O «socialismo nacional» apresentou-se como a emancipação óbvia da «nação proletária»Por João Bernardo

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Para a Itália chegara finalmente a guerra sonhada por Corradini e por tantos sindicalistas revolucionários, não as esmagadoras derrotas como em Dogali e em Aduwa, na Etiópia, e outras na Líbia, nem as demais campanhas medíocres e as pequenas escaramuças de uma impotência imperial no norte da África, mas o grande massacre. O sindicalismo revolucionário, na primeira linha dos que defendiam a intervenção da Itália no conflito, continuou a fornecer à esquerda radical a principal via de passagem para o nacionalismo mais aguerrido, um caminho que Mussolini seguiu, e muitos outros com ele [1].

Alessandro
Alessandro Mussolini

Para quem observe a história tal como ela se desenrolou, de trás para diante, Benito Mussolini seria o mais improvável dos fascistas. O seu pai, Alessandro, fora um militante activo na corrente radical da Primeira Internacional, numa época em que o socialismo italiano recebia sobretudo a inspiração de Bakunin. E se mais tarde, embora mantendo-se fiel aos ideais libertários, Alessandro Mussolini seguiu boa parte dos seus companheiros na adopção de uma táctica legalista, isto não impediu o jovem Benito de expressar simpatia, com dezassete ou dezoito anos, por uma versão bakuninista e blanquista do socialismo [2]. Discípulo de Sorel desde pelo menos o final de 1906 [3], censurou asperamente o mestre quando o viu aliar-se à Action Française (Acção Francesa) [4], e no interior do Partito Socialista Italiano (PSI, Partido Socialista Italiano) defendeu de maneira intransigente posições extremas, contando-se entre os que propuseram no congresso de 1910 a cisão da ala revolucionária, da qual se tornou um dos dirigentes. Descontente com o compromisso unitário que prevalecera nesse congresso, Mussolini tentou precipitar a ruptura no ano seguinte, a partir da sua posição de secretário da federação de Forlì e de chefe dos socialistas da Romagna, mas sem êxito, porque os seus correligionários das outras federações regionais não o acompanharam [5]. A coerência deste percurso político encontrava os termos de referência na abertura às ideias anarquistas e no simultâneo interesse pelas correntes radicais do marxismo, de maneira que para Mussolini cada um destes horizontes ideológicos servia de limite e de correctivo ao outro. Parece-me especialmente significativo que em 1912, precisamente quando começava a impor-se no Partido Socialista como o mais popular dos dirigentes da facção revolucionária, Mussolini tivesse publicado alguns artigos num pequeno jornal libertário sob o pseudónimo francês «L’homme qui cherche» («O homem que busca»), confessando-se descrente das mentiras convencionais, de onde quer que elas viessem [6].

Mussolini 1911
Mussolini em 1911

O facto de Mussolini colaborar desde 1903 com a imprensa sindicalista revolucionária [7] não o impediu de criticar o militarismo que se manifestava neste meio, e em 1911, por ocasião da campanha da Líbia, ele destacou-se entre os animadores da tendência internacionalista, sendo um dos cabecilhas da greve geral desencadeada contra a guerra. Aliás, Mussolini procurou colocar a questão numa perspectiva mais ampla, evocando em Agosto desse ano a eventualidade de uma greve geral revolucionária caso se iniciasse uma guerra europeia e repetindo o aviso no mês seguinte [8]. Todavia, apesar da cautela com que encarava as posições belicistas de muitos deles, Mussolini usava os sindicalistas revolucionários como antídoto à facção reformista do socialismo, e esta aliança é tanto mais significativa quanto em 1908 os sindicalistas revolucionários haviam abandonado o PSI [9]. Condenado à prisão em 1911 pela sua participação na campanha contra a expedição militar na Tripolitânia, ao ser libertado no ano seguinte ele surgia já como a principal personalidade da ala revolucionária do partido, que se tornara maioritária precisamente então, no congresso de Julho de 1912, e foi eleito para a direcção nacional e, alguns meses depois, encarregado de chefiar a redacção do mais importante diário socialista [10]. Ao mesmo tempo que expurgava do jornal os elementos reformistas, Mussolini convidava a colaborarem sindicalistas revolucionários de ambas as facções, tanto aqueles que, como Enrico Leone, tinham conduzido em 1911 a agitação contra a guerra na Líbia, como outros que haviam aplaudido entusiasticamente a expansão colonial, por exemplo Arturo Labriola [11]. A conjugação contraditória dos ideais libertários e da doutrina marxista, que sempre guiara o percurso de Mussolini, era agora aceite pela primeira vez nas altas esferas do partido, e com indubitável êxito, porque o novo chefe de redacção fez a tiragem do jornal subir, em pouco mais de um ano, de 20.000 para cerca de 100.000 exemplares [12]. E embora tivesse abandonado parcialmente as teses do sindicalismo revolucionário e passado a defender a subordinação dos sindicatos ao partido, Mussolini manifestou o seu apoio aos movimentos de greve desencadeados na primeira metade de 1913 pela confederação sindicalista revolucionária, a Unione Sindacale Italiana (USI, União Sindical Italiana), contra a opinião dos sindicalistas socialistas da Confederazione Generale del Lavoro (CGL, Confederação Geral do Trabalho) e dos dirigentes reformistas [13].

Este radicalismo viu-se consagrado em Abril de 1914, no 14º Congresso do PSI, quando a ala esquerda da tendência maximalista triunfou plenamente e Mussolini se converteu num dos três principais dirigentes do partido [14]. Dois meses depois, nas vésperas da Grande Guerra, o proletariado italiano lançou-se numa vastíssima agitação, que em alguns lugares atingiu um carácter francamente insurreccional — a Semana Vermelha, não só pelos ideais revolucionários mas também pelo sangue vertido em abundância — e Mussolini empenhou-se sem receio no movimento, apesar da franca oposição da CGL e dos reformistas e das hesitações da própria direcção maximalista do partido [15].

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Mussolini preso em Roma em Abril de 1915, numa manifestação pela intervenção da Itália na guerra

Para não depender exclusivamente dos equilíbrios internos do PSI, cujos resultados eram em boa medida aleatórios e imprevisíveis, Mussolini fundou no final de 1913 uma revista, chamada Utopia em homenagem a Thomas More, onde, segundo confessou, se propunha exprimir o seu pensamento individual, que não correspondia forçosamente às atitudes públicas exigidas a um dirigente partidário [16]. Nesta revista colaboraram alguns dos nomes mais notáveis do sindicalismo revolucionário, mas também representantes do marxismo radical, como Karl Liebknecht, Bordiga e Angelo Tasca [17]. Em suma, de todos os chefes políticos mais ou menos influenciados pelo sindicalismo revolucionário, nenhum foi tão renitente como Mussolini a aceitar a passagem do tema do proletariado para o tema da nação e a substituir o quadro da luta entre classes pelo da guerra entre países. Sem nunca ter renunciado ao conjunto de teses proposto por Sorel e pelos seus discípulos, ele conseguiu durante mais de uma década evitar as consequências práticas que para muitos estavam forçosamente implícitas naquela doutrina. E, todavia, nos três últimos meses de 1914 Benito Mussolini juntou-se a outras figuras da esquerda radical na primeira fila da campanha intervencionista e foi o único capaz de equilibrar tantas contradições e tanta gente inimiga num movimento coerente e, em breve, disciplinado.

A posteriori é sempre possível arranjar explicações e descobrir sintomas de evolução. Ponho de parte a questão de saber se Mussolini teria servido de informador à polícia secreta francesa em 1904, o que o deixaria de então em diante sujeito a pressões ocultas e poderia justificar a sua atitude durante a primeira guerra mundial [18]. Circunstâncias deste tipo, se se confirmarem, explicam talvez a evolução de um homem, mas não a dos milhares dos seus seguidores, e é precisamente esta a questão que interessa quando se trata de um chefe de partido. A análise deve prosseguir no plano da acção política colectiva.

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Talvez não tivesse havido para o jovem Benito qualquer antagonismo entre socialismo e nacionalismo, tal como não o houvera para Mazzini nem para Garibaldi nem para Blanqui, que lhe serviram de fonte de inspiração [19]. Mas as influências sentidas na juventude e as atitudes que então se tomam só adquirem raízes graças a experiências posteriores, e nesta perspectiva cabe recordar que em Janeiro de 1909 os dirigentes da Câmara do Trabalho de Trento, uma cidade italiana integrada no Império Austro-Húngaro, sabendo que Mussolini era um bom conhecedor da língua alemã, ofereceram-lhe o lugar de secretário daquele organismo e de director de um pequeno semanário do ramo italiano do Partido Social-Democrata austríaco [20]. Expulso de Trento pelas autoridades em Setembro de 1909, Mussolini começou no final do ano a redigir um ensaio, Il Trentino Veduto da un Socialista, que publicou em 1911.

Mussolini 1
Ficha policial do jovem Mussolini

À luz dos acontecimentos posteriores, a obra é muito ambígua. Por um lado, e apesar de o italianismo progredir na esfera linguística a expensas do germanismo, Mussolini concluiu que não existia na generalidade da população da província qualquer desejo de lutar e muito menos de morrer pela anexação à Itália, o que deixava sem conteúdo as esperanças dos irredentistas, para quem a unidade nacional estaria incompleta enquanto o Trentino e o Trieste não se juntassem à pátria italiana [21]. Mas, por outro lado, Mussolini considerou que aquela situação era prejudicial. Na sua opinião seria utópica a tentativa de passar por cima das divisões étnicas e linguísticas para unificar política e culturalmente o proletariado do Império Austro-Húngaro, como pretendia a pesada burocracia centralizadora e parlamentarista do Partido Social-Democrata, que Mussolini execrava; enquanto o proletariado radical, defensor da autonomia política e da descentralização e activo nos organismos sindicais de base, revelaria obrigatoriamente uma tendência separatista [22]. No entanto, explicou Mussolini, o atraso económico da região, impedindo que existisse um operariado industrial forte, comprometia a luta pela autonomia e além disso determinava que a burguesia fosse composta por comerciantes timoratos, capazes quando muito de apoiar passivamente o irredentismo, mas sem um verdadeiro empenho [23].

O nacionalismo agressivo foi apresentado por Mussolini como o quadro em que poderiam ter-se encontrado, se tivessem tido força social para tanto, um empresariado vigoroso e um operariado sindicalista e revolucionário. Esta convergência, que viria mais tarde a ser o programa do fascismo, detecta-se pela negativa em Il Trentino Veduto da un Socialista, e o fascista francês Paul Marion considerou que, ao regressar de Trento, Mussolini «está, sem o saber, muito antiaustríaco e nacionalista» [24]. Por seu lado, Gioacchino Volpe pretendeu que Mussolini «tinha começado a sentir e a viver» em Trento os valores de «pátria, nação, ideais nacionais, solidariedade de classe» [25]. Mas não estaria Volpe, ou por vício profissional de historiador ou por conveniência política de fascista, a ler naquele ensaio mais as teses desenvolvidas por Mussolini a partir da campanha intervencionista do que as suas palavras de 1909, fornecendo assim à biografia do Duce a coerência que ela não tinha? Porque se é certo que enquanto participava na agitação no Trentino ele demonstrara o seu apreço pelas revistas animadas por Prezzolini e por Giovanni Papini [26], onde o nacionalismo radical procurava abrir-se ao activismo dos sindicalistas consoante a estratégia enunciada por Corradini, não podemos também esquecer que três anos mais tarde criticou Sorel por se ter aliado à Action Française [27]. Seria talvez então que Mussolini vituperou «esses intelectuais do sindicalismo italiano […] oscilando entre Sorel e Corradini» e que, «depois de um parênteses de sindicalismo profissional, anseiam pela nação e geram um nacionalismo que, se hoje é literário, será amanhã fautor de guerra» [28]. Tudo somado, a viragem de Mussolini em 1914 foi inesperada e abrupta.

A primeira guerra mundial, no seu rasto de jovens corpos trucidados e velhas instituições derrocadas, tornou caducas, porque demasiado restritas ou demasiado sectárias, as doutrinas dos sindicalistas revolucionários, e remodelou estas e outras aspirações, fundiu-as, projectou-as para uma nova dimensão, onde depararam confusamente com problemas diferentes e com insuspeitados meios de acção. Um jovem socialista intervencionista escreveu durante o conflito que «será necessário enquadrar a luta de classes […] no âmbito nacional» [29]. Era a conhecida estratégia de Corradini, transposta agora para o plano grandioso de um morticínio à escala planetária e reproduzida a partir do extremo oposto, não como uma nação que buscava um proletariado para a revigorar, mas como um proletariado que procurava na nação um novo horizonte. A entrada em guerra contra o Império Austro-Húngaro surgiu a muitos italianos como o necessário epílogo da unificação do país, que a política de compromissos da monarquia havia deixado sem concluir. Engels escrevera que o movimento socialista só se desenvolve depois de a nação estar unificada e ter adquirido a independência [30]. E se em termos marxistas a unidade nacional fora saudada como progressiva, não deveria a derradeira etapa da unificação ser considerada do mesmo modo? Já não se tratava, nesta óptica, de uma expansão colonial, como sucedera com as campanhas na Líbia, mas, pelo contrário, de uma guerra destinada a libertar os últimos territórios italianos ainda submetidos à cobiça estrangeira. O que os defensores desta tese não viam, porém, ou não queriam ver, é que em 1914 o conflito era mundial e os interesses da classe trabalhadora se colocavam directamente no plano internacional, não no quadro retardatário do nacionalismo.

Popolo d'Italia 1
O jornal de Mussolini proclama que «Nas trincheiras realiza-se a nova Internacional dos trabalhadores»

Enquanto Lenin e os seus companheiros da minoria na conferência de Zimmerwald atacavam a guerra para transformá-la em revolução, os sindicalistas revolucionários pretendiam chegar ao mesmo objectivo através da participação no conflito. Confundido o radicalismo de classe com a violência de qualquer tipo, e descobertos outros parâmetros para a democracia na fraternidade do perigo e da morte, as trincheiras surgiram aos renovadores da política de direitas como o lugar onde o militante do proletariado haveria de se converter em soldado de uma nação e, ao fazê-lo, transformaria a nação, imprimindo-lhe outra audácia. «Os militares hoje feridos e com baixa são a vanguarda do grande exército que regressará amanhã», prometeu Mussolini nos últimos dias de 1917, e continuou: «As palavras “república”, “democracia”, “radicalismo”, “liberalismo”, a própria palavra “socialismo”, já não têm mais qualquer sentido. Terão um amanhã, mas ser-lho-á dado pelos milhões “daqueles que voltaram”. E poderá ser algo bastante diferente. Poderá ser, por exemplo, um socialismo antimarxista e nacional. Os milhões de trabalhadores que regressarão para rasgar a terra com as suas charruas, depois de terem estado na terra rasgada das trincheiras, realizarão a síntese da antítese entre classe e nação» [31].

O «socialismo nacional» apresentava-se como a emancipação óbvia da «nação proletária». Em 23 de Março de 1919, no discurso fundador do fascismo, Mussolini deixou bem patentes os termos da questão. «Declaramos guerra ao socialismo não por ser socialista, mas por se ter oposto à nação» [32]. As consequências lógicas haviam sido extraídas, o quadro estava definido, daqui em diante a regra do jogo só podia ser uma.

Mussolini na guerra
Mussolini na Primeira Guerra Mundial

Mais tarde um jornalista recordou o que D’Annunzio lhe anunciara em Fiume: «Haverá uma nova cruzada das nações pobres e empobrecidas, dos homens pobres e dos homens livres, contra as nações, contra a casta dos usurários que ontem tiveram os lucros da guerra e hoje lucram com a paz» [33]. Mas os paradoxos do nacionalismo ocasionam inevitavelmente uma armadilha prática, porque não existe qualquer linha divisória entre a edificação de uma pátria e a sua projecção imperial. Nacionalismo e expansionismo formam um continuum. Nos finais de 1935, ao se lançar na conquista da Abissínia, Mussolini teve a desfaçatez de proclamar «à Itália proletária e fascista»: «A guerra que começámos em terras de África é uma guerra de civilização e de libertação. […] É a guerra dos pobres, dos deserdados, dos proletários» [34]. E a rádio oficial anunciou em Maio do ano seguinte que «pela primeira vez na história das guerras coloniais, esta foi uma guerra proletária […]» [35]. Tratava-se de um desafio lançado às nações plutocráticas por uma nação proletária a quem era negado o direito a possuir espaços coloniais [36]. E um Duce já cansado, no seu discurso de 10 de Junho de 1940, quando abandonou a não-beligerância e anunciou a entrada da Itália na nova guerra mundial, retomou os termos da mesma dicotomia. «Esta luta gigantesca não é mais do que uma fase do desenvolvimento lógico da nossa revolução: é a luta dos povos pobres e com mão-de-obra abundante contra os açambarcadores que detêm ferozmente o monopólio de todas as riquezas e de todo o ouro da terra; é a luta dos povos fecundos e jovens contra os povos estéreis e votados ao desaparecimento; é a luta entre dois séculos e duas ideias» [37]. Do princípio ao fim, foi este o fio condutor do fascismo.

Notas

[1] E. Santarelli (1981) I 59-60, 97-99.

[2] P. Milza (1999) 15-17, 19, 28, 31.

[3] Id., ibid., 83.

[4] Z. Sternhell et al. (1994) 201-202.

[5] P. Milza (1999) 131-133.

[6] Id., ibid., 139.

[7] Id., ibid., 67.

[8] Id., ibid., 135-136; Z. Sternhell et al. (1994) 196-201.

[9] P. Milza (1999) 91; Z. Sternhell et al. (1994) 131, 132, 136.

[10] G. Bortolotto (1938) 225; P. Milza (1999) 137-138, 140-142; S. Saladino (1965) 241; Z. Sternhell et al. (1994) 198.

[11] P. Milza (1999) 144.

[12] Id., ibid., 144. Mais modestamente, P. Marion (1939) 13 considerou que a tiragem subira de 40.000 para 100.000 exemplares.

[13] P. Milza (1999) 154-155. Todavia, em Agosto de 1913, quando a USI lançou um novo apelo à greve geral, Mussolini considerou-o aventureirista. Ver id., ibid., 156.

[14] Id., ibid., 157-158.

[15] Id., ibid., 159-161.

[16] Foi o que Mussolini afirmou num artigo publicado em Utopia em Janeiro de 1914, citado em id., ibid., 170-171.

[17] Id., ibid., 157, 170-171; Z. Sternhell et al. (1994) 210-211.

[18] Quanto à origem da tese de que Mussolini teria sido informador da polícia política francesa ver P. Milza (1999) 73-74. Mas este historiador revelou uma dose notável de ingenuidade ao argumentar que Mussolini não teria exercido tal função porque os relatórios de agentes que estão hoje disponíveis para consulta nos arquivos o apresentam sempre como um perigoso subversivo. Se ele tivesse realmente sido um informador, isto não seria levado ao conhecimento dos funcionários de escalão inferior, e mesmo no topo da hierarquia a identidade de cada informador era mantida o mais possível secreta.

[19] Id., ibid., 31-32. Pierre Milza insistiu nesta tese ao longo do seu livro.

[20] Id., ibid., 108. Em 1897, consoante indicou E. H. Carr (1966) I 424, o Partido Social-Democrata austríaco decidira converter-se numa federação de seis partidos nacionais autónomos, correspondendo um deles à população italiana do império.

[21] B. Mussolini (1961) 171-172, 174-175, 187 e segs., 197-198.

[22] Id., ibid., 185-186.

[23] Id., ibid., 169, 185-186, 191.

[24] P. Marion (1939) 12.

[25] G. Volpe (1941) 23.

[26] P. Milza (1999) 113-114.

[27] Z. Sternhell et al. (1994) 201-202.

[28] Citado por P. Milza (1999) 140. Mas note-se que este historiador desconhecia a data do texto mencionado, como indicou na pág. 902 n. 47.

[29] Tullio Colucci citado em E. Santarelli (1981) I 99.

[30] Ver, por exemplo, a carta de Engels a Kautsky com data de 7 de Fevereiro de 1882 em P. W. Blackstock et al. (orgs. 1952) 116-117.

[31] Benito Mussolini em Il Popolo d’Italia, 15 de Dezembro de 1917, antologiado em R. Griffin (org. 1995) 29. Citado igualmente em Z. Sternhell et al. (1994) 221 e comentado por P. Milza (1999) 213.

[32] Antologiado em Ch. F. Delzell (org. 1971) 9 e citado em P. Milza (1999) 239. Note-se que em Charles Delzell se lê «por se ter oposto ao nacionalismo» onde em Pierre Milza vem «por se ter oposto à nação». «É na transição do ano de 1918 para o de 1919», escreveu Pierre Milza em op. cit., 231-232, «que se conclui a conversão de Mussolini à ideia de uma revolução nacional e social, cujos principais actores sairiam da elite forjada nas trincheiras».

[33] Citado em G. Seldes (1935) 74.

[34] Discurso de 18 de Dezembro de 1935 antologiado em G. S. Spinetti (org. 1938) 203. Uma versão um pouco diferente encontra-se em Benoist-Méchin (1964-1966) IV 166. Ver também G. Volpe (1941) 211.

[35] Citada em E. Gentile (2010) 123.

[36] C. T. Schmidt (1939) 139.

[37] Antologiado em Ch. F. Delzell (org. 1971) 214 e citado em P. Milza (1999) 777 e E. Santarelli (1981) II 402. Poucos meses depois, em 26 de Outubro de 1940, Goebbels disse em Viena a um grupo de dirigentes do partido nacional-socialista: «Quando esta guerra terminar queremos ser os senhores da Europa […] Pertenceremos enfim às nações ricas […]». Citado em J. Noakes et al. (orgs. 2008-2010) III 292. Em 1949 o antigo chefe do fascismo valão explicou a recente guerra mundial como um conflito entre «os Estados saciados e decadentes e os Estados pobres, mas fecundos e dinâmicos». Ver L. Degrelle (1949) [13].

Referências

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Gioacchino VOLPE (1941) História do Movimento Fascista, Roma: Novissima (ano XIX).

O artigo Ainda não sabiam que eram fascistas foi publicado em cinco partes:
1) Corradini e os sindicalistas revolucionários
2) Da autonomia dos trabalhadores ao fascismo
3) Do vanguardismo a uma teoria das elites
4) Da apologia da elite a uma teoria dos heróis
5) Mussolini, o mais improvável dos fascistas

9 COMENTÁRIOS

  1. Caro João, tomo estas suas duas frases como ponto de partida para formular uma questão:

    “Mas os paradoxos do nacionalismo ocasionam inevitavelmente uma armadilha prática, porque não existe qualquer linha divisória entre a edificação de uma pátria e a sua projecção imperial. Nacionalismo e expansionismo formam um continuum.”

    Até que ponto seria, na sua opinião, lícito dizer, por analogia, que nacionalismo e racismo formam, também eles, um continuum, ao longo do qual podem ser observadas várias contradições e situações até curiosas?

    Por um lado, a Alemanha nazista representou uma ilustração extrema dessa imbricação; por outro, até que ponto seria razoável imaginar que os diferentes fascismos nacionais, cada um ao seu modo, não alimentariam (ou mesmo pressuporiam?), também eles, uma depreciação dos nacionais de outros países, na base de uma construção mítica da nação e suas origens, sua história, seus costumes etc. que, ao fim e ao cabo, (re)afirmaria a crença da superioridade “racial” dos próprios habitantes (ou daqueles considerados “típicos”, “puros” ou o que seja)? O caso alemão é extremo por ter na base uma exigência que poderia ser formuladada como “admirem-nos, idolatrem-nos, mas percam qualquer esperança de ser como nós!”; contudo, o fato, por exemplo, de a Itália fascista (ou a Espanha franquista), e Mussolini em particular, ter chegado, no início dos anos 30, a fazer zombaria com o “arianismo” germânico e a recusar o “antissemitismo militante” típico do nazismo – ou o fato de a Itália fascista não ser “oficialmente” racista – configuraria uma diferença qualitativa em relação ao nazismo, ou meramente de grau? Para além das óbvias desvalorizações especificamente culturais (da língua, dos costumes, da história etc. dos Outros), me parece que o nacionalismo (e, em não poucos casos, também o regionalismo, que muitas vezes e em grande medida me parece atuar como um nacionalismo em miniatura), potencialmente conduz à desvalorização dos Outros em um sentido que busca identificar diferenças “raciais”, mesmo que, frequentemente, a partir de características simplesmente inventadas ou grotescamente caricaturadas. O racismo tão forte no Império Japonês (do qual tão pouco se fala no Ocidente, em comparação com o racismo nazista, mas que foi experimentado duramente por muitos asiáticos, apesar da ideologia japonesa da “Esfera da Coprosperidade”), as tiradas racistas de italianos contra os etíopes, e por aí vai: para além das características próprias do nazismo alemão, não promoveria o fascismo em geral, em sua dinâmica de conjunto e essencial, com maior ou menor facilidade, a passagem do nacionalismo ao racismo (e vice-versa), assim como o faz com o expansionismo?

    Assistimos, hoje, a uma onda de revivescência de nacionalismos e separatismos pelo mundo afora; e, paralelamente, a uma onda de racismo renovado, em muitos lugares. E, em muitos casos, a relação funcional entre nacionalismo e racismo se torna bastante evidente…

  2. me chama a atenção o espírito ansioso destes pensadores do começo do século XX embrenhados no cenário político europeu.
    Com os relatos aqui apresentados se forma uma imagem de movimentos intelectuais ávidos pela novidade e pelo fim de um “establishment”, meta a qual se podia chegar por meio de uma variada gama de opções e ferramentas políticas que estavam sendo criadas e debatidas no calor do momento, importando mais do que nada a capacidade de mobilização de massas para um “novo projeto” que enterrasse o velho.

  3. Marcelo,
    Tratei a questão do fascismo e do racismo nas páginas 579-730 do Labirintos do Fascismo (Porto: Afrontamento, 2003). Tratei também a questão do continuum entre nacionalismo e imperialismo a respeito do sionismo no artigo «De perseguidos a perseguidores: a lição do sionismo». Vou tentar aqui esboçar muito sumariamente o que julgo serem os aspectos centrais da questão.
    Antes de mais, o racismo caracterizou todas as metrópoles coloniais dos séculos XIX e XX, independentemente do regime político, incluindo portanto as que se regiam pelos princípios da democracia parlamentar, como a Grã-Bretanha, a França ou Portugal, e a noção da existência de uma hierarquia biológica na humanidade permeou a ciência e sustentou a eugenia. Ao mesmo tempo, porém, esta noção difusa de racismo não impediu a formação e a expansão de uma cultura capitalista caracterizada pela absorção de contribuições provenientes de variadas culturas, tanto asiáticas como africanas e mesoamericanas. Contrariamente ao que se julga, a cultura capitalista não foi eurocêntrica e desde início foi mundial. Este paradoxo é só aparente, porque o racismo difuso que implicava a noção de hierarquias biológicas não implicou necessariamente a noção de hierarquias culturais.
    Todavia, o racismo do nacional-socialismo germânico foi muito diferente, porque estabeleceu uma relação de tipo schellingiano entre biologia e cultura. Esta relação só pode ser entendida enquanto uma mística do sangue, entendido o sangue na sua expressão corporal e a mística no sentido mais forte do termo. Esta noção foi formulada primeiro nos escritos de Houston Stewart Chamberlain e Richard Wagner e depois pelos seus discípulos, especialmente Alfred Rosenberg, em O Mito do Século XX, e pelos propagandistas SS. O racismo nacional-socialista tem sido tão desvirtuado pelos historiadores que a leitura destas obras é indispensável para o compreender. Não houve no nazismo um racismo alemão, mas um racismo nórdico, supranacional. Hitler insistiu vezes sem conta no facto de que, para ele, o princípio do nacionalismo, nascido com a Revolução Francesa, fora superado por um princípio superior, o racismo, que se definia num plano em que já não contavam as nações. Por isso eu estudei no Labirintos a dialéctica racial do nacional-socialismo como uma articulação de três entidades, a raça dos senhores (nórdicos), a raça dos sub-homens (eslavos) e a anti-raça (judeus). O nazismo não foi nacionalista mas supranacional, a ponto de, nos 900.000 homens que passaram pelos Waffen SS, incluindo todas as baixas, menos de metade terem sido alemães originários do Reich. «É entre eles», considerou o fascista francês Lucien Rebatet a respeito dos jovens oficiais dos SS, «que encontro os nacionais-socialistas mais emancipados do pangermanismo, mais cônscios da missão europeia do fascismo».
    Mas Rebatet foi, mesmo para a sua época, demasiado restrito, porque o fascismo não se restringiu à Europa e já se havia então desenvolvido o fascismo de Marcus Garvey, que marcou tão acentuadamente uma vertente do movimento negro e que conta hoje com numerosos continuadores. O fascismo de Garvey foi igualmente um racismo, a ponto de ter estabelecido uma aliança de polaridades com os racistas brancos norte-americanos. Assim como, fora da Europa, foram e são fascismos o peronismo e os seus continuadores, incluindo os actuais. E outro fascista francês, Maurice Bardèche, uma das principais figuras do fascismo do pós-guerra, classificou como fascismos o nasserismo e os seus epígonos no mundo árabe.
    Tudo somado, a questão do racismo não é fundamental para definir um regime como fascista porque, por um lado, o racismo caracterizou igualmente regimes democráticos e, por outro, o tipo específico de racismo do nacional-socialismo alemão, se caracterizou por exemplo o fascismo de Codreanu, não exerceu influência sobre outros fascismos. No Labirintos defini o fascismo por critérios diferentes (a conjugação do eixo endógeno que tinha como pólos o partido/milícias e os sindicatos/milícias e do eixo exógeno que tinha como pólos as Igrejas e o exército) e é esta a definição que continuo a usar.
    O fascismo italiano, por exemplo, pôde ser filo-semita durante um longo período e tornar-se depois parcialmente anti-semita sem que isto alterasse minimamente a sua estrutura política. O mesmo se passou com o fascismo espanhol, que foi inicialmente filo-semita, tornou-se anti-semita durante a guerra civil por mero oportunismo, porque precisava do apoio nazi, e regressou em seguida ao filo-semitismo. Além disso, o tipo de anti-semitismo adoptado tardiamente por Mussolini não se confundia com o anti-semitismo vigente no Terceiro Reich nem obedecia aos critérios expressos nas leis de Nuremberga.
    Finalmente, o fascismo nipónico foi racista acima de tudo para com os não asiáticos. A Esfera da Co-Prosperidade e o lema A Ásia para os asiáticos implicou, é certo, uma hierarquia interna em que coube aos japoneses o lugar cimeiro, mas tratou-se de uma hierarquia de tipo paternalista, tanto assim que o fascismo japonês teve o papel decisivo na assunção da independência pela Indonésia, pelas Filipinas, pela Birmânia, pelo Vietname e mesmo pela índia. Cabia ao Japão, segundo os teóricos e os práticos do seu fascismo imperial, guiar com mão forte os demais povos asiáticos. Mas a clivagem racial marcava-se perante os não asiáticos.

  4. Lucas,
    Mas o segundo parágrafo do seu comentário descreve tão exactamente a génese do peronismo!

  5. mas em tua opinião aplica-se também para o período pré-fascista europeu ou não? poderíamos descrevê-lo como uma época de ansiedade?

  6. Lucas,
    Sem dúvida, concordo. A minha observação pretendia somente incluir um caso e não excluir o outro.
    Zeev Sternhell está certo quando afirma que os elementos componentes do movimento fascista haviam sido gerados já antes da primeira guerra mundial e mesmo articulados nos casos de Corradini e do cercle Proudhon e, acrescento eu, de Kita Ikki. Essa ansiedade deu o estilo ao manifesto com que Marinetti lançou o futurismo e foi de então em diante um dos elementos definidores dos outros manifestos futuristas, assim como se encontrava em Londres no grupo equivalente, os vorticistas. A guerra veio ampliar e generalizar o que antes haviam sido experiências intelectuais circunscritas e deu-lhes uma audiência e uma base de massas. Você mencionou também o desejo de novidade, que os fascistas formalizaram como uma apologia da juventude. Já Marinetti havia proclamado que os mais velhos entre os futuristas tinham trinta anos e nesta senda o fascismo apresentou-se sempre, em todos os países, como o movimento da juventude, o novo contra o velho. Ansiedade, novidade e um terceiro elemento, a raiva, entendida como rancor. Enquanto os comunistas concebiam a luta de classes os fascistas concebiam a raiva individual, e ninguém exprimiu melhor do que Céline um rancor que deu o tom a toda uma política. Foi por estas portas que um bom número de anarquistas individualistas aderiu ao fascismo, reforçando-lhe aquela violência de rua que era entendida como radicalismo de acção. Creio que na teia urdida entre estes três elementos pode inserir-se a vida intelectual e estética do fascismo.

  7. O mesmo será dito de Palmares. Nota-se a clara tentativa de amalgama entre anarquismo, violência proletária e fascismo. Mas não foi a própria mídia burguesa, fazendo companhia ao PT que entre 2013-2014 dizia que o Black Bloc era “neonazista”? Depois que a manobra não colou, passou a associar os Black Blocs ao PCC. O mesmo foi visto em outros artigos de Bernardo, um deles sobre a questão ecológica, fazendo a associação obrigatória entre preocupações ambientais e nazi-fascismo. Tática nazista bem conhecida: associar algo que se discorda a alguma coisa socialmente odiada (nazismo). É óbvio que a pesquisa e as fontes referenciais podem existir, mas o modo como são direcionadas dizem muito das intenções que subjazem ao texto.

  8. Boa coletânea de textos, nos traz bastante informação sobre o que foi o Sindicalismo Revolucionário – movimento o qual tive como referência durante boa parte do período em que reivindiquei e militei em organizações anarquistas. Admito que até hoje nutro grande respeito e admiração por Alceste de Ambris, e mesmo pelo polêmico Sorel.

    Todavia, discordo profundamente da tese central do texto – de que o Sindicalismo Revolucionário era fascista (ou protofascista, ou pré-fascista, o termo é o que menos importa), ainda que de maneira inconsciente. Gostaria de, brevemente, apresentar alguns argumentos (em formas de pontos) a fim de criticar esta tese, e defender a tese de que o nazi-fascismo clássico foi um movimento diretamente relacionado com um impulso imperialista por parte das burguesias nacionais de países da periferia do centro do capitalismo monopolista – países que já faziam parte do centro capitalista, entretanto, se encontravam neste de maneira marginalizada (como Itália e Alemanha, esta segunda especialmente após sua derrota na Primeira Guerra), e o que explica as oscilações e diversas coaptações de sindicalistas revolucionários (assim como de anarquistas não sindicalistas, e mesmo de socialistas de outras matizes) não é o fato da semente do imperialismo em sua face fascista já estar presente no Sindicalismo Revolucionário, mas sim a ausência de uma práxis a cerca da questão nacional e do nacionalismo a altura dos desafios daquele período histórico propriamente dito. Práxis a qual só encontra uma formulação coerente e superior inicialmente em Lenin, mas, sendo de fato melhor acabada por Stalin.

    1. Apoios, adesões e oscilações frente tanto às políticas imperialistas quanto ao movimento fascista propriamente dito, não são exclusividade dos socialistas do campo do sindicalismo revolucionário. Todos os campos do socialismo foram afetados; socialdemocratas, anarquistas (individualistas, anarco-comunistas etc).

    2. Outro argumento evidente equivocado do autor é o de colocar a questão da soberania nacional – o nacionalismo – como algo exógeno às lutas proletárias, algo que foi trazido dos círculos reacionários para o seio do pensamento socialista através de teóricos do Sindicalismo Revolucionário. Basta pensar as diversas lutas de libertação nacional de povos eslavos – lutas as quais Bakunin se relacionou – ou mesmo a Comuna de Paris, que fora um levante popular nacionalista contra a invasão ao território soberano francês. O proletariado, em conjunto com outros setores da população parisiense, ao perceber que a burguesia e seus políticos seriam incapazes de deter o avanço dos invasores prussianos, aderem ao chamado das lideranças – hegemonicamente blanquistas – de pegar em armas e tomar o poder a fim de libertar Paris e a França da ameaça invasora. Vale ressaltar a estrategia que Bakunin esboçou, nas cartas que este trocou durante o período, a qual antecipa em grande medida a que Lenin formularia para Primeira Guerra – articular a luta de libertação nacional com a guerra popular revolucionária.

    3. Entretanto, ainda que o nacionalismo e suas questões estarem sempre mais ou menos presentes nas lutas sociais no capitalismo, as formulações a respeito desta sempre foram mais ou menos precárias e assim, se mostraram absolutamente insuficientes nas primeiras décadas do século XX – momento quando a questão nacional teve sem dúvidas importante destaque nas contradições sociais (penso aqui, inclusive, nas formulações de Mao Zedong a cerca das contradições). Acredito que esta precariedade frente a questão nacional esteja relacionada com a forte dose de idealismo messiânico e utopista presente no socialismo – especialmente no do século XIX. Crenças messiânicas do tipo do “fim do Estado” “fim das nações” “fim do mercado” e etc impregnavam o pensamento socialista da época – e, convenhamos, se o Estado e as nações vão todos acabar, e o paraíso na terra será em breve estabelecido, qual seria a necessidade de se debruçar com firmeza sobre tais temáticas que pretensamente se dissiparão no ar? Essa grave lacuna no pensamento socialista da época faz, por exemplo, que mesmo Marx tome posições explicitamente imperialistas em alguns de seus artigos – como observa de maneira crítica Domenico Losurdo.

    4. Esta insuficiência se torna absolutamente explicita com o acirramento das tensões no começo do século XX. Neste sentido, é bastante compreensível o fato de diversos pensadores do Sindicalismo Revolucionário – que fora formado tanto por elementos oriundos do anarquismo, quanto dissidentes dos partidos socialistas – tentarem resolver este problema.

    5. Contudo, uma formulação de fato mais adequada e a altura das exigências do momento histórico, só é de fato encontrada em Lenin (ex “Imperialismo”) e Stalin (ex “marxismo e a questão nacional). Essa práxis superior de compreensão da questão nacional está diretamente vinculado com a vitória da revolução russa, assim como do sucesso da construção do socialismo na URSS – mas também, e não menos importante, serviu de pedal e inspiração para praticamente todas as revoluções socialistas de libertação nacional do século XX. O fato de Che Guevara ter pronunciado sua promessa de engajamento na luta revolucionária de frente para uma foto de Stalin, é mais do que uma mera curiosidade histórica.

    Acho que fico por aqui, gostaria só de também fazer alguns comentários aleatórios:
    – A questão nacional e nacionalista é cheia de nuances. Por exemplo, expulsar invasores no sentido de garantir a reunificação territorial e a soberania nacional é evidentemente diferente de expansionismo imperialista. O que torna complexa algumas questões envolvendo a italia da época.

    – A Carta del Carnaro – projeto de constituição para a fugaz Republica de Carnaro redigida por Alceste de Ambris, mas revisada por Gabriel D’annunzio, é um documento extremamente interessante e avançado para aquele momento. Sugiro a leitura – ela é facilmente encontrada na internet, entretanto em italiano.

    Tenho a impressão de que me esqueci de algumas coisas, mas enfim…

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