Por Leo Vinicius

Sexta-feira à noite, dia 25 de maio de 2012. Cesare Battisti presente no estande da sua editora, na Bienal de Belo Horizonte, para lançamento de seu mais recente livro: Ao Pé do Muro (editora Martins Fontes). Pela primeira vez me deparo com uma feira de livros cujo acesso não é livre, isto é, ingressos são cobrados. Talvez Belo Horizonte seja pioneira em assuntos de mérito duvidoso.

A proibição da gratuidade de sacolinhas plásticas em supermercados é um deles. Ao comprar um umidificador de ar em um supermercado na cidade, descobri que nem sequer para eletrônicos e eletrodomésticos era fornecida sacola, e nem havia sacola, de plástico ou não, para venda. Foi em casa, lendo o manual de instruções, que descobri que sua vida útil estava especificada em meros cinco anos. Bode expiatório, a sacolinha plástica deve ser condenada como uma grande culpada da deterioração do meio ambiente. Sim, sua condenação serve para encobrir que, se existe um meio ambiente sendo deteriorado hoje em dia, resulta em grande parte da obsolescência programada dos produtos que a sacolinha foi feita para carregar. Condena-se a sacolinha para absolver um sistema econômico que necessita e gera a obsolescência programada. É o espetáculo do ambientalismo, a imagem que esconde.

Os romances de Cesare Battisti, baseados na sua experiência política e social, tornaram-se um incômodo aos que ganharam a luta dos anos 1970, como aponta o prefácio de Carlos Lungarzo. Cesare Battisti, assim como Augusto, personagem-narrador de Ao Pé do Muro, é um escritor perseguido e preso em democracias ocidentais. Mas evidentemente foi preciso encobrir a perseguição ao escritor, afinal, perseguir escritores cabe apenas a regimes exóticos, de culturas exóticas, de povos exóticos. Condena-se o escritor para ajudar a manter encoberta uma história política; cria-se o espetáculo da Justiça contra o terrorismo, uma imagem para encobrir a perseguição ao escritor, e para encobrir o próprio escritor. Uma imagem criada que não se presta a mostrar, mas a esconder um fato. Expõe-se a sacolinha para esconder; expõe-se Cesare Battisti através de uma história construída para esconder o escritor.

Cesare Battisti era a figura serena e afável que já havia lido em relatos dos que o haviam conhecido pessoalmente. Meu contato com Ao Pé do Muro também se deu ainda na feira, esperando a chuva passar. Pode-se dizer que os romances de Cesare Battisti possuem, em maior ou menor medida, como matéria-prima, suas experiências, vivências e emoções. Ao Pé do Muro no entanto vai além. Embora, como salienta o autor, o livro seja tecnicamente uma ficção, nele não são apenas as emoções que são reais, inúmeros fatos da vida de Augusto são descrições de experiências vividas por Cesare Battisti. E é inevitável que o leitor fique curioso e se questionando se tal ou qual situação ou personagem são fictícios ou não.

Escrito no cárcere, o “romance social”, na classificação feita pelo próprio autor, alterna a experiência vivida no Rio de Janeiro antes da prisão e a experiência na própria prisão. E é nas histórias dos personagens Bruno e Inácio, companheiros de prisão de Augusto, que a potência literária do escritor encontra todo o seu vigor, prendendo o leitor até desfechos surpreendentes.

Se o leitor ao começar a ler o livro tem a impressão de que depara com uma espécie de diário, relato de alguns anos de vida, ao final percebe que as experiências de Augusto no Rio de Janeiro assumiam pouco a pouco a forma de umthriller.

Ao Pé do Muro é uma ficção cujo final está fora dela, fora do livro, na vida real. Um romance em que o leitor pode de fato fazer parte. E que não nos permite esquecer que a liberdade pede sempre o verbo no plural.

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