Por Renzo

Frente ao risco real e iminente de elegermos um presidente de extrema-direita, há que se decidir, das duas uma: ou um terço da população é irracional, fascista, imoral e malvada por natureza, ou as pessoas são mais complicadas e contraditórias do que parece, e aí é o caso de se tentar entender as origens sociais do voto em Bolsonaro e suas manifestações próprias: o antipetismo, o punitivismo, o politicamente incorreto e seu caráter antissistema.

E uma vez que a causa desses processos devem ser buscadas no período que inclui os últimos 14 anos de governos petistas, realizado sob um mesmo projeto de esquerda, quem se coloca politicamente no lado de cá tem duas opções: ou pensar que estes fenômenos são em grande parte uma simples reação aos avanços trazidos pelo lulismo e pelos movimentos de minoria, ou que são justamente os sintomas de seus limites e fracassos. A primeira é uma interpretação que consola, já que nos isenta ao procurar sempre no outro a origem de todo mal (o coxinha, a grande mídia, o “isentão”), que protege o legado lulista, porque o reivindica e o redime de seus erros, esquecendo-os; mas que, no fundo, não deixa de esconder uma certa má-fé, pois diz algo como “nós tentamos, mas o Brasil não está pronto para nosso projeto de avanço e progresso social, olha só no que deu”, para em seguida afirmar: “o que resta é ir ao centro, nos misturar com essa gente, ser pragmático, conciliar e ceder para garantir o mínimo”; operação meio cretina que torna possível sujar as mãos, mas de consciência limpa. somado a isso, tal interpretação acaba sendo invariavelmente opaca (“a classe média é reacionária, os evangélicos são burros, e ainda por cima tem pobre de direita”), tautológica (“a direita está em ascensão porque começou a se organizar”), e às vezes até mágica (“junho de 2013 abriu uma caixa de pandora”). Trata-se no final, de uma interpretação melancólica, porque deixa à imaginação política somente o que foi e pôde ser este projeto.

A segunda interpretação, que faz ressoar um pouco a ideia de Benjamin de que “toda ascensão do fascismo é o testemunho de uma revolução fracassada” mas que prefiro chamar de interpretação “Lula presidente, Bolsonaro vice”, pensa que a ascensão conservadora deve ser compreendida como o outro lado da moeda progressista, como um dos momentos negativos mas necessários do lulismo, dos movimentos sociais e identitários atuais. Algo que parece de início absurdo, mas tem ao menos duas vantagens: a de nos responsabilizar, porque nos implica como parte do problema, e a de nos tirar no imobilismo frente ao abismo que se aproxima; interpretação que significa, sobretudo, realizar uma dura crítica de si e do outro – o que requer coragem mas também ternura –, e das ruínas, nos reerguer.

Publicado originalmente em 19 de setembro de 2018.

1 COMENTÁRIO

  1. A chapa – imbatível, eleitoralmente falando – Lula & Bolsonaro, não é tão estapafúrdia quanto pareceria a um observador ingênuo e apressado. Ambos têm em comum o substrato de reacionarismo antiproletário: implícito, em Lula; explícito, em Bolsonaro. Fazem ponto e contraponto, como figuras simétricas do populismo: pela esquerda e sorridente, Lula; pela direita e vociferante, Bolsonaro.
    Resumindo e finalizando: Lula & Bolsonaro estão do mesmo lado na guerra de classes, pertencem a frações diferentes do partido da ordem – o capitalismo. E isto não quer dizer que não haja diferenças entre eles, mas deveria suscitar a percepção de que as semelhanças que os (des)unem são bem mais relevantes, numa perspectiva classista e libertária consequente.

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