https://passapalavra.info/2019/08/127546/

Por Jeremy Brecher

No curso das greves nos Estados Unidos no final dos anos 1960 e início dos 1970, os representantes de sindicatos e de empresas na mesa de negociação muitas vezes apareceram como parceiros, tentando descobrir uma fórmula e uma estratégia para fazer com que os trabalhadores voltassem ao trabalho e se mantivessem lá. Como escreveu o New York Times sobre a greve dos telefonistas em julho de 1971: “Sindicato e gerência… estavam manifestamente menos preocupados com qualquer diferença real entre eles do que com realizar um acordo que satisfizesse as expectativas infladas dos inquietos trabalhadores na base do sindicato”.[1]

Na verdade, a própria greve é algumas vezes parte da estratégia de controle sobre os trabalhadores — ainda que tenha um alto custo. Uma fascinante série de artigos no Wall Street Journal descreveu a “cooperação entre sindicato e gerência” para fazer com que os trabalhadores voltassem ao trabalho e para aumentar a autoridade do sindicato durante a greve de 1970 na General Motors (GM). De acordo com a série de artigos, depois que Reuther, o histórico presidente do United Auto Workers (UAW), morreu repentinamente, “a GM tinha de considerar a crise na Casa da Solidariedade, a sede do UAW, e os problemas advindos de um novo presidente — problemas que poderiam influenciar o controle do UAW sobre os homens nas fábricas da GM“.[2] O objetivo da GM era que o sindicato ajudasse a aumentar a produtividade.[3] Do ponto de vista do sindicato e da gerência, uma greve era necessária por três razões. Primeiro, uma greve longa

iria ajudar a reduzir as expectativas dos membros, expectativas que na atual situação foram estimuladas pela memória dos bons tempos recentes e pela mordida da inflação. A diminuição das esperanças facilita a difícil tarefa de fazer com que os membros aceitem acordos que os líderes já haviam negociado (mais de um de cada 10 acordos costurados pelos diretores do sindicato são rejeitados pelos seus membros).[4]

Como disse privadamente um diretor do UAW, “Os caras entram em greve demandando a Lua. Mas depois de algumas semanas de contas chegando e das esposas reclamando sobre eles ficarem em casa o dia inteiro assistindo à TV enquanto elas trabalham, o trabalhador médio tende a abaixar as suas expectativas”.[5]

Segundo, uma greve longa iria “criar uma válvula de escape para os trabalhadores poderem reclamar sobre o que eles consideram ser condições de trabalho intoleráveis impostas pela sede da empresa para maiores lucros e produção”.[6]

Terceiro, uma greve longa iria:

aumentar o respeito pelo sindicato e juntar as diversas facções da base ao uni-las contra um inimigo comum, e fortalecer a posição dos líderes sindicais, que buscam ser reeleitos regularmente por uma categoria que está em constante mudança e cansada de líderes em geral, os sindicais inclusos.[7]

A greve “permite aos líderes sindicais provarem sua força — pelo menos aos olhos dos seus seguidores. É a melhor forma que eles têm de demonstrar que são ‘durões’ e assim refutar a noção, comum entre os trabalhadores, de que os líderes sindicais estão, na verdade, na cama com a gerência”.[8]

Mas, como o jornal aponta, não são apenas as lideranças sindicais que reconhecem estas funções das greves oficiais.

Surpreendentemente, entre aqueles que compreendem a necessidade de greves para aliviar as pressões intrassindicato estão muitos negociadores empresariais… Eles estão cientes de que direções sindicais podem precisar de tais greves para aprovar acordos e para se reelegerem. Na verdade, alguns negociadores realmente acreditam que greves ajudam a estabilizar sindicatos que estão se fragmentando e, ao permitirem que os trabalhadores aliviem sua “necessidade de greve”, acabam comprando a paz para os anos futuros.[9]

Infelizmente, do ponto de vista do sindicato e da gerência, essa abordagem quase deu errado na greve da General Motors. Com o intuito de pressionar para solucionar “problemas locais”, “altos negociadores de ambos os lados… indicaram que não vão voltar a se reunir para negociações sérias sobre questões nacionais até que as 155 unidades locais do sindicato alcancem um acordo com a GM”.[10] Apesar disso, “empresa e dirigentes sindicais dizem que podem alcançar um acordo nacional em cerca de 10 dias após resolver os problemas locais…”.[11] A cooperação era tão estreita que a General Motors emprestou ao UAW 10 milhões de dólares para pagar as contas do convênio médico dos trabalhadores grevistas.[12] Os dois lados querem que a GM retome as operações rapidamente depois de alcançado um acordo nacional.[13] Mas os trabalhadores simplesmente se recusavam a aceitar as soluções locais, aumentando o espectro de que uma longa greve (poderia) escapar do controle do sindicato e perder seu propósito original. Ambos os lados concordaram que se a greve se arrastasse até o dia de Ação de Graças, última quinta-feira de novembro, o caminho estaria aberto para uma disputa épica, que adentraria no ano seguinte. Tal possibilidade poderia mudar a situação, de uma “luta heróica” do UAW que fortalecesse a autoridade de Mr. Woodcock (novo presidente do UAW) para uma greve caótica que extrapolasse o controle dos líderes sindicais.[14]

https://passapalavra.info/2019/08/127546/Para impedir esta ameaça, os principais negociadores da GM e do UAW realizaram conversações secretas para concluir um acordo nacional, apesar dos problemas locais permanecerem sem solução. O acordo não correspondeu aos sonhos da GM de cortar custos trabalhistas com o endurecimento da disciplina no trabalho, mas, escreveu o jornal, a empresa recebeu como “consolação” “a certeza de a paz estar assegurada quando o próximo acordo for negociado, em 1973, e talvez por muitos anos depois (pelo menos em relação à questão do acordo nacional); a perspectiva de que o UAW… saiu mais fortalecido e assim consiga falar com maior confiança com os seus membros, que são cada vez mais jovens, menos leais e desconfiam crescentemente tanto da empresa quando do sindicato“. [15]

Retirado e ligeiramente editado, para fazer sentido como texto separado, do livro Strike! — Jeremy Brecher. Traduzido para o Passa Palavra por Marco Tulio Vieira.

Notas

[1] Editorial, New York Times, 21 de julho de 1971.
[2] Wall Street Journal, 20 de novembro de 1970.
[3] Ibid.
[4] Wall Street Journal, 29 de outubro de 1970.
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Ibid.
[8] Ibid.
[9] Ibid.
[10] Wall Street Journal, 5 de outubro de 1970.
[11] Ibid.
[12] New York Times, 18 de julho de 1971.
[13] Wall Street Journal, 20 de novembro de 1970.
[14] Wall Street Journal, 5 de outubro de 1970.
[15] Ibid. Ver também “Notes on the Official Strike in 1970”, artigo não publicado de Joel Stein.

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