do euro ou no caso de uma implosão da zona euro, isso não acarretaria problemas nem consequências económicas. Portanto, o texto destina-se precisamente a demonstrar que a saída da Grécia da zona euro teria consequências devastadoras em toda a zona euro e, uma delas, a mais provável NO CASO DE uma Grexit, seria a implosão da zona euro.

    O raciocínio nacionalista de esquerda veicula a tese de que não ocorreriam consequências económicas negativas no caso de uma saída grega do euro ou de um subsequente colapso da zona euro. Ora, o que este texto procura apresentar é precisamente o inverso. E, neste capítulo, aparte naturais diferenças quantitativas entre relatórios e artigos da imprensa burguesa da especialidade (se o comentador conhecer dados de origens proletárias ficaríamos todos agradecidos…), é indesmentível a existência de profundas consequências económicas negativas na zona euro. Consequências essas que seriam pagas pelos trabalhadores como ocorreu, aliás, com a crise económica de 1929 e como ocorre com todas as crises económicas no capitalismo. E é isto que o nacionalismo de esquerda quer omitir de modo a justificar o seu programa político mto avizinhado às teses da nação proletária.

  6. O autor do post gosta de escavar o poço onde se vai enterrando. E já agora, que se fala de escavações, as suas réplicas, aliás como as suas transcrições, lembram o ditado popular “cada cavadela, cada minhoca”.

    1. Quando acusei que, no parágrafo onde refere os “quatro pontos do relatório da Bertelsmann Stiftung”, não tinha entendido que diziam respeito ao país que abandonasse o euro e não ao conjunto desta zona, o autor respondeu-me, no segundo dos seus comentários, que não senhor, que se referia apenas a um país, aliás com a graçola insolente de que «”um país” é, de facto, “um”» e de que, se não estivesse eu a ser desonesto, precisaria « urgentemente de rever o seu conceito de número…» [JVA, 19/6/12, 23:32].

    Agora, torna a virar o bico ao prego, e diz que não deturpou coisa nenhuma ao extrapolar para a generalidade da zona euro [JVA, 20/6/12, 15:33]. Das duas uma. Se, por este meio, vem admitir que, no parágrafo dos quatro pontos, afinal já não se referia a “um país”, então nada a fazer com tanta contradição (e incompreensão da fonte que cita). Se, por este meio, vem esclarecer que, no parágrafo seguinte, extrapola para toda a zona euro, então lamento, mas isso nada tem a ver com a minha observação sobre o parágrafo dos quatro pontos, aquele sobre o qual incidiu a minha crítica [que recordo: «De igual modo, os “quatro problemas fundamentais” que seguem não se referem aos “impactos na economia europeia”, mas na economia do país em causa, que abandonasse o euro.»].

    Tudo isto não seria demasiado lamentável, se não fossem cortinas de fumo para que a atenção do leitor se desvie da frase – «desvalorização do euro em larga escala» – citada fraudulentamente pelo autor do post (as aspas são dele), para sustentar a sua tese do contágio global, modificando deliberadamente o sentido da frase original do relatório, que diz respeito, não à desvalorização do euro, mas sim à desvalorização da moeda do país que saísse do euro.

    2. A resposta sobre os dados da ABE ou da PWC é mais uma ilustração da desonestidade do autor, que venho denunciando, e que o leitor pode, sem grande esforço, confirmar. O que eu digo, desde o início, é que os números das perdas referidos, mais uma vez abusivamente entre aspas, pelo autor do post (para que não haja dúvidas sobre o que se fala: os “«32 mil milhões de euros para a Itália, 27 mil milhões para a banca grega, 19 mil milhões para a francesa, 15 mil milhões para a alemã, 9 mil milhões para a portuguesa, 8,5 mil milhões para a grega, 8 mil milhões para a banca britânica, 7,8 mil milhões para a irlandesa, 5 mil milhões para a espanhola, 4,2 mil milhões para a holandesa e 5 mil milhões de euros adicionais para a restante zona euro”), NÃO SÃO da responsabilidade da ABE.

    Eu percebo a dificuldade do autor do post, que não compreendeu nada, em perceber isto. Porque, debaixo do gráfico, donde tirou os números, vem a indicação: «Source: European Banking Authority (EBA)». O que o autor do post não consegue compreender é que uma coisa é a fonte dos dados, que toda a gente concorda e eu digo sempre explicitamente que é a ABE. Outra coisa é os cálculos, as estimativas, a análise que é feita com base neles e é apresentada no gráfico, que é da responsabilidade dos autores do relatório.

    Como já expliquei, não podia deixar de ser assim. Porque ao contrário do que, com extrema desonestidade, o autor do post queria fazer passar, isto não é uma análise das “consequências de uma implosão da zona euro”, mas sim uma análise das consequências de um incumprimento ordeiro de alguns países. E, por isso, os pressupostos dessa análise são estabelecidos, não pela ABE (que, repito, é somente a fonte dos dados), mas pelos autores do relatório [«In this scenario Eurozone leaders negotiate a one-off debt restructuring for countries with very high debt – defined in this scenario as debt to GDP ratios greater than 100%. We assume that there would be a 50% default on Portuguese and Irish sovereign debt and a 25% default on Italian sovereign debt, in addition to the 50% default already announced on Greek debt.» PWC, 2011, p.7].

    As perdas apresentadas do gráfico 8 foram calculadas com base nas condições assumidas no relatório. Com outros pressupostos, percentagens diferentes de incumprimento, seriam diferentes.

    Mas eu, receando que o autor do post não alcançasse facto tão elementar, dei-me ao trabalho de citar, textualmente, uma frase do relatório em que se enfatizava a diferença entre a fonte dos dados (ABE) e a responsabilidade da análise (PWC). Cito de novo, desta vez sem os realces (mas com a referência bem explícita à reestruturação da dívida e não a “implosões do euro”): «We estimate that the debt restructuring could have a total impact of over €800bn in lost wealth in the private sector, which may result in over €100bn lost by banks1», acompanhada da respectiva nota de rodapé: «1 Source: EBA data and PwC analysis».

    É evidente, para o que nos importa, que o relevante não é a referência às perdas de 800 mil milhões de euros no sector privado, mas sim a referência às perdas de mais de 100 mil milhões de euros pelos bancos, que é o que se estava a discutir, e que correspondem ao total das perdas discriminadas no gráfico 8. Com a desonestidade intelectual que o caracteriza, o autor do post passa em silêncio o dado relevante do final da frase e agarra-se em desespero ao dado lateral do início, que só veio por acréscimo, por constar da mesma frase e que ninguém evocou. Que é isto senão baixa sofística, senão desonestidade intelectual?

    Mas, ao menos, é bom reconhecer que os 800 mil milhões, que não são para aqui chamados, são uma estimativa da PWC. Talvez assim consiga perceber que os mais de 100 mil milhões, da mesma frase, o são também. Talvez consiga. Eu é que não sei se consigo explicar melhor.

    3. Sobre as deturpações em torno de outro relatório, ING 2011, o autor do post consegue exceder-se.

    Bem pode vir agora dizer que os dados que apresentou dizem respeito ao gráfico 12 da página 13, que dizem respeito ao cenário da implosão do euro. Na verdade, mesmo na sua última resposta, o autor consegue contradizer-se, porque, numa linha do parágrafo, diz (incorrectamente) que «esses são dados apontados pela ING como dados cumulativos de um cenário de saída do euro entre 2012 e 2016» e noutra, mais abaixo, diz (correctamente) que «os dados (…) referem-se, portanto, ao cenário de uma implosão da zona euro». Mas adiante, recomecemos.

    Bem pode vir agora dizer que os dados que apresentou dizem respeito ao gráfico 12 da página 13, relativo ao cenário da implosão do euro.

    a) Primeiro, o autor deve achar que os leitores são burros e não poderiam verificar imediatamente que a frase que critiquei diz respeito, não ao cenário de implosão, mas ao cenário de uma saída da Grécia. Cito novamente o próprio autor do post: «Mesmo no cenário menos desastroso mas mais improvável – onde apenas sairia a Grécia do euro – a generalidade dos países do euro registaria quedas do PIB na casa dos 5%». A frase intercalada entre travessões lá está para recordar ao autor que nem todos os dados diziam respeito ao cenário da implosão.

    b) Segundo, desmascarando já outra manobra de diversão, não é verdade que o cenário da implosão do euro seja tratado em exclusividade a partir do título “Scenario II: a complete break up of the Eurozone”, da página 10. Este é, na verdade, o subtítulo que encerra uma secção, que começa na p. 9, que se intitula «1. Setting the boundaries» e que trata de dois casos limite, correspondentes às subsecções «1. Scenario I: a ‘stage-managed’ exit of Greece» (na p. 9) e a já referida «2. Scenario II: a complete break up of the Eurozone» (na p. 10).
    Depois disso, na p. 11, inicia-se uma nova secção, intitulada «2. Assessing the impact», que trata novamente os dois casos, nomeadamente na p. 12 em causa. O autor do post quer fazer passar a ideia de que a partir da p. 10 tudo diria respeito ao cenário da implosão do euro, [«… os dados que forneço neste ponto do texto referem-se, portanto, ao cenário de uma implosão da zona euro conforme vêm ilustrados no ponto do relatório da ING que começa na página 10 com o título “Scenario II: a complete break up of the Eurozone”. »], mas qualquer leitor que se dê ao trabalho de abrir o documento verifica logo que isso é completamente falso.

    c) Terceiro, a frase do autor que denunciei: «Mesmo no cenário menos desastroso mas mais improvável – onde apenas sairia a Grécia do euro – a generalidade dos países do euro registaria quedas do PIB na casa dos 5%.»; é uma deturpação evidente da frase original do relatório: «Although in scenario 1, Greek exit, the impact is clearly heaviest in Greece itself, there would be non-trivial effects on the rest of Europe. (…) Other Eurozone countries suffer falls in output of up to 5% (see Figure 10).». Foi para mostrar que as quedas do PIB não seriam, segundo o relatório, na generalidade dos países do euro, na casa dos 5%, que muito a propósito invoquei as tabelas finais.

    4. Mas o autor acrescenta que «Eu [ele, o autor] não digo em ponto nenhum do texto que a implosão da zona euro é mais provável do que a saída da Grécia do euro». Eu percebo perfeitamente que o autor gostaria de apagar a frase fatídica, que tão desonestamente deturpou. O leitor que julgue: «Mesmo no cenário menos desastroso mas MAIS IMPROVÀVEL – onde apenas sairia a Grécia do euro – a generalidade dos países do euro registaria quedas do PIB na casa dos 5%» [realce meu]. Como o leitor pode facilmente comprovar, poupando-me a transcrição, nas frases anteriores referia-se ao cenário da implosão do euro (aquele por comparação com o qual a saída da Grécia era mais improvável, isto é, aquele que seria mais provável que a saída da Grécia).

    5. Pela sua contumaz desonestidade intelectual, ainda pensei em brindar o autor com mais um exemplo, dos vários que sem esforço detectei, de deliberada deturpações dos textos. Para variar, agora no outro relatório, UBS (2011). Mas estou cansado de tanta desonestidade, de tanta aldrabice, de tanta ignorância e de tanta falta de inteligência (para evitar o adjectivo que se impunha, por respeito para com o site). Deixo, em seguida, como exercício para o leitor, que não tenha mais nada para fazer.

    É sabido que o autor do post está interessado em sustentar a tese não só do dramatismo para o país que saísse do euro, mas também dos efeitos de contágio que isso teria em toda a zona euro. Para sustentar este segundo aspecto, não hesita em torcer o texto de relatórios, para obrigá-los a dizer aquilo que não consideraram. Por exemplo:

    «Nesse sentido, o relatório da UBS descreve um cenário devastador no caso da saída de um país do euro e no caso de, subsequentemente, esse episódio resultar na implosão da zona euro».

    O leitor que descubra, se conseguir, onde é que neste relatório, em que se abordam (e em parte quantificam) os cenários de uma saída unilateral de um país “fraco” (como a Grécia) ou “forte” (como a Alemanha) e, alternativamente, o da completa fragmentação da zona euro, se faz essa ligação, causal e temporal, traduzidas pelas palavras “subsequentemente” e “resultar” do autor, entre os dois cenários.

    Eu é que não quero perder mais tempo. O texto não merece. O autor não merece.

  7. Como já disse o que tinha a dizer e o génio do meu comentador parece estar ao nível do divinal, cá ficarei então à espera da sua bíblia. Nela certamente metade das palavras serão “desonestidade” e a outra metade “o autor”, “tempo”, “merecer” e “retorcer”. Será um texto bem pipoca.

    Mas gostaria de lhe agradecer as suas tiradas delirantes. Não é fácil encontrar alguém tão pós-modernista na lógica dos seus raciocínios e, ao mesmo tempo, aparentar uma pretensa abordagem racional. Um grande bem haja pelo humor que nos proporcionou.

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