Por Yeny Romero

San Salvador, El Salvador. A Radio Victoria nascia a 15 de Julho de 1993, parte de um processo de democratização que se desenvolvia em San Salvador após a assinatura dos Acordos de Paz de 1992. Este nascimento foi acompanhado pela Associação de Desenvolvimento Económico e Social (ADES), tendo contado com o apoio de Cristina Star, uma jornalista e cineasta norte-americana que, nos anos 80, cobriu o conflito armado salvadorenho.

A rádio iniciou as suas transmissões em Santa Marta, no oeste do país, comunidade emblemática pela sua experiência ao longo da guerra civil e, na atualidade, pela sua constante luta. Teria sido fundada por três jovens da comunidade, dedicados ao estudo e à ajuda familiar nas suas atividades produtivas. Para além do trabalho no campo, para poderem se alimentar, trabalhavam em prol da democratização da palavra, algo que, naqueles anos, constituía uma tarefa urgente.

Em Março de 1981, o exército da ditadura militar iniciou operações de bombardeamento sobre populações campesinas, entre as quais a de Santa Marta. Esta situação conduziu a uma fuga das populações civis, acusadas de compor a base social das guerrilhas então ativas, as Forças Populares de Libertação (FPL) e as Forças Armadas de Resistência Nacional (RN). O abandono da comunidade deveu-se à ação dos operativos de Tierra Asada, enviados pelo coronel Sigifredo Ochoa Pérez, na altura responsável pelo destacamento militar N.º2 de Sensuntepeque.

Anos depois, as populações deslocadas começaram a regressar às suas terras e a reconstruir a sua comunidade a partir do zero. É nesse contexto que surge a ideia de um meio de comunicação que denuncie, organize e previna a população de ataques semelhantes. Foi em 1993, um ano após a assinatura dos acordos de paz, que o projeto se concretizou. A Radio Victoria surgiu no âmbito do processo reorganizativo de Santa Marta. Depois de dez anos de exílio forçado nas Honduras, mais concretamente nos acampamentos de refugiados de Mesa Grande, o retorno dos seus povoadores originou a refundação da comunidade.

Desde o seu início, a Radio Victoria ficou marcada por muitas mudanças. A procura de uma maior cobertura local levou à sua transferência para o município de Ciudad Victoria (à data, Villa Victoria). Tal mudança provocou, contudo, a perda do sinal no local que a viu nascer. O desafio de romper o cerco gerou assim outro desafio: o de manter o sinal no seu território político de origem. Inicialmente, o projeto não contava com nenhum tipo de figura legal, motivo pelo qual as instituições governamentais e os meios de comunicação social de direita a acusavam de ser uma rádio pirata, ilegal, subversiva e guerrilheira (embora, na verdade, a sua história reunisse um pouco disso tudo). Obter uma frequência radiofónica obrigou a uma luta incessante, razão pela qual se criou a Associação de Rádios e Programas Participativos de El Salvador (ARPAS), composta por seis emissoras comunitárias. Organizando-se, obtiveram a frequência 92.1, a usar pelas diversas rádios. O resultado foi fruto de grandes sacrifícios por parte das comunidades e das organizações e populações que as apoiaram. O investimento econômico exigido foi por todos compartilhado, quer por via de um trabalho realizado a nível local, quer através da procura de solidariedade exterior.

A Radio Victoria sempre contou com o apoio de jovens voluntários das comunidades de Santa Marta, bem como de outras comunidades em redor de Ciudad Victoria. O seu trabalho desenvolve-se segundo o conceito de rádio comunitária, ou seja, um tipo de comunicação que visa o desenvolvimento humano nas comunidades, promovendo uma participação social, de forma crítica. É a partir do seu próprio meio que se parte para esta participação, cuja finalidade não é comercial, mas sim social. Entre as suas principais áreas de trabalho, encontram-se os direitos humanos, a identidade cultural, a participação cidadã, a política, a etnia, o género e o meio-ambiente.

Enquanto meio de comunicação alternativo, o seu principal objetivo é acompanhar e apoiar as reivindicações e propostas das comunidades e populações. Tal função vem reforçar as capacidades e o nível de conhecimento da Radio Victoria, permitindo um crescimento sustentável do seu ser e fazer. Com o tempo, algumas das suas metas foram alcançadas. Elvis Zavala, produtor e membro da equipa central do projeto há cerca de 15 anos, quando era ainda adolescente, salienta o grupo formado por 35 jovens, oriundos de oito municípios da região de Cabañas. “Um dos mais importantes fatores é que o projeto permaneça com vida, apesar de todos os obstáculos com que fomos confrontados, como ameaças constantes, difamação por parte de funcionários de direita, bloqueio comercial, entre outros”. Zavala afirma ter visto na Radio Victoria um espaço aonde aplicar o seu conhecimento em torno da questão dos direitos humanos, “informar do que realmente se passa na região (jurisdicional), já que os grandes meios de comunicação não atribuem relevância à inexistência de serviços básicos nas comunidades”. Considera igualmente importante que a rádio ajude a audiência a ver a sua própria realidade de outra forma, mais crítica e analítica.

Aos poucos, a Radio Victoria desenvolveu a sua estrutura de trabalho. Conta com pessoal qualificado (o que permite uma melhor cobertura), equipas profissionais e instalações próprias e adequadas. Para além disso, tem uma grande audiência e aufere de um conjunto de pessoas conscientes da luta a realizar enquanto meio de comunicação. A rádio integra diferentes espaços informativos, com uma programação variada, capaz de agradar a crianças, jovens e pessoas adultas. Possui igualmente dez programas de debate e opinião, muitos deles dirigidos por jovens.

Pela sua proximidade às Honduras, o seu sinal conseguiu penetrar nalgumas zonas do país, obtendo reconhecimento por parte da população vizinha. Esse espaço foi ganho não só pela Radio Victoria, enquanto rádio comunitária, como também pelos seus membros, que tiveram a oportunidade de ser convidados para encontros organizados pelas comunidades hondurenhas. Tal permitiu-lhes contatar com um tecido social sólido, participativo e comunitário, conforme o provam o contexto posterior ao golpe de Estado de 2009 e a resistência à militarização naquele país.

Oscar Beltrán, membro da equipa coordenadora, já com 14 anos de trabalho na Radio Victoria, ressalva que a radio constitui um meio de defesa dos direitos humanos. Caracteriza-se igualmente pela defesa dos recursos naturais, pela oposição a projetos de construção de minas e bioprospecção, pelo acompanhamento das comunidades nas suas lutas e pela denúncia de injustiças. A atividade mineira e a sua oposição por parte de população afetadas e não afetadas têm sido um tema particularmente denunciado. Pela sua participação neste processo de oposição, tanto as pessoas da Radio Victoria, como seus familiares, têm recebido ameaças de morte. Alguns líderes comunitários foram sujeitos a ameaças semelhantes, tendo sido forçados ao exílio no estrangeiro. Sob ameaça desde 2006, no ano de 2009 as intimações aumentaram, fazendo manifestar-se por carta, correio eletrónico e telemóveis, mas principalmente pela perseguição aos seus membros, fatos que sem dúvida determinaram o rumo a seguir.

Graças à sua luta, a Radio Victoria obteve o reconhecimento e apoio da comunidade internacional. A Associação de Procura por Crianças Desaparecidas, que desde 1994 dedica a sua atividade à procura de crianças arrancadas dos braços de seus pais por membros do exército, galardoou [premiou] a rádio pelo seu trabalho na área da comunicação. A Procuradoria pela Defesa dos Direitos Humanos, organização que visa a denúncia de crimes de lesa humanidade e que resultou de uma conquista garantida pelos Acordos de Paz, reconheceu o seu trabalho incansável na defesa de direitos humanos, inclusivamente perante situações de alto risco. Em 2011, a associação Herber Anaya Sanabria, da Universidade de El Salvador, concedeu-lhes a sua homenagem pela defesa dos preceitos humanos. A organização recupera o nome do notabilizado defensor dos direitos humanos da década de 80, uma das vozes que, de forma pacífica, se levantou contra o terrorismo de Estado; isto, quanto todas as vias se encontram cerradas. Na opinião de Elvis Zavala, este reconhecimento constitui um privilégio e, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade, “já que estamos comprometidos com as comunidades. Nas suas lutas, conquistas, tristezas e alegrias”.

Traduzido por Passa Palavra, a partir de http://desinformemonos.org/2012/04/radio-victoria-comprometida-con-las-luchas-logros-tristezas-y-alegrias-en-el-salvador/

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here