O génio de Corradini consistiu em, a partir da direita, ter entendido a necessidade de renová-la politicamente, usando para isto o proletariado. Residiu aqui a substância mesma do fascismo. Por João Bernardo
Dando sequência ao debate suscitado pela publicação do importante texto de Zeev Sternhell, apresento aqui uma nova versão das págs. 390-419 do meu livro Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta (Porto: Afrontamento, 2003).
Trata-se de um texto inédito e a análise que agora prossigo é mais detalhada e baseia-se numa bibliografia mais extensa do que a que pode ler-se no livro.
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Entre 1908 e 1910 o político e pensador nacionalista Enrico Corradini começou a apresentar a Itália como uma «nação proletária» [1]. A importância passada da península e as grandes aspirações do Risorgimento contrastavam com a sua presença insignificante no contexto europeu e com as fracassadas esperanças colonizadoras. Mas para classificar como proletário um país era necessário proceder a consideráveis distorções vocabulares. A palavra «proletariado» define uma classe social, pressupondo a cisão entre produtores e apropriadores de mais-valia no interior de cada colectividade nacional. Pelo contrário, designar como proletária uma nação equivalia a pensá-la enquanto colectividade predominantemente homogénea, negando a sua clivagem em grupos antagónicos. A passagem da oposição de classes para a solidariedade entre classes foi o primeiro resultado daquela operação terminológica. A junção dos dois vocábulos teve ainda outra faceta. Corradini não se limitou a adjectivar a Itália como proletária; atribuiu ao mesmo tempo a essa situação proletarizada uma existência nacional. As implicações deste segundo aspecto foram igualmente profundas.
A velha crítica feita pelos conservadores ao liberalismo jacobino inspirava Corradini quando acusava os socialistas de, por detrás das referências a uma entidade colectiva, apresentarem na verdade o indivíduo como medida dos seus anseios. Pão para todos, justiça, condições de vida dignas, estas aspirações reduziam-se à esfera da felicidade pessoal, e ao censurá-las Corradini decerto ecoava as apóstrofes nietzschianas contra a moral da piedade e o socialismo dos escravos [2]. A este padrão individual ele substituiu um sujeito exclusivamente colectivo — a nação. Mas não seria mais rigoroso, então, ampliar o verdadeiro sujeito à humanidade, a maior comunidade possível? Para evitar que as suas premissas fossem desenvolvidas até uma conclusão tão lógica quanto inoportuna, o político nacionalista, como outros o haviam feito antes dele, introduziu nestas transmutações verbais a dialéctica darwiniana, afirmando que cada nação só tinha significado contra as outras nações e que a identidade nacional apenas se podia afirmar no combate pela supremacia. «As nações surgiram porque houve um antagonismo», escreveu Corradini em 1908, «e, de certo modo, elas mais não são do que a consolidação de um estado de guerra permanente de uns contra os outros» [3]. Tratava-se, como observou um historiador, de «uma concepção verdadeiramente tribal da nação» [4]. Nestes termos, seria utópico imaginar que, tal como a agregação dos indivíduos levava à formação de nações, também a junção das nações conduzisse a um supranacionalismo humanitário. Se a vida, como os darwinianos explicavam, era uma luta pela existência, então a existência das nações só podia ser uma luta entre elas. Havia que devorar, para não ser devorado. O imperialismo era a única opção para a nação proletária.
Fica completa, assim, a definição da «nação proletária». Tratava-se de transformar a luta de classes, que dissolvia a nação e o Estado, numa luta entre nações, que reforçava a coesão de cada nação e consolidava os Estados. «O nacionalismo é, em suma, a reafirmação da solidariedade nacional contra a luta de classes», proclamou Corradini em 1911; «é o esforço para repor as classes no seu lugar e para as subordinar novamente aos objectivos da nação» [5]. Ao conflito interno que opunha proletários e capitalistas substituía-se a guerra externa entre nações proletárias e nações plutocráticas. A magia das palavras! Assim como o adjectivo «proletária» era atrelado ao substantivo «nação», também a classe trabalhadora iria politicamente a reboque dos capitalistas de cada país.
«Há nações que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras, tal como há classes que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras classes», escreveu Corradini em Outubro de 1910. «A Itália é uma nação proletária; basta a emigração para o demonstrar. A Itália é a proletária do mundo» [6]. Na realidade, Corradini pretendia orientar para a colonização africana as multidões de deserdados que todos os anos emigravam do sul da península [7]. Entre 1871 e 1901 quase três milhões e meio de pessoas haviam abandonado a Itália, rumo ao estrangeiro, e nos quinze anos seguintes o número de emigrantes aumentou para cerca de nove milhões [8]. Nas vésperas da primeira guerra mundial a debandada movia já quase um milhão de pessoas por ano [9]. Ajudando a reduzir as pressões sociais no país e atenuando portanto a luta de classes, a emigração contribuiu para criar as condições que permitiram a Giolitti inspirar duas décadas da história italiana com uma política liberal e uma orientação social conservadora [10]. Assim, suster o processo migratório, como desejava Corradini, teria como efeito atingir as próprias bases do liberalismo e fomentar o imperialismo enquanto válvula de escape das tensões sociais. Corradini não foi o primeiro político italiano a propor a expansão colonial como forma de absorver a emigração oriunda das províncias meridionais, mas ao apoderar-se do tema ele insuflou-lhe algo novo, que o transformou completamente, fazendo ecoar na direita nacionalista uma dinâmica proveniente do lado de lá do espectro político [11].
«A teoria de Corradini», afirmou um dos mais argutos estudiosos do fascismo, «constitui talvez a primeira tentativa de empregar as forças que influem na luta de classes para promover um socialismo imperialista» [12]. Na verdade, a ideia de inserir o proletariado na nação, graças a uma política de nacionalismo social, fora já gerada duas décadas antes em França por Édouard Drumont e por Maurice Barrès [13]. Em 1892 Drumont cunhou o termo «nacional-socialismo», indicando as preocupações sociais do novo nacionalismo, e Barrès definiu-se como socialista nacionalista quando apresentou a sua candidatura à Câmara dos Deputados em 1900 [14]. «Nunca tenho receio de insistir na união da ideia socialista e da ideia nacionalista», escreveu Barrès numa obra de 1902 [15]. Mas o que não passara de uma inspiração recebeu de Corradini um arcaboiço conceptual e condições organizativas. O seu génio não consistiu em meras modificações terminológicas. Confundir palavras, há muito quem o faça. Corradini assumiu as consequências políticas que decorriam da junção da «nação» e do «proletariado», e nos anos que precederam a primeira guerra mundial esforçou-se por consolidar uma aliança entre os seus nacionalistas radicais e os sindicalistas revolucionários, que transportasse a luta da classe trabalhadora do interior da Itália para o exterior, convertendo uma nação proletária numa nação imperial [16]. «Por favor, não percam de vista os sindicalistas», preveniu Corradini em Abril de 1909. «Eles têm de certo modo um ponto de partida idêntico ao nosso. Trata-se da primeira doutrina sincera e forte produzida pelo inimigo» [17]. Não se podia ser mais claro. Na sua opinião, e consoante o modelo exposto por Pareto, os sindicalistas constituíam uma nova elite em formação, capaz de derrubar a antiga elite decadente e de revitalizar a nação [18]. O dirigente nacionalista apercebera-se da fraqueza dos grupos sociais conservadores, com os quais seria impossível inaugurar um nacionalismo agressivo. A Itália proletária só poderia adquirir uma existência imperial se a dinâmica revolucionária do movimento operário fosse orientada além-fronteiras. O génio de Corradini consistiu em, a partir da direita, ter entendido a necessidade de renová-la politicamente, usando para isto o proletariado. Residiu aqui a substância mesma do fascismo.
No congresso de Florença, em Dezembro de 1910, constituiu-se sob a égide de Corradini a Associação Nacionalista Italiana, que haveria mais tarde de exercer uma influência decisiva sobre o fascismo nascente. Se Mussolini trouxe para o fascismo as massas de militantes, foi Corradini a provê-lo da formulação teórica básica e da principal orientação estratégica, até que por fim os nacionalistas se integraram no Partido Nacional Fascista (PNF), em Março de 1923. A partir do momento em que não bastavam já a ferocidade e os maus modos dos squadristi e era propriamente necessário governar, acabaram por ser os antigos nacionalistas, apesar de minoritários, quem, com a sua competência e o seu rigor doutrinário, dominou por dentro a direcção do PNF [19]. «Mussolini não foi o inventor do aspecto imperialista do fascismo; herdou-o de Corradini», notou um fascista francês que durante muitos anos foi português de adopção. «Mussolini não inovou nada; realizou» [20]. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Mussolini teve a capacidade táctica de concluir na prática a estratégia política paradoxal concebida e inaugurada por Corradini.
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Aquela estratégia audaciosa de alianças políticas ficaria sem efeito, porém, se ao mesmo tempo, e não só na Itália, não se operasse a partir de uma certa extrema-esquerda um movimento de convergência com a extrema-direita nacionalista e autoritária. Édouard Berth, um teórico francês do sindicalismo revolucionário que gozava de significativa audiência entre os seus correligionários italianos, depois de invocar Proudhon para proceder a uma longa apologia da guerra enquanto modelo de organização social e inspiradora de virtudes proletárias, concluiu que só o carácter pusilânime do burguês e a sua mentalidade exclusivamente mercantil o impediam de admitir que as colectividades nacionais recorressem à guerra militar assim como as colectividades operárias, os sindicatos, recorriam à guerra social, ou seja, à greve. «O burguês não sabe o que é uma colectividade nacional ou operária, e não pode sem dúvida compreender que a honra desta colectividade represente algo superior a um cálculo de perdas e lucros. […] O burguês […] é incapaz de se elevar a um certo nível de pensamento ou de sentimentos: a ideia social só pode ser militar ou operária, e não existem senão duas nobrezas, a da espada e a do trabalho. O burguês, o homem de negócios, das finanças, do ouro e da bolsa, o comerciante, o intermediário, e o seu compadre, o intelectual, que também é um intermediário, todos eles estranhos ao mundo do exército como ao mundo do trabalho, estão condenados a uma irremediável mediocridade de pensamento e de coração» [21]. Os pressupostos ideológicos eram claros e não admitiam outras ilações — a greve e a guerra ficavam colocadas no mesmo plano graças ao mito da honra viril. Nada se opunha, em tal perspectiva, a que o proletariado militante encabeçasse uma nação guerreira.
Os sindicalistas revolucionários italianos não tardaram em extrair esta conclusão. Eles formavam no final de 1902 uma facção no interior do Partido Socialista Italiano, e a conjuntura afigurava-se-lhes favorável, porque em 1903 a tendência radical obteve o controlo do jornal diário do partido e conseguiu a maioria no congresso de 1904. Mas noutro congresso efectuado quatro anos depois os reformistas triunfaram e passaram a orientar o diário nacional. Verificando a impossibilidade de conquistar os postos de comando, os sindicalistas revolucionários abandonaram o partido, e como ao mesmo tempo foram afastados dos lugares de direcção nacional na central sindical socialista, a Confederazione Generale del Lavoro (CGL, Confederação Geral do Trabalho), concentraram-se na actividade regional e desempenharam um papel de relevo na preparação e na condução de inúmeras lutas [22]. Para evitar a acção dissolutora da burocracia reformista, os sindicalistas revolucionários organizavam os grevistas através das Câmaras do Trabalho, que no seu entender deveriam constituir a célula fundamental da sociedade futura [23]. Foi assim que nas grandes greves rurais de 1907 e 1908 eles adquiriram uma base efectiva, não se limitando a ser uma corrente de opinião e transformando-se numa força social no seio da classe trabalhadora italiana.
Com a publicação de La Lupa, a partir do final de 1910, os sindicalistas revolucionários encetaram o diálogo que os aproximou dos nacionalistas radicais [24], e no ano seguinte surgiu a oportunidade de estreitar esta convergência. Em Setembro de 1911 o governo de Roma enviou ao sultão otomano um ultimato reclamando o reconhecimento dos direitos italianos sobre a Tripolitânia e a Cirenaica. Como se previa, o governo turco rejeitou as exigências e a Itália iniciou as campanhas militares na Líbia. Um bom número de sindicalistas revolucionários, incluindo intelectuais de renome, apoiou activamente a agressão [25], vendo nela, tal como Corradini e os seus nacionalistas, uma forma de absorver a emigração. «É possível que a acção na Líbia seja a iniciativa mais importante e mais séria tomada até hoje em benefício do sul do país», escreveu Arturo Labriola, o principal teórico italiano do sindicalismo revolucionário [26]. A Itália estaria condenada a ser uma nação proletária enquanto durasse a sangria da sua população trabalhadora, e na conjugação do problema da emigração com o programa de expansão colonial os sindicalistas revolucionários encontraram o terreno comum com os nacionalistas radicais [27]. Angelo Oliviero Olivetti, uma das personalidades mais representativas do movimento, escreveu em defesa da expedição militar contra o norte da África: «O sindicalismo odeia a pálida igualdade freirática com a qual sonha o colectivismo, e em vez disso serve de prelúdio à formação de elites combativas e conquistadoras, lançadas ao assalto da riqueza e da vida» [28]. E Arturo Labriola não hesitou em desvendar o paradoxo, apresentando-o como se fosse uma demonstração. «Ah, camaradas, sabem por que razão o proletariado na Itália não pode fazer uma revolução? Eu digo-vos. Porque ele nem sequer é capaz de fazer uma guerra» [29]. Se tão facilmente a revolução, que era uma luta de classes, podia ser equiparada à guerra, que era uma luta nacional, nada obstava já a que os sindicalistas revolucionários substituíssem o proletariado pela nação.
Nesta ocasião, porém, a ala belicista do movimento teve de enfrentar a oposição de correligionários mais numerosos e não menos relevantes, em especial aqueles que, através das Câmaras do Trabalho, mantinham contacto directo com o proletariado [30]. Afirmando que a conquista da Líbia não reflectia os interesses da nação, mas apenas a ganância de um grupo de capitalistas, os sindicalistas revolucionários hostis às aventuras coloniais participaram ao lado do Partido Socialista na greve geral de Setembro de 1911, convocada em protesto contra a expedição africana [31]. Todavia, não se deve exagerar a importância do desacordo. Em Novembro de 1912 as duas tendências realizaram um congresso unificado, onde decidiram abandonar a CGL, e com a colaboração de outras correntes próximas, incluindo anarquistas, criaram uma central sindical, a Unione Sindacale Italiana (USI, União Sindical Italiana). A audiência de que beneficiavam continuava a ser considerável, pois a nova organização podia apresentar mais de cem mil membros, perante os trezentos mil dos sindicatos socialistas [32]. Mas a ambiguidade no interior deste movimento não devia ser pequena, já que a USI mantinha uma posição claramente antimilitarista [33], e as contradições tornaram-se insanáveis em 1914, quando os partidários da intervenção na guerra mundial acenaram com a possibilidade de satisfazer os sonhos do irredentismo a expensas do Império Austro-Húngaro. Enquanto a maioria da USI, sob a orientação anarquista, defendeu que o país permanecesse neutral no conflito, os dirigentes sindicalistas revolucionários adoptaram unanimemente a posição contrária, figurando todos eles na primeira fila dos entusiastas da entrada da Itália na guerra [34]. A cisão era inevitável.
Os sindicalistas revolucionários abandonaram a USI para fundar em Outubro de 1914 o Fascio Rivoluzionario d’Azione Internazionalista (Liga Revolucionária de Acção Internacionalista) [35], o primeiro de uma série de fasci que em poucos anos levariam a Itália a um destino bem conhecido. A grande matança foi apresentada como uma guerra revolucionária. «Nós, revolucionários que permanecemos fiéis aos ensinamentos dos nossos mestres», lê-se no manifesto inaugural do Fascio, «acreditamos que não é possível ultrapassar os limites das revoluções nacionais sem passar primeiro pela fase da própria revolução nacional. […] Se cada povo não viver no interior do quadro das suas fronteiras nacionais, formadas pela língua e pela raça, se a questão nacional não estiver resolvida, não poderá existir o clima histórico necessário ao desenvolvimento normal de um movimento de classe» [36]. Com igual inspiração Mussolini proclamou dois meses mais tarde: «Os revolucionários afirmam que a Internacional só poderá existir quando os povos tiverem atingido as suas fronteiras. É por isso que somos partidários de uma guerra de carácter nacional» [37]. Neste contexto devemos meditar nas palavras de Engels ao escrever, numa carta endereçada a Kautsky em 7 de Fevereiro de 1882, que o movimento socialista só se desenvolve depois de a nação se ter unificado e adquirido a independência [38]. A filiação directa de um aspecto crucial da génese do fascismo numa tese sustentada pelo ilustre co-fundador do comunismo moderno confirma que a conversão da luta de classes em luta de nações abriu a brecha teórica e prática onde o fascismo se instalou. Não era sem razão que os membros do Fascio Rivoluzionario d’Azione Internazionalista asseguravam a fidelidade aos mestres quando justificavam o seu pretenso carácter revolucionário com a ambição de aproveitar a guerra para levar a Itália até aos sonhados limites históricos. E neste extremo nacionalismo eles não viam qualquer paradoxo em apelar para uma acção internacionalista, porque a entendiam enquanto participação no conflito, ao lado dos soldados de outros países. Nisto tudo, a classe trabalhadora pouco importava já aos sindicalistas revolucionários, que se erigiam agora em vanguarda de massas muito mais amplas, de toda a população do país, e se lançavam num combate de escopo muitíssimo mais vasto, não uma simples greve geral, mas uma guerra total. A estratégia de Enrico Corradini encontrara, enfim, os seus executantes.
Notas
[1] Uma exposição das teses de Corradini encontra-se em J. Ploncard d’Assac (1971) 91-101 e S. Saladino (1965) 233-235, 237-238. Segundo A. Lyttelton (1982) 27-28 e 31, foi na obra do poeta Giovanni Pascoli que ele encontrou a imagem da Itália como «nação proletária». Mas o que me interessa aqui é o conceito político, não a expressão literária.
[2] J. Ploncard d’Assac (1971) 96 chamou a atenção para a influência que a obra de Nietzsche exerceu sobre Corradini.
[3] Citado em id., ibid., 98.
[4] Z. Sternhell et al. (1994) 10.
[5] Citado em J. Ploncard d’Assac (1971) 100.
[6] Citado em Z. Sternhell et al. (1994) 164.
[7] J. Ploncard d’Assac (1971) 91, 93, 95; S. Saladino (1965) 237.
[8] E. Santarelli (1981) I 6 n. 1.
[9] G. Bortolotto (1938) 222; A. Lyttelton (1982) 31; P. Milza (1999) 46.
[10] E. Santarelli (1981) I 12.
[11] Id., ibid., I 29-30.
[12] F. Neumann (1943) 226.
Giovanni Papini afirmou ter sido ele, e não Corradini, o primeiro a apresentar esta orientação, num discurso proferido em 1904. Ver a este respeito E. Santarelli (1981) I 34 n. 1. Com justiça ou sem ela, porém, na vida política, tal como no âmbito da técnica, os inventores são quem fornece às ideias os meios práticos da sua realização, e o literato Papini, que jamais conseguiu ser um político eficaz, não podia competir com Corradini, o literato convertido em chefe político. De qualquer forma, parece-me que ambos estavam então demasiado próximos para que possamos definir com exactidão o que pertencia a cada um e o que lhes era comum, já que Papini, como indicou S. Saladino (1965) 231, era o chefe de redacção do periódico dirigido por Corradini, desde a sua fundação em 1903 até ao seu termo menos de três anos depois. Não deixa, todavia, de ser interessante ler em id., ibid., 231-233 que, segundo um dos mais próximos associados de Papini, a extinção do jornal ter-se-ia devido à incompatibilidade entre os furores utópicos e líricos de Corradini e as preocupações práticas de Papini, que nessa época estaria sobretudo interessado pelos aspectos socioeconómicos do socialismo e admitiria mesmo a implantação de um regime de base sindicalista. A ser verdade, que estranha inversão de papéis! Mas P. Milza (1999) 113 apresentou a questão sob a luz oposta e pretendeu que os intelectuais que circulavam em torno de Papini e de Giuseppe Prezzolini defendiam a primazia das forças espirituais e da missão civilizadora da Itália, e por isso se opunham a Corradini.
[13] J. Ploncard d’Assac (1971) 32; Z. Sternhell et al. (1994) 11.
[14] J. Ploncard d’Assac (1971) 17, 33.
[15] Citado em id., ibid., 32-33.
[16] Id., ibid., 92; J. Rossi (1946) 570; S. Saladino (1965) 235; Z. Sternhell (1978) 398.
[17] Citado em P. Milza (1999) 107. Note-se que segundo G. Volpe (1941) 13 estas apreciações de Corradini datariam de 1910.
[18] A. Lyttelton (1982) 593.
[19] Id., ibid., 191; Ch. S. Maier (1988) 440; M. Ribeiro [1930] 117; E. Santarelli (1981) I 336-337; P. Togliatti (1971) 34-35.
[20] J. Ploncard d’Assac (1971) 92, 93 (sub. orig.). Acerca de Corradini enquanto precursor de Mussolini ver ainda as págs. 94, 95 e 99.
[21] E. Berth, «Anarquismo y Sindicalismo», em G. Sorel et al. (1978) 38-39. Também Mussolini, em Maio de 1934, citou Proudhon em defesa do carácter natural e inevitável da guerra. Ver G. S. Spinetti (org. 1938) 93. Acerca da identificação a que os sindicalistas revolucionários, na sequência de Proudhon, procediam entre as virtudes laboriosas e as virtudes bélicas ver G. Guy-Grand (1911) 169 e 209-211.
[22] P. Milza (1999) 91; Z. Sternhell et al. (1994) 131, 132, 135, 136.
[23] P. Milza (1999) 91; Z. Sternhell et al. (1994) 135-136.
[24] Z. Sternhell (1978) 398; id. et al. (1994) 32, 138.
[25] G. Bortolotto (1938) 216; P. Milza (1999) 134; Z. Sternhell et al. (1994) 32, 166.
[26] Citado em Z. Sternhell et al. (1994) 168.
[27] Id., ibid., 137.
[28] Citado em S. Saladino (1965) 242.
[29] Citado em Z. Sternhell et al. (1994) 166.
Aquela tese, onde a coragem política se confundia com o mito da virilidade, foi persistente na esquerda. No Outono de 1940 escreveu George Orwell em «My Country Right or Left», a propósito da atitude a tomar na guerra mundial: «São exactamente aquelas pessoas cujos corações nunca pulsaram de entusiasmo à vista de uma bandeira nacional que recuarão perante a revolução quando o momento chegar». Aliás, todo o artigo constitui uma apologia do nacionalismo enquanto mito mobilizador, num verdadeiro sentido soreliano. Este artigo vem reproduzido em G. Orwell (1998) 197-202 e a passagem citada encontra-se na pág. 202 (sub. orig.).
[30] Afirmou G. Arfe (1967) 206 n. 12 que perante as campanhas na Líbia os sindicalistas revolucionários se dividiram sobretudo em duas correntes. Uma, favorável ao colonialismo, era encabeçada por Arturo Labriola e a outra, contrária à aventura africana, tinha como figura mais notável Enrico Leone, um dos principais teóricos do movimento. A respeito da posição assumida por Leone ver igualmente Z. Sternhell et al. (1994) 169. Por seu lado, P. Milza (1999) 134 e 169 incluiu também Alceste De Ambris, Michele Bianchi e Paolo Mantica na tendência contrária à guerra na Líbia e, na tendência favorável, Paolo Orano e Angelo Oliviero Olivetti, além de Labriola. Mas Gaetano Arfe em op. cit., ibid. mencionou ainda uma terceira corrente, que «se separa do filão sindicalista», representada por Orano e outros, «destinados a tornarem-se os primeiros teóricos do fascismo». Não me parece que haja qualquer razão para distinguir esta corrente da primeira. Fundador e director de La Lupa, Orano estabeleceu um elo de ligação entre o colonialismo agressivo defendido à esquerda por Arturo Labriola e o nacionalismo radical animado na direita por Corradini. Não foi separando-se do sindicalismo revolucionário que ele e os seus amigos formularam os temas originários do fascismo, mas, pelo contrário, desenvolvendo uma tendência que estava implícita no próprio sindicalismo revolucionário.
[31] P. Milza (1999) 136; Z. Sternhell et al. (1994) 138, 169.
[32] Z. Sternhell et al. (1994) 139. Porém, P. Milza (1999) 92 atribuiu apenas cem mil membros à USI e pretendeu que a CGL mobilizava meio milhão de trabalhadores.
[33] Z. Sternhell et al. (1994) 139-140.
[34] Id., ibid., 32, 140, 171 e segs.
[35] P. Milza (1999) 174; Z. Sternhell et al. (1994) 140, 175, 205.
[36] Citado em Z. Sternhell et al. (1994) 205.
[37] O manifesto de Mussolini de Dezembro de 1914, Contro la Neutralità, encontra-se citado em G. S. Spinetti (org. 1938) 49.
[38] P. W. Blackstock et al. (orgs. 1952) 116-117.
Referências
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O artigo Ainda não sabiam que eram fascistas será publicado em cinco partes:
1) Corradini e os sindicalistas revolucionários
2) Da autonomia dos trabalhadores ao fascismo
3) Do vanguardismo a uma teoria das elites
4) Da apologia da elite a uma teoria dos heróis
5) Mussolini, o mais improvável dos fascistas
Escreveu, escreveu, descrevendo Corradini como ultra-direita, mas ao mesmo tempo, não se dá conta que está descrevendo exatamente o revolucionário. Você pode até tentar se enganar, mas seu próprio texto desmente sua tentativa. Corradini, autor do fascismo, nada mais é que um revolucionário, de ESQUERDA.
Enrico Corradini foi um dos fundadores e dirigentes da Associação Nacionalista Italiana, criada em 1910. Em Novembro de 1923 a Associação Nacionalista Italiana fundiu-se com o Partido Nacional Fascista, de Mussolini, e Corradini desempenhou cargos de destaque no regime, tanto no Senado como no Grande Conselho do Fascismo.
O conceito de «nação proletária» ocupou um lugar central na génese e no desenvolvimento de todos os fascismos. Aliás, ao mesmo tempo que Corradini formulava e expunha este conceito em Itália e extraía dele consequências políticas práticas, no Japão Kita Ikki fazia o mesmo. O fascismo foi, desde a sua génese, um fenómeno mundial.
Daqui se devem extrair lições para os dias de hoje. Se, como escrevi várias vezes, os identitarismos constituem a modernização dos nacionalismos na época do capitalismo transnacional, então o paradoxo da «nação proletária» foi substituído pelo paradoxo do «identitarismo proletário», com as mesmas consequências funestas. Por isso eu considero o identitarismo como um dos aspectos do que denomino fascismo pós-fascista.
Escrevi no meu livro Labirintos do Fascismo, nas págs. 51-52 da 3ª versão ( https://archive.org/stream/jb-ldf-nedoedr/BERNARDO%2C%20Jo%C3%A3o.%20Labirintos%20do%20fascismo.%203%C2%AA%20edi%C3%A7%C3%A3o#page/n49/mode/2up ): «[…] “fascismo” e “direita” não são sinónimos, nem a direita abarcou a integralidade da dinâmica fascista. Era esta distinção que os fascistas exprimiam quando empregavam a palavra “reaccionário”. A ideia de que existe um continuum de uma ponta a outra do quadro político restringe-se à coreografia dos hemiciclos. O fascismo extravasou a direita, na medida em que resultou de um eco dos temas socialistas no interior da direita e de um eco dos temas da direita no interior do socialismo. Além disso, a “direita”, enquanto categoria ampla, inclui a “direita liberal”, a “direita conservadora” e a “extrema-direita”, cujos limites se sobrepõem, e no interior da extrema-direita devemos distinguir uma “extrema-direita conservadora” e uma “extrema-direita radical”. Ora, não existem razões para inclinar o fascismo mais para a extrema-direita do que para qualquer das outras duas correntes. E se em certas situações é difícil separar o fascismo da extrema-direita radical, por vezes ele pareceu confundir-se com a direita liberal ou com a conservadora. É de articulações, de cruzamentos, de ecos e de influências práticas e circulações ideológicas que aqui se trata. O fascismo nunca deixou de ser um jogo de espelhos.» É deste jogo de espelhos que é vítima, deliberada ou involuntária, a autora do comentário anterior.
Boa noite! Quais foram os livros de Enrico Corradini que o senhor leu, para escrever este artigo?
Cristian,
O meu interesse por Enrico Corradini restringiu-se à sua formulação do conceito de «nação proletária» e à sua política de alianças com os sindicalistas revolucionários, que tornou esse conceito politicamente operacional. Na 3ª versão, de 2018, do meu livro Labirintos do Fascismo, que obtém com facilidade na internet, por exemplo aqui, existem numerosas referências bibliográficas sobre essa tese de Corradini nas notas de rodapé das págs. 547 e segs. Destaco três obras onde pode ler uma exposição mais detalhada das teses de Corradini:
A. James GREGOR, Mussolini’s Intellectuals. Fascist Social and Political Thought, Princeton, Nova Jersey e Oxford: Princeton University Press, 2005 [e-book], págs. 56-72.
Jacques PLONCARD D’ASSAC, Doctrinas del Nacionalismo, Barcelona: Acervo, 1971, págs. 91-101.
Salvatore SALADINO, «Italy», em Hans Rogger e Eugen Weber (orgs.) The European Right. A Historical Profile, Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1965, págs. 233-235 e 237-238.
Como Corradini promove um imperialismo socialista (revolucionário e de esquerda) pertencendo ao fascismo (extrema direita)? muito contraditório o texto. A ideia do internacionalismo do comunismo é uma visão de Trotsky, Stalin por exemplo queria apenas centraliza-lo na URSS. Dizer que o socialismo é imperialista é desonesto, não existe nenhuma colônia de países socialistas, diferente, da Inglaterra, Bélgica, França…
Não existe tal coisa como extrema-direita, o que existe é nacional-SOCIALISMO. O carimbo “extrema-direita” foi um dos maiores engodos propagados pela “classe falante” e professores doutrinados, sem saber que o foram (!), repetem e repetem essa mutreta nas escolas.
Como assim, senhor Freitas? por que o nome Socialismo está em caixa alta? o que são professores doutrinados que desconhecem que foram “doutrinados”? por que não existe extrema-direita? o que o senhor que dizer com tudo isso?
Como assim, assim mesmo, dizem eles: O que são? São professores (em bloco) descomprometidos com o pensar e o agir de forma critica e coerente em todas as instâncias da vida individual. São professores que não se dispõe a fazer o inventário de si mesmos, limitam suas atividades ao escopo de suas conformações interiores e com isso condenados ao anacronismo. Afinal “toda filosofia tende a se tornar senso comum de um ambiente, ainda que restrito (de todos os intelectuais)” GRAMSCI em Concepção Dialética da História. Esta é, me parece, a raiz da acusação feita.
O exército lê Gramsci.