Por Jamie Woodcock e Coletivo Kolinko

Nessa entrevista, Jamie Woodcock conversou com antigos membros do coletivo Kolinko, que existiu entre a segunda metade dos anos 90 e a primeira metade dos anos 2000. A investigação que eles realizaram em call centers alemães foi documentada no livro Hotlines, que pode ser lido aqui.

Jamie Woodcock: Posso começar perguntando por que vocês decidiram iniciar o projeto de enquete operária/pesquisa militante? Por que vocês escolheram call centers?

Kolinko: Três aspectos merecem ser mencionados: as limitações da esquerda radical e nossa tentativa de reconectar a política revolucionária com a luta de classes; as experiências de investigação militante – ou conricerca (co-pesquisa, em italiano) – como uma ferramenta útil para fazer isso; e os call centers como novos locais de trabalho em massa, com potencial de lutas dos trabalhadores.

Durante a década de 1990, a esquerda radical na Alemanha se integrou ao mainstream desprezando a classe trabalhadora. Seu foco estava na construção de alianças “democráticas” antifascistas e em afirmar sua superioridade moral como “anti-germânicos”. “Pós-modernismo”, “pós-industrialismo” e políticas de identidade foram armas ideológicas para facilitar essa integração. Alguns grupos dentro da antiga esquerda autonomista tentaram se relacionar com a realidade social, mas fizeram isso regurgitando a “questão social” de um modo paternalista e liberal: os trabalhadores fragmentados deveriam se reunir em torno de “demandas de transição” como garantia de renda, direitos universais ou municipalismo eleitoral. A maioria dos grupos tinha uma forma externa e esquemática de se relacionar com a realidade da classe trabalhadora.

Para nós, a enquete operária foi o primeiro passo para retomar a política revolucionária. Vimos isso não como um esforço sociológico, mas como um esforço experimental para restabelecer uma relação produtiva entre os revolucionários e a auto-organização dos trabalhadores. Queríamos entender as condições particulares para poder encontrar e apresentar uma perspectiva política e propor etapas que transcendessem um local de trabalho ou setor específico.

Alguns de nós tínhamos discutido, por algum tempo, a história e os instrumentos da corrente marxista italiana que ficou conhecida como operaísmo e descobrimos que a enquete operária (conricerca) é um bom método para entender a situação da classe trabalhadora e intervir em suas lutas. Depois de tentativas anteriores com essas investigações – em canteiros de obra, por exemplo – nós tínhamos alguma experiência. Alguns de nós estavam desempregados, e procuramos trabalhos onde pudéssemos iniciar uma investigação coletiva. Os call centers estavam se multiplicando em nossa região na segunda metade da década de 1990, então decidimos ir até eles.

Também focamos nos call centers porque eles representavam uma nova maneira de organizar o trabalho de escritório. Primeiramente, eles aboliram as antigas habilidades e qualificações dos trabalhadores de colarinho branco e redistribuíram-nas entre um número maior de trabalhadores “não qualificados” que são menos capazes de desenvolver “orgulho profissional” e outras formas de mentalidade limitada ligadas à qualificação. Em segundo lugar, os call centers reconcentraram essa força de trabalho, colocando centenas de trabalhadores sob o mesmo teto numa época em que o mainstream afirmava que o computador e a internet inevitavelmente levariam as pessoas a trabalhar isoladas em casa. Em terceiro lugar, os call centers socializavam e conectavam o trabalho além das fronteiras nacionais. Testemunhamos experiências de trabalho e exploração muito semelhantes em todo o mundo, com a mesma força de trabalho jovem e de ambos os sexos. Isso nos deu esperança de estabelecer intercâmbio orgânico e solidariedade transfronteiriça, embora já enxergássemos o problema que os sindicatos “nacionais” representavam para isso.

Logo cedo observamos alguns sinais de resistência, como greves entre os trabalhadores de call centers no setor bancário. Queríamos compreender esses desdobramentos e intervir – e, como um pequeno grupo de cerca de dez pessoas, escolhemos limitar nossos esforços a um determinado setor, a fim de evitar ultrapassar nossas capacidades. Então, a maioria de nós conseguiu empregos em call centers.

JW: Como vocês descreveriam o processo de investigação que vocês construíram? Vocês poderiam nos contar um pouco mais sobre os questionários e panfletos que fizeram?

K: Os questionários foram, antes de tudo, uma diretriz para nossas próprias discussões e relatórios. Nós só entrevistamos amigos e colegas de trabalho próximos – não foi uma tentativa de fazer um levantamento de dados em massa. Isso não significa que os questionários não possam ser usados mais extensivamente.

Os panfletos referiam-se principalmente a problemas concretos em centrais de atendimento específicas. Eles serviam para criar mais agitação. As quatro edições do boletim foram meio didáticas. Decidimos abordar quatro questões principais da exploração: a intensificação do trabalho; a extensão da jornada; o mito da qualidade e a alienação; e a luta contra os chefes e o problema da representação sindical. Tentamos relacionar esses tópicos gerais com a realidade concreta dos call centers. Também adicionamos relatórios e histórias, mas a estrutura era bastante rígida.

Olhando em retrospectiva, poderíamos ter apresentado o jornal como algo mais aberto para a troca de notícias entre os atendentes de call center, o que poderia ter encorajado mais pessoas a nos escreverem ou a se envolverem. Nossa própria experiência a esse respeito era incompleta: havíamos participado de vários ‘boletins informativos’ e esforços de panfletagem antes, principalmente como parte do coletivo Wildcat na Alemanha, mas nossos círculos realmente não tinham muita experiência consistente com publicações e esforços organizativos da classe trabalhadora. Ainda assim, foi interessante ver como os colegas usavam o boletim como fonte de informação, disparando conversas sobre as condições de trabalho. Como o jornal não era pensado para construir uma organização, não o estendemos por muito tempo. Se tivéssemos seguido com ele, o boletim poderia ter contribuído para reunir mais trabalhadores ativistas ou trabalhadores que gostam de “fazer alguma coisa”.

JW: O contexto da enquete pode ser descrito como “frio”, sem luta aberta. Quais são os desafios ou oportunidades de fazer uma enquete nesse contexto, em vez de um contexto mais “quente”?

K: Houve algumas disputas nos call centers em nossa região – então as coisas eram, pelo menos, “mornas”. Mas, sim, nossa abordagem na época era: não podemos dar o pontapé nas lutas, então vamos seguir o fluxo e aprender. Nós não nos víamos como ‘organizadores’ naquela época, e, novamente olhando em retrospectiva, talvez devêssemos ter tentado uma forma mais ativa de intervenção e organização. Entretanto, se não houver luta – ou se não houver raiva profunda entre os trabalhadores, pelo menos – então qualquer tentativa de organização terá efeitos limitados.

JW: Você acha que há uma tensão entre pesquisa e organização (ou intervenção) em um projeto como esse? Como isso pode ser resolvido?

K: Em geral, uma vez que a pesquisa é feita pelos próprios trabalhadores, não há tensão entre pesquisa e organização – a pesquisa é uma pré-condição contínua e um esforço organizador em si. A tensão existe se os pesquisadores se colocam como externos, com objetivos separados – por exemplo, como acadêmicos ou como representantes de organizações (sindicais) que desenvolvem interesses separados daqueles dos trabalhadores.

Na época, tínhamos certeza de não querermos nos envolver com os principais sindicatos e com a diretoria legal dos conselhos de trabalhadores. E o sindicalismo de base era muito mais fraco do que hoje. Os únicos esforços sérios a esse respeito que testemunhamos foram feitos por sindicatos de base na Itália. Poderíamos ter tentado formalizar mais nossos esforços e nos apresentado como uma “organização de trabalhadores do call center”, mas na maioria das situações em que nos encontrávamos, isso seria um passo artificial. Ainda estava tudo na fase de construção de confiança e de redes informais entre os colegas, e levamos isso o mais longe que podíamos.

JW: Na revista Notes from Below, analisamos a composição da classe a partir dos aspectos técnico e político, mas também pelo viés social. Definimos “composição social” como a organização material específica dos trabalhadores em uma sociedade de classes no âmbito das relações sociais de consumo e reprodução. Esse é um aspecto que vocês consideraram durante as investigações no call center?

K: A “composição social” fora dos locais de trabalho e seus antagonismos sociais pode ser bastante individualista ou divisora, especialmente quando se fala em conceitos como “consumidores” ou “cidadãos”. Ainda assim, há uma necessidade de organizar uma luta em algo como uma esfera proletária: organizações de inquilinos, auto-educação dos trabalhadores e a luta das trabalhadoras contra o sexismo.

Na época, em cidades como Berlim, muitos dos trabalhadores do call center tinham origem estudantil – e qualquer esforço de organização teria que levar em conta essa dupla existência e descobrir seus potenciais, obtendo uma dinâmica entre as lutas do campus e os locais de trabalho. Na região do Ruhr, onde morávamos, os funcionários do call center eram mais heterogêneos; incluíam estudantes, ex-trabalhadores de escritório e ex-trabalhadores industriais. Talvez pudéssemos ter tentado com mais afinco abordar a experiência de trabalho anterior de alguns desses colegas e ver se eles ainda tinham contatos e envolvimento com esferas mais tradicionais de trabalho e lutas. Também não conseguimos abordar a questão de como nossas colegas que eram mães solteiras organizavam sua vida depois do trabalho.

Ainda assim, nossa proposta no final do livro Hotlines – a formação de “círculos proletários” – envolve o fato de que a organização da classe trabalhadora deve abranger todas as questões da vida, desde os arranjos de vida até a questão de como lidar com a doença ou velhice. No momento da enquete no call center, simplesmente não tínhamos a capacidade de ter estruturas paralelas de atividades no local de trabalho e “redes de solidariedade”.

JW: Hotlines assume um tom bastante autocrítico em alguns pontos, dando ao leitor insights sobre o que funcionou e sobre o que não funcionou. Você poderia nos contar um pouco mais sobre o que vocês aprenderam com o processo?

K: Bem, a autocrítica e a capacidade de fazer uso da crítica alheia é uma pré-condição para o progresso. Obviamente, tentamos muitas coisas na época e cometemos erros, mas não queríamos apresentar nossa atividade como a melhor solução para tudo ou a luta dos trabalhadores do call center como o conflito central na atual composição da classe. Ainda assim, fomos também atacados na época por grupos que viam o que estávamos fazendo como se cruzássemos alguma linha política sagrada – muita “intervenção” ou pouco “trabalho organizativo”, dependendo do dogma político por trás.

Em relação aos call centers, aprendemos que, apesar de empregarem centenas de trabalhadores, isso não os transforma em fábricas. A falta de cooperação material entre trabalhadores em call centers pode ser uma das principais razões pelas quais não vimos o surgimento do poder e da confiança entre trabalhadores. Em retrospectiva, deveríamos ter ficado mais confiantes em propor ou pelo menos experimentar algum tipo de estrutura organizacional, como um grupo de trabalhadores de call center de toda a região, um grupo para além do local de trabalho específico de cada um. Por outro lado, nós também não éramos fortes o suficiente como um grupo em termos de membros ativos para se engajar mais em outras lutas na região na época, como a luta dos trabalhadores da General Motors. Durante a investigação no call centers, estávamos muito ocupados com trabalho assalariado e atividade política e não tínhamos muita energia para mais.

JW: No livro Hotlines, vocês propuseram que núcleos revolucionários realizassem enquetes, com a possibilidade de troca entre eles. Houve algum resultado?

K: A enquete nos colocou em contato com grupos de toda a Europa e facilitou o estabelecimento de reuniões de verão regulares, com ativistas de mentalidade semelhante, desde o início dos anos 2000. Nossa pesquisa não foi o gatilho de nenhum movimento maior, mas parece ter inspirado vários grupos em vários países a debater e se engajar na enquete operária. Mesmo agora, cerca de vinte anos depois, ainda nos perguntam sobre isso, e Hotlines é usado como exemplo. Também foi importante termos colocado as principais experiências e resultados nesse livro – algo que muitos grupos nunca conseguem fazer depois de uma intervenção. O livro até foi republicado alguns anos depois na Índia, com um novo prefácio, e alguns estudantes fizeram enquetes em pequena escala no setor de telemarketing local.

O que provavelmente não deixamos claro é que essa pesquisa não é “um projeto” – na forma como muitos grupos de esquerda escolhem “projetos”, às vezes de maneira bastante aleatória – mas um passo em direção à criação de uma organização política de classe baseada em certa compreensão política e atitude moral. Esperávamos que, com a experiência e os novos contatos com companheiros de toda a Europa, pudéssemos ajudar no reagrupamento da luta de classes que ainda resta. Com este propósito, publicamos o jornal Prol-position (Posição Proletária) que continha artigos e traduções sobre as lutas dos trabalhadores para além das fronteiras das categorias.

No entanto, nem as reuniões de verão nem o jornal conseguiram afastar os três principais obstáculos que separam o meio revolucionário: a crescente profissionalização e a academização da esquerda; o laissez-faire ou a atitude de alguns grupos de esquerda de não intervir nas lutas dos trabalhadores, com medo de contaminar o proletariado; e a atitude formalista que tenta empurrar as lutas dos trabalhadores para estruturas organizacionais já prontas, mas que não analisa os diferentes potenciais que o processo de produção oferece às tentativas de organização dos trabalhadores.

JW: Como vocês enxergam a mudança na composição de classes desde o livro Hotlines? Se vocês fossem iniciar uma enquete operária agora, onde iriam procurar trabalho?

K: Não por acaso, agora a maioria de nós trabalha ou está ativo na logística, ou em torno dela: como aeroportos ou depósitos e entregas, ou como apoiadores dos esforços de organização na Amazon. As lutas dos trabalhadores dos armazéns na Itália, e em outras regiões, demonstraram que o processo de reconcentração das cadeias modernas de fornecimento e distribuição oferece uma estrutura material para o ressurgimento do poder coletivo dos trabalhadores. Portanto, nós propusemos e iniciamos enquetes dentro da força de trabalho de logística, em colaboração com companheiros de outras iniciativas, incluindo a Wildcat na Alemanha, a AngryWorkers no Reino Unido e a Inicjatywa Pracownicza (Iniciativa dos Trabalhadores) na Polônia.

Temos que lembrar que fizemos nossa enquete no final dos anos 1990 e no início dos anos 2000, portanto, antes dos eventos de 11 de setembro de 2001, da “Guerra ao Terror” e da crise iniciada em 2007 e 2008. Pelo menos três coisas mudaram desde então:

Em primeiro lugar, com a crise aumentaram a intensificação do trabalho, sua velocidade e, muitas vezes, a vigilância e o controle também, paralelamente a um processo de redução da qualificação da mão de obra. Nossos trabalhos na logística são apenas exemplos, a situação piorou em muitos locais de trabalho, e isso foi acompanhado por uma maior pressão do estado de bem-estar social e pela constrição do regime de migração.

Em segundo lugar, a renovada globalização da guerra tornou mais fácil discutir “o sistema” com os colegas de trabalho, mesmo que não concordemos com o que seja “o sistema”. Isso foi mais difícil nos anos 90. Hoje nossas pesquisas necessariamente se tornam “políticas” e globais, não apenas pelo caráter global das indústrias e da migração, mas pela dimensão global e política da crise. Portanto, é mais importante do que nunca traçar uma linha clara entre a organização de classe dos trabalhadores, de um lado, e os esforços que comprometem a independência dos trabalhadores por meio de experimentos parlamentares, de outro. A esquerda corre o risco de reproduzir a antiga e obsoleta divisão entre o “sindicalismo honesto” para a luta econômica e o “partido parlamentar” para a luta política. Retomar a prática da enquete, hoje, significa criar organizações capazes de descobrir conexões globais entre as lutas cotidianas da classe trabalhadora, apontando para além dos limites cada vez mais frágeis que o sistema atual impõe – como as fronteiras nacionais, as políticas monetárias, a forma corporativa, a família nuclear e o sistema parlamentar, entre outros.

Em terceiro lugar, assistimos a uma onda global de lutas no final dos anos 2000 e início de 2010: não apenas as “ocupações de praças”, mas muitas greves e até mesmo ondas de greves em muitas partes do mundo, incluindo o hemisfério Sul. Isso nos deu pelo menos uma ideia do que poderia ser possível se essas lutas se combinassem e fossem instauradas por uma vontade e ímpeto revolucionários semelhantes aos do final da década de 1960. Além disso, também assistimos desde então a uma série de lutas operárias, confrontos menores e cotidianos, bem como greves selvagens e greves lideradas por sindicatos em diversos setores na Europa. Nos aeroportos da Alemanha, por exemplo, houve greves de faxineiros, pilotos, equipes de cabine e seguranças de diferentes empresas nos últimos dez anos. E as condições de trabalho tornaram-se tão precárias que muitos trabalhadores estão procurando alternativas.

Portanto, parece que este é um bom momento para se envolver nessas lutas através de enquetes operárias – certamente um tempo mais promissor do que o final dos anos 1990.

I’m all ears (Elizabeth Goodspeed, 2016)

Originalmente publicado em Notes from Below e traduzido por um grupo de militantes.

 

 

 

1 COMENTÁRIO

  1. KOLINKO entrevista “Direkte Aktion”
    (jornal anarco-sindicalista alemão)
    janeiro de 2001

    1.Vocês poderiam apresentar sua iniciativa – em poucas palavras, por favor?

    Nós somos de Ruhrgebiet. Nossa perspectiva política pode ser resumida assim: estamos buscando o poder que suprime o capitalismo e cria uma nova sociedade sem exploração. Este poder consiste na auto-organização dos trabalhadores dentro da esfera de exploração. Nossa tarefa é participar nas lutas dos trabalhadores e apoiar o movimento comunista dentro delas. Como Kolinko – Coletivo (e coletivamente) no Movimento Comunista – iniciamos uma investigação sobre call centers, no outono de 1999. Temos coletado informação, que discutimos. Entramos em contato com companheiros na Alemanha e noutros países. Realizamos entrevistas com trabalhadores de call-centers e nós mesmos começamos a trabalhar neles. Desde outubro de 2000, começamos a distribuir uma série de panfletos e construímos um site sobre esses assuntos.

    2. Nem todo mundo sabe que tipo de trabalho é feito nos call-centers. Vocês podem explicar isso em poucas palavras?

    Atrás da expressão “call center” encontra-se um método relativamente novo de trabalho: pessoas trabalham com telefones, com uma espécie de headphones, que são um par de fones de ouvido e um microfone. As ligações recebidas (“inbound”) são automaticamente transferidas, por um sistema computadorizado, para os trabalhadores que não têm chamadas naquele momento. Na maioria dos casos, eles trabalham com um computador pessoal que é parte de uma rede de computadores. Eles extraem informações de databases e a digitam como nova informação. Quando os trabalhadores ligam para os clientes, isso é chamado de “outbound”. Os call-centers estão sendo construídos na maioria dos setores: nos bancos, onde os trabalhadores qualificados estão sendo substituídos por inexperientes “agentes de call-centers”, que recebem um salário muito menor; nas companhias de seguros, onde o marketing é racionalizado; em muitas indústrias (serviço ao cliente, logística), no comércio (marketing, entregas a domicílio) etc. Também existe um setor específico de call-center. Ou seja, firmas que oferecem serviços de call-center para as outras.

    3. Qual é a motivação de vocês para a investigação?

    A investigação significa, antes de tudo, descobrir como podemos lutar contra o trabalho e a exploração juntos com outros trabalhadores, num lugar determinado, e como podemos desenvolver uma forma de poder, ao mesmo tempo. Nós nos concentramos num certo método de trabalho ou num certo setor para compreender bem sua situação e descobrir pontos de partida definidos para uma intervenção. Contudo, não vemos isso como uma “luta num campo”, no sentido autonomista. Nos locais de exploração, todas relações sociais chegam juntas e têm um efeito. Apenas nessas lutas locais, nas quais os trabalhadores aprendem a lutar como classe, pode se desenvolver uma forma de poder que suprime a divisão hierárquica do trabalho, a divisão por sexo, nacionalidades etc. Nós propomos que outros coletivos investiguem outros setores, intervenham neles e contribuam com suas experiências para a discussão sobre as perspectivas da luta de classes.

    4. Por que call centers ? Por que vocês estão trabalhando neles? Ou existem outros motivos?

    Há poucos anos, vimos uma massiva edificação de call centers em Ruhrgebiet/Alemanha – patrocinados por subsídios estatais. Políticos e patrões os apresentam como o futuro do capitalismo – e do próprio trabalho. Algo parecido ocorre em outras regiões européias, por exemplo, na Inglaterra, países baixos e Irlanda. Entretanto, existem call centers em aproximadamente todos os países europeus ocidentais, na América do Norte e outros lugares. Eles representam uma ampla racionalização e taylorização do trabalho de escritório. Em nossa região, houve uma greve no Citybank, em Bochum e Duisburg, como sinal de lutas nesse setor. Eis os motivos para a nossa investigação. Além disso, todos os disparates “esquerdistas” sobre o fim da luta de classes – não apenas na chamada Nova Economia – tiveram um papel. Outro motivo foi o ressurgimento dos conceitos sindicalistas com o objetivo de estimular “critérios mínimos”. Estamos fartos dessa ignorância consciente no que se refere às relações de classe e à capitulação sindicalista. A decisão de começar a trabalhar em call centers foi baseada em duas coisas. Certamente, nós precisamos de dinheiro para sobreviver, também, e empregos em call centers são relativamente fáceis de conseguir em Ruhrgebiet. Mas esse foi mais uma fase política: pensamos que é importante tomar uma decisão definida sobre as áreas que queremos investigar e onde queremos intervir. Não queremos andar por qualquer setor, isolados, e “fazer alguma coisa, onde quer que você esteja”. Não, é decisivo investigar aqueles setores que possuem alguma importância econômica e política, onde vemos que novos conflitos e lutas se desenvolvem. Quando percebemos que milhares começaram a trabalhar naquele setor em Ruhrgebiet – às vezes, centenas sob condições similares e num mesmo lugar – nós decidimos pesquisar e agir.

    5. Com quem vocês cooperam? Vocês possuem contatos com pessoas em outros países que atuam no mesmo setor?

    Na Alemanha, estamos em contato com alguns grupos de esquerda que priorizam a luta de classes e a revolução. Alguns nos apóiam com informação ou ajuda na distribuição de panfletos. Através da proposta de investigação, nós fizemos novos contatos com grupos estrangeiros, que nos enviam informação e também divulgam a proposta de investigação e os panfletos. O Colletivo Rete Operaia, que investiga as fábricas entre Bologna/Itália e intervem lá, assumiu a proposta e fez contatos com trabalhadores de call centers na região. Um grupo na Inglaterra faz coisa semelhante.

    6. Como vocês começaram isso? Como vocês entregam os panfletos para os trabalhadores?

    Como já dissemos, primeiro nós coletamos informação sobre call centers: investigamos o método de trabalho, maquinaria e organização de trabalho em call centers e concentramo-nos na maneira de agir dos trabalhadores e nos conflitos. Então, nós decidimos fazer uma série de panfletos sob o nome de hotlines, nos quais publicamos as discussões dos trabalhadores e divulgamos nossas posições. Nós os dividimos em quatro panfletos: 1. extensão das horas de trabalho; 2. intensificação do trabalho; 3. sentido e não-sentido do trabalho; 4. auto-organização. Os dois primeiros já esgotaram. Nós os distribuímos entre companheiros de call centers da região, enviamos para trabalhadores que conhecemos etc. No auge, fizemos dois panfletos sobre conflitos em companhias específicas: sobre as eleições burocráticas de um conselho de trabalhadores em Medion/Muelheim (Medion constrói e vende computadores para a cadeia Aldi-supermarket) e sobre as “frases padrão” em Quelle, uma firma de entregas a domicílio, onde os trabalhadores são adestrados, palavra por palavra, para atender os telefonemas. Para melhor distribuir os panfletos e outras contribuições, com o objetivo de apoiar a discussão dos trabalhadores, criamos um site e um endereço de email (veja abaixo), que também são usados pelos companheiros da Itália.

    7. Que tipo de reações vocês encontraram até agora?

    Reações diferentes. Em alguns call centers, os panfletos foram discutidos e depois distribuídos. Os trabalhadores disseram que pelo menos alguma coisa estava acontecendo e que estavam contentes porque os patrões começaram a sentir medo. Alguns trabalhadores nos escreveram – pessoal dos conselhos operários. Aparentemente, os gerentes ficaram muito irritados quando os panfletos foram distribuídos, ameaçaram e advertiram por escrito os trabalhadores. Usualmente, ninguém distribui panfletos na frente ou dentro de call centers. Em alguns casos, membros de conselhos operários e líderes sindicais têm ficado nervosos porque incentivamos a auto-organização e “greves selvagens”. Eles só querem regular os conflitos e recrutar alguns membros. Nós não esperávamos que os panfletos iniciariam uma onda. Os conflitos nos call centers são numerosos, mas os trabalhadores não lidam com eles de maneira aberta. O que fazemos é colocar um espelho na frente dos olhos deles e dos nossos, e mostrar os métodos de intensificação do trabalho e divisão dos trabalhadores que estão sendo usados contra nós. E mostramos que as formas individualistas de recusa ao trabalho (dizer que está doente, trabalhar devagar etc.) estão baseadas numa contradição fundamental que só pode ser solucionada coletivamente e de uma modo revolucionário.

    8. Pelo menos em um caso, em Medion em Muelheim, o sindicato hbv, (sindicato do comércio, banco e segurança) tem tentado reagir a seus panfletos formando conselhos operários. O que vocês têm feito quanto a isso? O que vocês pensam dos conselhos operários?

    Poucos dias depois de termos distribuído nosso primeiro panfleto, o sindicato hbv convocou uma assembléia para organizar a eleição de um conselho operário. Supostamente, isso teria sido planejado muito antes. Nós distribuímos outro panfleto, contra as ilusões que estão ligadas ao conselho operário. Não importa se um conselho operário é controlado pela gerência – como parece ser o caso em Medion – ou se ele se apresenta como militante. A função dos conselhos operários é representar os interesses dos trabalhadores, ou seja: controlá-los e acalmá-los. As pessoas devem procurá-los quando tiverem problemas, reclamar… tudo corre ordenadamente e de forma legal – e a gerência percebe imediatamente quando algo ocorre e pode reagir. Ou, então, para obter uns poucos minutos de intervalo, instalações mais confortáveis etc. Mas nós queremos algo mais.

    9. Quais formas de organização vocês pensam?

    A auto-organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, de estudo e de moradia etc. A força dos trabalhadores reside na habilidade de se unir imediatamente – com base em sua cooperação no trabalho – e de lutar contra as condições de trabalho e medidas de gestão. Isto pode ocorrer de maneira aberta, como greve selvagem; ou camuflada, como “operação padrão”. Para os patrões, o tempo e a forma de reação não é previsível, porque geralmente eles não têm com quem negociar. Baseada nessas ações auto-organizadas, uma crítica fundamental do trabalho e da exploração pode se desenvolver, rejeitando a mediação dos conselhos operários e sindicatos, e discutir a possibilidade de uma forma diferente de produção e de vida. Isso não ocorre automaticamente, mas aqui há uma chance…

    10. O que vocês fazem com os colegas que respondem aos panfletos?

    Isso depende: nós discutimos com os trabalhadores nas empresas onde trabalhamos, e vemos como começar algo com eles. Aos companheiros de outras empresas, nós propomos que se unam com os trabalhadores de lá e achem uma maneira de mudar a situação. Mas não existe um modo geral de responder isso. Quando as pessoas estão interessadas numa certa cooperação, nós nos encontramos com elas para discutir.

    11. Como vocês definem seu próprio papel?

    Como já foi dito, nós não queremos – e não podemos – produzir lutas a partir do nada. Nós podemos organizar a difusão de informes de experiências e sobre as lutas; podemos apoiar certas atitudes ou formas de lutas dos trabalhadores, criticar e fazer propostas. Isso é o que estamos tentando fazer com os panfletos e com o site.

    12. Talvez existam leitores que trabalham em call centers e queiram apoiar sua iniciativa. Vocês precisam de apoio e, caso sim, onde e como?

    Nós propomos três coisas: primeiramente, que as pessoas escrevam reportagens sobre a situação em seus locais de trabalho etc., e contribuam com elas para a discussão. Nosso foco são os call centers, mas acabamos de publicar um panfleto sobre a situação numa fábrica de canetas na Inglaterra, porque queremos juntar experiências de diferentes setores. Em segundo lugar, precisamos de informações sobre call centers e outras empresas: recortes de jornal, panfletos, fotos etc. E, finalmente, as pessoas podem distribuir nossos panfletos em call centers, passá-los para trabalhadores de call centers, discutir os panfletos com eles etc.

    13. Como as pessoas podem contatar vocês?

    A maneira mais fácil é através do e-mail: [email protected] .
    Ou enviando cartas para: hotlines, c/o Fabrik Grabenstrasse 20, 47057 Duisburg. Os panfletos, reportagens sobre call centers e outras contribuições para a discussão estão no site: http://www.free.de/prol-position .

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