A defesa da “soberania nacional” contra a União Europeia deveria ter como corolário a defesa do separatismo regional e local contra o Estado nacional? Por Miguel Madeira

Na esquerda dos paises “periférios” da União Europeia (UE), um motivo crescente de polémica é a opção entre defender a saída da UE e/ou do euro, versus defender uma luta à escala pan-europeia para alterar as normas de funcionamento da UE (ou, numa versão mais radical, para a substituir por uma nova união). No fundo, ambas as partes reconhecem a contradição existente na atual arquitetura da UE, que combina uma união monetária com a ausência de união fiscal e orçamental, mas pretendendo solucioná-la de maneira diferente — uns reduzindo ou mesmo abandonando o processo de integração, outros aprofundando-o.

Um exemplo típico da argumentação “patriótica” é a que Bruno Carvalho dá neste post do blogue 5 Dias:

Não se trata aqui de defender uma guerra entre o norte e o sul. Trata-se de defender a luta dos trabalhadores do sul pela defesa da sua soberania económica e política. Os destinos dos que trabalham em Portugal devem ser determinados por eles próprios. Não devem ser determinados pela burguesia portuguesa e muito menos pela alemã. Também os destinos dos que trabalham na Alemanha devem ser determinados por eles próprios. Senão for assim continuaremos a ser colonizados por uma estrutura que tem sido o eixo central da desgraça que nos acompanha há três décadas.

Há gente que diz: pois, bem, então, que se juntem os povos e que tomem o poder na União Europeia. Esta é a perspectiva clássica dos que acham que enquanto não estivermos todos em condições de fazer a revolução e de conquistar o socialismo devemos esperar. Ou seja, devem esperar por um conjunto de condições que muito dificilmente se darão simultâneamente entre tantos povos com características, histórias, condições objectivas e subjectivas, em cada momento, distintos. Os sábios europeístas acham que só quando todos marcharmos juntos é que podemos partir para a revolução, mesmo que alguns já as venham a ter antes de outros e mesmo que esses acabem por perder a oportunidade de pôr fim à miséria porque outros não o puderam fazer.

Mas, vamos lá ver, a consciência política também é diferente entre várias regiões de Portugal. Se olharmos para os resultados das eleições de 1976, 1979, 1980, 1983, 1985 e 1987, por exemplo, vemos que as frentes eleitorais em que o Partido Comunista participou (FEPU, APU e CDU) ganharam nos distritos correspondentes ao Alentejo e à Margem Sul e perderam no resto da país. (Para os leitores não-portugueses que estejam menos familiarizados com a nossa geografia social e política, o Alentejo é uma região rural pobre e onde domina o latifúndio, e a Margem Sul é — ou era — uma zona industrial a sul de Lisboa com um operariado particularmente combativo. Fazendo uma analogia com um Brasil, creio que o primeiro será parecido com o Nordeste e a segunda com o ABC paulista, só que geograficamente contíguos, em vez de ficarem em lados opostos do país.)

Assim, quem acha que, enquanto não for possivel uma transformação geral na Europa, Portugal deveria abandonar a UE e o euro, também não deveria achar algo deste genéro?

Não se trata aqui de defender uma guerra entre o norte e o sul. Trata-se de defender a luta dos trabalhadores do sul pela defesa da sua soberania económica e política. Os destinos dos que trabalham no Alentejo e na Margem Sul devem ser determinados por eles próprios. Não devem ser determinados pela burguesia alentejana e muito menos pela portuense [da cidade do Porto]. Também os destinos dos que trabalham nos Açores ou em Trás-os-Montes devem ser determinados por eles próprios. Senão for assim continuaremos a ser colonizados por uma estrutura que tem sido o eixo central da desgraça que nos acompanha há séculos.

Há gente que diz: pois, bem, então, que se juntem os povos e que tomem o poder em Portugal. Esta é a perspectiva clássica dos que acham que enquanto não estivermos todos em condições de fazer a revolução e de conquistar o socialismo devemos esperar. Ou seja, devem esperar por um conjunto de condições que muito dificilmente se darão simultâneamente entre tantos povos com características, histórias, condições objectivas e subjectivas, em cada momento, distintos. Os sábios social-patriotas acham que só quando todos marcharmos juntos é que podemos partir para a revolução, mesmo que alguns já as venham a ter antes de outros e mesmo que esses acabem por perder a oportunidade de pôr fim à miséria porque outros não o puderam fazer.

Ou seja, a defesa da “soberania nacional” contra a União Europeia capitalista não deveria ter como corolário lógico a defesa do separatismo regional e local contra o Estado nacional capitalista?

Diga-se, já agora, que o autor destas linhas até é a favor do direito dos habitantes de uma dada comunidade territorial proclamarem a independência dessa comunidade se for essa a sua vontade democrática (mas não se confunda “ser a favor do direito de…” com “ser a favor de…”) — e, sobretudo em situações revolucionárias, suspeito que uma das melhores maneiras de lidar com regiões conservadores que podem servir de apoio à contra-revolução será mesmo oferecer-lhes a independência. Da mesma forma, também acho que é bastante provável (ou mesmo a maneira mais provável) que um processo de reformulação do funcionamento da união europeia passe por, a dada altura, alguns países abandonarem a atual UE e criarem uma “união alternativa” (por exemplo, a ideia que tem sido sugerida em alguns quadrantes de um “euro mediterrâneo”) — dando um exemplo histórico, a unificação do que é hoje a Alemanha também começou com a Prússia e alguns principados e cidades-estados vizinhos a abandonarem a Confederação Germânica e a criarem uma nova aliança entre eles (atendendo ao rumo que por vezes este debate segue, receio que dar este exemplo ainda vá servir para me acusarem de ser a favor do império do Kaiser ou coisa do gênero…).

Texto inspirado neste post publicado no Vias de Facto, e também nos comentários recebidos.

5 COMENTÁRIOS

  1. Você rege-se por absolutos abstractos e por isso um pouco à imagem do seu companheiro de blog JVA é um metafísico.

    Um separatismo local significaria a criação de mais países portanto não resolve o seu problema com os países e depois dentro desses novos países poderia haver também mais separatismo até porventura regressarmos às cidade-estado da antiguidade, sendo que, ainda talvez dentro das cidade-estado poderiam haver bairros que quereriam ser independentes e então fragmentaria-se a cidade estado em vários bairros-estado e quem sabe ruas-estado até finalmente moradas-estado. Cada morada um estado, cada conflito entre vizinhos um conflito internacional, cada jantar entre vizinhos um encontro de estado.

  2. Mas eu NÃO estou a defender (nem a deixar de defender) o separatismo local; estou a dizer que aqueles que defendem a independência nacional por (neste caso) a UE estar nas mão dos capitalistas, também deveriam (em coerência) defender o separatismo por o Estado nacional estar também nas mãos dos capitalistas.

  3. “Mas eu NÃO estou a defender (nem a deixar de defender) o separatismo local; estou a dizer que aqueles que defendem a independência nacional por (neste caso) a UE estar nas mão dos capitalistas, também deveriam (em coerência) defender o separatismo por o Estado nacional estar também nas mãos dos capitalistas.”

    – Mas isso é o mesmo que eu dizer que uma federação europeia é simplesmente uma organização nacional-europeia e que, portanto, só uma federação mundial seria o fim do que vocês chamam nacionalismo.

    João Bernardo, se fosse simplesmente uma ironia o autor do post não sugeriria que aqueles a quem se refere estão OBRIGADOS a defender o separatismo regional (assim sem mais).
    Se o autor quer obrigar alguém a tirar determinada conclusão o mínimo a que tem de estar disponível é à resposta daqueles a quem quer obrigar. Portanto se a sua tirada foi para mim, recomendo que tente de novo.

    Em todo o caso eu defendo a regionalização em e para Portugal. Não defendo contudo que cada região portuguesa se torne um país.

  4. Se precisar explico a do papagaio, depois a do Juquinha e termino explicando o argumento “a maiori, ad minus”. Será que assim vai?

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