Por Zé Antônio

Leia a 1ª parte deste artigo

Uma das lembranças que vieram, enquanto a passagem aumenta em Janeiro, foi encontrar velhos amigos de diversas cidades, o que é propiciado pelas férias anuais em seus trabalhos e nos estudos. Numa conversa sobre as lutas que passamos juntos, com um deles, foi contado que, diante da perplexidade com as derrotas diante da “reforma trabalhista” e das prometidas ameaças do governo Bolsonaro, o pessimismo trazido pela recente “onda bolsonarista” foi muitas vezes contornado com relatos de mobilizações pontuais e pequenas em seus locais de trabalho. Reconhecendo as dificuldades em pequenas vitórias e longos desafios em diálogos com seus colegas, muitas vezes negligenciados em períodos anteriores, agora pareciam incrivelmente ricos e potentes de se promover alguma relação de solidariedade. Como uma flor no deserto, as experiências de trocas nas relações de trabalho tornaram-se verdadeiras reflexões sociais e apontamentos novos para as lutas. Mas, agora, sem a mesma projeção que vimos acontecer desde as revoltas de Junho de 2013. Pensando nessa situação, semelhante entre nós em vários aspectos, perguntei se haveria uma tendência dessa tática ser agora o foco maior de nosso “campo militante”. A resposta dele me pareceu bastante lúcida: “tamo só reconhecendo a derrota”. E completou, dizendo que quem percebeu o estado de derrota em que se encontra a esquerda já entendeu que essa é uma perspectiva extremamente potente para qualquer avanço nas lutas.

Outra lembrança importante é a discussão sobre o limite da tática da revolta popular. A partir de uma reivindicação pontual, a redução das tarifas de ônibus, a intransigência do poder executivo provocou a ampliação das manifestações em marcos para além do democrático. Ou seja, a ruptura da ordem não só foi o método para nos levar à vitória, mas também a complexidade da exploração capitalista provocou um elemento catalisador, ou “incendiário”, capaz de provocar outras demandas reprimidas na classe trabalhadora durante o cotidiano capitalista. A aposta, acertada, do MPL foi de que ao se projetar como núcleo que elaborava e imprimia o ritmo das manifestações, a centralização em torno do movimento seria revertida na autonomia da revolta que era realizada pela massa que a compunha. Ao reduzir a luta a uma única pauta, a cristalização das relações capitalistas promoveu a urgência e realização própria das mobilizações, ações diretas e paralisações.[1]

Grassy (Erick Ruiz Lugo, 2016)

Conforme previsto, o capitalismo mostrou sua maleabilidade quando as prefeituras tiveram que reduzir as tarifas, para abortar a situação de descontrole que foi aberta. Num jogo de danos e custos. A amostra do limite é que a classe dominante se remediou contra essas revoltas: aprimorou a repressão, moveu os representantes do poder público, aproveitou o caráter conservador de muitos manifestantes, articulou o “sequestro de pauta”, reincorporou lutas e outras formas. Seja pela crise do petismo ou pela ascensão do “bolsonarismo”, a transição das gestões dos poderes executivo e legislativos tem como objetivo desconstruir as relações de solidariedade de classe, abertas nas lutas de nossa última década. Como foi descrito em outra discussão, a direita superou a esquerda em usar o tom da revolta. Transferindo a ruptura da ordem democrática para métodos mais brutos, porém refinados, de controle e repressão contra a possibilidade de relações sociais novas.

Seria muito fácil colocar que a solidariedade da classe trabalhadora seria alvo simplesmente das classes capitalistas. Assim, seria conveniente a retórica do “eles venceram”. Como se esse poder fosse separado de nós e a “onda conservadora” fosse simplesmente um movimento dos “de cima” contra os “de baixo”. Bastaria, no caso, promover lutas e fazer a mesma lógica de diálogo e mobilização com o resto da classe trabalhadora que não se encontra em nossas fileiras. A cada derrota e gritos contra nós, bastaria responder dizendo que se trata de “discurso de ódio”, de manipulados, etc. É preciso considerar que a apresentação de propostas de organização, de mobilização ou de solidariedade, por vezes, são repudiadas por grande parte dos trabalhadores. Não simplesmente pelos aparelhos sindicais, organizativos e partidários se encontrarem estagnados em suas relações capitalistas e orgânicas com a estrutura estatal ou acionista.[2] Mas, no conjunto das pessoas, existe um contexto que promove condições objetivas de repúdio à formas coletivistas de lidar com a produção.

Underground (Erick Ruiz Lugo, 2014)

O repúdio às formas coletivas de resposta à exploração pode ser reflexo das atuais condições para reproduzir a classe trabalhadora. Mais do que numa simples privatização do serviço público, elas foram entregues para mecanismos que tratam a oferta de serviços como meios de expansão do capital, ofertada como expansão de rendas através dos “bicos” como empregos. Nisso, um trabalhador exerce controle sobre sua própria jornada, condicionada ao seu rendimento e capacidade de se reproduzir, ao mesmo tempo que promove comércio e as condições gerais de produção na sociedade. Assim, podemos tratar, a grosso modo, de como a “uberização”,[3] expansão do “trabalho autônomo” e do desemprego são fontes de posições políticas de trabalhadores. Baseadas, simplesmente, no imediatismo que seus ganhos e perdas trazem. Sendo essa pessoa a “gestora de si própria”, uma cadeia de gestores é economizada pelas empresas contratantes. Ao mesmo tempo, a mobilização coletiva contra um representante da exploração torna-se cada vez mais distante.

Leia a 3ª parte deste artigo

Notas

[1] “Simultaneamente, mas fora das câmeras, manifestações autônomas eclodiam em vários pontos da cidade. Nas linhas Esmeralda e Rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), após panes, passageiros ocupam os trilhos, quebram os trens e sabotam as vias. Em Cotia, cerca de cinco mil pessoas trancam os dois sentidos da Rodovia Raposo Tavares. Protestos bloqueiam a Ponte do Socorro e a Estrada do M’Boi Mirim. No Grajaú, junto a uma onda de saques, fala-se em mais de 89 ônibus danificados. Na zona leste, o impacto foi tamanho que, no dia seguinte, o Consórcio Leste 4 colocou menos da metade da frota em operação. Em Guarulhos, manifestantes bloqueiam por horas a via de acesso ao Aeroporto Internacional” (Caio Martins e Leonardo Cordeiro, Revolta popular: o limite da tática, Passa Palavra, 27 de maio de 2014).

[2] João Bernardo e Luciano Pereira, Capitalismo Sindical, São Paulo, Xamã, 2008.

[3] “Porém o grande salto das plataformas de compartilhamento (mediado por corporações transnacionais) não é impulsionado somente pela assimilação de velhas práticas sociais e encapsulamento delas nos aplicativos. Há ainda a forma como se dá a gestão da força de trabalho (e aqui nos permitimos ir além do livro de Tom Slee). Enquanto nas empresas tradicionais os trabalhadores pouco aparecem para os consumidores, pois há especialização do trabalho no qual a entrega do produto ou serviço cabe à ponta da linha de produção, na Economia do Compartilhamento um serviço pode ser produzido quase todo por apenas um trabalhador, o mesmo que entrega ao consumidor o que foi demandado. Esse aparente controle sobre as diferentes etapas da produção é que dá aderência ao discurso que classifica a estes trabalhadores enquanto microempreendedores, patrões de si” (Daniel Caribé, Comentando o livro “Uberização”, de Tom Slee, Passa Palavra, 19 de dezembro de 2017).

9 COMENTÁRIOS

  1. Quando tudo aguarda, na noite de pretume
    basta um vagalume, transformar-se em vanguarda.

  2. como é que o autor do texto encaixa o enorme aumento das greves registradas pelo DIEESE com um suposto “repúdio às formas coletivas de resposta à exploração”?

  3. SPINOZA RUBRONEGRO
    apressa-te devagar &
    sem jamais esquecer
    que a eminência é parda
    a iminência é negra
    mas
    a imanência é rubra

  4. Johnathan Martins
    É exatamente sobre isso que a parte 3 do texto vai comentar. Eu relaciono o aumento de greves com uma reação conservadora como consequência de um fator interno a elas: fragmentação dos organismos surgidos na luta e pelo capitalismo sindical. Pra mim são dois momentos: o ascenso que precedeu 2013 , numa crescimento economico, e ate 2017, após a crise economica brasileira de 2014. Que coincidiu no caldo de identificações conservadoras na greve mais eminente: dos caminhoneiros.
    Eu não tenho muita experiência em escrever texto por aqui .então escrevi um texto enorme que foi dividido. Peço desculpas pelas duvidas sem respostas que aparecem.
    Ate a parte 4 do texto espero que algumas duvidas.sejam sanadas e as discussões possam correr mais fluidamente.

  5. O aumento do número de greves não significa a participação efetiva da classe trabalhadora. Quantas não são as greves decretadas a reboque de uma categoria por conveniência de uma burocracia sindical? Quantas também não são as greves que mesmo chamada por um grupo de aguerridos combatentes não mobilizam sequer meia dúzia de trabalhadores? Quantas não são as greves que, mesmo com grande adesão dos trabalhadores de uma dada categoria, em nada afeta o modo de produção capitalista?

  6. jocasta, em termos abstratos teu raciocínio é correto. No entanto, os dados do DIEESE conformam uma série histórica. Isto é, capaz de verificar uma alteração delta das greves entre um ano e outro. Se por um lado o número abstrato de greves não indica participação efetiva da classe, o que essa série indica é um aumento das “greves por conveniência”, de “grupos aguerridos”, que “nada afetam o modo de produção”. Oras, algo está acontecendo para que estas farsas, estas épicas e estes dramas ocorram em MAIOR frequência que antes, independente de seus efeitos. Sabemos já que não estão tendo o efeito revolucionário que esperaríamos… mas o que é que está fazendo com que ocorram em maior número que antes?

  7. Oi pessoal. Tô muito feliz com essa discussão, principalmente pela discussão que aparecerá nas próximas partes ter sido antecipada pela pergunta do johnathan Martins e pela esfinge esmeralda. A primeira, ” como é que o autor do texto encaixa o enorme aumento das greves registradas pelo DIEESE com um suposto “repúdio às formas coletivas de resposta à exploração”?” , e a segunda ” mas o que é que está fazendo com que ocorram em maior número que antes?”.

    Eu não tinha visto e nem usei como fonte no texto a recente divulgação do dieese de 2018. Usei somente as relações com o avanço de greves ate 2017, ou seja durante 2016. Nas partes 3 e 4 do texto terão relatos e analises que colhi em paralisações de rodoviários, onde comparando com o aumento da uberizaçao e a crescente informalidade via trabalho autónomo, eu coloco um terreno que a luta em questão ao ser vencida pelo isolamento e negociação coletiva direta com o patrão, pode ocorrer uma repulsa por propostas coletivas de resposta à exploração. Mas em conversas, passaram-me essa relação de dados sobre o relatório do dieese sobre 2018. As greves dessa relação foram por pautas defensivas. Não necessariamente isso quer diZer que não se tenha criado experiências coletivas. Mas também reforça que as greves não avança necessariamente para experiências coletivas e ativas.
    https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2018/estPesq89balancoGreves2018.html
    Atraso de salário, de férias, do 13º ou do vale salarial
    550 37,9

    Reajuste, piso salarial
    538 37,0

    Contratação, demissão, readmissão, efetivação, manutenção do emprego
    178

    Condições de trabalho, de segurança, de higiene
    287

    Total

    1.453

  8. Cara Esfinge, embora eu não possa decifrá-la, peço-te, por gentileza, não me devore…

    “mas o que é que está fazendo com que ocorram em maior número que antes?”

    Hipóteses:

    1) A conveniência da burocracia sindical: com a reforma trabalhista e a diminuição do poder de gestão dos conflitos sociais, a burocracia sindical talvez veja na convocação de greves um sobrefôlego para manutenção de seu status quo diante do operariado e do patronato, mas sempre de maneira a não afetar, DE FATO, a produção. Era nesta condição de gestores dos conflitos sociais sem afetar de fato a produção que legitimava, dentro das condições superestruturais, a institucionalização sindical ( e também política…);

    2) O aumento das greves, ao menos em parte, também está relacionada desde há muito tempo, mas especialmente recentemente, há uma fomentação por parte do próprio patronato. Noutras palavras, existem greves operárias que, na verdade, são patronais. Se antes o patronato estimulava greves nos serviços públicos, como os de transportes de passageiros urbanos, hoje este estímulo se ampliou. A greve dos caminhoneiros ano passado ilustra esta intervenção e a dimensão e poder patronal. Pode-se questionar que aí poderia ter havido algum afetamento à produção. Ora, se houve, quem arcou foi uma parte da pequena burguesia e a grande massa do proletariado, que é quem no final das contas arca com as disputas internas da burguesia…

    Enfim, decifrar este “enigma do capital” requer múltiplas variáveis. Por isso, despeço-me, e vou-me ter com Édipo… meu rei…

    PS: Aos identitários (de direita, de esquerda e, especialmente, de centro…): Freud, explica? Explica…!

  9. Eu não concordo com a conclusão do autor, e nem com o problema levantado, temos que dar mais destaque aos problemas das organizações, um trabalhador sozinho ou um grupo deles não vão se mobilizar “espontaneamente em carater revolucionário” a menos que tenham uma organização ou estejam em situação super precária enfrentando alguma injustiça extrema, a responsabilidade pela falta de movimentações está em quem anda controlando os sindicatos, quem controla os partidos, essa turma ai que ninguém sabe quem é, que ninguém sabe como é eleito lá dentro, que muitas vezes controlam os partidos e sindicatos como se fossem deles tem grande responsabilidade pela desmobilização apresentada, é um erro atribuir a falta de resposta popular a uma mudança tão drastica assim na mentalidade, isso daí é tudo teoria, todos os trabalhadores que se sentem prejudicados tranquilamente se juntariam para se mobilizar por uma causa se tivesse condições materiais e logisticas pra isso, e quem deveria fazer isso já foi destruido a muito tempo, vocês teoricos subestimam a destruição que os militares fizeram com os aparatos de mobilização no Brasil, diferente do que acreditam os que surgiram após a tal democratização em geral estavam já repletos de infiltrados, sem contar os inumeros assassinatos de lideres sindicais e campesinos que foram apagados desde então… a causa primordial do problema das manifestações e táticas de enfrentamento passa pela qualidade das organizações e a resposta é bem simples pra isso, não as temos, esses coletivos são uma porcaria, cada um com uma pauta diferente, ninguém se junta pra nada a não ser para pedir sua propria pauta.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here