Por Zé Antônio

Algumas memórias me vieram. No início do ano é quando ocorrem aumentos nas passagens. É periódico, nessa época as prefeituras de diversas cidades aproveitem os momentos de festas e clima de férias para promover aumentos, previstos pelos contratos dos poderes municipais com as empresas do transporte público. Exatamente quando fugiram dessa regra em 2013, testando os aumentos no mês de maio, gerou-se condições para que em São Paulo e Rio de Janeiro se engrossasse o caldo das manifestações que já ocorriam em Teresina, Goiânia, Natal e Porto Alegre. Até os primeiros anos após 2013, havia uma vontade de mobilização. Apesar do esgotamento da tática da revolta popular, a atmosfera que ficava nos ares era de que “junho iria voltar”.[1] Coletivos militantes, do MPL ou não, se organizavam e preparavam suas ondas de manifestação.

Cinco anos após Junho de 2013, ou das “Jornadas de Junho”, a coisa se tornou mais complexa. Dessa forma, contra o limite da revolta popular, muitas vezes tentou-se o seu contorno pela esquerda autônoma e pelo MPL. Isso ocorreu desde os últimos anos, seja em inovações táticas ou em simples projeções midiáticas, aproveitando a visibilidade que a revolta de 2013 trouxe. Foram táticas de mobilizações em bairros por questões urbanas locais, até novos atos convocados nos anúncios de aumentos de tarifas. O fato é, que, por mais que houvesse claras dificuldades colocadas às lutas durante os últimos anos, os aumentos das passagens seriam os momentos de tentativa de “ressurreição” dessa tática.

A derrota da Samotrácia (Erick Ruiz Lugo, 2015)

O que me faz escrever esse texto sobre essas lembranças vindas à tona é que pela primeira vez, nessa época do ano, para um certo espaço de convivência ou nicho social, é possível responder sem causar espanto, quando perguntam se terá mobilização contra o aumento da passagem: não haverá luta. E essa resposta é completamente compreendida por um leque cada vez maior de pessoas. Não me refiro às mobilizações convocadas pelo MPL ou não, em São Paulo ou em outras cidades, nem me refiro a dar resposta às reações de uma versão petista que trata Junho de 2013 como provocador de tudo que houve de lá pra cá em termos de derrotas ou mudanças políticas: o impedimento de Dilma Rousseff e a “onda bolsonaro”. Muito menos me refiro às ocupações de escolas de 2016 ou à última greve dos caminhoneiros, claramente destoada dos meios de esquerda. Falando em termos claros, a referência aqui são os reflexos reais e comparativos. A potência da revolta já estava comprovadamente estagnada, mas os termos de lidar com isso se inverteram de certa forma que é possível perceber que as correlações de forças transferiram sua impotência para um esquecimento do palco social.

O esquecimento de Junho de 2013 foi um processo complexo, movido não simplesmente pelos agentes do aparato repressivo, mas também pelos agentes da revolta, de forma não programada. Tão complexo que não se pode mais ignorar como a coisa virou. Essa compreensão foi tão cara para um certo número de militantes que uma tendência pôde ser reconhecida entre muitos que participaram das lutas desses últimos anos. A percepção e divulgação da tese, a meu ver realista, de que tais revoltas e lutas foram incorporadas na reprodução das relações capitalistas, foi muitas vezes tratada como “discurso de terra arrasada” em muitos setores da esquerda. Mas ao ver a evolução da “coisa”, onde a mobilização “antissistêmica” deu o tom popular que precisava o conteúdo fascista da onda Bolsonaro, os resultados foram apresentados para além do limite. Ou seja, quem não percebeu o limite da revolta popular depois de 2013 tomou o murro ofertado pela realidade nos últimos meses. Assim, a pergunta que fica para quem se depara com tal realidade é: para onde ir?

ACAB (Erick Ruiz Lugo, 2015)

Leia a 2ª parte deste artigo

Nota

[1] “Dizer que a tática histórica que aqui chamamos de ‘revolta popular’ se esgotou não é, em nenhuma instância, decretar o fim da revolta – aquela atitude que há séculos pulsa entre os dominados. Ao contrário, esta nunca esteve tão presente: desde junho, a disposição à luta só cresceu. Mas o que construímos além dessa disposição? Milhões saíram às ruas e, de volta à casa, ao bairro, ao local de trabalho, voltaram à rotina de sofrimentos e humilhações (talvez um pouco mais indignados)? Embora tenha produzido ecos, o momento de mobilização não conseguiu ir além de si mesmo, não encontrou continuidade em um momento de organização” (Caio Martins e Leonardo Cordeiro, Revolta popular: o limite da tática, Passa Palavra, 27 de maio de 2014).

2 COMENTÁRIOS

  1. Concordo como muita coisa nesse artigo, aqui sua conclusão é brilhante, “O esquecimento de Junho de 2013 foi um processo complexo, movido não simplesmente pelos agentes do aparato repressivo, mas também pelos agentes da revolta, de forma não programada”, isso realmente foi assim, mas não entendo essa associação forçada do bolsonarismo com o facismo, me baseando neste artigo que li sobre facismo, http://passapalavra.info/2014/03/92734, diga-se de passagem uma das melhores coisas que li esse ano, a não ser a ideia de nacionalismo, não vejo um projeto de associar o nacionalismo e o preletariado, como incentivado por Corradine (vide o artigo citado), nem muito menos a ideia de embates entre nações entre Bolsonaristas. O fenômeno Bolsonaro já havia sido previsto muito antes de 2013 por Olavo de Carvalho, ele já dizia a muito tempo que qualquer candidato que de Direita seria capaz de ganhar as eleições no Brasil, a previsão dele não poderia ser mais acertada, Bolsonaro ganha as eleições com uma das menores campanhas para presidente já feitas na história. Agora ser de direita e nacionalista, não é argumento suficiente para classificar o bolsonarismo de facismo, na verdade nem acredito que o bolsonarismo seja uma ideologia ou se baseie em alguma, não vejo um discurso coerente no bolsonarismo.

  2. Roberto. Eu quis dizer como elemento de um aspecto fascista no sentido de irrupção conservadora de massas. Mas não no sentido integral da ideologia, pq são projetos totalmente diferentes. Fascismo é nacionalista e estatizante. Com seguridade social básica condicionada à repressão policial constante e aberta. As propostas do governo federal são neoliberais e tão inclusive pagando o pato com essa irrupção popular. Por exemplo com alguns vídeos de bolsominios criticando a reforma previdenciária com o mesmo discurso conspiratório da extrema direita. Não são manifestações de massas mas são os mesmos q apoiaram a candidatura do presidente.

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