Por Zé Antônio
Leia a 3ª parte deste artigo
A mais-valia absoluta tem seu preço caro a ser pago na ruptura de lógicas consolidadas da reprodução da força de trabalho. Assim, a conclusão da reforma trabalhista, apesar de criar contexto para reduzir a porosidade do carga horária, tem a ambiguidade de facilitar demissões, enquanto promove novos postos de trabalho. Daí a promessa de oferta da geração de empregos na campanha de Jair Bolsonaro e na defesa da reforma trabalhista. Os conflitos que foram incorporados nesse processo podem ser elencados entre alguns exemplos.
Como resposta à própria recessão, alguns restaurantes no Rio de Janeiro tiveram que demitir funcionários, alegando estar à beira da falência.[1] Alguns amigos advogados trabalhistas relataram o aumento de ações de funcionários alegando serem reconhecidos como empregados, exatamente pela definição do art. 3º da CLT,[2] enquanto estavam sendo tratados como autônomos ou prestadores de serviços. Parece que, na redação da reforma, contou com a pressão de alguns desses donos e gestores de estabelecimentos para solucionar esse conflito. Nada melhor para impor mais-valia absoluta do que prometer novas contratações após uma onda de demissões.
São muitos os conflitos, além dos garçons dos restaurantes em crise no Rio, que foram base para o reconhecimento na consolidação pelo “trabalho intermitente”,[3] que garante o controle maior sobre a carga horária sem precisar antecipar benefícios e salários para o trabalhador. Ou, melhor, condicionar qualquer pagamento ao tempo de trabalho exercido, fracionando o salário estabelecido a partir do mínimo, eliminando a remuneração dos tempos de interrupção. Ou seja, as perdas com o valor da reprodução, nos tempos de almoço, descanso, transporte, etc., recaem totalmente sobre o trabalhador, com a legislação ao lado dos patrões para só chamar (e pagar) o funcionário quando julgar necessário. Devendo o patrão convocar o empregado com três dias de antecedência, valendo uso de Whatsapp, com pagamento de multa de 50% do valor do serviço em caso de falta sem aviso em menos de um dia de véspera. Tirando a prerrogativa do limite da punição das faltas à redução do tempo de férias, conforme acontece com empregados comuns.
Falando em Whatsapp. Muito além do show de impotência e cretinismo que a esquerda deu durante as eleições que deram vitória a Jair Bolsonaro, ao exigir decisões judiciais sobre o “escândalo do Zap”. A expansão dos novos meios de comunicação virtual já vinham tomando conta das relações sociais e se tornando um elemento de gestão e manutenção das relações capitalistas.[4] O uso dessas redes e aplicativos que serviram para mobilizar as manifestações contra aumentos na passagem também foi instrumento de greves: da última dos caminhoneiros, que parou as estradas do Brasil ano passado, de rodoviários em Salvador[5] e no Rio de Janeiro. Essa última foi por fora e pressionando o sindicato Sintraturb, articulada em 2014, logo após o embalo da histórica greve dos garis, também por fora de seu sindicato e para além dos marcos padronizados até então, ao paralisar as atividades da Comlurb (empresa municipal carioca de limpeza urbana) durante o carnaval. Pode ser coincidência que a onda “bolsonarista” usou o embalo mobilizador dos aplicativos para fazer sua campanha, mas parece ser parte do sintoma que muitos trabalhadores que participaram das mobilizações via aplicativos buscavam respostas às frustrações não somente com o sindicato, mas com a luta coletiva: a greve “selvagem ”, vencida pelo isolamento e cansaço de seus participantes.
Numa paralisação da empresa Lourdes em 2017, do consórcio rodoviário Internorte, no Rio de Janeiro, foi possível perceber que a articulação inicial e autônoma dos trabalhadores foi transformada na pulverização da assembleia inicial única em diversas reuniões soltas negociando diretamente com os gestores e o “Betinho”, dono da empresa. O patrão queria parcelar o 13º salário em 5 vezes, mas no final da paralisação, na garagem no bairro da Penha, havia funcionários pedindo para parcelar em quatro. E, se o patrão precisasse, esses disseram que fariam hora extra e se “matariam de tanto trabalhar”.
Foi notável, na paralisação da garagem da Lourdes na Penha, que o sindicato Sintraturb ficou no escanteio da negociação do conflito. Prevaleceu a negociação direta entre os trabalhadores e o patrão. Ele botou um de seus funcionários para passar um abaixo-assinado entre os rodoviários perguntando se eles concordavam com o parcelamento em 4 vezes. Uma dirigente sindical ali presente denunciou a atitude como uma tática de tentar prevalecer o acordo coletivo sem a mediação do sindicato, tal como já estava em valor jurídico após a reforma trabalhista. Não foi possível saber se tal tática teve sucesso, mas a abertura pela negociação direta pareceu ter êxito na pulverização e neutralização do movimento. Além do enfraquecimento coletivo e da proposta dos grevistas, viu-se desentendimentos mútuos. Muitos rodoviários transferiram uma raiva que poderia ser direcionada aos patrões ou à traição dos dirigentes sindicais para os colegas que aceitaram o rebaixamento. Talvez pelos dois primeiros já apresentarem seu papel de representantes capitalistas, a frustração foi com a organização coletiva entre seus pares.
Não foram poucos os rodoviários que pareciam já repudiar a tática de greves, mas depois dessa frustração muitos se afastaram extremamente de tal perspectiva. Sem contar que alguns largaram a categoria e relataram estar felizes por não ser mais dessa profissão. Agora, alguns trabalhavam como motoristas de Uber. No final, prevaleceu a pauta que a empresa havia proposto no abaixo-assinado, não a que provocou a paralisação: parcelamento do 13º salário em cinco vezes. Pareceu que a primeira, trazida depois da segunda, era a mais desejável para os patrões, se não a que já estava em seu planejamento para ser aceita pela “base”. Uso o termo “base” aqui, pois foi interessante ver como os gestores da empresa agiram como articuladores diretos dos grevistas, como se fossem seus representantes em substituição concreta dos sindicalistas. E era exatamente isso que estava acontecendo. Na verdade, era a mesma relação de gestão da exploração dos trabalhadores e sua domesticação para manutenção dessa relação de trabalho, que era exercida pelo sindicato. Agora, a empresa não divide a mais-valia com o capitalismo sindical.
Se não fosse o isolamento e uma ação que superasse os limites da categoria e da empresa, talvez a paralisação da Lourdes tivesse sucesso. Mas talvez depois desse êxito os rodoviários se recolhessem e se desorganizassem, tendo novas derrotas depois. O fato é que não há aposta vazia numa tendência única das lutas. Não basta simplesmente a mobilização autônoma por local ou uma grande revolta, que já mostrou seus limites em Junho de 2013. É preciso uma articulação que aproxime as demandas reprimidas pelo cotidiano capitalista, segundo uma escala produtiva e de relações amplas de circulação. Tal como foi a greve dos caminhoneiros, que mobilizou categorias do setor terciário ao perceberem seu poder de barganha no transporte e comércio, diante da pulverização das unidades particulares de produção.[6] Apesar dessa rica experiência, apesar dos debates sobre “locaute”, das faixas pedindo intervenção militar e da esquerda estabelecendo conclusões à distancia sem prestar solidariedade. Pode-se perceber que as lutas recentes, superando as direções sindicais, foram aproveitadas pela reforma trabalhista. E, pelo discurso voltado à juventude e visando o medo do desemprego, Jair Bolsonaro divulgou seu projeto da “carteira de trabalho verde e amarela”, que poderá ser oferecida pelo empregado aos patrões, visando ofertar sua força de trabalho com um valor mais barato, portanto mais atrativo no mercado.
O discurso “microempreendedorista” visa incentivar o trabalhador isolado que se valoriza através de “bicos” e intensificando sua produtividade em competição com outros trabalhadores. Para isso, nada mais conveniente que a repulsa contra organizações coletivas, representada não só nas “maracutaias” constantes do capitalismo sindical. Mas também nas derrotas das lutas reduzidas aos fragmentos e novas incorporações nos acordos de produtividade. Dessa vez, não entre gestores empresariais e sindicais, mas entre os primeiros com as lideranças temporárias, massas fragmentadas ou até a frustração de uma pessoa trabalhadora comum movida pela psicologia de massas: a revolta contra a exploração cotidiana torna-se a repulsa aos companheiros de trabalho, ao trabalho como produção coletiva e fonte do poder proletário.[7] O sacrifício com pouco benefício que a luta coletiva coloca é amplamente rejeitado diante da constatação de que a classe trabalhadora tem muito a perder. Dentro disso: a responsabilidade familiar. Daí, a busca intensa por setores que remetem à instituição família e “recuperação” moral contra o desemprego. Desde a “nova direita”, as igrejas evangélicas ou o projeto “Escola Sem Partido”, que mobiliza pais de alunos alegando ter prerrogativa de deliberar sobre sua educação escolar contra uma suposta ideologia de “esquerda”. Essas movimentações cumprem o papel de agir nas condições gerais de produção como reflexo moral e imediato das atuais tecnologias de gestão das relações de trabalho.
Voltando à questão do transporte público, se houve um aspecto fundamental no limite da revolta popular contra os aumentos da passagem, é que se trata de uma condição geral de produção. Ou seja, diante do aumento da produtividade e do crescimento urbano brasileiro, a mobilidade se torna um ponto de conflito, mas como aspecto fundamental da infra estrutura que garante o deslocamento de massas de trabalhadores que consomem, produzem e transferem mercadorias. O foco de disputa passa a ser entre recair os custos disso aos trabalhadores, ou pela reprodução das relações sociais de produção. Isso pode ser entre reconhecer a redução de tarifa e até um projeto de tarifa zero, a disputa passa a ser na capacidade da classe trabalhadora de construir avanços de organização em novas lutas. Ou se a incorporação desses valores na força de trabalho se mantém condicionada ao aumento de exploração e produtividade. Provocando derrotas posteriores pela fragmentação dos trabalhadores. Assim, diante da limitação da revolta em junho de 2013, o poder municipal e outros capitalistas tinham o dispositivo que garante o retorno à “normalidade”: a redução da tarifa. A perda de valores era compensada em manter a reprodução cotidiana da exploração.[8] E garantir a incorporação dessa luta, ao aprender a lidar com as novas manifestações, mantendo dentro dos limites da revolta popular. Assim, no Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella, embalado pelas prisões da cúpula da FETRANSPOR (sindicato estadual das empresas de ônibus) com as investigações de uma sessão fluminense da operação lava-jato, atendeu às ações da justiça pela redução da tarifa em 2017. Enquanto isso, empresas de ônibus seguem falindo, fechando suas portas e dando calote no pagamento de seus funcionários. É possível perceber um isolamento das lutas dos rodoviários enquanto a mobilização de passageiros passou da impotência à inércia.
A domesticação das lutas se passa também pela sua judicialização e pela dissolução da organização, incluindo aqui o MPL, que deixou de passar pela mobilização pela condição geral de produção que traga as pessoas a partir de suas relações de trabalho. Tal ausência desse aspecto e fragilidade de compreensão disso leva a permanentes e novas políticas da classe dominante no transporte, como o corte de linhas de ônibus e de benefícios no bilhete eletrônico. Um cálculo rápido mostrou que, se pelo menos 10% dos usuários de ônibus da cidade dependessem de duas “baldeações” diárias com o RioCard, caso não tivessem mais acesso a uma delas, tendo que pagar mais uma passagem, a economia que a RIO ÔNIBUS teria seria o dobro que teria com aumento de 20 centavos na tarifa. Podemos tentar contabilizar os “jeitinhos”, como os calotes na catraca, que economizam passagens pagas pelos passageiros, cada vez mais reprimidos por multas em torno de R$ 170,00 ou no uso de máfias organizadas: milicianos paramilitares contratados como seguranças de estações de BRT na zona oeste. Atualmente, o aumento da tarifa no Rio para R$ 4,05 se soma ao corte da circulação de linhas de ônibus vindos da zona norte e oeste no centro da cidade. Devendo finalizar seus itinerários no terminal próximo à zona portuária. Mostrando que, como resolução dos conflitos e tensões no transporte, há o uso da matriz autoritária das políticas públicas.
Desde a mobilização em bairros do subúrbio carioca e paulista contra o corte de linhas, ou por linhas populares, houve o limite da localização geográfica ser a pauta da organização dessas lutas. Mas também houve a dificuldade de tal tática construir um norte estratégico que traga a mobilização que torne possível a organização pelo controle proletário das unidades particulares de produção, através da tomada coletiva dos meios de circulação. Se, em 2013 e na greve dos caminhoneiros, houve vitórias pela paralisação da circulação de mercadorias, é exatamente pelo desabastecimento das lojas, armazéns, locais de distribuição, produção e processamento. Ou seja, mostrou que, mesmo com a produtividade e tecnologia em controlar a força de trabalho, mantendo sua capacidades fragmentadas e distantes do controle dos centros de produção, a inventividade e autonomia da classe trabalhadora produziu a solidariedade e possibilidade de novas relações usando os meios de circulação e produção a seu favor. Superar o limite da revolta popular e das mobilizações locais é um desafio que não pode ser encarado por um nicho de militantes. Mas pela classe organizada que dialoga e participa dessas lutas, com outros trabalhadores.
Encarar a derrota é sair do roteiro e saber pisar nos pisos que foram fincados nos últimos anos, tendo cuidado com os falsos azulejos pregados no caminho. O potencial dos setores que realizaram a revolta de junho de 2013 estão nos trabalhos qualificados e semiqualificados. Atuam em precarização ou numa exigência de formação mesmo na precariedade já existente. Em pesquisas, mostrou-se que a maioria dos manifestantes eram menores de 25 anos e com escolaridade de nível superior. Vivendo situação de exploração no trabalho, como professores, funcionários da educação, do telemarketing, serviços de entrega, freelancers ou funcionários de serviços tecnológicos, desde a área da administração, engenharia até computação.[9] Estas últimas carreiras tiveram sua elitização reduzida pela demanda de setores em crescimento na sociedade.
Como fator de mobilização poderíamos tratar esse setor majoritário que compunha 2013, atualmente imerso nas relações precárias de trabalho. Mas a força de toda luta foi o seu potencial de ir além de seu nicho social e seus limites. Um sintoma do limite da revolta popular foi uma terceirizada mobilizando uma luta em seu bairro no subúrbio de uma cidade no centro-oeste, ao dizer “os estudantes no centro da cidade vão lutar pela nossa gente”, diante do aumento da passagem. Mas também foi possível tratar o aumento como uma “data base”, para exigir melhorias urbanísticas no que envolve estruturas urbanas para o transporte público: mais linhas de ônibus, frotas e melhorias. Assim, a situação que moveu as lutas de 2013 pode ter um processo de união com outros trabalhadores desde sua composição de classe em sua relação social como parte das condições gerais de produção. Onde passageiros pautam transporte, empresas pautam “uber” e entregas por aplicativos. É aí onde mora a integração capitalista que mobiliza uma ampla e fragmentada força de trabalho.[10] Sem uma organização pelos locais de trabalho superando tais limites, a demanda por infra estrutura recai no salário do trabalhador, ao se submeter ao transporte como consumidor.
Longe de estabelecer qualquer estratégia nesse texto, pretendi só apontar os sintomas da atual condição dentro dos conflitos e das movimentações das classes dominantes. O que posso fazer é mostrar como a percepção da composição de junho de 2013 pode trazer uma perspectiva de que políticas serão feitas. Como a mudança dos termos de utilização do bilhete eletrônico em São Paulo, o acesso para certos benefícios para terceirizados e novas propostas para cortes de benefícios, entre eles o vale-transporte (aqui e aqui), vindos do governo federal. O avanço da exploração se passa em tantas escalas que se torna invisível a nossos olhos qualquer mobilização despendida em meios normais do sindicalismo ou da maioria das mobilizações coletivas despendidas até então, reduzidas a um setor. Se temos elementos crescentes de fragmentação[11] enquanto a classe trabalhadora se expande, ela está demonstrando novas formas de organização que refletem as novas configurações de trabalho. Independente de qual seja a nossa perspectiva estratégica sobre a situação geral dos conflitos sociais.
A luta contra o aumento de tarifa e pelo transporte está dentro das lutas pela redução da jornada de trabalho. Ao mesmo tempo, esta faz parte das condições gerais de produção, onde mecanismos amplos de extração de mais-valia entram em operação. Seja nos setores de distribuição, comércio e no que tange às expansões do setor terciário em termos de incremento de tecnologia na produtividade toyotista e do “just-in-time”, se o capital aproveita as recentes movimentações a favor de uma economia do compartilhamento, não é buscando formas arcaicas do capitalismo sindical que teremos vitórias.[12] Tão alienante e cansativo quanto renunciar a direitos sociais e trabalhistas para garantir vagas nos empregos gerados pelo crescimento de novas cadeias produtivas é um setor da esquerda apostar no retorno do nacionalismo e do modelo democrático-popular. Esse, na sua estagnação, busca conciliar a apatia dos trabalhadores com promessas de tutela do Estado Restrito, mantendo benefícios sociais através de um suposto “neokeynesianismo”, que promove produção de crédito e consumo através de investimentos em infraestrutura para aumento da mais-valia relativa. Mas, diante da atual crise econômica, tal projeto se torna uma caricatura que visa impor mais-valia absoluta enquanto aproxima gestores das estruturas sindicais e de movimentos sociais. Ou seja, a conta a ser paga pela hipocrisia desses setores diante das derrotas da classe trabalhadora inevitavelmente seria suplantada pelo cinismo agressivo do governo Bolsonaro.
Reconhecer a derrota é perceber que os mecanismos recentes de lutas foram incorporados na atual etapa do capitalismo, assim como foram as lutas nos governos do PT. Se é desejável o clima de diálogo e complacência dos anos anteriores, não há dúvidas que a domesticação dos organismos da classe trabalhadora nesse período foi a forma que deu combustível para explodir a fúria contra a solidariedade de classe. Ela foi usada e descaracterizada como parte da dinâmica dos gestores da “esquerda do capital”. Mas, da mesma forma que “superamos o mito” em 2013, depois da “esperança vencer o medo” em 2002. Agora é preciso se manter acordado depois de apostarmos alto nos limites da revolta popular, que foi atropelada diante da incapacidade de construção de organizações da classe trabalhadora, que pudessem potencializar as formas de solidariedade em relações sociais comunistas. Enquanto as novas cadeias de exploração e mecanismos de mais-valia absoluta são implementados, a classe trabalhadora se mobiliza diante de enormes tarefas, muitas vezes tratadas por menores por muitos organismos militantes, que é a criação de novas formas de luta e superando os limites dos entraves cotidianos. Enquanto terceirizações, “uberizações” e novas coerções nas relações de produção são realizadas, pessoas comuns são desafiadas a criar novas táticas, demandando apoio e elaboração militante diante da prática sobre como se fortalecer numa força e solidariedade de classe. Resta a decisão do “campo autônomo”, se ficará na perplexidade das mesmas táticas caírem nos mesmos limites ou entrará no desafio com estas pessoas.
Notas
[1] “Estamos vivendo uma crise sem precedentes. Já administrei várias fases difíceis, mas esta é a pior delas. O movimento está caindo vertiginosamente desde o princípio do ano passado. A falência do nosso estado, a insegurança no Rio, a recessão e a crise moral do país fizeram a clientela e os turistas desaparecerem. A maioria dos restaurantes chega ao fim do mês no vermelho. O setor está literalmente na UTI, respirando por aparelhos. De janeiro até hoje, 2.345 funcionários da área perderam seus empregos e 60 estabelecimentos fecharam. Temos no Rio 11 mil empresas no setor de alimentação, incluindo bares, restaurantes, food trucks e quiosques. A crise é geral: a cidade teve uma queda de empregos formais, com carteira assinada, na ordem de 138.020. É muita gente! Se o quadro não melhorar no nosso setor, a quebradeira será em série” (aqui).
[2] “Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.”
[3] “Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. § 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. § 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. § 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. § 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. § 5º O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. § 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I – remuneração; II – férias proporcionais com acréscimo de um terço; III – décimo terceiro salário proporcional; IV – repouso semanal remunerado; e V – adicionais legais. § 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6o deste artigo. § 8º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. § 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”
[4] “Essa utopia comunicacional desmoronou em poucos anos conforme se tornou patente que as mesmas corporações que controlavam a produção de conteúdo para os antigos meios de comunicação passaram a atuar também na web 2.0. Os conteúdos que circulam nessa rede que supostamente deveria ser horizontal são os mesmos da velha comunicação de massas piramidal. Os usuários têm a possibilidade de gerar conteúdos próprios, mas ao invés disso, debatem sobre as fofocas das celebridades das novelas, como faziam antes. O caráter aberto e de suposta via de mão dupla da internet não serviu para empoderar o usuário final com a escolha e elaboração de conteúdo, mas ao contrário, o tornou ainda mais prisioneiro de uma estrutura de geração de conteúdo altamente especializada, segmentada e direcionada para se adaptar às suas preferências pessoais (com a eficácia implacável dos algoritmos matemáticos)” (Anônimo, O ESCÂNDALO DO ZAP E O CRETINISMO DA ESQUERDA (sic), Passa Palavra, 06 de dezembro de 2018).
[5] “Esta paralisação inicial e descentralizada durou um par de horas ou talvez um pouco mais. Logo em seguida, usando do Whatsapp (aplicativo para celulares que permite conversas instantâneas entre diversos aparelhos), os rodoviários criaram uma rápida e eficiente infraestrutura de comunicações e decidiram se somar aos que já estavam em frente ao Sindenergia denunciando a manobra do sindicato da categoria. Aproximadamente 200 ônibus se dirigiram para a frente do Sindenergia, e um número ainda maior de trabalhadores, entre cobradores e motoristas, foi para lá mesmo sem os veículos. O objetivo era fazer a direção do sindicato recuar da decisão que tomara sem consultar a base e garantir que, desta vez, as exigências fossem atendidas plenamente” (Passa Palavra, De baixo para cima: a greve dos rodoviários em Salvador, 27 de maio de 2014).
[6] “Por fim, a entrevista de Ruy Braga segue na tentativa de situar a mobilização dos caminhoneiros em meio à globalização, ressaltando como a ‘terciarização’, a dispersão de unidades produtivas pelo globo (com centralização da gestão em alguns polos urbanos) etc. teria dado grande poder de barganha aos trabalhadores da logística como motoboys, taxistas, motoristas de Uber etc. Para ele, uma das características do capitalismo nas últimas décadas de globalização e neoliberalismo seria a passagem dos conflitos anteriormente circunscritos ao ambiente fechado das fábricas rumo ao ambiente aberto e público da logística e dos transportes, e também dos serviços (o chamado ‘setor terciário’)” (Manolo, Caminhoneiros: o que ficou fora de pauta, Passa Palavra, 30 de maio de 2018).
[7] “Se o operário está obcecado pela ideia de que ‘mais vale um saco de batatas do que estar desempregado’, não pode encoleirizar-se perante a ideia de que o empresário ‘cidadão’ igual a ele, retire da empresa uma soma mil vezes maior que à sua. Se nos perguntarmos por que é que a sua revolta de classe é entravada pela esmola do saco de batatas, podemos constatar que é sobretudo a sua responsabilidade familiar que atua. É impossível levá-lo ao sentimento de classe exortando-o simplesmente à greve, como o fazem as pessoas tacanhas que ignoram seu estado de espírito, ou exortando a aderir a sindicatos difamados, clandestinos, gravemente ameaçados, nos quais o operário não tem confiança; […] como operário revolucionário, deve-se pertencer ao NSBO e mostrar ao colega que se compreende os seus problemas secretos não expressos, mostrar-lhe nomeadamente que reprime em si próprio a revolta e que se inibe de exprimir por causa das preocupações familiares” (Wilhelm Reich, O que é consciência de Classe, Coleção Textos Exemplares 6, p. 41).
[8] “Mediante a assimilação dos conflitos e o encerramento provisório das tensões, os capitalistas podem prosseguir com a exploração. No capitalismo, entretanto, a cedência às pressões nunca consiste apenas em dar os anéis para não se perder os dedos. Os anéis são dados, mas já reforjados em novos grilhões. Quer dizer, a assimilação ocorre de maneira a reproduzir o quadro de disciplina social capitalista. Através do aumento da produtividade e da difusão dessa produtividade, podem os capitalistas responder àquelas reivindicações (trabalhar menos, ganhar mais) e ainda aumentar a exploração. Os mecanismos de exploração decorrentes dessas duas formas gerais de resposta às lutas são chamados de, respectivamente, mais-valia absoluta e mais-valia relativa” (Dokonal, A economia das lutas do transporte, Passa Palavra, 20 de maio de 2014).
[9] “Quem esteve nas ruas foram, majoritariamente, trabalhadores qualificados. São jornalistas a quem se impõe o ‘frila’ como regime normal de trabalho. São estudantes universitários que optaram por enfrentar a precariedade do trabalho prolongando sua vida acadêmica nas pós-graduações para viver das bolsas. São trabalhadores do terceiro setor a pular de assessoria em assessoria para complementar renda. São engenheiros e arquitetos contratados por empreitada, pingando de obra em obra e vivendo como dá entre uma coisa e outra. São professores trabalhando três turnos para manter condições dignas de vida… e por aí vai. Isto sem contar o fato de que a categoria “ensino superior” agrupa tanto os diplomados quanto os estudantes, o que pode gerar uma interpretação equivocada sobre os trabalhos em que estão inseridas as pessoas; não seria de espantar encontrar nas manifestações trabalhadores de escritórios, atendentes de telemarketing e outros tantos que se esfalfam de dia para pagar pelo acesso a um diploma à noite. Foram estes que vi nas ruas em Salvador, foi destes que recebi diversos relatos vindos de outras cidades” (Manolo, A ressaca de junho, ou: como não debater tática e estratégia (II), Passa Palavra, 05 de março de 2017).
[10] “Hoje são mais de 900 mil motoboys no Brasil, na cidade de São Paulo provavelmente mais de 200 mil. Esse imenso exército de motoqueiros – que dão suas vidas e pernas cotidianamente para garantir a circulação de bens de consumo e de documentos – foi se expandindo juntamente com a terceirização de seu trabalho. A extensão do crédito para os mais pobres permite a aquisição financiada da moto; os celulares tornam-se instrumento de trabalho popular, o que reconfigura toda a logística e o ritmo de trabalho desses profissionais; a baixa qualificação exigida e a remuneração mais alta que outras ocupações de mesmo nível são elementos que contribuem para a consolidação e o espraiamento das empresas terceirizadas e de uma ampla oferta de vagas para motoboys. Ao mesmo tempo, o crescimento do contingente de trabalhadores e das empresas contratantes também está relacionado ao desenvolvimento de São Paulo como metrópole colapsada na questão da mobilidade urbana e simultaneamente centro da valorização financeira e fundiária” (Ludmila Costhek Abílio, Uberização do trabalho: subsunção real da viração, Passa Palavra, 19 de fevereiro de 2017).
[11] “A trajetória profissional dos motoboys entrevistados deixa isso evidente. Hoje motoboy-celetista e entregador de pizza, amanhã motofretista-MEI, ontem montador em fábrica de sapatos, manobrista, pizzaiolo, feirante, funileiro, funcionário de lava-rápido. Motogirl hoje, antes diarista, copeira, coordenadora de clínica para viciados em drogas. Motofretista, serralheiro, repositor de mercadorias; confeiteiro e também ajudante de pedreiro. Proprietário de loja de bebidas, trabalhador na roça, funcionário do Banco do Brasil e hoje motofretista autônomo. Motoboy hoje, antes faxineiro, porteiro e cobrador de ônibus. Este é o movimento com que grande parte dos brasileiros tecem o mundo do trabalho” (Ludmila Costhek Abílio, Uberização do trabalho: subsunção real da viração, Passa Palavra, 19 de fevereiro de 2017).
[12] “’O PT rompeu com o getulismo há muito tempo. Desde quando surgiram setores dinâmicos no sindicalismo – metalúrgicos, bancários e químicos –, no início da década de 80, que desafiaram o poder dos governos da época’, explica Berzoini” (aqui).